Capa da publicação Aposentadoria: idade mínima é obrigatória nos Estados e Municípios
Artigo Destaque dos editores

Não existe sistema híbrido de aposentadoria.

Obrigatoriedade de inserção das idades mínimas nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais

26/01/2022 às 08:45
Leia nesta página:

Até que as idades mínimas sejam alteradas localmente, aplicam-se as regras anteriores à EC nº 103/2019.

O presente artigo tem como matéria de fundo a aplicabilidade ou não de leis estaduais ou municipais, no que se refere à concessão de aposentadorias voluntárias, involuntárias e especiais após a edição da Emenda Constitucional nº 103, de 2019.

Celeuma se instalou a partir da EC 103, notadamente no que concerne à modificação do Art. 40, da CF/88 para instituir novas regras de aposentação. A par da EC nº 103, de 2019, estados e municípios acabaram por modificar suas legislações anteriores, trazendo novas regras.

Vale dizer que as regras contidas na EC 41/03 e EC 47/05 foram expressamente revogadas pelo Art. 35, da EC 103, de 2019. Com relação à idade mínima para a aposentadoria voluntária, o inciso III, do Art. 40 da CF/88 na redação dada pela EC 103, de 2019, foi taxativo ao dizer que a instituição de novas idades somente poderia ser firmada via emenda às constituições estaduais ou leis orgânicas municipais. Eis o conteúdo do dispositivo:

Art. 40.............

[...]

III - no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo.

(Os grifos são meus).

Da dicção do dispositivo, é de se frisar que os demais requisitos para aposentação voluntária (tempo de contribuição, tempo no serviço público, na carreira e no cargo) têm permissivo constitucional para regulamentação via lei complementar. Ou seja, somente o requisito idade mínima foi, por vontade do constituinte derivado, elevado à categoria constitucional. Em outras palavras, não houve a completa desconstitucionalização das regras para aposentadoria voluntária.

Esta exigência da EC 103, de 2019 trouxe dúvidas no tocante à aplicabilidade de leis complementares [p. ex. Lei Complementar nº 52, de 2019 do Estado de Alagoas, posto que as novas idades mínimas não foram regulamentadas via emenda à Constituição Estadual e sim somente via lei complementar].

Partindo-se dessa premissa, dois posicionamentos foram aventados: i) que orienta no sentido da presunção de constitucionalidade e possibilidade de imediata aplicabilidade da lei estadual ou municipal; e ii) no sentido da não aplicação em completude da referida lei complementar, enquanto não alteradas as constituições estaduais ou leis orgânicas municipais.

No segundo caso acima referido, entendeu-se que, extraindo a orientação posta pela Emenda Constitucional nº 103/2019, enquanto não promovida a alteração dos novos parâmetros de idade para fins de aposentadoria nas constituições estaduais ou leis orgânicas municipais, deverão ser aplicadas as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor da citada Emenda Constitucional.

Numa terceira linha exegética poder-se-ia admitir uma arquitetura jurídica mesclando-se as regras contidas na lei posterior à EC 103 e na lei anterior a mesma, manuseando-se os requisitos para aposentação na lei posterior e a idade mínima na lei anterior. No entanto, tal construção jurídica fere o princípio da legalidade (CF/88, Art. 37), conforme veremos a seguir.

Analisando de forma percuciente a sistemática que gira em torno das regras de aposentadoria, o entendimento acima mencionado foge à lógica do sistema. A partir do advento da Emenda Constitucional n.º 20/98 a aposentadoria dos servidores públicos passou a exigir, para sua concessão, requisitos cumulativos (idade, tempo de contribuição, tempo no serviço público, tempo na carreira, em alguns casos, e, tempo no cargo).

A previsão constitucional que estabelece a cumulatividade de requisitos para a concessão da aposentadoria leva invariavelmente a interpretação (seja literal, sistemática, histórica ou teleológica) de que todas as exigências sejam preenchidas no mesmo instante. Nesta esteira, o servidor ao longo de determinado lapso temporal não pode ter a concessão de seu benefício com base em duas regras distintas.

