Capa da publicação Nova Lei de Improbidade: efeitos eleitorais
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A nova Lei de Improbidade Administrativa e o reflexo no âmbito do direito eleitoral

05/05/2022 às 13:30

Resumo:


  • A Lei nº 14.230/2021 alterou de forma substancial a Lei de Improbidade Administrativa, tornando explícito que somente as condutas dolosas tipificarão atos de improbidade.

  • A nova legislação exige a comprovação de dolo para configuração do ato de improbidade administrativa, afastando a responsabilidade por atos sem má-fé, e impactando diretamente na inelegibilidade de agentes públicos.

  • A retroatividade das alterações da Lei nº 8.429/92 tem repercussão direta no Direito Eleitoral, influenciando os processos de impugnação de candidaturas e a execução de sentenças baseadas em preceitos revogados ou alterados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei 14.230/2021 possui aplicação imediata nas ações em curso, inclusive nas execuções/cumprimentos de sentença, com reflexos diretos nas penalidades afetas no direito eleitoral.

DO DIREITO ELEITORAL E A NOVA DISCIPLINA LEGAL DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O sistema de responsabilização por ato de improbidade administrativa teve grandes alterações com o advento da Lei nº 14.230/2021, que buscou corrigir as falhas legislativas constantes da redação inaugural da Lei nº 8.429/92.

A maior falha da redação inicial da Lei nº 8.429/92, em nosso entendimento, estava ligada aos comandos abertos da norma, que ao não definir o núcleo do tipo do ato de improbidade administrativa permitia que o intérprete pudesse manejar ações de improbidade voltadas contra atos ilegais, sem a demonstração de má-fé ou de desonestidade praticados por parte do agente público.

A partir do momento em que não havia uma normatização técnica sobre o tema, tudo, ou quase tudo, poderia ser considerado como ato de improbidade administrativa, até aquele que era precedido de boa-fé.

Essa grave falha legislativa causou muito desconforto para agentes públicos ou políticos incluídos em polos passivos de demandas que envolvem ato de improbidade, pelo simples fato de serem ordenadores de despesas ou possuírem cargo de direção ou de chefia de órgãos públicos.

Na verdade, esse excesso de judicialização de todo e qualquer ato público, sem o devido critério, em face do já citado defeito legislativo, levou ao que se denominou um verdadeiro “apagão das canetas”, onde o agente público bem intencionado não aceitava a ascensão em sua carreira, para não ser alçado a condição de réu em ação de improbidade, sem ter praticado ato de desonestidade ou má-fé.

Não suportando mais tal anomalia jurídica, o legislador viu-se na necessidade de alterar os equívocos detectados na redação inicial da Lei nº 8.429/92. Inicialmente, para tanto, foi constituída uma Comissão de Especialistas na matéria, presidida pelo Min. Mauro Campbell Marques, da qual tive a honra de participar, com a incumbência de esboçar ideias construtivas para a alteração da legislação, com a participação da sociedade em inúmeras audiências públicas.

Feito o primeiro esboço da matéria pelo aludida Comissão, o estudo foi encaminhado para o Deputado relator do respectivo Projeto da Lei, que após algumas alterações apresentou o texto promulgado pela Lei nº 14.230/2021, alterando quase que por completo a redação inicial da Lei de Improbidade Administrativa.

Inicialmente, é de se destacar que o legislador foi feliz em deixar explícito que somente as condutas dolosas é que irão tipificar os atos de improbidade descritos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 (§ 1º, art. 1º).

Sendo considerado dolo, para fins de improbidade, “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts 9º, 10 e 11 dessa Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (§ 2º, do art. 1º, da Lei nº 8.429/92).

Agora, o mero exercício da função ou desempenho de competências, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa, em face do disposto do § 3º, do artigo 1º, da Lei nº 8.429/92.

Alterada de forma substancial a Lei de Improbidade Administrativa, o legislador optou por determinar também expressamente a aplicação dos princípios constitucionais do direito sancionador (§ 4º, art. 1º), sendo certo que um dos princípios constitucionais do direito sancionador é a retroatividade da lei mais benéfica (art. 5º, XL, da CF).

Tal discussão jurídica está aguardando o julgamento do Tema nº 1.199/STF, que trata da aplicação retroativa das alterações da Lei de Improbidade, mais precisamente sobre a prescrição intercorrente e a necessidade do dolo no caput dos arts. 10. e 11, da Lei nº 8.429/92.

