6. REFORMA TRABALHISTA: UM ‘CAVALO DE TROIA’ AOS SINDICATOS
Após a queda de Dilma Rousseff da Presidência, assumiu Michel Temer que, embora fosse o vice na chapa presidencial dela, não compartilhava dos mesmos anseios políticos e das mesmas ideologias.
Michel Temer, cuja premissa básica de seu Governo era “colocar o Brasil nos trilhos”, ou seja, reorganizar as contas públicas e retomar o crescimento da economia, angariou diversas reformas legislativas impopulares, sendo que a mais importante delas foi justamente em detrimento da classe trabalhadora: a Reforma Trabalhista, aprovada por meio da Lei nº 13.467/2017.
A reforma trabalhista, a princípio, visava reformular todo o sistema empregatício no Brasil, assegurando por meio de lei uma quantidade básica de direitos trabalhista e, por outro lado, fortalecendo as negociações entre empregadores e empregados, buscou-se assegurar a prevalência do negociado sobre o legislado para estimular a competitividade e a geração de empregos (Art. 611-A da CLT, incluído por meio da Lei nº 13.467/2017).
Portanto, dando prevalência às convenções e acordos coletivos sobre a própria a lei, a impressão inicial que a Reforma Trabalhista passou é que os Sindicatos, com o seu advento, sairiam ainda mais fortalecidos, tendo em vista a obrigatoriedade de participação deles nas negociações coletivas.
Sem embargo, o fortalecimento das estruturas sindicais não parece ter sido o objetivo do legislador, quando, na mesma lei, permitiu a negociação direta entre empregado e empregador sem necessariamente a mediação do sindicato. Conforme disposição do Parágrafo Único do art. 444 da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, a livre estipulação das partes tem a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos (aqueles firmados com a participação sindical).
Na mesma linha, seguiu o Art. 507-A da CLT, também incluído pela Lei nº 13.467/2017, segundo o qual nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS[27], poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa.
Outra novidade da Reforma Trabalhista que duramente golpeou os sindicatos foi a reformulação, por meio da mesma lei, de todo o Capítulo III, Seção I da CLT, que tratava da Contribuição Sindical, ou, como anteriormente denominado pela própria lei trabalhista, Imposto Sindical, em razão dos seu caráter compulsório.
O imposto sindical era devido, nos termos do art. 579 da CLT, “por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão(...)”. Todos os trabalhadores, por conseguinte, tinham compulsoriamente descontados de seus salários o valor relativo a 1 dia trabalhado em favor do sindicato que representasse a sua categoria, independentemente de filiação (art. 591 da CLT). Assim, paga por toda a população empregada, a contribuição sindical se perfazia na maior fonte de renda das organizações sindicais.
Com o advento da Reforma Trabalhista, a CLT teve o texto do art. 579 alterado, deixando a contribuição de ter caráter compulsório e exigindo a prévia e expressa autorização do empregado para o seu recolhimento. Tal alteração legislativa levou à queda de 96,4% da receita dos sindicatos oriunda da contribuição sindical. Em 2017, antes da Reforma Trabalhista, as contribuições sindicais no país somaram R$ 3,6 bilhões. Em 2018, esse valor caiu para R$ 500 milhões. Já em 2019, o valor chegou a R$ 128,3 milhões.[28]
Após a Reforma Trabalhista, além de perder receita com o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, as entidades sindicais, que, como dito alhures, já vinham perdendo filiados desde 2012, viram acentuar ainda mais a queda de trabalhadores filiados, sendo que 1,552 milhão de trabalhadores deixaram de ser sindicalizados em todo o País. O número de sindicalizados caiu 11,9% de 2017 para 2018. A Taxa de Sindicalização atingiu 12,5% da população ocupada, menor índice em sete anos.[29]
Inicialmente, vista como um forte instrumento de valorização e autonomia das entidades sindicais[30], já que fortalecia ainda mais as normas coletivas nas quais a participação delas era obrigatória, a Reforma Trabalhista revelou-se um verdadeiro “cavalo de troia”, que viria a levar muitas entidades sindicais à situação de falência.[31]
Dessarte, após a Reforma Trabalhista, muitos sindicatos entraram em grave crise financeira, tendo que recorrer à venda dos próprios patrimônios e dispensar empregados para pagarem suas contas e manterem alguns serviços assistenciais aos trabalhadores, como assistência jurídica gratuita, dentre outros.[32]
A Central Sindical chamada Força Sindical, por exemplo, teve arrecadação de 50,9 milhões de reais em 2017, que despencou para 4,7 milhões de reais em 2018, tendo que colocar à venda o prédio que lhe servia de sede e reduzir o quadro de funcionário de 150, com atuação em todo o país, para apenas 16, que atuam apenas no Estado de São Paulo.[33]
O SINDEEPRES[34], em Assembleia Geral, na tentativa de contornar a legislação e retomar o pagamento compulsório da contribuição sindical, aprovou, por meio de Convenção Coletiva da categoria, cláusula que lhe assegurava o direito de realizar o desconto automático em folha de pagamento da contribuição, ressalvando os trabalhadores que, por meio de carta, negassem autorização ao desconto. A partir de então, enormes filas de trabalhadores passaram a ser formar diante do endereço do sindicato, todos com o único objetivo de assinar a carta para negar o desconto.[35] Este caso concreto demonstra, na prática, o endosso da população à legislação contrária aos interesses sindicais, bem como a cada vez menor representatividade deles junto aos trabalhadores.
