Resumo: O artigo analisa dados doutrinários, jurisprudenciais, normativos e estatísticos para compreender o Sistema Judiciário Brasileiro até os dados mais recentes e como o atual quadro se formou. Inicialmente, é feita uma abordagem exclusivamente doutrinária para introduzir a situação do sistema; depois, são apresentados quantitativos. Há especial atenção a dados sobre processos, advogados, magistrados e formação de bacharéis em perspectiva brasileira e comparada. Internamente, há construção de séries históricas que procuram interpretar o sistema a partir da Constituição de 1988. Externamente, os dados mais recentes publicados são comparados e o Brasil pode ser visto a partir da perspectiva europeia e de países americanos. Os dados são utilizados para tentar compreender o sistema, quais elementos são abundantes e quais precisam ser refletidos para que soluções normativas e institucionais possam criar uma trajetória que leve, afinal, ao cumprimento dos direitos previstos na Constituição.
Palavras-Chave: História das Instituições Judiciais. Sistema Judiciário. Poder Judiciário. Juízes, processos, advogados. Pesquisa Quantitativa. Instituições Comparadas.
Introdução
Este estudo apresenta a trajetória histórica e comparativa do Sistema Judiciário brasileiro desde a Constituição de 1988 até os dados mais recentes publicados. São dados construídos a partir da doutrina, de dados quantitativos e de comparações com outros países, especialmente da Europa e Estados Unidos. A inspiração foi de trabalhos assemelhados publicados aqui e em outros países, tanto por acadêmicos (Mark J. Ramsayer, Eric B. Ramsusen, Maria Tereza Sadek) como por instituições como o Conselho da Europa, o Escritório Administrativo dos Estados Unidos para Tribunais e o Conselho Nacional de Justiça do Brasil, que partiam da pesquisa de tais dados e construíam, com eles estatísticas, reflexões.
Há três objetivos principais com este trabalho: a) apresentar esses dados quantitativos brasileiros de diversas instituições, que não são encontrados de maneira consolidada nos relatórios publicados; b) fazer comparações com outros países, criando dados com metodologia utilizada internacionalmente e efetivamente colhendo informações dos outros países para apresentá-los; c) construir reflexões sobre o sistema brasileiro e a busca de um Estado de Direito no Brasil.
Os dados nesta pesquisa são de 2018, os mais recentes, pois tais dados são tipicamente lançados a partir do final do ano seguinte (final de 2019 e em 2020). Três opções metodológicas são importantes: a) apresentação de séries históricas tendo por ano-base 1990, pois foi o primeiro censo após a Constituição de 1988 e porque há grande escassez de dados antes desse período; b) a comparação majoritariamente construída com observação do dado a cada 100 mil habitantes e sua progressão histórica, como ocorre internacionalmente; c) o uso de fontes diversas em momentos importantes, na tentativa de interpretar os dados quando relacionados a problemas sociais relevantes - a mora processual, dificuldades de acesso à Justiça. Quanto às fontes, há uso de dados pesquisados a partir de estatísticas do Brasil (CNJ, STF, Min. Justiça, INEP, IBGE, OAB, pesquisas doutrinárias) e de instituições correlatas de outros países.
A respeito da comparação, é importante notar que um sistema judiciário é decorrência da cultura e história de uma sociedade e fazer comparações diretas é uma atividade que enfrenta as limitações conhecidas. Diversos elementos culturais, políticos, econômicos podem fazer com que comparações estabelecidas numericamente não sejam capazes de compreender certas situações. Mesmo instituições brasileiras, como Poder Judiciário, Defensoria e Ministério Públicos não podem ser simplesmente comparados por números. Assim, parte-se da reflexão de que essas comparações não trazem exatidão, mas elas são feitas na Europa, no restante da América e é importante ver o Brasil dentro delas. Parte-se da reflexão, também, de que não há apenas problemas, há também qualidades inerentes à análise quantitativa: permitem agregar grandes quantidades de dados e países, fazer estimativas com frequência, acompanhar resultados de políticas públicas, subsidiar ou levantar dúvidas sobre percepções construídas com outras metodologias.
Nesta pesquisa, a parte inicial do trabalho é dedicada à visão doutrinária que ajuda a compreender os números apresentados depois, este é um esforço no sentido de diminuir as limitações dos dados quantitativos colhidos. Assim, não se busca juntar os dados brasileiros e de vários países e propor que são imediatamente comparáveis. E nem olhar os dados quantitativos internos e, só com eles, propor a compreensão da situação brasileira.
