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A obrigação alimentar dos avós e a extrema excepcionalidade da medida prisional

A obrigação alimentar dos avós e a extrema excepcionalidade da medida prisional

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A prisão civil é meio eficaz para o recebimento dos alimentos em atraso, mas as consequências deste ato podem ser irreversíveis quando se trata de uma pessoa idosa, comumente fragilizada em suas condições físicas e psicológicas.

 

 

Resumo: Este trabalho tem por objetivo destacar os aspectos relevantes na fixação da obrigação alimentar aos avós e apresentar os meios de execução da prestação não satisfeita, mormente quanto à prisão civil, regulamentada pelo art. 733, § 1º do Código de Processo Civil e autorizado pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso LXVII, ressaltada sua excepcionalidade.

Palavras-chave: Alimentos. Obrigação alimentar dos avós. Execução de alimentos. Decreto prisional.

Abstract: This paper has as its objective the emphasizing of the relevant aspects about the of the grandparents’ alimony obligation setting and to present the execution ways for the non-satisfied installment, especially about the civil arrest, regulated at the art. 733, § 1º of the Civil Process Code and authorized by the Brazil’s Federative Republic Constitution, in its art. 5º, incise LXVII, emphasized its uniqueness.

Keywords: Alimony. Grandparents’ alimony’s obligation. Alimony’s execution. Prisional decree.

1. INTRODUÇÃO. 2. FIXAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AOS AVÓS E O QUANTUM A SER FIXADO. 3. FORMAS DE EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS. 4. A MOTIVAÇÃO DO ATO DECISÓRIO QUE DECRETA A PRISÃO CIVIL DOS AVÓS. 5. CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DO DECRETO PRISIONAL DOS AVÓS. 6. OUTRAS MEDIDAS CABÍVEIS PARA A SATISFAÇÃO ALIMENTAR. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Os alimentos são indispensáveis para a sobrevivência do ser humano, eis que abrangem não somente a alimentação propriamente dita, mas também moradia, educação, vestuário, medicamentos, serviços odontológicos, psicológicos e lazer. Os alimentos, normalmente de cunho pecuniário, deveriam ser prestados voluntariamente, principalmente quando se trata de vínculo parental de primeiro grau (pai/filho, mãe/filho), mas com o surgimento da família moderna - onde a separação de casais é cada vez mais comum e com o aparecimento de inúmeras mães solteiras - em muitos casos, esta verba precisa ser reclamada através do acionamento do Poder Judiciário.

 De acordo com a legislação, pode o neto (a) pedir alimentos aos avós, sendo esta obrigação complementar e admitida quando comprovada a impossibilidade ou insuficiência do atendimento pelos pais. A fixação de obrigação alimentar a esses sujeitos somente ocorre em casos extremos e através de vasta prova documental.

Geralmente, os avós não obedecem à ordem suscitada pela lei, pois consideram que a obrigação alimentar deve ser satisfeita pelos pais da criança. Dessa maneira, se sujeitam à prisão civil, decorrente do inadimplemento da pensão alimentícia. Ainda existem outros meios do credor satisfazer o seu crédito, seja por expropriação de rendimentos, garantia real ou fidejussória, penhora de bens do devedor, etc., mas a forma normalmente mais usada é a da prisão civil, pois esta, além de coagir o devedor ao pagamento, faz com que a satisfação do crédito ocorra de forma mais célere.

Nessa esteira, este artigo científico tem por finalidade demonstrar ao operador do direito aspectos importantes na fixação da obrigação alimentar dos avós,  motivação e consequências do decreto prisional, bem como apresenta outras medidas cabíveis para satisfação da obrigação, menos gravosas que a prisão civil.


2. FIXAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AOS AVÓS E O QUANTUM A SER FIXADO

A regra é que a responsabilidade alimentar primeira é dos pais. Conforme preleciona Diniz (2004, p. 509),

Quem necessitar de alimentos deverá pedi-los, primeiramente, ao pai ou à mãe. Na falta destes, por morte ou invalidez, ou não havendo condição de os genitores suportarem o encargo, tal incumbência passará aos avós paternos ou maternos; na ausência destes, aos bisavós e assim sucessivamente.

 Ressalte-se que todos os filhos, inclusive os havidos fora do matrimônio e os adotivos têm direito ao benefício, como preceitua o art. 1.705 do Código Civil.

É certo que o(a) filho(a) somente pode pedir alimentos aos avós na falta dos pais ou, se existindo, forem inválidos ou não receberem rendimentos; ou se recebendo, estes forem insuficientes para suprir os alimentos de modo suficiente.

