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Dos excessos no uso do instrumento de averbação premonitória

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4. A Evolução do Instituto

A Lei 13.105/15 equilibrou as forças antagônicas da execução e aprofundou mais ainda as normas que definem qual conduta processual aceitável e esperada do exequente quanto ao uso de tais averbações. Ao mesmo tempo que aumentou a sua liberdade quanto ao uso das certidões premonitórias, que em sua forma passaram a ser mais genéricas, possibilitando a averbação por iniciativa do próprio exequente, fez com que este tivesse o dever de levantar ele próprio as averbações excessivas após perfectibilizada a penhora de bens suficientes.

Pela nova sistemática detém o exequente o dever processual de comunicar ao juízo acerca dos bens que teria averbado, sob pena desta ser considerada manifestamente indevida, acarretando ao credor a obrigação de indenizar o devedor pelo excesso praticado consoante dicção do § 5º do art. 828 do CPC/2015:

Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

§ 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.

§ 3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.

§ 5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

Bastante equilibrada a disposição do art. 828 do Código de Processo Civil de 2015 pois concedeu ao exequente maior liberdade e celeridade na assunção de medidas que visassem a salvaguarda não só do seu crédito, mas também de terceiros adquirentes que não teriam como ter ciência dos riscos anteriores a aquisição do bem pelo vendedor.

A liberdade do exequente pelo simples fato de ser parte não é absoluta. Em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e da menor onerosidade o §5° do art. 828 obriga ao exequente que comunique as averbações realizadas ao juízo da execução para que em 10 dias posteriores a formalização da penhora cancele os excessos.

Cabe ao credor levar a averbação a existência da execução, bem como, retirá-la, não sendo necessária ordem judicial para tanto. Ou seja, o exequente é quem providenciará o cancelamento das penhoras excessivas não cabendo imputar ao juízo eventual irresponsabilidade por sua inércia:

§ 2º - Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.

§ 3° - O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.

A par destas regras, a CGJ editou a seguinte:

CNNR - Artigo 427-A O cancelamento das averbações premonitórias, que trata o artigo 615-A do Código de Processo Civil, efetuar-se-á nas seguintes hipóteses:

I determinação judicial;

II através de requerimento expresso do credor/exequente quando a execução já estiver garantida por outros bens devidamente penhorados ou quando o processo de execução estiver extinto, desde que o próprio credor/exequente tenha solicitado a averbação premonitória;

III através de requerimento expresso do devedor/executado quando comprovada a extinção do processo de execução.

O quarto dispositivo é o que consta no § 5º do mesmo artigo 828, correspondente ao 615-A: § 5º - O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

Desde o momento em que foi editado o artigo 615-A, em 2015, a doutrina já chamava atenção para os riscos para o credor que averbasse a referida certidão em excesso de premonição, vale dizer, para o risco de averbar a certidão em mais imóveis/bens móveis do que os necessários.

Tanto o Código de Processo Civil de 1973 quanto o atual, impõe que no prazo de dez dias o requerido deveria comunicar a realização do ato e providenciar o desbloqueio dos excessos. A própria interpretação literal do art. 615-A, em seu § 4º c/c o art. 828, §5º do atual, anotam que a averbação manifestamente indevida acarreta ao exequente (ora requerida) a obrigação de indenizar, bem como a multa decorrente da litigância de má-fé.

A indisponibilidade de todo o patrimônio do executado impossibilita a realização de parte do seu patrimônio como forma de fazer frente as suas obrigações. Comprovada a reserva de patrimônio superior a execução e o cerceamento do direito pleno de propriedade do autor, naquela ocasião, executado, não pode o exequente querer que o executado responda pelos corolários de mora e de juros. Mais que isso, deve a ré indenizar a parte autora pelo longo período de alijamento do direito de disposição dos seus bens que superam em muito o valor da presente execução.