Busca-se olhar os dados brasileiros a partir de um ponto de vista interno pautado inicialmente pelas normas, jurisprudência e doutrina e fazer, então, só depois dessas reflexões, o uso que os números permitirem.
1 Sistema Judiciário Brasileiro em perspectiva histórica
O Brasil teve1, desde o final dos anos 1980, uma expansão muito acentuada do acesso ao Poder Judiciário. Um conjunto de fatores interligados possibilitou o aumento de casos julgados, eles influíram em conjunto e, em grande parte, estiveram interligados. Esse cenário precede a apresentação dos números para compreender a situação brasileira, muitos desses elementos permanecerão debatidos na doutrina e o impacto que tiveram sobre o sistema é controverso.
Historicamente, o Brasil encontra em seus juízes um grupo organizado, profissionalizado, coeso (CARVALHO, 2010, p. 171-176), que há séculos possui uma posição social elevada (HESPANHA, 2005, p. 255-275) com acesso facilitado à política e incluído em estruturas que iam além da já relevante função jurisdicional. Os juízes, desde momentos iniciais, participaram da estrutura da eleição de autoridades (FERREIRA, 2001, p. 28), foram eleitos para cargos políticos centrais (FAORO, 2001, p. 419), elaboraram obras escritas de grande importância política e social (Joaquim Nabuco e Ruy Barbosa, para citar dois de grande proeminência).
Até o final do século XX, as principais mudanças em sua atuação haviam sido ondulações de liberdade que regimes mais fechados ou abertos traziam, bem como os efeitos das normas e teorias sobre o papel dos magistrados2, alterando a atuação e patamar de autonomia, mas a história brasileira foi de uma posição social elevada reconhecida aos magistrados. Esse dado histórico é relevante como elemento introdutório e geral.
Em 1985, houve a reabertura política do Brasil e foi trilhado o caminho para o período democrático atual, assim como iniciado o contexto de criação da nova Constituição de 1988. Foi um momento de intensa expansão do Poder Judiciário, como uma das diversas instituições sendo reestruturadas para o novo momento, não apenas mantendo a trajetória do papel político e social relevante dos juízes, mas elevando eles e demais instituições judiciárias (Ministério Público, Defensores Públicos, Advocacia Pública) a um ponto muito alto (BARROSO, 2012, p. 6). As três décadas seguintes mostrariam que houve efetiva - talvez, inédita na história brasileira - expansão institucional e de importância social.
A Constituição de 1988, em si, foi um projeto de implantação de um Welfare State no Brasil, além de reimplantação e expansão de direitos reconhecidos anteriormente. Ela não foi inédita em reconhecer direitos individuais e sociais, pelo contrário, a legislação social brasileira esteve em relativo passo com a Europa e os Estados Unidos desde o início do século XX, era inclusive avançada, ainda que houvesse (e permaneça) a grave precariedade na implantação das normas. No entanto, ela foi a mais avançada dentre as constituições brasileiras na quantidade de direitos e nos meios de efetivação. Um dos instrumentos relevantes de criação desse bem-estar social foi a ampla declaração de Direitos Individuais e Sociais, especialmente no artigo 5º e seguintes. Essa atribuição de direitos tão vastos aos cidadãos brasileiros abriu vias judiciais para que as pessoas buscassem direitos (SARLET, 2012, p. 63-154), o ambiente político encejava e o Judiciário se mostrou institucionalmente receptivo a essas demandas.
Além da declaração de Direitos, com a Constituição de 1988 (a partir da janela de abertura política de 1985), uma série de leis com grande impacto no acesso ao Poder Judiciário foram criadas. Elas facilitaram e ampliaram o leque de atuações dos juízes. Isso operou em um sentido processual, permitindo novos meios de acesso ao judiciário de pessoas, mesmo as com menos meios. Em um sentido orgânico, diversas leis levaram à criação de novos espaços físicos, contratação de servidores e, especialmente, o aumento expressivo do número de magistrados. E, por fim, elas tiveram um fator de legitimação e estavam ligadas àquele momento, diversas ficaram conhecidas socialmente, foram amplamente discutidas na imprensa e representavam, em si mesmas, um dos aspectos desse período de expansão de políticas públicas para os hipossuficientes que envolvia a elaboração da Constituição.
