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A perda do poder representativo dos sindicatos no Brasil

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23/04/2021 às 15:20
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4. CONSTITUCIONALIZAÇÃO E POSITIVAÇÃO DO DIREITO SINDICAL

A Constituição Federal de 1988 concedeu ao movimento sindical mais liberdade de atuação e extinguiu regras impostas pelos regimes autoritários, como a exigência de autorização do Ministério do Trabalho para funcionamento e o fim da proibição de sindicalização no serviço público[16]. Os sindicatos não só saíram da disfarçada clandestinidade imposta pelo regime militar, como ganharam proteção constitucional após a atual Carta Magna.

O Art. 8º da Constituição Federal assegurou a todos a livre associação profissional ou sindical, proibindo o Estado, por meio de lei, exigir autorização para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente. Vedou ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical (inc. I). Dispôs a Constituição que aos sindicatos cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas (inc. III), além da obrigatoriedade de participação deles nas negociações coletivas de trabalho (inc. VI). Outra disposição importante constante da Constituição Federal foi a estabilidade do dirigente sindical, essencial ao livre exercício de suas atividades (inc. VIII). Ficou assegurado, ainda, a liberdade de associação, segundo a qual ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato, sendo os trabalhadores livres para associar-se ou retirar-se da sociedade sindical a qualquer tempo (inc. V).

A Constituição Federal protegeu, em seu Art. 9º, o direito de greve, assegurando aos trabalhadores a competência para decidir sobre quando exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Porém, ainda como resquícios das constituições autoritárias anteriores, permaneceu na Constituição Cidadã o instituto da Unicidade Sindical, norma constitucional, prevista no art. 8º, inc. II, que veda a criação de mais de uma organização sindical na mesma base territorial, bem como a obrigatoriedade de registro dos sindicatos perante órgão competente (Art. 8º, inc. I), competência que foi desde já atribuída ao Ministério do Trabalho e Emprego, hoje extinto.

Tais disposições, por lhe serem contrárias, impedem até hoje a ratificação pelo Brasil da Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fruto da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, realizada para tratar da liberdade sindical, na cidade de São Francisco (EUA), em 17 de junho de 1948.

Ainda assim, com firmes positivações constitucionais acerca das organizações sindicais, pode-se dizer que ouve, com a Constituição Federal de 1988, uma grande evolução do movimento sindical no Brasil.

Garantidas constitucionalmente, devidamente positivadas e regulamentadas no ordenamento jurídico, as entidades representativas de trabalhadores e empregadores no Brasil alcançaram uma paridade de armas na negociação coletiva, que visam conciliar os diversos interesses envolvidos nas relações laborais, eivadas de inúmeros litígios e desentendimentos em todos os desdobramentos do curso da história mundial.


5. A FORTE ATUAÇÃO DOS SINDICATOS NA POLÍTICA MODERNA

O movimento sindical não se restringiu à defesa dos trabalhares e à mediação das negociações coletivas. Intimamente ligados ao Partido dos Trabalhadores e com amplas garantias na Constituição Federal de 1988, os sindicatos passaram a desempenhar papel de grande relevância na política brasileira.

Cada vez mais fortalecidos, um dos maiores objetivos dos sindicatos passou a ser a conquista de representação política. Em 1990, o Partido dos Trabalhadores promoveu em São Paulo um seminário internacional em que partidos políticos e organizações de esquerda de toda a América Latina e Caribe participaram. Conhecido como Foro de São Paulo, o seminário em questão visava debater a nova conjuntura política internacional após a queda do Muro de Berlim, além de reafirmar a solidariedade destas entidades em relação à revolução cubana e o fortalecimento dos movimentos e governos de esquerda na América Latina.[17]

Sendo um dos maiores nomes do movimento sindicalista e do Partido dos Trabalhadores, Lula, que juntamente a Fidel Castro são considerados fundadores do Foro de São Paulo, prosseguiu em sua luta pela conquista da Presidência da República. Candidatou-se nos anos de 1989, vindo a perder para Fernando Collor de Mello, e nos anos de 1994 e 1998, sendo em ambos os pleitos derrotado por Fernando Henrique Cardoso.

A vitória veio em 2002, quando Lula derrotou o candidato de direita, José Serra (PSDB), adotando um discurso mais moderado, prometendo a ortodoxia econômica, respeito aos contratos e reconhecimento da dívida externa do país, de forma que conquistou o apoio de parte da classe média e do empresariado brasileiro, indispensável à vitória naquele pleito.[18]

Eleito, o sindicalista Lula agora estava do outro lado da mesa, representando a voz do poder e não mais reivindicando como fizera nos últimos vinte anos. Estava agora do lado do governo, responsável normalmente por negar as reivindicações dos trabalhadores[19]. Funcionaria?

