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Sistema judiciário brasileiro:

Análise de dados de 2020

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15/09/2021 às 12:00
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2 Números em 2018

   Passa-se, agora, aos dados quantitativos internos e comparados, e à tentativa de visualizar as consequências do apresentado acima sobre os números do sistema. Inicialmente, propõe-se fazer um quadro dos dados mais recentes. Eles são um "retrato" do momento atual e é a partir da visão geral que se tece, ao longo do artigo, os comentários sobre como essa situação se formou. Esse quadro do ano de 2018 serve como introdução para o estudo pormenorizado dos acontecimentos.


3 Processos Judiciais

   Nota-se, em 2018, o segundo ano de queda leve no número de processos protocolizados (29,35 milhões em 2016; 29,11 milhões em 2017, e 28,05 milhões em 2018), mostrando a interrupção na progressão de aumento de demanda social pelo sistema após décadas de acentuado aumento.

 Tendo como base o censo de 1990, a população aumentou de 146,91 milhões para 208,49 milhões (IBGE, 2020), um acréscimo de 41,91%. No mesmo período, o número de processos novos por ano6 subiu de 3,61 milhões para 28,05 milhões (SADEK, 2014, p. 13) (CNJ, 2019, p. p. 36), um acréscimo de 675,57%. É um aumento expressivo que representa uma mudança social concreta no Acesso à Justiça7. As novas condições sociais e políticas, e a percepção doutrinária de que o número de casos aumentou muito encontra respaldo nos dados numéricos.

 O número de processos novos por 100 mil habitantes, o principal dado capaz de dar uma dimensão compreensível, por considerar a população e ser amplamente utilizado em outros países, passou de 2.462 para os atuais 13.455 (+446.51%). Em representação gráfica vemos o seguinte movimento. A atual estagnação é visível apenas no final do gráfico, houve quase três décadas de crescimento expressivo e conectado com o cenário normativo e institucional do período.

   Internamente, o gráfico seguinte apresenta a série história apenas de 2009 em diante, quando grande parte da expansão estava consolidada. São os dados mais recentes publicados pelo Justiça em Números sobre os processos novos, pendentes e baixados. Novos, são aqueles iniciados naquele ano; pendentes, o total de casos tramitando no sistema; e baixados, aqueles que saíram do sistema, independentemente de ser por sentença definitiva ou outros eventos processuais. A partir desse quadro, nota-se a parte final do gráfico acima, e se visualiza melhor a estabilização dos casos novos e também dos pendentes em período recente.

A respeito dos pendentes, que também podem ser refletidos a partir da projeção a seguir, o número sugere a existência de mora processual relevante (reconhecida pela doutrina), pois mostra que o sistema continuadamente não conseguiu dar conta de julgar mais casos do que recebeu e, na maior parte dos anos, julgou menos casos do que recebia, causando acúmulo. O grande avanço de acesso à Justiça das décadas anteriores não pôde ser completamente absorvido pelo sistema judiciário.

   O número de processos baixados segue crescente, mostrando que apesar da não contratação de novos magistrados no mesmo ritmo inicial (como ser verá), a capacidade de resolução aumentava, apenas menos que a de casos novos. Houve o citado segundo ano de queda nos processos novos, gerando a incomum situação de diminuição no estoque processual brasileiro, que aumentou todos os anos desde 2009, 61,12 milhões, até 2017.   Sobre o cenário mais imediato, é notável a diminuição de casos novos, que já ocorrera em outros momentos, mas contraria a progressão habitual em sua dimensão - 1,06 milhão de casos a menos ingressaram no poder judiciário em 2018. O principal dado para a interpretação deste gráfico se divide em dois campos. Um é o dado social da crise econômica e política que afeta o país há meia década, e pode afetar a atividade em geral e está em um cenário de novas discussões amplas sobre o papel das instituições judiciárias.

Interno ao sistema e responsável por parte dos números, a diminuição está ligada também aos casos novos na Justiça do Trabalho: em 2017, havia 4,32 milhões de casos novos, em uma trajetória de ascensão que durava anos (CNJ, 2018, p. 41); em 2018, os casos novos foram 3,40 milhões (CNJ, 2019, p. 45). Houve, em apenas um ano, uma redução de 19,9% no número de casos novos nesse ramo, em descompasso com todos os outros, onde houve uma única outra redução de 0,6% no judiciário estadual (CNJ, 2019, p. 36).

