Palavras-chave: DIREITO CONSTITUCIONAL. CRIMINOLOGIA. SEGURANÇA PÚBLICA. CONTROLE SOCIAL. DIREITOS FUNDAMENTAIS.
A Constituição da República, em seu título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), capítulo II (Dos Direitos Sociais), aduz que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (art. 6º).
Outrossim, em relação ao direito social à segurança, prescreve, em seu título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), capítulo II (Da Segurança Pública), que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos órgãos nela enumerados (art. 144).
De seu turno, em relação às guardas civis municipais, apesar terem sido previstas como órgãos de criação facultativa pelos municípios, quando existentes, devem observar as balizas aqui elencadas, a despeito da controvérsia existente em relação à sua natureza jurídica, se órgão policial lato sensu ou strictu sensu, conforme já ressaltamos em trabalho realizado.[1]
Voltando ao tema, conforme parece não perceber a doutrina nacional, as polícias ostensivas e judiciárias estão integradas no título que preza pela defesa das instituições democráticas, o que assevera sua natureza essencial no Estado Democrático de Direito.
Destarte, por isso ressaltamos não fazer sentido a doutrina capitaneada pelos Delegados de Polícia no sentido de tentar incluir a Polícia Investigativa como função essencial à justiça implícita[2], pois sua importância já está consagrada expressamente na defesa das instituições democráticas.
Outrossim, conforme prevê a Constituição Federal de 1988, não só as Polícias Civil e Federal, mas também as Polícias Militar e Penal, Corpo de Bombeiros Militar, a Polícia Rodoviária Federal e quando instituídas, as Guardas Civis Metropolitanas (apesar de não constarem no rol dos órgãos da segurança pública, estão inseridas no respectivo capítulo), devem atuar na Defesa das instituições do Estado Democrático de Direito.
Nesse diapasão, parafraseando o ex-Ministro Celso de Mello no julgamento do Habeas Corpus nº 84.548-SP[3], não só o Delegado de Polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da justiça, mas também aquele primeiro agente estatal que tem contato com o suposto infrator da lei penal, e geralmente esse primeiro contato é realizado pelos policiais militares, e pelos guardas civis em atividade auxiliar.
No particular, a Lei Federal nº 13.022/2014, denominada Estatuto Geral das Guardas Municipais, prescreve que são princípios mínimos de atuação a proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas (art. 3º, inc. I).
Ademais, o Estatuto elenca em seu artigo 5º diversas competências específicas das guardas municipais, dentre elas, encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário (inc. XIV), em autêntica atividade de preservação da cadeia de custódia, fase da persecução criminal[4].
Eventualmente, quando o Ministério Público for o primeiro a ter contato com a notitia criminis, caberá ao Promotor de Justiça essa função de primeiro garantidor dos direitos fundamentais (ECA, art. 136, inc. IV e Resolução nº 181/2017 do CNMP).
Com efeito, a Constituição Cidadã elenca entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III).
Prosseguindo, dentro do artigo 5º da Lei Maior, por exemplo, em seu inciso III, há a previsão de que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
Ora, essas são prescrições direcionadas a todos os agentes públicos, e em especial, para aqueles que lidam com a segurança pública de forma direta, já que a prisão em flagrante é um dever para as autoridades policiais e seus agentes, conforme ordena o artigo 301 do Código de Processo Penal, e esta deve ser exercida com observância dos direitos individuais.
Além disso, será a polícia ostensiva quem deverá analisar, no caso concreto, a presença dos requisitos para se efetuar a prisão em flagrante, com espeque no artigo 302 do Estatuto Processual Penal, ou até mesmo o uso de algemas, conforme a Súmula Vinculante nº 11.
Nesse sentido, conforme leciona o desembargador Guilherme de Souza Nucci em relação a prisão em flagrante,[5]
Quanto às autoridades policiais e seus agentes (Polícia Militar ou Civil), impôs o dever de efetivá-la, sob pena de responder criminal e funcionalmente pelo seu descaso. E deve fazê-lo durante as 24 horas do dia, quando possível. Cuida-se do flagrante obrigatório.
Aliás, foi nesse contexto que o Aviso de Miranda surgiu na jurisprudência norte-americana, situação vivenciada nos filmes policiais americanos, enquanto o suspeito é algemado pelos policiais e ao mesmo tempo informado sobre seus direitos constitucionais.
Nesse sentido, conforme escreveu em artigo Robson Pedroza[6],
O termo tem origem no caso Miranda versus Arizona julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1966. Em 1963, o imigrante mexicano Ernesto Miranda foi acusado pela policia de Phoenix, Arizona, de rapto e estupro de duas mulheres. Ao ser preso, Miranda foi interrogado por quase duas horas sem ser informado sobre seu direito constitucional ao silêncio ou assistência de um advogado. Tendo sido reconhecido pelas vitimas e confessado o crime, foi condenado à prisão pela Suprema Corte do Estado do Arizona. Irresignada, a defesa do acusado levou o caso até a Suprema Corte Americana que, em uma decisão histórica, declarou que qualquer pessoa sob a custódia da autoridade policial deveria ser informada de seu direito ao silêncio e a não autoincriminação antes de qualquer interrogatório, reafirmando assim garantias expressas na quinta emenda da Constituição dos Estados Unidos. A tese vencedora (firmada em um placar de 5x4) foi que o desrespeito a essas garantias ofenderia a constituição americana e resultaria na impossibilidade de usar qualquer confissão feita ou evidência colhida através dessa como prova no processo penal contra o acusado. Reconhecido o prejuízo à defesa, a Corte Suprema anulou sentença condenatória da Corte do Arizona contra Ernesto Miranda.