O relator do referido Tema nº 1.199/STF, Ministro Alexandre de Moraes, no dia 22/4/22, acolheu embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República em face da decisão monocrática que determinou a suspensão do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, para determinar a suspensão do prazo prescricional nos processos com repercussão geral reconhecida no Tema nº 1.199/STF.

Delimitado o tema ao artigo aqui proposto, impende deixar explícito que uma das relevantes situações que irá refletir no direito eleitoral é o enriquecimento ilícito do agente público, que era presumida no inc. VII, do art. 9º, da Lei nº 8.429/92, segundo interpretação jurisprudencial, e agora não pode mais ser presumido, pois na ação de improbidade não se aplica a imposição de ônus da prova ao réu, na forma dos § 1º e 2º do art. 373, do CPC (§ 19, II, art. 17, da Lei nº 8.429/92).

Sendo causa de inexigibilidade, é importante destacar que a imposição do ônus da prova é do autor da ação de improbidade, que deverá deixar explícito (provado) que o enriquecimento ilícito do agente público, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda, decorreu da prática de ato omissivo ou comissivo no exercício ou em decorrência do vínculo público.

Não basta a alegação do poder público de que há desproporcionalidade da evolução do patrimônio ou da renda do agente público, devendo ser provado, pois não se pode mais condenar sem produção das provas tempestivamente especificadas (§ 10-E, II, Art. 17, da Lei nº 8.429/92).

Também em boa hora, o artigo 10, da Lei nº 8.429/92, estabelece que o ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, por ação ou omissão, deve ser doloso, desaparecendo a figura da culpa, prevista na redação inicial do citado artigo.

Além do dolo, deve ser efetiva e real a perda patrimonial (prejuízo) do ente de direito público, deixando de ser admitido o dano in re ipsa, até então admitido pela jurisprudência, quando era frustrada uma licitação, dentre outras situações legais.

Outra alteração relevante foi inerente ao art. 11, da Lei nº 8.429/92, que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por condutas taxativas, descritos nos incisos subsequentes do aludido artigo.

Na hipótese do art. 11, da Lei nº 8.429/92, não há mais a sanção de perda da função pública ou suspensão dos direitos políticos (inc. III, do art. 12, da Lei nº 8.429/92).

No que tange ao Direito Eleitoral, a Lei nº 14.230/2021, que revogou e alterou dispositivos legais da Lei nº 8.429/92, possui reflexo direto no tema das inelegibilidades, estabelecidas nos inciso I, alíneas “g” e “l”, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 64/1990, assim descritos:

“Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g- os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71. da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

(...)

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;”.

Como visto, o inciso I, alínea “l”, do artigo 1º, determina que estão inelegíveis aqueles que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, o que significa dizer que os que forem condenados por dolo genérico estariam fora do contexto sub oculis.

Isso porque, pela retroatividade das alterações da Lei nº 8.429/92 (art. 1, § 4), não será permitido ao judiciário eleitoral reconhecer inelegíveis os condenados por dolo genérico com base na redação inaugural da citada lei.

Assim, a atual redação da Lei nº 8.429/92 exige a prática de dolo direto e não eventual, bem como aqueles que foram condenados sem o devido exame do elemento subjetivo, situação concreta da hipótese de ausência de fundamentação adequada. Essas alterações impactam de forma permanente o Direito Eleitoral, quando forem decididos os processos de impugnações de candidaturas.

Os processo de impugnação de uma candidatura eleitoral devem seguir o plasmado da Lei da Ficha Limpa e de toda a legislação aplicável, para que se permita o registro daqueles em que cumpram os requisitos legais, e que se negue o registro para aqueles que não consigam demonstrar que estão aptos para serem votados, em face dos impedimentos criados pelo legislador, para evitar que políticos desonestos e ímprobos sejam candidatos.

Em fase da nova ordem legal estabelecida na Lei nº 8.429/92, não estaria a Justiça Eleitoral decidindo sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas, consoante determinado pela Súmula nº 41/TSE, mas objetivamente analisando a causa de inelegibilidade a que alude a atual redação da Lei de Improbidade Administrativa, com a redação que lhe deu a Lei nº 14.230/2021.