Neste contexto, as regras de aposentadoria são cumulativas e não podem ser dissociadas. Todos os requisitos para aposentação (idade mínima, tempo de contribuição, de serviço público, de carreira e cargo) devem estar contidos no mesmo sistema legal. Para ilustrar, vejamos as disposições contidas no Art. 6º da EC nº 41/2003 e Art. 3º da EC nº 47/2005, sucessivamente e in verbis:

Art. 6º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º desta Emenda, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda poderá aposentar-se com proventos integrais, que corresponderão à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, quando, observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no § 5º do art. 40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes condições:

I - sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher;

II - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

III - vinte anos de efetivo exercício no serviço público; e

IV - dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria.

Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes condições:

I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II - vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria;

III - idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo.

Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com base neste artigo o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, observando-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos de servidores falecidos que tenham se aposentado em conformidade com este artigo.

Atendendo às diretrizes constitucionais temos que a concessão de aposentadorias deve seguir as regras estabelecidas pela Constituição Federal e suas Emendas reformadoras, que trazem requisitos a serem preenchidos de forma cumulativa.

E por ser assim, a sistemática da cumulatividade de requisitos, para fins de aposentação pós EC 103, não deixou de existir. Desta forma, temos não ser possível a conjugação de regras entre o sistema normativo anterior com o sistema normativo posterior.

Isto quer dizer que, ou se aplicam as regras na integralidade de um sistema ou de outro. Ocorre que, ao se permitir conjugação de regras, estar-se-á criando um sistema hibrido de aposentadoria, o que é veementemente rechaçado no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Para clarificação, seguem julgados:

4. In casu, o ato impugnado está alinhado a reiterados entendimentos do Plenário desta Corte, no sentido de que (i) não há direito adquirido a regime jurídico, não sendo possível a criação de um sistema híbrido, com a junção de vantagens de dois regimes RE 587.371 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, DJe 24/06/2014, (ii) a irredutibilidade da remuneração do agente público, nas hipóteses de alteração por lei do regramento anterior, alcança somente a soma total antes recebida RE 563.965 RG, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 20/03/2009 e (iii) a sentença que reconhece ao trabalhador ou servidor o direito a determinado percentual de acréscimo remuneratório deixa de ter eficácia a partir da superveniente incorporação definitiva do referido percentual. - RE 596.663 RG, Relator Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Teori Zavascki, DJe 26/11/2014. (STF, MS 35483 A GR / DF, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 15/06/2018 parte da ementa).

EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário. Previdenciário. Aposentadoria. Revisão da renda mensal inicial. Pretensão de utilização de regras de regimes diversos. Sistema híbrido. Impossibilidade. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Precedentes. 1. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade da conjugação das regras mais benéficas de regimes de aposentadoria distintos, pois caracterizaria verdadeiro sistema híbrido, incompatível com a sistemática de cálculo dos benefícios previdenciários. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação infraconstitucional e o exame de ofensa reflexa à Constituição Federal. 3.Agravo regimental não provido. (STF, re 643925 AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 18/02/2014, p. 01/04/2014).

Por conseguinte, a Colenda Corte entende que a superposição de vantagens [ou desvantagens] caracteriza sistema híbrido, incompatível com a sistemática de cálculo dos benefícios previdenciários (cf. RE 57089). Ao conjugar regras, ou seja, deixando de dar cumprimento à imposição da cumulatividade das mesmas, como dito linhas atrás, estar-se-á frente a sistema híbrido, com aplicabilidade de regras previstas antes da edição da EC 103, de 2019 no que toca ao tema das idades mínimas conjugadas com as demais regras para aposentação tempo de contribuição, no cargo, na carreira e cargo (ou imposição de data de ingresso). Não há portanto, como haver junção de regras previstas em sistemáticas diferenciadas. Ou se aplica uma regra em sua integralidade ou se deixa de aplicá-la.

Outrossim, a mesclagem de regras poderia ser interpretada, inclusive no futuro, como uma regra de transição tácita (implícita e subjacente). Assim, definitivamente, não há que se falar em aplicabilidade conjugada de regras, por violação ao princípio da legalidade e mácula ao sistema previdenciário.

Vencida esta etapa surge a questão de fundo da execução prática das leis complementares estaduais e municipais nos entes federados que não promoveram a modificação ou inserção de idade mínima para aposentação de servidores públicos em suas constituições estaduais ou leis orgânicas. Mencionada dúvida diz respeito especificamente no que tange à concessão de aposentadorias, com fincas nas novas regras, notadamente no que se refere à majoração de idades mínimas para aposentação.