A princípio, o(a) filho(a) deve dirigir a ação contra os pais, para, na impossibilidade deles, serem chamados os avós. Também não se exclui a possibilidade de a ação ser proposta contra pai/mãe e avós, se evidenciado que aquele(a) não possui condições de arcar sozinho(a) com a obrigação alimentar. Nesse caso, estes avós são chamados a complementar a pensão alimentícia, que o pai/mãe, sozinho(a), não consegue oferecer aos filhos.

Cahali (2006, p. 476) disserta sobre o tema:

Como a obrigação em que se sucedem os ascendentes a partir do segundo grau tem seu fulcro no art. 1.696 do CC, daí resulta que a pretensão alimentícia do neto não sustentado pelos genitores sujeita-se aos parâmetros dos arts. 1.694, § 1º, e 1.695, podendo assim ser denegada se demonstrado que aqueles não desfrutam de possibilidade econômica suficiente para socorrer o reclamante.

Ainda complementa que:

Quando ocorre de virem os avós a complementar o necessário à subsistência dos netos, o encargo que assumem é de ser entendido como excepcional e transitório, a título de mera suplementação, de sorte a que não fique estimulada a inércia ou acomodação dos pais, primeiros responsáveis. [grifou-se]

 Em relação ao quantum a ser fixado, interessante é o paralelo que se faz entre o idoso, protegido pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) e pela Constituição Federal, em seu art. 230 e a criança e o adolescente, protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.009/90) e pelo art. 227 da CF, no sentido de quem deve ter seus direitos sacrificados na hipótese de pensão pleiteada pelo neto ao avô. “A solução deve ser dada pela análise da possibilidade do avô e da necessidade da criança/adolescente no caso concreto, preservando-se a dignidade de ambos.” (COSTA, 2004, p. 233) [grifou-se]

Desse modo, deve ser aplicado o binômio necessidade/possibilidade, estampado no art. 1.694, § 1º do Código Civil, sendo imprescindível lapidar a solução mais justa à luz das circunstâncias do caso concreto, observado o problema sob o ângulo da proporcionalidade.

De acordo com Rizzardo (2006, p.745), “deve-se dar realce às particularidades das pessoas envolvidas, como idade, sexo, estado de saúde, formação profissional, situação econômica, patrimônio e renda mensal”.

Colhe-se da jurisprudência gaúcha interessante e pioneira decisão acerca do trinômio necessidade/possibilidade/proporcionalidade:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS CONTRA OS AVÓS PATERNOS. Em sede de ação de alimentos direcionada contra os avós, a possibilidade tem maior relevância do que os outros elementos do trinômio alimentar. No caso, não existem elementos capazes de formar efetiva convicção acerca da possibilidade dos agravantes em suportar os alimentos provisoriamente fixados, sem prejuízo do próprio sustento. Assim, não pode subsistir o pensionamento fixado e [...]” (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70005360425, Rel: Rui Portanova, julgado em 13/02/2003, Disponível em: www.tjrs.jus.br) [grifou-se]

Cumpre, por fim, enfatizar que a decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados, conforme enunciado do art. 15 da Lei de Alimentos.


3. FORMAS DE EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS

 Fixada a obrigação alimentar aos avós, se estes não cumprirem com a ordem judicial, ficam sujeitos à execução dos alimentos. Para assegurar o pagamento, dispõe o credor dos seguintes meios: a) execução por quantia certa; b) desconto em folha de pagamento; c) reserva de aluguéis de prédios do alimentante; d) constituição de garantia real ou fidejussória e de usufruto; e) prisão do devedor.

A seguir, pontualmente, analiso e verifico as vantagens e a perspectiva de efetividade de cada um desses meios cabíveis ao credor para ver sua prestação satisfeita.

A) Execução por quantia certa: está prevista no art. 732 Código de Processo Civil, que dispõe sobre a execução por quantia certa contra devedor solvente, recaindo o inadimplemento da pensão alimentícia em penhora de bens do devedor.

Assevera Gonçalves (2007, p. 509) que “em regra, só se promove a execução por quantia certa quando o devedor não efetua o pagamento das prestações nem mesmo depois de cumprir pena de prisão”, pois esse tipo de execução é de solução demorada e, às vezes incerta, pois depende da existência de patrimônio para viabilizar a expropriação.

Para tal ação, se faz necessário título executivo judicial ou extrajudicial, sendo que o devedor será citado para pagar o débito alimentar em três dias (art. 652 do CPC). Em não havendo pagamento, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora dos bens e à sua avaliação.

Caso não seja encontrado o devedor de alimentos, o oficial arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução, sendo que, nos dez dias seguintes à efetivação do arresto, o oficial o procurará três vezes em dias distintos e, não o encontrando, certificará o ocorrido (art. 653, parágrafo único do CPC).