Também não haverá a incidência do § 7º, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, em qualquer das hipóteses previstas como ato de improbidade na modalidade “violação a princípios”, uma vez que foi explicitamente revogada pela Lei nº 14.230/2021, que suprimiu o inciso I, do artigo 11, da Lei nº 8.429/92.

Da mesma forma, a absolvição criminal em ação que se discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação de improbidade administrativa, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no artigo 386, do CPP (§ 4º, art. 21, da Lei nº 8.429/92).

Em outras palavras, como agora há a repercussão plena de uma absolvição penal, julgada por órgão colegiado independentemente da fundamentação, se os fatos forem os mesmos, a ação de improbidade, mesmo em fase de execução do julgado, terá a sua tramitação interrompida, em face da impossibilidade da prática do bis in idem, segundo o disposto do § 4º, do artigo 21, da Lei nº 8.429/92.

Assim sendo, em face da unidade de direito, os mesmos fatos julgados em um órgão colegiado criminal, no caso da absolvição, possuem o condão de impedir o trâmite da Ação de Improbidade, inclusive em fase de execução/cumprimento de sentença, em prol do princípio do non bis in idem.

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Essa situação concreta impactará no direito eleitoral, que ao cumprir o que vem estatuído no § 4º, do art. 21, da Lei nº 8.429/92, terá que se utilizar da absolvição criminal como balizador, impedindo que o título judicial condenatório na ação de improbidade, baseado em norma revogada ou alterada, tenha reflexo negativo no registro da candidatura, se os fatos forem os mesmos.


DA INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO JUDICIAL BASEADO EM PRECEITO INEXISTENTE NA NOVA LEI DE IMPRODIDADE ADMINISTRATIVA

A questão relativa às execuções/cumprimentos de sentença em curso baseadas em títulos judiciais transitados em julgado sob a égide da antiga redação da Lei nº 8.429/92 merece profunda reflexão, haja vista que a Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, publicada no D.O de 26/10/2021, alterou SUBSTANCIALMENTE a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), entrando em vigor imediatamente, na data de sua publicação.

O § 4º, do Artigo 1º, da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, determina a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador, restando assim grafado:

“Art. 1º - O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta lei.

(...)

§ 4º - Aplica-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.”

(grifamos)

Ora, quanto às normas de natureza processual, não remanescem maiores dúvidas quanto à aplicação imediata da atual Lei de Improbidade Administrativa aos processos em curso, que deverão se adaptar às inovações normativas na forma do Artigo 14 do Código de Processo Civil, e, por analogia, do Artigo 2º do Código de Processo Penal, que preveem a aplicação imediata de norma processual aos processos em curso.

Assim, resta absolutamente induvidosa a aplicação imediata das alterações introduzidas pela nova Lei nº 14.230/21 na redação original da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) aos processos em curso, inclusive àqueles em fase de execução/cumprimento de sentença, mormente pelo fato de que se aplicam ao sistema disciplinado na referida lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, que preconiza a retroatividade da lei mais benéfica.

Pois bem, o § 1º, do Artigo 525, do Código de Processo Civil, estabelece as matérias que poderão ser arguidas por meio de Impugnação do Cumprimento de Sentença, e, entre elas, contempla em seu inciso III a INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO ou INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO, verbis:

“Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

§ 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:

(...)

III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;”

Por sua vez, o § 12, do referido Artigo 525, do Código de Processo Civil, estabelece que considera-se inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, litteris:

§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

A intenção do legislador processual, ao introduzir o preceito de lei acima transcrito, era exatamente impedir a execução das sentenças transitadas em julgado, proferidas com base em leis declaradas posteriormente inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, IMPEDIR QUE O TÍTULO JUDICIAL BASEADO EM LEI RETIRADA DO ORDENAMENTO JURÍDICO POSSA PRODUZIR SEUS EFEITOS.

E o Supremo Tribunal Federal, quando suscitado sobre a constitucionalidade do § 1º, do Artigo 741, do CPC/73, cujas disposições foram repetidas pelo § 12, do Artigo 525 do atual Código de processo Civil, assim entendeu:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 475-L, § 1º, e art. 741, parágrafo único, da Lei 5.869/1973 – anterior Código de Processo Civil. 2. Inexequibilidade de título judicial transitado em julgado quando fundamentado em norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. 3. Constitucionalidade. 4. Precedentes. ADI 2.418, rel. Min. Teori Zavaski, DJe 17.11.2016, e RE-RG 611.503, rel. Min. Teori Zavascki, redator para acórdão Min. Edson Fachin, DJe 19.3.2019. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.”