O Art. 40, III, da Constituição Federal, na redação dada pela EC nº 103, de 2019, foi claro ao dispor que todos os requisitos para aposentação, a partir de então, estavam desconstitucionalizados, podendo ser regulamentados por lei. Contudo, excepcionou a desconstitucionalização das idades mínimas. Eis o teor do dispositivo aqui invocado:

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Art. 40................

[...]

III - no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo.

Vale dizer que, enquanto não aprovada emenda constitucional com o fim de fixar a idade mínima para aposentação, devem ser aplicadas as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, por força do §9º do Art. 4º da referida Emenda, que assim estabelece:

Art. 4º ........

[...]

§ 9º Aplicam-se às aposentadorias dos servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social.

Nesse sentido, a norma infraconstitucional ao eleger modificar as idades mínimas aumentando-as, terminou por adentrar em matéria que a Constituição Federal destinou exclusivamente ao Poder Constituinte Derivado Reformador Decorrente, o que impede a aplicação do dispositivo legal, por se tratar de ato normativo (lei complementar) incompetente para regular a matéria (reservada à Constituição Estadual).

Vale reforçar que não há como dar aplicabilidade parcial a dispositivo legal. Se fora reconhecida a necessidade de edição de emenda à Constituição Estadual não há como ser aproveitado parte do dispositivo, pois pensar diferente foge à sistemática da ordenação jurídica.

Com isso, devem ser observadas as idades mínimas anteriores até que as novas idades previstas sejam assentadas nas constituições estaduais ou leis orgânicas municipais.

Posto isto, temos que sem a modificação nos textos como aludido, não há que se falar em majoração das idades mínimas para assunção das novas regras de aposentação. A implicação prática da assertiva remete à aplicabilidade das regras antigas no que concerne à concessão dos benefícios.

No que concerne às aposentadorias com redução de idade (professores) a hermenêutica deve ser a mesma, nos termos do Art. 40, § 5º, da CF/88, na redação dada pela EC 103:

Art. 40..............

[...]

§ 5º Os ocupantes do cargo de professor terão idade mínima reduzida em 5 (cinco) anos em relação às idades decorrentes da aplicação do disposto no inciso III do § 1º, desde que comprovem tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio fixado em lei complementar do respectivo ente federativo.

Ou seja, quanto à idade mínima dos professores, não há nenhuma dificuldade na sua fixação, pois que a própria constituição a reduziu em 5 (cinco) anos, como se depreende do § 5º do art. 40 na redação da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, desde que conste no texto da Constituição Estadual as idades mínimas.

Não havendo reforma às constituições estaduais ou leis orgânicas municipais fixando a idade mínima para a aposentadoria voluntária do servidor público em geral, a redução de 5 (cinco) anos incide sobre as idades mínimas anteriores.

No que diz respeito às aposentadorias especiais de policiais civis e os ocupantes dos cargos de agente penitenciário ou socioeducativo, temos que a Lei Complementar nº 51, de 1985, modificada pela Lei Complementar nº 144, de 2014, não faz referência à idade mínima para aposentação desses servidores em especial. Neste sentido:

Art. 1º A ementa da Lei Complementar no 51, de 20 de dezembro de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação:

Dispõe sobre a aposentadoria do servidor público policial, nos termos do § 4o do art. 40 da Constituição Federal.

Art. 2º O art. 1o da Lei Complementar no 51, de 20 de dezembro de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º O servidor público policial será aposentado:

I - compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, qualquer que seja a natureza dos serviços prestados;

II - voluntariamente, com proventos integrais, independentemente da idade:

a) após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se homem;

b) após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se mulher. (NR)

Contudo, historicamente desde 1985 com a LC nº 51, os requisitos para aposentação de policiais civis vem sendo regulamentada via lei complementar. A questão acerca da regulamentação (inclusive idade mínima) de policiais civis gerou polêmica, sendo objeto de ações diretas de inconstitucionalidade. Na ADI 5241 (ainda em tramitação) que questiona a constitucionalidade da LC 144, no que se refere especificamente à aposentadoria compulsória da categoria, a Procuradoria Geral da República assim se manifestou:

CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 1º, I, DA LEI COMPLEMENTAR 51/1985, NA REDAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR 144/2014. APOSENTADORIA DE SERVIDORES POLICIAIS. 1. A Lei Complementar 144, de 15 de maio de 2014, possui caráter nacional, sendo-lhe inaplicável a exceção do art. 61, § 1 o , II, c, da Constituição da República, sobre competência privativa do Presidente da República para dispor regras específicas sobre regime jurídico de servidores públicos. 2. Tratamento específico em favor de servidores policiais pode ser justificado pelas peculiaridades da atividade. 3. Previsão de regra de aposentadoria mais benéfica em lei complementar é condicionada a efetivo exercício de atividade sob condições especiais que o justifiquem (art. 40, § 4º, da CR), ou seja, no caso dos servidores policiais, o de atividade policial em sentido estrito, particularmente sujeita a agravos à saúde física e mental. 4. Parecer pela procedência parcial do pedido, para se declarar inconstitucionalidade da expressão qualquer que seja a natureza dos serviços prestados, contida na parte final do art. 1º, I, da Lei Complementar 51/1985, na redação da Lei Complementar 144/2014. (STF, ADI 5241, Rel. Min. Gilmar Mendes, protocolada em 12/02/2015, até o presente momento sem definição, encontrando-se os autos conclusos ao Relator).

Sobre a questão acerca da aposentadoria compulsória dos policiais civis veiculada na ADI 5129, o STF julgou que o ato normativo questionado foi objeto de posterior revogação expressa pelo art. 3º da Lei Complementar 152, de 3 de dezembro de 2015. Assim, tem-se que a presente ação está prejudicada, por perda superveniente de objeto (STF, ADI 5.129, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21/10/2016). Desta forma, a matéria cinge-se à aposentadoria voluntária dos policiais civis, se pode ou não a lei complementar instituir idade mínima para aposentação.

Ocorre que não houve manifestação concludente por parte do STF acerca da constitucionalidade da LC nº 144/2014. Neste diapasão, entendo pela possibilidade de normatização da aposentadoria dos policiais civis e ocupantes dos cargos de agente penitenciário ou socioeducativo se dar exclusivamente via lei complementar, não carecendo de previsão de idade mínima na Constituição Estadual. A asserção encontra respaldo no Art. 40, § 4º-B, da Constituição Federal, na redação dada pela EC nº 103, de 2019:

Art. 40.......

[...]

§ 4º-B. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de ocupantes do cargo de agente penitenciário, de agente socioeducativo ou de policial dos órgãos de que tratam o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a IV do caput do art. 144.

(Os destaques são meus).

Dito isto, entendo como aplicável o conteúdo das leis complementares posteriores à EC 103, de 2019, sem ressalvas. Assim, o servidor policial civil e os servidores ocupantes dos cargos de agente penitenciário ou socioeducativo, para fins de aposentação, sujeitam-se aos requisitos impostos pela nova legislação, a partir de sua entrada em vigência.

No que diz respeito aos servidores com deficiência, agentes penitenciários e agentes com efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos prejudiciais, temos que a fixação foi reservada à legislação complementar dos estados, Distrito Federal e municípios, como se observa dos §§ 4º-A e 4º-C do Art. 40 da Constituição Federal, com alteração da Emenda Constitucional 103, de 2019:

Art. 40.......

[...]

§ 4º-A. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

[...]

§ 4º-C. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.

Para melhor clarificação, vale ilustrar:

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE INJUNÇÃO. aposentadoria especial DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. EMENDA CONSTITUCIONAL 103, de 2019. PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE DE AGIR. MANDADO DE INJUNÇÃO PREJUDICADO. I A Emenda Constitucional 103/2019 dispõe, em seu art. 22, caput, que a aposentadoria especial de servidor público federal portador de deficiência é assegurada mediante o preenchimento dos requisitos previstos na Lei Complementar 142/2013, que deve ser aplicada inclusive nos períodos de prestação de serviço anteriores à sua vigência, até que seja editada a lei complementar exigida pelo art. 40, § 4º-A da Constituição da República. II Mandado de injunção prejudicado, diante da superveniência da EC 103/2019. (STF, MI 6751 AgR-ED-ED, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 18/08/2020, Publicação: 04/09/2020).