Ademais, a averbação da penhora ou da averbação premonitória significam o mesmo: imposição de restrição aos direitos de disposição do bem. Caso fosse necessário o posterior registro da penhora sobre bem que pendesse o registro da averbação citado. Daí a conclusão de que a lei dispensou a realização de novo registro no caso de penhora de bem com averbação anterior, como esclarece Luciano Santhiago Ziebarth[5]:

A par disso, uma vez realizada a averbação, não há necessidade do posterior registro da penhora, uma vez que a averbação do ajuizamento da execução possui a mesma finalidade do registro da penhora, isto é, gerar a presunção absoluta de conhecimento de terceiros, evitando alienações ou onerações maliciosas. Assim, não apenas com a penhora, mas também com a averbação premonitória se obtém a finalidade publicitária necessária à presunção de fraude à execução, tornando-se desnecessária a averbação da primeira quando já concretizada a segunda no álbum registral (ZIEBARTH, 2007)

O parágrafo 2° do art. 828 conferiu ao exequente um dever e lhe impôs o marco temporal para o seu exercício. O parágrafo quinto impõem a sanção ao seu descumprimento visando minorar eventuais prejuízos pela sua conduta excessiva e prazos mais do que bem definidos.

Lucas Rocha Mendes apud Wambier[6] defendem que o termo inicial para a contagem do prazo de dez dias é a data do efetivo registro da penhora suficiente a garantir a execução e tornar os excessos indenizáveis:

Quanto ao primeiro aspecto, impõe-se analisar a forma de contagem desse prazo(principalmente se considerados os novos dispositivos trazidos pelo CPC/2015 sobre o tema) e o seu termo inicial. É uníssono que o prazo fluirá da data da concretização do ato registral, sendo este o momento em que ocorre a prenotação da certidão na matrícula no bem, conforme disposto no artigo 182 da Lei nº 6.015/1973 (a Lei de Registros Públicos) Não obstante, a aludida contagem se valerá do disposto no artigo 219 do CPC/201547, pelo qual serão contabilizados somente os dias úteis. Sem pretender criticar o dispositivo, mas tão somente avaliar os efeitos práticos da mudança, significa dizer que o prazo (real) para comunicação ao juízo será de até 14 (quatorze) dias corridos (sem considerar eventuais feriados).

Quase que sempre o exequente se preocupa apenas com a averbação da penhora do bem. Não se preocupando se a manutenção das demais averbações premonitórias implicariam ou não prejuízo para o patrimônio do executado. Com isso, num misto de falta de zelo e omissão, o credor costuma atribuir tal responsabilidade ao juízo da execução tal conduta já não se afigurava como aceitável no sistema anterior, tendo sido necessário o legislador disciplinar a matéria.


5. Do Dever de Lealdade Processual do Exequente

O legislador reconheceu que a conduta do exequente que opta pelo uso do instrumento de averbação premonitória deverá ser mais responsável ainda, limitando-se à averbação apenas dos bens necessários para o pagamento do crédito inadimplido, devendo se atentar em especial ao prazo previsto no § 2º para o levantamento das averbações que excedam os bens penhorados, sob pena das sanções cominadas que comportam a multa por litigância de má fé que já era aplicada pela mesma conduta no código anterior (20% sob o valor da causa), acrescida do dever de indenizar pelos danos ocasionados por sua desídia a ser processada por meio de incidente.

Em linhas gerais enquanto o diploma anterior fazia referência direta ao seu artigo 18, § 2º, que trata da multa por litigância de má-fé e a indenização à parte prejudicada em valor desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, o atual código prevê a indenização ampla, sem prejuízo da mesma multa por litigância de má fé que foi recepcionada pela lei processual vigente. A conduta processual rechaçada pelo novo código de processo era também coibida pelo anterior.

Contudo, parte da responsabilidade pela necessidade da alteração do Código de Processo Civil, a qual defendemos que não seria necessária, é do Poder Judiciário que ao contrário dos institutos de direito comparado que se inspirou, passou a aplicar a teoria do mero aborrecimento de forma desmedida e em qualquer caso. Mesmo quando o executado comprovava o excesso cometido pelo exequente após anos a fio não raras as vezes o magistrado não lhe aplicava multa ou atendia sua pretensão de ter justa indenização pelo ilícito de ordem civil e processual cometido.

