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A suspensão do contrato de trabalho da empregada gestante e a Lei 14.151/2021

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08/06/2021 às 15:30
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5. A CORRENTE FAVORÁVEL À APLICAÇÃO IRRESTRITA DA SUSPENSÃO CONTRATUAL PREVISTA NA MP 1045/21

No outro extremo das discussões, situam-se aqueles que, mesmo diante da novel lei, entendem que a MP 1.045 se aplica – ou melhor, continua aplicável – de forma íntegra, às empregadas gestantes, corrente à qual nos filiamos.

Visto acima que a interpretação literal e isolada da norma não é a melhor, nem é aquela que alcança os fins sociais objetivados pela lei ou as exigências do bem comum, necessário que a Lei 14.151/21 seja interpretada organicamente com o sistema jurídico extraordinário criado durante a pandemia da COVID-19.

Tal sistema, em nossa avaliação, prestigiou a preservação do emprego, da empresa e da renda, pelo lado da MP 1045/21, e, por parte da Lei 14.151/21, a preservação da saúde da gestante e do feto.

Assim sendo, deve-se prestigiar a interpretação que traga sinergia e coerência entre as normas em cotejo, não o inverso, pois emprego e saúde são dois lados da mesma moeda e um não existe sem o outro.

Em nossa avaliação, a Lei 14.151/21 não regulou a mesma matéria disciplinada na MP 1045/21 em relação às empregadas gestantes. Ela apenas é uma lei que trouxe disposições especiais a par de uma norma existente e, com isso, não promoveu qualquer revogação (art. 2º, §2º, LINDB).

A equação é simples. Não fazendo uso o empregador da suspensão contratual, o afastamento da gestante se impõe mesmo assim. Porém, nesse caso, deve o empregador arcar com sua remuneração, já que o contrato de trabalho segue normalmente.

E qual a necessidade da nova lei? Era necessário determinar o afastamento da gestante do trabalho presencial, uma vez que, pela MP 1045/21, o empregador não está obrigado a priorizar as empregadas gestantes na suspensão contratual. Poderia, inclusive, suspender o contrato de trabalho de qualquer outro empregado, e não o das gestantes.

Agora, por um ou outro meio, deverá o empregador afastar a empregada gestante do trabalho presencial. Quando o fizer sem a suspensão contratual, deverá garantir o pagamento de sua remuneração.

Outra finalidade da lei está relacionada à incerteza quanto à duração do programa emergencial de manutenção do emprego e da renda. O afastamento da empregada gestante do trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da COVID-19 se impõe, estejam, ou não, em vigor as medidas previstas na MP 1045/21.

Em não havendo prorrogação do programa estatuído pela MP e não se valendo o empregador de alguma outra medida prevista em lei capaz de minimizar os custos trabalhistas, a exemplo da suspensão contratual prevista no art. 476-A da CLT, deverá ele manter a gestante afastada do trabalho presencial. Daí a necessidade de deixar claro que o afastamento, nesse caso, se dará “sem prejuízo de sua remuneração”.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo o que foi exposto, acreditamos na impropriedade da aplicação do princípio da norma mais favorável e da interpretação puramente literal da novel lei.

Cremos que a interpretação baseada no método lógico-sistemático e teleológico é a mais adequada e que, portanto, resulta na possibilidade de conciliação entre as duas normas. Nesse patamar, a imposição de pagamento da remuneração veiculada na Lei 14.151/21 veio apenas para o caso de o empregador não se utilizar da suspensão contratual prevista na MP 1045/21.

Em nosso sentir, não foi intenção do legislador afastar as hipóteses de suspensão contratual, entre elas a que enseja o pagamento do o benefício emergencial. Afigurar-se-ia uma interpretação absurda admitir que a nova lei impôs, a qualquer custo, inclusive da empresa e do emprego, a continuidade do contrato de trabalho da empregada gestante sem viabilidade de suspensão. Toda interpretação que leva ao absurdo, é cediço, deve ser evitada.

A Lei 14.151/21, portanto, apenas estabelece disposições especiais a par das já existentes e esse modo de pensar está em harmonia com os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, tudo em conformidade com o que preconiza a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seus artigos 2º, § 2º, e 5º.

É importante repisar, finalmente, que o entendimento aqui esposado é apenas mais um entre diversos outros de indiscutível solidez, e o tema ainda merece ser amplamente debatido. Sem dúvidas, as controvérsias irão desaguar, mais dia menos dia, no Poder Judiciário.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007.

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Sobre o autor
Ednaldo Brito

Ednaldo Rodrigo Brito da Silva. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Procurador do Trabalho da 22ª Região. Membro Auxiliar da Assessoria Jurídica Trabalhista do Procurador-Geral da República.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Ednaldo. A suspensão do contrato de trabalho da empregada gestante e a Lei 14.151/2021. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6551, 8 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91044. Acesso em: 2 mai. 2024.

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