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 942. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADES EXERCIDAS SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS QUE PREJUDIQUEM A SAÚDE OU A INTEGRIDADE FÍSICA. CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM. CONTAGEM DIFERENCIADA. APLICABILIDADE DAS NORMAS DO RGPS. POSSIBILIDADE ATÉ A EDIÇÃO DA EC 103/2019. PLEITO DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. ALEGADO IMPACTO NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. QUESTÃO ATÉ ENTÃO NÃO CONSOLIDADA PELA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. IMPOSSIBILIDADE DE MODULAÇÃO NA HIPÓTESE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS APENAS PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na Sessão Virtual realizada em 31.08.2020, Rel. Min. Dias Toffoli, em que fui redator para o acórdão, ao analisar o mérito dos autos do recurso extraordinário, por meio da sistemática da repercussão geral (Tema 942), fixou a seguinte tese: Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República. 2. O parâmetro a ser utilizado para a verificação da conversão do tempo especial em comum, tal como restou decidido no acórdão embargado, para obtenção de outros benefícios previdenciários, é o regramento do regime geral de previdência (Lei 8.213/91), nos termos do art. 40, § 4º, III, da CF, até a edição da EC 103/2019, enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. 3. A análise dos pressupostos para a obtenção de benefícios previdenciários, em que se discutem questões fáticas e dependam de interpretação de legislação infraconstitucional, não compete a esta Suprema Corte. Tal análise caberá aos órgãos administrativos e judiciais competentes, em cada caso. 4. Não houve mudança de entendimento em torno da matéria no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, de modo que não há que se falar em afronta ao princípio da segurança jurídica. 5. Além disso, não ficou demonstrada a ocorrência de motivos excepcionais de interesse social, tendo em vista que as alegações da parte Recorrente foram baseadas em previsão de dados que informam futuro impacto financeiro nos regimes próprios do Estado de São Paulo, o que não é suficiente para justificar a supressão de direitos. 6. Ausentes, portanto, os requisitos necessários à pretendida modulação de efeitos da decisão proferida sob a sistemática da repercussão geral. 7. Embargos de declaração acolhidos apenas para prestar esclarecimentos, sem atribuição de efeitos infringentes. (STF, RE 1014286 ED / SP - SÃO PAULO, EMB.DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Julgamento: 17/05/2021, Publicação: 09/06/2021, Órgão julgador: Tribunal Pleno).

Ocorre que também neste caso específico, o legislador constituinte resolveu desconstitucionalizar as regras, o que restou acolhido no âmbito do Pretório Excelso. Qualquer celeuma antes existente, principalmente no que tange à competência dos entes federativos, foi sanada com a Emenda Constitucional nº 103, de 2019.

Pelo exposto, temos:

i) com relação às aposentadorias voluntárias devem aguardar a edição de emenda constitucional para aplicabilidade das leis complementares infraconstitucionais editadas pós EC 103, de 2019. Ou seja, enquanto não editada emenda constitucional ou orgânica modificativa das idades mínimas, devem ser aplicados as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor da EC nº 103, de 2019 (Art. 4º, § 9º, da EC 103);

ii) com relação às aposentadorias dos policiais civis e os ocupantes dos cargos de agente penitenciário ou socioeducativo, devem ser aposentados seguindo a nova sistemática estabelecida pelas leis posteriores à EC 103, de 2019; e

iii) e com relação aos servidores com deficiência, (submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar) e servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, devem ser aposentados seguindo a nova sistemática estabelecida pelas leis posteriores à EC 103, de 2019.

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Sobre a autora
Rosana Colen Moreno

Rosana Cólen Moreno. Procuradora do Estado de Alagoas. Membro da Confederação Latino-americana de trabalhadores estatais (CLATE). Especialista em previdência pública pela Damásio Educacional e em direitos humanos pela PUC/RS (em finalização). Autora do livro Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção, publicado pela LTr. Coordenadora da Comissão Internacional Avaliadora instituída pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO-UNESCO) e denominada “Desigualdades, Exclusão e Crises de Sustentabilidade dos Sistemas Previdenciários da América Latina e Caribe. Educadora, Professora, Instrutora, Palestrante, Consultora. Participante do programa de doutorado em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires – UBA. Especialista em Regimes Próprios de Previdência (Damásio Educacional). Autora do livro: Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORENO, Rosana Colen. Não existe sistema híbrido de aposentadoria.: Obrigatoriedade de inserção das idades mínimas nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6783, 26 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96105. Acesso em: 20 abr. 2024.

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