De outro vértice, todos os órgãos públicos enumerados no artigo 144 da Carga Magna realizam o controle social formal.
Conforme anota o Delegado de Polícia Nestor Sampaio Penteado Filho, o controle social formal é representado pelas instâncias políticas do Estado, isto é, a Polícia (1ª seleção), o Ministério Público (2ª seleção), a Justiça (3ª seleção), as Forças Armadas, a Administração Penitenciária etc.[7]
Portanto, o autor possui uma visão bastante ampla acerca dos órgãos que exercem o controle social formal.
No mesmo sentido, os Delegados de Polícia Eduardo Fontes e Henrique Hoffmann anotam que o controle social formal é formado pelos órgãos estatais (Polícia, Judiciário, Ministério Público, Administração Penitenciária, etc). Além disso, ressaltam que[8]
Os agentes do Estado atuam de forma subsidiária (ultima ratio), quando o controle informal não foi capaz de evitar o crime.
Outrossim, conforme leciona Natacha Alves de Oliveira, o controle social formal[9]
Manifesta-se pela atuação oficial do sistema de justiça criminal, formado pela polícia, ministério público, magistratura e administração penitenciária, por meio das formas de reação previstas em lei, como a pena e a medida de segurança.
Finalmente, apenas para acentuar a unanimidade da doutrina acerca dos órgãos que formalizam o controle social formal, Eduardo Viana escreve que[10]
O controle social formal (ou controle regulativo) é formado pelo cabedal de instâncias das quais o Estado pode lançar mão para controlar a criminalidade: polícia, administração penitenciária, ministério público, juiz.
Portanto, o leque de instituições que compõem o controle social formal é bastante amplo, destacando-se dentre elas as polícias.
Nada obstante, constatamos que a doutrina especializada se esmiúça apenas na participação da Polícia Judiciária nesse cenário.
Contudo, não vemos como excluir desse rol as polícias administrativas, que são as que primeiro têm contato com os personagens da tragédia criminal.
Nessa senda, conforme escreveu Cláudio dos Santos Moretti ao tratar dos nove princípios de Sir Robert Peel na polícia metropolitana de Londres, em 1829 (pág. 18),
Atualmente, o policial tornou-se protagonista, educador em Direitos Humanos e, principalmente, um promotor da cidadania no Brasil. Dele, em primeira instância, dependerá a solução pacífica de conflito, preservando vidas e mitigando a violência urbana. Esta é uma das alternativas para que se mantenha a paz, construindo uma cultura pacífica, aplicando-se como mecanismo desse entendimento a mediação de conflitos, dentro da sua esfera de atribuições, que se destina a transformar padrões de comportamento, estimulando o convívio social em ambiente cooperativo, no qual os conflitos possam ser tratados sem confrontos e de modo que as partes tentem compreender a situação uma da outra, pois a polícia atua diretamente com a sociedade em todos os níveis e sempre será acionada quando houver algum tipo de conflito que possa trazer a insegurança à ordem pública, de modo geral. Cada vez mais, a polícia tentará resolver conflitos e confrontos de modo a garantir a vida das pessoas, sejam elas criminosas ou não, pelo menos este é o caminho para solução de problemas de segurança pública, inclusive com uso de armas não letais a fim de diminuir a violência.
Pelo exposto, não só o Delegado de Polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da justiça, mas também todos os agentes que de alguma forma contribuem na persecução penal, visto que a legalidade como princípio de administração pública, e a dignidade do ser humano como fundamento da República, devem ser observadas por todos os agentes policiais.
Inclusive, ressaltamos que as policias administrativas deveriam ser melhor preparadas para lidar com o direito no dia a dia, a fim de também serem garantidoras da legalidade e da justiça, não só dos suspeitos, como também das vítimas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONTES, Eduardo. HOFFMANN, Henrique. Criminologia. 2ª Ed. - Salvador: Juspodivm, 2019.
MORETTI, Cláudio dos Santos. Negociação e gestão de conflitos de segurança. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S/A, 2018.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 17ª Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2020.
OLIVEIRA, Natacha Alves de. Criminologia. 2ª Ed. - Salvador: Juspodivm, 2019.
PEDROZA, Robson. O aviso de Miranda e o direito a não autoincriminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4797, 19 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51420. Acesso em: 2 ago. 2022.
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. 10ª Ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
TORMENA, Celso Bruno. A guarda civil municipal não é órgão da segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6884, 7 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97322. Acesso em: 2 ago. 2022.
TORMENA, Celso Bruno. A polícia judiciária não é função essencial à Justiça. Revista Jus Navigandi , ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6893, 16 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97787. Acesso em: 2 ago. 2022.
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6ª Ed. - Salvador: Juspodivm. 2018.