Tal processo de criação de leis pode ser identificado especialmente entre 1984 e 1995. São destaques: Juizados de Pequenas Causas (1984), Ação Civil Pública (1985), Estatuto dos Portadores de Deficiência (1989), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Código de Defesa do Consumidor (1990), Juizados Especiais Cíveis e Federais (1995). Mais tardiamente, o Estatuto do Idoso (2003), Estatuto da Igualdade Racional (2010) e Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015). Facilidades de acesso à Justiça e diversos meios importantes de efetivação de direitos foram criados, então, também fora da Constituição.
O Poder Judiciário, nesse cenário normativo, não foi planejado como a principal via de efetivar direitos constitucionais. Políticas públicas, criadas por meio de sistemas previstos na nova Constituição, seriam a maneira central de implementar tais direitos - normas trabalhistas, sistemas universais de saúde e previdência, uma profunda expansão da estrutura educacional. Mas as falhas e omissões sempre foram muitas e, agora, os novos direitos subjetivos haviam sido reafirmados, e até expandidos, em um ambiente político e social de expectativa de seu cumprimento. A Constituição e outras leis, além disso, abriam caminhos efetivos de busca por eles pelas vias judiciais.
Ainda que uma medição quantitativa não possa expressar, o reconhecimento de tantos direitos e de meios de exercê-los foram um dos fatores mais relevantes na atuação do Judiciário nos últimos trinta anos. O Poder Judiciário passou a receber parte expressiva desses pedidos que, ao menos em tese, seriam defendidos por políticas públicas e leis aplicadas em âmbito geral. E o Judiciário passou a atuar mais, em campos novos, não raro substituindo com decisões de juízes o que antes coubera quase exclusivamente à atuação dos políticos eleitos para o Executivo e Legislativo.
O Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, por sua vez, também teve seu papel renovado na Constituição e é importante nesse cenário. A instituição havia visto a saída de magistrados nos anos 1960 (COSTA, 2006, p. 159-168), o aumento de 11 para 16 membros, alterações na atuação da corte (magistrados mais favoráveis ao governo de então) e o uso de instrumentos ligados ao Executivo, como o controle abstrato de constitucionalidade exclusivamente feito pelo Procurador-Geral da República (um instituto de origem austríaca e alemã trazido ao Brasil pela Emenda Constitucional nº 16/65, capaz de retirar do ordenamento leis inconstitucionais, o que poderia significar um aumento de poder da corte na defesa da Constituição, mas foi de uso exclusivo de um cargo apontado pelo Chefe do Poder Executivo).
A reabertura criou o ambiente para a reconsolidação da instituição e aumento da autonomia com efeitos sociais relevantes (KOERNER, 2013, p. 80-83). O ambiente deu origem a um momento de fortalecimento político, de protagonismo social por meio da interpretação da Constituição e, também, um novo contexto de recrutamento de juízes constitucionais, no qual as indicações dependeriam de gênero, etnia, cor, atuação em causas relevantes, levando a uma corte com atuação diferente e significativamente expandida.
Pragmaticamente, o papel do STF pode ser compreendido com a história do controle de constitucionalidade desse período3. Com a Constituição, houve a abertura da possibilidade de suspender leis para muito além do Procurador-Geral de Justiça. Há, hoje, um leque amplo de legitimados4 e novos meios de ação de controle - sozinha a Constituição teria criado um cenário completamente novo.