A redução de casos trabalhistas é decorrência, em parte, das alterações trazidas pela Reforma Trabalhista de 2017, que no seu início trouxe diminuições muito altas que, meses depois, ainda eram de quase 40% (FSP, 2018). Com o tempo, o número de casos ficou mais próximo de anos interiores, e o resultado final em 2018 era do decréscimo descrito de 19,9%. Socialmente e em decorrência de outras reformas, a diminuição pode se dever ao crescimento da informalidade, maior desemprego e ao uso de MEIs na prestação de serviços. Especula-se: o efeito está diminuindo com o tempo, os efeitos das leis trabalhistas foram muito grandes no início e terminaram 2018 com uma redução do patamar citado - mas algo é persistente, especialmente o cenário social e de mercado de trabalho, há uma tendência atual de menor busca pelo ramo. Quanto ao conteúdo normativo das reformas, está ligado à possibilidade de condenação à sucumbência caso o trabalhador tenha sua demanda indeferida (caput e o §4º do artigo 791-A)8, e, potencialmente, à necessidade de discriminação dos cálculos dos pedidos previsto no artigo 840, §1º9, o que diminui ações trabalhistas em alguns cenários.

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A comparação de processos brasileiros com outros países mais recente foi feita em âmbito de pesquisas anteriores, com dados de 2014 e publicados em 2018, naquele momento os mais recentes do continente europeu (FELONIUK, 2018, p. 110). Os dados europeus são os abaixo (inseridos com os dados brasileiros atuais). Apontam um número relativamente elevado no Brasil, mas em um patamar de normalidade e longe das primeiras posições. O Brasil tornou-se, nesses trinta anos, um país de alta litigiosidade, ele estaria nas últimas posições do ranking se estivesse na situação imediatamente após a Constituição, quando havia 2.462 processos novos por 100 mil habitantes.

   Por fim, cabe falar sobre a mora processual. Um dos motivos que pode explicar o constante crescimento no número de casos baixados, e merece ser citado, são os avanços tecnológicos e normativos empreendidos ao longo do período, que alteraram as práticas da advocacia e o andamento dos processos nos tribunais. A mora processual recebe atenção e foi alvo de um amplo processo de enfrentamento ao longo de décadas. O assunto não encontrou solução, mas não foi pouco considerado.    Esforços como novas legislações processuais, a atuação do CNJ sobre a produtividade, iniciativas internas os tribunais, fizeram com que a eficiência do sistema judiciário aumentasse de maneira expressiva no período. E há o aspecto da tecnologia. Um dado ligado a ele é a digitalização: os dados de 2019 apontam que a digitalização dos processos está próxima de sua conclusão - tendo ido, em apenas 10 anos, de 11,2% para 83%. Esse é um dado impactante ligado a um novo contexto tecnológico de automação e eficiência que, no seu conjunto, teve sucesso em dar mais agilidade ao sistema judiciário. O número de juízes cresceu bem menos do que a sua capacidade de julgar, indicando que esses esforços foram frutíferos.

   Apesar dos avanços, o Brasil, em 2014, segundo levantamentos do CNJ, levava 368 dias em média para julgar um preso provisório em caráter definitivo. O número chegava a ser quase três vezes mais alto em alguns estados federados. Esse número o colocava apenas atrás da Itália na espera (com 386 dias), e maior do que todos os outros países comparados na Europa10. De 38 países pesquisados, 30 levavam menos de 180 dias para dar solução final a casos criminais (FELONIUK, 2018, p. 114). Outro dado neste sentido mostra que nos Estados Unidos, houve, em 2018, 66,59 milhões de casos novos, e o estoque processual era de 71,79 milhões - ou seja, o número de casos que ingressam em um ano é semelhante ao total tramitando no sistema. Já no Brasil, havia em 2018 28,05 milhões de casos novos, mas o estoque é de 78,69 milhões (ver gráfico 3), mostrando que o acumulado no sistema é 180,5% maior que os processos novos, uma demonstração de que historicamente não foi possível julgar os casos no ritmo em que foram iniciados e, como sabido, mora no atendimento aos jurisdicionados (FELONIUK, 2020). A mora processual brasileira é muito relevante a despeito dos avanços.