Surfando nas boas ondas da economia mundial e ainda colhendo os frutos do sucesso do plano real, estratégia econômica dos governos anteriores, o Governo Lula manteve a política econômica do Governo FHC, que tinha como premissa o câmbio flutuante e a política monetária austera com objetivo no controle inflacional, alcançando assim uma das melhores eras da economia brasileira, triplicando o PIB per capta e alcançando grau de investimento pela agência de classificação de risco Standard & Poor's.[20] [21]

O sucesso econômico do Governo Lula contribuiu então para que ele desse prosseguimento à agenda política e econômica objetivada pelo Foro de São Paulo. O Brasil passou a focar suas parcerias comerciais internacionais entre países que tinham a mesma ideologia do Foro de São Paulo, como Cuba, Venezuela, Argentina, dentre outros, política essa denominada Cooperação Sul-Sul. O Brasil se afasta então de países desenvolvidos, como Estados Unidos e aqueles pertencentes ao Bloco Europeu, tornando-se posteriormente a economia mais fechada do mundo, segundo o Banco Mundial.[22]

Por meio da Emenda Constitucional nº 45, O Governo Lula reformou o Poder Judiciário, inclusive para fortalecer ainda mais a Justiça do Trabalho, aumentando-lhe a competência para julgar todas as demandas decorrentes de relação de trabalho, e não mais apenas as decorrentes da relação de emprego, como dantes.

Atendendo ainda aos anseios próprios da Luta de Classe, originária ainda do revolução inglesa e da revolução francesa, o Governo Lula, por meio de inúmeros programas sociais de distribuição de renda, moradia e incentivo à educação, avançou na tentativa de reduzir a pobreza no Brasil, além de dar amplo apoio a movimentos como o MST (Movimento Sem Terra) em sua luta por Reforma Agrária.

Ainda na Era Lula, por meio da Lei 11.648/2008, foram reconhecidas formalmente as Centrais Sindicais, entidades de representação geral dos trabalhadores, até então sem qualquer previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, fortalecendo ainda mais o sindicalismo no país. Com a regulamentação das Centrais Sindicais, o Presidente Lula acabou por consagrar-se como o mais benéfico aos sindicatos. À época, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, 45% dos cargos de alto escalão do Governo Lula eram ocupados por sindicalizados.[23]

Fortalecidos, os sindicatos tiveram uma explosão em número no Brasil. Só no Governo Lula, o Ministério do Trabalho e Emprego autorizou o registro de 9.382 entidades sindicais[24], fazendo com que em 2019 o Brasil alcançasse 17,2 mil sindicatos registrados. Tais números, a despeito da norma constitucional da unicidade sindical, levaram o Brasil a ser campeão em quantidade de sindicatos no mundo, com mais de 90% do total mundial. Países como África do Sul e Estados Unidos possuem em médica 190 sindicatos; Já o Reino Unido, 168, Dinamarca, 164 e a Argentina, apenas 91.[25]

O exacerbado número de sindicatos no país levou parte da sociedade a acusa-los de serem instituições criadas apenas com finalidade de arrecadação e para manobra de capital político. Críticos do Governo Lula passaram a ver com desconfiança a relação do presidente com os sindicalistas. Suspeitava-se que, de certa forma, havia um conluio entre governo e sindicatos de modo que os ganhos se davam apenas à máquina sindical, não trazendo, na prática, benefícios concretos à classe trabalhadora assalariada.

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Corroborando tal posicionamento, não obstante a força sindical como nunca antes vista, na Era Lula nenhuma greve de grandes proporções e relevância aconteceu, sendo que a mobilização de junho de 1996, quando as forças sindicais protestaram pela manutenção dos direitos dos trabalhadores e contra as políticas econômicas do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi considerada a última greve geral até então.

Nesse contexto, o questionamento em questão era: quando os sindicatos elegeram ao mais alto posto da república o Presidente Lula, pararam de lutar pela classe trabalhadora? Tornou-se a política mais interessante aos sindicatos que a defesa dos operários?

Aliado aos inúmeros escândalos de corrupção que surgiram no Governo Lula, dentre eles o esquema conhecido como “mensalão”, a população começou a olhar com desconfiança a política de esquerda então vigente e, consequentemente, os sindicatos passaram a ser vistos como entidades cuja finalidade era mais o apoio ao governo que a defesa dos trabalhadores.

