5. A CORRENTE FAVORÁVEL À APLICAÇÃO IRRESTRITA DA SUSPENSÃO CONTRATUAL PREVISTA NA MP 1045/21
No outro extremo das discussões, situam-se aqueles que, mesmo diante da novel lei, entendem que a MP 1.045 se aplica – ou melhor, continua aplicável – de forma íntegra, às empregadas gestantes, corrente à qual nos filiamos.
Visto acima que a interpretação literal e isolada da norma não é a melhor, nem é aquela que alcança os fins sociais objetivados pela lei ou as exigências do bem comum, necessário que a Lei 14.151/21 seja interpretada organicamente com o sistema jurídico extraordinário criado durante a pandemia da COVID-19.
Tal sistema, em nossa avaliação, prestigiou a preservação do emprego, da empresa e da renda, pelo lado da MP 1045/21, e, por parte da Lei 14.151/21, a preservação da saúde da gestante e do feto.
Assim sendo, deve-se prestigiar a interpretação que traga sinergia e coerência entre as normas em cotejo, não o inverso, pois emprego e saúde são dois lados da mesma moeda e um não existe sem o outro.
Em nossa avaliação, a Lei 14.151/21 não regulou a mesma matéria disciplinada na MP 1045/21 em relação às empregadas gestantes. Ela apenas é uma lei que trouxe disposições especiais a par de uma norma existente e, com isso, não promoveu qualquer revogação (art. 2º, §2º, LINDB).
A equação é simples. Não fazendo uso o empregador da suspensão contratual, o afastamento da gestante se impõe mesmo assim. Porém, nesse caso, deve o empregador arcar com sua remuneração, já que o contrato de trabalho segue normalmente.
E qual a necessidade da nova lei? Era necessário determinar o afastamento da gestante do trabalho presencial, uma vez que, pela MP 1045/21, o empregador não está obrigado a priorizar as empregadas gestantes na suspensão contratual. Poderia, inclusive, suspender o contrato de trabalho de qualquer outro empregado, e não o das gestantes.
Agora, por um ou outro meio, deverá o empregador afastar a empregada gestante do trabalho presencial. Quando o fizer sem a suspensão contratual, deverá garantir o pagamento de sua remuneração.
Outra finalidade da lei está relacionada à incerteza quanto à duração do programa emergencial de manutenção do emprego e da renda. O afastamento da empregada gestante do trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da COVID-19 se impõe, estejam, ou não, em vigor as medidas previstas na MP 1045/21.
Em não havendo prorrogação do programa estatuído pela MP e não se valendo o empregador de alguma outra medida prevista em lei capaz de minimizar os custos trabalhistas, a exemplo da suspensão contratual prevista no art. 476-A da CLT, deverá ele manter a gestante afastada do trabalho presencial. Daí a necessidade de deixar claro que o afastamento, nesse caso, se dará “sem prejuízo de sua remuneração”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo o que foi exposto, acreditamos na impropriedade da aplicação do princípio da norma mais favorável e da interpretação puramente literal da novel lei.
Cremos que a interpretação baseada no método lógico-sistemático e teleológico é a mais adequada e que, portanto, resulta na possibilidade de conciliação entre as duas normas. Nesse patamar, a imposição de pagamento da remuneração veiculada na Lei 14.151/21 veio apenas para o caso de o empregador não se utilizar da suspensão contratual prevista na MP 1045/21.
Em nosso sentir, não foi intenção do legislador afastar as hipóteses de suspensão contratual, entre elas a que enseja o pagamento do o benefício emergencial. Afigurar-se-ia uma interpretação absurda admitir que a nova lei impôs, a qualquer custo, inclusive da empresa e do emprego, a continuidade do contrato de trabalho da empregada gestante sem viabilidade de suspensão. Toda interpretação que leva ao absurdo, é cediço, deve ser evitada.
A Lei 14.151/21, portanto, apenas estabelece disposições especiais a par das já existentes e esse modo de pensar está em harmonia com os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, tudo em conformidade com o que preconiza a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seus artigos 2º, § 2º, e 5º.
É importante repisar, finalmente, que o entendimento aqui esposado é apenas mais um entre diversos outros de indiscutível solidez, e o tema ainda merece ser amplamente debatido. Sem dúvidas, as controvérsias irão desaguar, mais dia menos dia, no Poder Judiciário.
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