4 Poder Judiciário

Foi grande o aumento de magistrados no Brasil, uma decorrência do novo cenário normativo e institucional instaurado. Eles e o restante dos atores do sistema tiveram relativo sucesso em manter a funcionalidade do sistema, que cresceu tão rapidamente ao longo das três décadas. Apesar disso, agora, parece haver uma diminuição ritmo no aumento de seus números. Há aparente estabilização no número de magistrados (CNJ, 2019, p. 36).

Em palestra11 sobre o início do processo de digitalização dos dados do Poder Judiciário, no final dos anos 1980, o então Presidente do STF, ministro José Neri da Silveira, defendeu a implantação do Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário e afirmou que dados importantes podiam ser criados com ele. Um dos exemplos foi informar que no ano de 1990 havia 6.371 magistrados ocupando cargos no Brasil (SILVEIRA, 1990, p. 96-106). O número atual de magistrados, em 2018, é 18.141 (CNJ, 2019, p. 34), representa, então, um aumento de 184,74%. Em números por 100 mil habitantes, hoje atuam 8,70 magistrados por 100 mil habitantes no Brasil, em 1990 eram apenas 4,33. A progressão do número de cargos ocupados é como aparece a seguir.

   A comparação abaixo com os habitantes mostra a capacidade de incrementar o número de magistrados, ela ilustra melhor a situação brasileira. Fica evidente que o resultado positivo não foi capaz de acompanhar a demanda da sociedade. O número de magistrados aumentou, e muito, mais do que a população, mas não foi nem um terço que o aumento no número de processos.

   Os dados comparados com o continente europeu permitem ver o estágio atual do Brasil em perspectiva comparada. Novamente, o Brasil é inserido com dados recentes e, ao contrário do número de processos, o Brasil tem um número baixo de magistrados. Em suma, abaixo se conclui um elemento importante: proporcionalmente, o Brasil tem um número alto de processos (ver gráfico 4), mas baixo de magistrados (ver abaixo). Isso ajuda a refletir como, apesar dos avanços e da crescente eficiência em julgar, se mantiveram deficiências importantes na capacidade de julgar.

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Sobre o autor
Wagner Feloniuk

Professor Adjunto de Direito Constitucional no Curso de Relações Internacionais (2019) e Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Doutorado (2013-2016), mestrado (2012-2013), especialização (2011) e graduação (2006-2010) em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-doutorado na Mediterranea International Centre for Human Rights Research, Università degli Studi Mediterranea di Reggio Calabria/Itália (2021). Recebeu Láurea Acadêmica na graduação, dois votos de louvor no doutorado, e bolsa de estudos para realização do mestrado, doutorado e estágio pós-doutoral. Coordenador do Projeto de Pesquisa: Observatório do Sistema Judiciário Brasileiro. Pesquisador dos projetos CAPES: A formação de ordens normativas no plano internacional, Núcleo de Estudos em Políticas Públicas e Opinião. Organizador dos Ciclos de Palestras das Relações Internacionais/FURG, Direito/UFRGS, PPGH/FURG e História e Direito/ANPUH, do Congresso Direito e Cultura (2014-2021). Organizou e palestrou em eventos na Argentina, Bolivia, Chile, Colômbia, Espanha, França, Itália, Inglaterra, Uruguai. Editor da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, ex-Editor da Cadernos de Pós-Graduação do Direito/UFRGS e Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. Membro da Associação Nacional de História, Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, Associação Brasileira de Editores Científicos, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e do ST História e Direito da ANPUH/RS. Áreas de Pesquisa: Direito Constitucional, História do Direito. Autor dos livros A Constituição de Cádiz: Análise da Constituição Política da Monarquia Espanhola de 1812, A Constituição de Cádiz: Influência no Brasil e série organizada Perspectivas do Discurso Jurídico. Áreas de Pesquisa: Direito Constitucional, História do Direito, Teoria do Estado. Publicações: http://ufrgs.academia.edu/WagnerFeloniuk

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELONIUK, Wagner. Sistema judiciário brasileiro:: Análise de dados de 2020. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6650, 15 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92785. Acesso em: 21 nov. 2024.

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