(ADI 3740, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-262 DIVULG 29-11-2019 PUBLIC 02-12-2019)

Assim, por analogia, tal princípio DEVE SER TAMBÉM APLICADO COM RELAÇÃO ÀS NORMAS REVOGADAS OU SUPRIMIDAS DO ORDENAMENTO LEGAL, como aquelas implementadas pelas alterações da Lei nº 8.429/92, produzidas pela Lei nº 14.230/21.

Na prática, não há diferença entre um preceito de lei declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e um preceito revogado/suprimido/alterado por lei posterior, haja vista que, em ambos os casos, não mais produz efeitos a norma primitiva no mundo jurídico.

Portanto, a sentença judicial proferida em Ação de Improbidade Administrativa, transitada em julgado, baseada em preceitos revogados/suprimidos/alterados da Lei nº 8.429/92 (pela Lei nº 14.230/21), não poderá ser executada diante da total inexigibilidade do título.

E não há que se falar, sequer, em Ação Rescisória, devendo a execução/cumprimento de sentença de título judicial baseado em preceito revogado/suprimido/alterado da Lei nº 8.429/92 ser impugnada com fulcro no inciso III, do § 1º e § 12, do Artigo 525, do Código de Processo Civil, em razão da própria interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Vale lembrar que, com relação à retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, que alterou a Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), mais precisamente sobre à aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, bem como no tocante à necessidade da presença do elemento subjetivo (dolo) para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no Artigo 10 da referida lei, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL reconheceu a repercussão geral da controvérsia nos autos do ARE 843.989/PR, afetado como o Tema nº 1.199, que restou assim ementado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO RETROATIVA DAS DISPOSIÇÕES SOBRE O DOLO E A PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.

2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035. do CPC. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada”.

(STF, ARE 843.989/PR, Pleno, julgamento em 24/02/2022, Relator: Min. Alexandre de Moraes).

Por outro flanco, em decisão monocrática, o i. Ministro ALEXANDE DE MORAES determinou a suspensão dos Recursos Especiais nos quais suscitada a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/21, verbis:

“Trata-se de Recurso Extraordinário no qual reconhecida a repercussão geral do debate relativo à:

definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente’. (julgado em 25/2/2022, Tema 1199).

O art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, por sua vez, dispõe que, “reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

(...)

Não obstante, simples pesquisa na base de dados do Superior Tribunal de Justiça revela que proliferam os pedidos de aplicação da Lei 14.230/2021 em processos na fase de Recurso Especial, já remetidos ao Tribunal da Cidadania pelos Tribunais de origem.

Assim, considerando que tais pleitos tem como fundamentos a controvérsia reconhecida na repercussão geral por essa SUPREMA CORTE, recomenda-se, também, o sobrestamento dos processos em que tenha havido tal postulação, com a finalidade de prevenir juízos conflitantes.

Por todo o exposto, além da aplicação do artigo 1.036 do Código de Processo Civil, DECRETO a SUSPENSÃO do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021”.

(...)”

Assim, diante da reconhecida repercussão geral no ARE 843.989/PR, que perquire a retroatividade da Lei nº 14.230/2021 em questões relevantes para o julgamento das ações de improbidade em curso – prescrição intercorrente e o dolo como elemento do ato de improbidade –, conclui-se que a decisão definitiva a ser adotada pelo excelso Supremo Tribunal Federal terá induvidoso efeito sobre as ações de improbidade em curso, inclusive aquelas em fase de execução/cumprimento de sentença.


CONCLUSÃO

Conclui-se que a Lei nº 14.230/2021, que modificou a Lei nº 8.429/92, possui aplicação imediata nas ações em curso, inclusive nas execuções/cumprimentos de sentença, com inegáveis reflexos diretos nas penalidades afetas no Direito Eleitoral.

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. A nova Lei de Improbidade Administrativa e o reflexo no âmbito do direito eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6882, 5 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97666. Acesso em: 25 dez. 2024.

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