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A proteção ineficiente dos princípios da moralidade administrativa em razão das alterações promovidas pela Lei n. 14.230/21

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01/06/2022 às 18:40
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9. Da inconstitucionalidade do § 1º do art. 11 da Lei n. 8.429/92.

Passou a dispor o § 1º do art. 11:

§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação do presente artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter um proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.

Primeiro, o dispositivo parte de um erro de premissa. A Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, ao exigir um especial fim de agir o faz apenas para os tipos penais. Em momento algum ele trata de tipos não-penais, motivo pelo qual sua invocação carece de embasamento legal. Aduza-se que o só fato de o legislador ter imposto a natureza de direito administrativo sancionador ao diploma não rende a conclusão de toda e qualquer norma de natureza penal aplica-se à LIA, a qual é regida por princípios constitucionais próprios e prevalentes, porque a matéria em debate é o interesse público e proteção ao direito fundamental à moralidade.

Segundo, a exigência de um fim específico de agir, consistente na obtenção de proveito ou benefício indevido, para a configuração dos atos ímprobos previstos no art. 11 é incompatível com a própria natureza das condutas por ele tuteladas.

Como exaustivamente assentado, o art. 11 visa a proteção dos princípios que regem a administração pública. Visa garantir que os agentes públicos atuem de acordo com normas de conduta devidamente claras e de acordo com a sociedade. Não precisa de muito para se identificar aquilo que se apresenta ou não adequado com a moralidade administrativa. A violação dos princípios da legalidade, da eficiência, honestidade não demanda, necessariamente, a obtenção de algum proveito. O benefício pode ser simplesmente pessoal e, ainda assim, o ilícito restará caracterizado. Tanto assim o é que o próprio legislador não previu, no art. 12, qualquer hipótese de restituição de valores ilicitamente incorporadores pelo infrator na hipótese do art. 11, por já presumir que tal não ocorreria.

Ademais, o legislador já previu no art. 9º as hipóteses em que o agente responde por ato de improbidade, caso logre êxito na obtenção de proveito econômico. Ou seja, a inserção dessa condicionante se presta, na verdade, a impedir e/ou dificultar de toda forma a caracterização do tipo, minando com a proteção eficiente da moralidade administrativa.

Dessa forma, sopesando tudo o que já foi escrito nos capítulos anteriores, é de ser declarada a inconstitucionalidade integral do § 1º do art. 11. Por arrastamento, é de ser declarada a inconstitucionalidade do § 2º do art. 11, uma vez que faz referência ao § 1º, indicando sua aplicação nas legislações especiais.


Conclusão

A Lei n. 14.230/21, em diversos dispositivos, descurou da proteção efetiva e adequada do direito fundamental à moralidade administrativa. O legislador deve, na edição de leis, garantir a máxima efetividade dos direitos fundamentais do cidadão, quanto mais destinados à promoção da dignidade da pessoa humana e a igualdade.

As alterações propostas, em sua maioria, enfraquecem o combate à corrupção administrativa, prestigiam o agente infrator, o que acaba por violar os princípios da proibição do retrocesso social e da proibição da proteção deficiente, afora incentivar a prática de atos de improbidade.

Dessa forma, diversas das alterações legislativas propostas pelo legislador merecem ser compatibilizadas com a ordem constitucional, garantindo sua adequação ao ordenamento jurídico pátrio.

Não se pode admitir a alteração legislativa que tornou uma norma que tutela princípios (art. 11), portanto, de conteúdo valorativo, em numerus clausulus, sob pena de violação ao princípio da proteção deficiente do direito fundamental a moralidade administrativa.


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  1. Para fins do presente estudo, moralidade e probidade serão tidos como expressões equivalentes, na linha do defendido pelos professores José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1.088-1089) e Maria Zanella Di Pietro (Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014 p. 901).
  2. HAURIOU, Maurice, Précis de droit administratif et de droit public, 10ª ed. Paris: Sirey, 1921, p. 424, Apud. MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 28ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003, p. 87.
  3. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense, Florianópolis, v. 16, n. 34, p. 30-64, jun.-nov. 2021, p. 33, acessado em 30/10/21, às 09h49min, no endereço eletrônico https://seer.mpsc.mp.br/index.php/atuacao/article/view/150/73.
  4. Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: (...); d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade.
  5. Ob. cit., p. 87-88.
  6. Lei de improbidade administrativa comentada. 3ª ed. Jurídico Atlas, 2000, p. 28.
  7. Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 123.
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ECHE, Luís Mauro Lindenmeyer. A proteção ineficiente dos princípios da moralidade administrativa em razão das alterações promovidas pela Lei n. 14.230/21. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6909, 1 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98213. Acesso em: 19 mai. 2024.

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