No entanto, os anos que se seguiram mostraram alargamentos de atuação em outros sentidos também, houve uma ampliação até de poderes que a Constituição não previra inicialmente para o STF, apesar de toda a expansão. Particularmente, o Ministro Gilmar Mendes foi importante para a trajetória de ampliação de efeitos das decisões da corte por meio de jurisprudência constantemente inovadora no sentido ampliativo (MENDES, 2012, p. 309-322). O ministro, acompanhado de seus colegas, julgou dando meios de efetividade amplos às decisões tomadas pela corte, com destaque nesse movimento às ações que, em sua origem, envolveriam apenas casos individuais - por ele chamado de fenômeno de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, o que abriu espaço para que também essas decisões afetassem os julgamentos posteriores. Ele apoiou, também, a criação de legislação inspirada no Direito Alemão (ver Leis Federais 9868/99 e 9882/99), onde estudara em seu doutorado, que reforçavam o papel da instituição. A atuação da suprema corte na defesa da Constituição passou a ser mais próxima daquela conhecida nos Estados Unidos no sentido de atuar em casos de grande repercussão social. A importância pode ser notada socialmente por um fenômeno inédito no Brasil, de a sociedade acompanhar com atenção os julgamentos e conhecer nomes e trajetórias dos magistrados - algo assim não havia ocorrido antes. A pouca frequência de decisões socialmente relevantes das décadas anteriores foi substituída, especialmente na medida em que juízes escolhidos no período democrático ingressaram. Essas decisões foram celebradas por seus membros (MELLO FILHO, 2006) como um novo momento de protagonismo judiciário.
Além da expansão de atuação do STF, outras estruturas judiciárias importantes foram criadas no período - e como será visto, o número de juízes mais do que triplicou. Além das já citadas leis com juizados especiais e as varas progressivamente instaladas no país, são destacáveis a criação do Superior Tribunal de Justiça e os cinco Tribunais Regionais Federais. Essas são reorganizações que, em si, não trariam um aumento do número de casos, mas estiveram no contexto de reorganizar e fortalecer o Judiciário. A criação do Superior Tribunal de Justiça, em hierarquia abaixo apenas do Supremo Tribunal Federal, em especial, é um marco relevante na organização atual do Judiciário brasileiro, uma inovação absorvida com pouca controvérsia e, hoje, plenamente consolidada.
Por fim, dentro da cultura jurídica, a partir da reabertura democrática, surgem também fatores doutrinários que se desenvolveram dando mais liberdade e importância aos magistrados. Até hoje se pode discutir quando e como esse elemento começou, se algum movimento inicial está mais diretamente ligado à situação atual - o Direito achado na Rua, Direito Alternativo, Teoria Crítica do Direito, propostas de escolas processuais - todos esses são pensamentos e movimentos que vicejariam heterogeneamente no Brasil nos anos próximos à nova Constituição e exerceram algum efeito. Não há, no entanto, como precisar o peso de cada um. Independentemente da origem, houve o fortalecimento e legitimação da atuação dos juízes e isso passou, em especial, pelo argumento de efetivação da Constituição, a defesa da dignidade humana, métodos interpretativos que garantiam mais liberdade aos magistrados para aplicar a lei e o realce do papel dos princípios jurídicos durante a tomada de decisão5. Esses movimentos convergiam, de diferentes formas, para fortalecer o sistema judiciário e sua legitimidade social.
Esse fortalecimento, essa busca por efetividade da Constituição pelas vias judiciais, em pouco tempo, se torna o tema central do Direito Constitucional brasileiro - isso segue assim, pelo menos, até 2010. No período, houve constante uso de doutrina estrangeira (alemã, em especial) e de produção nacional para estabelecer bases doutrinárias cada vez mais desenvolvidas sobre como deveria ser aplicada a Constituição e ser atuação dos juízes em geral.
Alguns dos movimentos e doutrinas, com o tempo, deixaram de ser focos de atenção e passam à história - hoje, por exemplo, pouco há de novo sobre o Direito achado na Rua. No entanto, outros permaneceram e a tendência, em si, ficou mais proeminente. A produção doutrinária a respeito parece ter ficado cada vez mais influente sobre a atuação concreta do sistema judiciário - alguns de seus principais proponentes, inclusive, se tornariam protagonistas na academia, magistratura e outras instituições.
Esse desenvolvimento foi um fenômeno multifacetado de aumento de atuação dos membros do sistema (magistrados e membros do Ministério Público em especial), um fenômeno cada vez mais estudado, e também criticado, dentro de conceitos progressivamente mais delineados e que foram cada vez mais utilizados no Brasil, como ativismo judicial, pós-positivismo e neoconstitucionalismo - um único nome, incontroverso, não surgiu. Essas palavras não são sinônimas, sequer unívocas entre os autores brasileiros, e são usadas em diversos países com outros significados, mas foram usadas diuturnamente por duas décadas no Brasil para refletir sobre essa busca por efetivação dos Direitos previstos na Constituição. O Poder Judiciário tinha papel central, pois esse movimento, como sua apresentação denotou, não tinha grande dependência do Legislativo ou Executivo.