A ética civil e processual já recomendavam que em tais casos fosse fixada justa indenização pela perda injusta ou temporária de determinada do principal direito da propriedade: a disposição. Por mais que aleguem que as averbações premonitórias não impediriam atos translativos da propriedade do bem é inegável acreditar que terceiros adquirentes adquiriam-no na pendência de tal informação, sobretudo, bens imóveis.

O direito não busca sua fonte num mundo de ideais perfeitos, o busca no seio das relações interpessoais. A experiência aponta que a interpretação aos gravames gerados pelo uso do instrumento premonitório é que se trata de verdadeira restrição a disposição do bem. Em se tratando de um devedor, que é sempre o caso do prejudicado, tal restrição adquire especial relevo fazendo com que a mora e seus corolários cessem a partir do momento em que o devedor perderia o direito de realizar parte do seu patrimônio para remir a execução


6. Do Dever de Lealdade Processual do Exequente

Como visto, o § 2º do art. 828 atribuiu ao credor a responsabilidade do cancelamento das averbações dos bens que excedesse o limite para a satisfação do crédito. Tal abuso de direito, portanto, se refere, na realidade, à omissão no levantamento da averbação, e o registro dessa hipótese dentre as passíveis de responsabilização se destina a garantir adequada utilização do instituto.

O exequente precisa se ater ao valor do seu crédito e eleição de bens do acervo do devedor que bastasse para a garantia da execução.

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Evidente, destarte, não se discutindo a existência de dolo ou culpa por parte do requerido, uma vez que o direito brasileiro adota o critério objetivo, funcional ou finalístico para que se possa aferir ter havido o exercício abusivo do direito, segundo o qual mais relevante que a intenção do agente é a constatação de que o direito subjetivo terá sido exercido de modo contrário à sua finalidade econômica ou social.

O exequente que averba, penhora e não remove as averbações premonitórias excede os limites do exercício do próprio direito cometendo ato ilícito (art. 187 do Código Civil), diante de ter: (a) ultrapassado demasiadamente o valor do crédito; (b) não ter comunicado a totalidade das averbações ao juízo; (c) deixar de requerer aos registros competentes a baixa dos excessos, que deveria ter sido diligenciada por ele próprio independente de ordem judicial, mormente as definições do novo código de processo.

Sobre as hipóteses em que se verifica excesso do credor, José Miguel Garcia Medina (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 729) exemplifica:

Pode reputar-se manifestamente indevida a averbação, p.ex., quando: (a) a própria execução for manifestamente indevida, o que poderá vir a ser demonstrado, p.ex., nos embargos à execução; (b) realizada em vários bens, excedendo injustificadamente o valor da causa; (c) tendo o exequente informações acerca da existência de vários bens, opte por aquele que, evidentemente, tem valor excessivo, em detrimento de bem de valor inferior, mas mais adequado ao valor da causa; (d) feita a penhora, o exequente não realize o cancelamento da averbação sobre os demais bens (cf. § 2º, do art. 615-A). Incide o disposto no § 4º também nos casos em que o exequente exercite abusivamente o direito a que se refere o caput do mesmo artigo. Isso ocorrerá quando, embora admissível a averbação, o exequente exceder manifestamente os limites próprios do exercício de tal direito, como, p.ex., no caso em que o exequente realize a averbação em relação a uma quantidade excessiva de bens, quando suficiente a averbação em apenas um deles [...] Grifou-se

Cabe salientar que o atual código de processo civil atribuiu maior responsabilidade ainda ao credor quanto aos seus atos cautelares, não respondendo apenas pela litigância de má-fé mas também pela indenização suplementar ao prelecionar o § 5º do art. 828 que caberá ao exequente indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

Em nosso sentir, por se tratar de uma faculdade do credor a averbação premonitória que possui o mesmo efeito da penhora, consoante abordagem doutrinária, deve o mesmo responder de forma objetiva pelo exercício abusivo de uma faculdade, o direito de averbar (art. 187 do Código Civil).