Compete ao credor, dentro de dez dias, contados da data que foi intimado do arresto, requerer a citação por edital do devedor. Findo o prazo ali estipulado, terá o devedor o prazo de dez dias, sob pena de conversão do arresto em penhora, em caso de não pagamento.

Salienta-se que recaindo a penhora em dinheiro, o oferecimento de embargos não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação (art. 732, parágrafo único do CPC).

Em não tendo sido pago o valor dos alimentos e nem encontrados ou insuficientes os bens do devedor, é viável o levantamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), embora não se constitua em renda, porque “dada a sua relevância e leque de opções para aplicação, integra o patrimônio do trabalhador e como tal é passível de levantamento para uso na satisfação de pensão alimentar”. (WELTER, 2003, p. 333)

  Cumpre salientar que, para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, poderá requisitar à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

 De destacar que, caso o credor tenha optado por tal modo de execução, poderá implicar a multa de 10% (dez por cento) do montante da condenação, estipulada no art. 475-J, do CPC, desde que, anteriormente não tenha se valido da medida prisional, sob pena de incidir em dúplice penalidade.

B) Desconto em folha de pagamento: Dispõe o art. 734 do CPC que “quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o juiz mandará descontar em folha de pagamento a importância da prestação alimentícia”.

Assevera Assis (1998, p. 114) que “a consignação em folha de pagamento é, sem dúvida, a melhor forma de execução da obrigação alimentar”, pois previne execuções futuras.

A Lei dos Alimentos dispõe sobre a obrigatoriedade, e não discricionariedade do juiz determinar a expedição de ofício, inclusive de ofício, ao empregador do alimentante, determinando o desconto dos alimentos na folha de pagamento, não importando se houve prévia convenção acerca do depósito do valor em instituição bancária, salvaguardando o supremo interesse do credor em sua sobrevivência, o que evitará eventual incumprimento da obrigação alimentar, com benefício do próprio devedor, que não precisará se preocupar com este encargo, que o ameaça da prisão civil. (WELTER, 2003, p. 328)

Além disso, o art. 22 da Lei n. 5.478/68 preleciona que “constitui crime contra a administração da justiça deixar o empregador ou funcionário público de prestar ao juízo competente as informações necessárias à instrução de processo ou execução de sentença ou acordo que fixe pensão alimentícia”, fixando ainda, pena de detenção de seis meses a um ano, sem prejuízo da pena acessória de suspensão do emprego de trinta a noventa dias.

Aliás, na mesma pena incide quem, de qualquer modo, ajude o devedor a eximir-se do pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, ou se recusa, ou procrastina a executar ordem de descontos em folhas de pagamento, expedida pelo juiz competente (art. 22, parágrafo único da Lei de Alimentos).

Dessa maneira, resta demonstrado que esta forma de execução dos alimentos é a que oferece maior garantia ao credor e ao devedor, pois é aplicada às parcelas vincendas.

Também é muito comum a aplicação de desconto em proventos do INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social, tendo em vista que a grande maioria dos avós já se encontra em fase de aposentadoria.

C) Reserva de aluguéis de prédios do alimentante: O art. 17 da Lei de Alimentos estatui que “quando não for possível a efetivação executiva da sentença ou do acordo mediante desconto em folha, poderão ser as prestações cobradas de alugueres de prédios ou de quaisquer outros rendimentos do devedor, que serão recebidos diretamente pelo alimentando ou por depositário nomeado pelo juiz”.

Pouquíssimas pessoas optam por esta forma de execução, pois esta “dependerá da comprovada existência de cômodos de capital e de prédios frutíferos do devedor” (ASSIS, 1998, p. 114).

Esta modalidade de execução também está sujeita ao art. 22 da Lei n. 5.478/68 e suas penalidades.

D) Constituição de garantia real ou fidejussória e de usufruto: A Lei n. 6.515/77, em seu art. 21, estipula que “para assegurar o pagamento da pensão alimentícia, o juiz poderá determinar a constituição de garantia real ou fidejussória”.

Relativamente ao usufruto, é autorizado no § 1º do mesmo dispositivo legal: “Se o cônjuge credor preferir, o juiz poderá determinar que a pensão consista em usufruto de determinados bens do cônjuge devedor”.

Tais medidas podem ser decretadas de ofício ou a requerimento do credor ou do Ministério Público, uma vez presente a possibilidade de atraso no pagamento dos alimentos, “sendo a medida eficaz para o futuro, com vista nas parcelas vincendas” (WELTER apud OLIVEIRA, 2003, p. 336).