Apesar disso, Lula ainda gozava de amplo apoio popular e, após 8 anos no poder, conseguiu, em 2010, eleger sua Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Vana Rousseff, como sua Sucessora na Presidência da República.

Frustrando as expectativas do ex-presidente Lula, Dilma Rousseff distanciou-se um pouco da política econômica do Governo Lula, bem como do Partido dos Trabalhadores e, consequentemente, dos sindicatos, perfazendo-se em um governo de características próprias, não como mera continuidade do seu antecessor.

Em que pese o distanciamento de Dilma Rousseff do círculo político de Lula, seu governo não foi diferente no tocante a escândalos de corrupção, que passaram a ser ainda mais corriqueiros, e culminou em uma das maiores operações contra a corrupção já vista no mundo, a operação Lava Jato, comandada inicialmente pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal na cidade de Curitiba – PR, estendendo-se posteriormente à capital do país, Brasília – DF, Rio de Janeiro – RJ, além de diversos outros países da América Latina.

Somada à perda de popularidade do Governo, começou a declinar também a representatividade dos sindicatos brasileiros. Vistos como entidades pró-governo, a credibilidade dos sindicatos despencou, sendo que o número de trabalhadores associados a sindicatos iniciou uma queda constante a partir do ano de 2012, quando a taxa de sindicalização no Brasil alcançou o patamar máximo de 16,2% de toda a população ocupada.[26]

Os enormes gastos públicos com políticas sociais somados ao fechamento da economia brasileira fizeram com que o Governo Dilma colhesse as consequências dessa combinação à economia do país. Com as contas públicas em condições cada vez mais delicadas, Dilma viu-se obrigada a utilizar de artimanhas contábeis, a fim de não deixar transparecer à população brasileira a crise econômica a qual o Brasil enfrentava.

Após as manifestações populares de 2013, quando milhões de brasileiros tomaram as ruas para protestarem contra o Governo, a Presidente viu seu apoio popular derreter, caindo 27 pontos percentuais em apenas três semanas. No entanto, Dilma Rousseff conseguiu, por uma margem apertada, vencer Aécio Neves (PSDB) nas urnas e se reeleger em 2014.

Antes mesmo de tomar posse para o seu 2º mandato, Dilma divulgou a real situação econômica em que o país se encontrava e anunciou medidas impopulares necessárias ao equilíbrio da contabilidade pública. Tal fato, somado ainda às muitas denúncias de corrupção no Governo, gerou na população e em parte da classe política um sentimento de que a presidente Dilma havia enganado a nação para se reeleger, escondendo a real situação das contas públicas.

No final do ano de 2015, Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, acolheu um dos pedidos de impeachment contra Dilma, de autoria dos juristas Hélio Bicudo, Janaina Paschoal e Miguel Reale Júnior. Em abril de 2016, por 367 votos favoráveis a 137 contrários, a Câmara dos Deputados autorizou o Senado Federal a instaurar processo de impeachment contra Dilma, afastando-a temporariamente do cargo. No dia 31 de agosto de 2016, por 61 votos favoráveis e 20 contrários, Dilma foi condenada pelo Senado Federal, sendo definitivamente afastada do cargo.

Pouco mais de um ano após o impeachment, em 2018, após condenação do Ex-Presidente Lula em 2ª instância e após ter seus habeas corpus negados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, o então Juiz Sérgio Moro decretou a prisão do ex-sindicalista para o imediato cumprimento da pena de 9 anos e seis meses pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Antes da prisão, Lula voltou às suas origens, refugiando-se no prédio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a convite do presidente do sindicato, Wagner Santana. Lá o ex-presidente declarou: “Estou quase que em cárcere privado aqui, porque eu não posso sair daqui, o sindicato é a minha garantia de que eles não vão cumprir o mandado (de prisão)”.

O processo de impeachment de Dilma Rousseff colocou um fim abrupto aos 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores, cuja origem se deu nos movimentos sindicais. Somado à prisão de Lula, o fim Governo Dilma foi, portanto, a decadência da confiança e da credibilidade conferida pelo povo às lideranças sindicais para governarem o país.

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Sobre o autor
Lucas de Souza Rodrigues

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Projeção, Taguatinga - Distrito Federal. Técnico Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Atualmente, exerce função comissionada de Assistente de Juiz no Gabinete dos Juízes da 4ª Vara do Trabalho de Taguatinga-DF. Pós-graduando em Direito do Trabalho pela UDF - Universidade do Distrito Federal / Universidade Cruzeiro do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Lucas Souza. A perda do poder representativo dos sindicatos no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6505, 23 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89976. Acesso em: 21 nov. 2024.

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