Neste sentido, em abordagem ao tema, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina em sua obra Breves Comentário à nova Sistemática Processual Civil (RR, 2016; pág. 77):

Evidente, destarte, que se trata de forma de responsabilidade objetiva, não se discutindo a existência de dolo ou culpa por parte do credor, uma vez que o direito brasileiro adota o critério objetivo, funcional ou finalístico para que se possa aferir ter havido o exercício abusivo do direito, segundo o qual mais relevante que a intenção do agente é a constatação de que o direito subjetivo terá sido exercido de modo contrário à sua finalidade econômica ou social

Em outras palavras, a limitação foi substituída pela possibilidade de demonstração dos efetivos prejuízos suportados. Assim, pela possibilidade de ressarcimento, restaria atenuada a insegurança jurídica do ato registral que é realizado por uma mesma certidão que nas mãos do exequente sempre dará a destinação mais catastrófica possível ao patrimônio do executado. Com isso, a boa-fé objetiva e o dever de lealdade processual e respeito ao patrimônio alheio deixaram de ser apenas exortações éticas, tornando-se uma garantia ante a possibilidade de ampla condenação do exequente que se utilizasse do instituto de forma indevida.

Apesar da expressa indicação no dispositivo do art. 828, antes mesmo da aprovação do CPC/2015 José Miguel Garcia Medina já se posicionava pela imputação desta responsabilidade ao credor Escolhido o bem sobre o qual vai recair a penhora, as averbações dos demais bens não atingidos devem ser canceladas e a providência, a princípio, cabe ao credor. Não há necessidade de mandado, bastando apenas que ele se dirija ao ofício predial e, ali, requeira cancelamento às suas expensas, obtendo certidão a ser exibida ao Juiz. Não o fazendo, compete à autoridade processante as providências para a devida regularização.

Ainda tratando do cancelamento das averbações excedentes aos bens penhorados, o § 3º do artigo 828 indica que Caso o exequente deixe de providenciar, o próprio juiz, de ofício ou a requerimento, poderá fazê-lo, respondendo o exequente pelos danos causados. Sem correspondente no artigo 615-A, pode-se afirmar que o parágrafo foi inserido no intuito de afastar eventuais abusos decorrentes da nova incumbência conferida ao credor, o que também não afasta a sua aplicação em outros casos nos quais se mostre necessário o levantamento da anotação. Conforme já comentado no decorrer do presente incidente, nessa situação a comprovação de dano pelo executado ensejará a responsabilização prevista no § 5º do artigo 828 em sua forma objetiva.

Sobre as hipóteses em que se verifica excesso do credor, José Miguel Garcia Medina exemplifica: Pode reputar-se manifestamente indevida a averbação, p.ex., quando: (a) a própria execução for manifestamente indevida, o que poderá vir a ser demonstrado, p.ex., nos embargos à execução; (b) realizada em vários bens, excedendo injustificadamente o valor da causa; (c) tendo o exequente informações acerca da existência de vários bens, opte por aquele que, evidentemente, tem valor excessivo, em detrimento de bem de valor inferior, mas mais adequado ao valor da causa; (d) feita a penhora, o exequente não realize o cancelamento da averbação sobre os demais bens (cf. § 2º, do art. 615-A). Incide o disposto no § 4º também nos casos em que o exequente exercite abusivamente o direito a que se refere o caput do mesmo artigo. Isso ocorrerá quando, embora admissível a averbação, o exequente exceder manifestamente os limites próprios do exercício de tal direito, como, p.ex., no caso em que o exequente realize a averbação em relação a uma quantidade excessiva de bens, quando suficiente a averbação em apenas um deles.

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Sobre o autor
Matheus dos Santos Buarque Eichler

Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes Centro. Sócio Fundador do escritório Eichler e Eichler. Diretor Jurídico de Empresas de Energia. E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EICHLER, Matheus Santos Buarque. Dos excessos no uso do instrumento de averbação premonitória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6770, 13 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95865. Acesso em: 20 abr. 2024.

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