Foi, então, uma tentativa de dar efetividade à lei constitucional, superar a formalidade do texto legal se ele limitava a efetividade constitucional (CITTADINO, 2004, p. 106). Dentre os nomes mais importantes da defesa dessa postura está, também, o hoje ministro da suprema corte, Luís Roberto Barroso, que como professor universitário e advogado escreveu trabalhos relevantes na defesa de uma Constituição tornada mais efetiva a partir da atuação do poder que deveria tomar o protagonismo no século XXI, o Judiciário (BARROSO, 2005, p. 1-42). A despeito do sucesso em efetivar os direitos individuais e sociais, pois os resultados dessa atuação não são um consenso, esse cenário afetou o ensino jurídico brasileiro, as instituições judiciárias, foi muito importante no fortalecimento institucional do Poder Judiciário e na visão que a sociedade tinha dele.
A sociedade, como um todo, não acompanhou esse desenvolvimento, mas o Poder Judiciário cresceu em atuação e em disposição para tomar decisões de grande repercussão. A sociedade, de maneira geral, não resistiu - e se pode defender que recebeu bem o novo papel do Poder Judiciário.
Socialmente, o Brasil viu o PIB nominal per capita, corrigido com base em preços de 2010, passar, em 1988, de U$ 8.276,33 para U$ 11.026,24 em 2018. Esse é um avanço expressivo de riqueza e é um fator importante no que toca ao acesso à Justiça, pois a quantidade de pessoas em condições de pagar por advogados privados e em condições sociais e culturais de buscar advogados públicos cresceu. Isso veio acompanhado de políticas públicas voltadas a diminuir a desigualdade e avanços nos campos da saúde e educação. O país continua longe de economias desenvolvidas, tem grande desigualdade econômica, social e cultural, mas três décadas de relativa estabilidade política e avanços sociais trouxeram um avanço considerável. É provável que essa melhoria de condições sociais tenha desencadeado a maior busca por atuação do Judiciário e também seja um fator de grande importância.
Por outro lado, na contramão da apresentação feita até aqui, desde as crises econômicas e políticas de 2016, o número de ações novas entrou em um patamar de estabilidade e até queda. A contratação de profissionais nas carreiras públicas - magistratura, promotoria, defensoria - não continuou seu processo de aumento depois desse momento. No cenário mais imediato, a progressão anterior do sistema, crescente em todos os elementos, foi substituída por números majoritariamente estáveis. Destoa disso apenas a formação de quadros e o número de advogados ativos, que ao contrário do restante, continuam crescendo. Assim, socialmente e por políticas públicas, pode-se estar em um momento novo, no qual as instituições judiciárias não aumentam em tamanho e o acesso à Justiça estagnou ou pode estar em declínio. Porventura, também se está em um novo momento de ideário institucional, pois o papel das instituições judiciárias está em discussão e o protagonismo do Poder Judiciário tem causado divisões quando, em passado recente, ele era visto majoritariamente como um meio positivo de efetivar cada vez mais os direitos subjetivos previstos na Constituição. Não seria possível determinar se essas alterações institucionais e doutrinárias tão complexas são a causa do maior número de ações no Brasil. É possível que a busca das pessoas pelo Poder Judiciário tenha sido determinante para tais acontecimentos, incentivando as novas ideias e alterações institucionais. O mais provável é que diversas confluências, cujo exato peso de cada elemento não se possa precisar, tenham desembocado, afinal, no contexto atual. Conhecer elas ajuda a explicar como organicamente - em número de juízes, em estrutura - o Judiciário se expandiu tão fortemente. Também mostram por quais meios o Judiciário avançou tanto no imaginário social como uma das instituições chamadas a resolver problemas relevantes. O Poder Judiciário passou, ao longo desses trinta anos, a tomar decisões de profunda relevância política e social. O sistema judiciário como um todo, em sentido número, cresceu.
Assim, um cenário de aumento de casos e fortalecimento do Poder Judiciário ocorreu no Brasil, não houve uma causa única, muitas causas influíram juntas, sem uniformidade territorial, institucional ou de ideário. Alguns elementos são ideias que nunca chegaram a ultrapassar as barreiras da academia, mas outros elementos e ideias, mesmo que também não possam ser medidos, encontram respaldo como relevantes para o cenário atual.