A esperança de ver a situação da obrigatoriedade sindical revertida pelo Poder Judiciário esvaiu-se quanto a Suprema Corte declarou a constitucionalidade do dispositivo legal que extinguiu a obrigatoriedade da contribuição, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5794, entendimento com efeito erga omnes que obrigou, inclusive, todas as demais demandas que porventura questionem o mesmo tema. [36]
Desinteressantes economicamente, o número de pedidos de abertura de sindicatos junto ao Governo Federal caiu drasticamente. Nos anos de 2015, 2016 e 2017, a média havia sido superior a oitocentos pedidos. Já em 2018, com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, a quantidade de solicitações caiu para 470. Já em 2019, houve somente 176 pedidos de registro.[37]
A Reforma Trabalhista, isto posto, revelou-se um “presente de grego” dado aos sindicatos (que já não gozavam de boa representatividade) pelo Governo Michel Temer, cujo objetivo talvez fosse acentuar o declínio da força sindical e enfraquecer a influência deles política, que lhe eram contrárias.
7. OS SINDICATOS NA CONJUNTURA POLÍTICA ATUAL
Após o impeachment de Dilma Rousseff e o turbulento governo de Michel Temer, acusado de golpismo pela oposição, grande expectativa gerou-se em torno das eleições gerais de 2018. Impedido de concorrer em razão de sua condenação penal, o Ex-Presidente Lula indicou o professor universitário Fernando Haddad, Ex-Prefeito de São Paulo, para concorrer à presidência pelo Partido dos Trabalhadores.
Foi eleito, porém, o candidato de extrema direita, oriundo das Forças Armadas, Jair Bolsonaro, com 57,8 milhões de votos, larga vantagem sobre o candidato indicado pelo ex-sindicalista. A vitória de Jair Bolsonaro trouxe os militares de volta ao poder, desta feita por vias democráticas.
Igualmente, no Congresso Nacional, a maioria dos parlamentares não lograram êxito na tentativa de reeleição e, pela primeira vez desde a redemocratização, partidos de orientação conservadora e classificados como de direita política passaram a ter presença majoritária na Câmara dos Deputados, além de forte influência no Senado Federal.[38]
O Governo Bolsonaro, a começar pela extinção do Ministério do Trabalho após 88 anos de atividade, teve como primeiras medidas ações em desfavor dos sindicatos, inclusive proibindo o desconto da contribuição sindical em folha de pagamento, exigindo o seu recolhimento tão somente por meio de boleto bancário, o que dificultou o recolhimento e diminuiu ainda mais a receita sindical.[39]
Logo, o Governo Bolsonaro, assim como o Governo Temer, não mostrou-se simpático aos movimentos sindicais, demonstrando que dará prosseguimento à pauta anti-sindical de seu antecessor. Desta feita, porém, sob a chancela do voto popular.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, o movimento sindical no Brasil passou por inúmeras provações, sendo diversas vezes colocado na clandestinidade por regimes autoritários, o que fez com que sindicalistas enveredassem o caminho da luta política.
Amplamente protegidos pela Constituição Federal de 1988, as entidades sindicais alcançaram representatividade nunca antes vista no país, levando-as ao auge da eleição de um sindicalista à Presidência da República no ano de 2002.
A política, porém, é composta por sujeitos que litigam entre si, num jogo em que a lógica é que os participantes enfraqueçam ou eliminem a força uns dos outros, numa infinda disputa pelo exercício do poder.
Essa lógica não é compatível com os sindicatos, cuja função é intermediar as negociações entre empregadores e assalariados, conciliar os diversos interesses envolvidos e contribuir para a promoção da paz nas relações laborais.
Ao assumir postura de agentes políticos, os sindicatos atraem para si o ônus do jogo político, em que os demais participantes procurarão aniquilar a sua força para alcançarem ou se manterem no poder. Por outro lado, sendo os sindicatos aliados dos detentores do poder, estes estarão fadados à acomodação no tocante à defesa dos interesses da classe trabalhadora, bem como à conivência com as ações políticas que lhe são contrárias.
Vistos hoje como entidades de militância política de oposição, os sindicatos brasileiros enfrentam dura contraposição dos governantes, que não atuam à revelia da legalidade para colocá-los na clandestinidade, sequer utilizam da força policial para impor-lhes o fechamento, como fizeram os regimes autoritários de outrora, mas - dentro da legalidade e por vias democráticas - tiraram-lhes o poderio econômico e limitam sua atuação com o claro intuito de enfraquecer-lhes a influência política.
Dessarte, a participação ativa dos sindicatos na política brasileira mostrou-se, além de ineficaz, prejudicial à representação e defesa dos interesses de trabalhadores, já que, sufocados os movimentos sindicais, vem à tona grandes prejuízos à classe operária, cuja defesa dos direitos fica enfraquecida.
Em um país que passa por inúmeras reformas legislativas, as quais, em muitos casos, vão de encontro aos interesses da classe operária, os trabalhadores precisam, mais do que nunca, de um sistema sindical forte e atuante na defesa de seus interesses. Todavia, a estrutura sindical atual, tomada pela politização, está enfraquecida em razão de uma luta por poder que pouco diz respeito às melhores condições de trabalho angariada pela classe trabalhadora.
Urge, isso posto, que os sindicatos brasileiros se voltem à defesa dos trabalhadores, finalidade para a qual foram concebidos, deixando a luta política aos partidos políticos. Assim, talvez um dia, os trabalhadores pátrios sintam-se novamente representados, tendo o país uma atuação sindical forte e imparcial, cuja atuação seja exclusivamente em defesa dos seus interesses, pouco importando quem esteja exercendo o poder.