Welter (2003, p. 337) lembra, ainda, que parte da jurisprudência entende ser possível a constituição coercitiva de garantia real ou fidejussória somente em caso de atraso no pagamento da pensão alimentícia, não sendo viável quando se tratar de ação de alimentos ou se estes estão sendo pagos regularmente.

E) Prisão do devedor: A Constituição Federal permite a prisão civil pelo não cumprimento voluntário e inescusável de pensão alimentícia, conforme artigo 5º, inciso LXVII.

De acordo com o art. 733 do CPC, o devedor será citado pessoalmente, para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo, sob pena de prisão, de um a três meses, sendo que o cumprimento da pena não o exime do pagamento das prestações vencidas e vincendas.

Se o credor não tiver conseguido obter os alimentos pelo meio de desconto em folha de pagamento ou aluguéis de prédios, poderá este partir para a execução por penhora ou prisão civil do devedor, sendo este último, em muitos casos, o meio mais eficaz para a satisfação da prestação, eis que coage o indivíduo a cumpri-la, quando reúne condições financeiras para tanto.

Advirta-se, contudo, que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”, conforme a Súmula 309 do STJ.

Quanto ao prazo do decreto prisional, o art. 19 da lei n. 5.478/68 comina ao devedor relapso, a pena de prisão pelo prazo máximo de sessenta dias: “O juiz, para instrução da causa ou na execução ou do acordo, poderá tomar as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação da prisão do devedor até sessenta dias.”

Já o art. 733, § 1º do Código de Processo Civil dispõe: “Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.”

Diante deste impasse, Nogueira (1994, p. 60) entende que o prazo do decreto prisional em nenhuma hipótese, seja na de alimentos provisórios, seja na de provisionais ou mesmo definitivos, poderá exceder sessenta dias, pois a disposição da lei especial (Lei de Alimentos) deve prevalecer sobre a da lei geral (Código de Processo Civil).

Corrobora com este entendimento o art. 620 do CPC, que dispõe: “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

Rizzardo (2004, p. 833) pensa diferentemente e preza que:

Embora autores de peso sustentem a aplicação de pena no máximo de sessenta dias, por ser mais favorável ao paciente da medida excepcional, ou por ter a Lei nº 5.478 sofrido modificações mediante a Lei nº 6.014, posteriormente ao Código de Processo Civil, parece que a melhor interpretação é a que endossa a medida de coação de até três meses. Se o legislador efetivamente quisesse a incidência da coação mais branda, não teria mantido o quantitativo do art. 733. Adaptaria a regra à redação do art. 19, como o fez com outros dispositivos, através da Lei nº 6.014.

Na prática forense, o que se vê é a fixação da prisão em prazo não superior a sessenta dias, aplicando-se o art. 19 da Lei de Alimentos, por conter regra mais favorável ao paciente da medida excepcional.

 Por fim, insta destacar que o cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas. Além disso, a reincidência no descumprimento da prestação alimentar não obsta a aplicação de nova pena de prisão, podendo ser decretada tantas vezes quantas forem necessárias ao cumprimento da obrigação, desde que não seja em razão do mesmo débito, considerado o período respectivo.

Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão, com base no art. 733, §3º CPC.


4. A MOTIVAÇÃO DO ATO DECISÓRIO QUE DECRETA A PRISÃO CIVIL DOS AVÓS

Em princípio, a motivação do decreto de prisão dos avós é a mesma que para outros devedores de alimentos, visto que os alimentos já foram fixados e não houve o seu adimplemento, seja parcial ou integral.

  Todo ato do juiz deve observar a necessidade, bem como sua eficácia. Assim, devem os juízes ter maior cautela na fundamentação do decreto prisional, pois com essa postura, assegurar-se-á a consecução da tão proclamada efetividade da tutela jurisdicional.

              De fato, a prisão do devedor de alimentos, em que pese fundada nos mais diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, desafia a sua interpretação à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O ato decisório de prisão dos avós enseja motivação consistente, pois como medida excepcional que é, deve se afigurar adequada e necessária. Os fundamentos do ato se destinam, precisamente, “a convencer de que a decisão é conforme a justiça” (ASSIS apud REIS, 1998, p. 140).

Na espécie do art. 733, § 1º do CPC, a fundamentação completa se justifica, sobretudo, ante os valores contrapostos no litígio: de um lado, a liberdade do executado, que é bem inestimável; de outro, a urgência emanada da insatisfação de necessidades vitais. Freqüentemente, a solução justa e equilibrada do conflito se afigura difícil, se exigindo “larga sondagem do fundo das provas” e muita prudência do julgador de 1º grau. (ASSIS, 1998, p. 141)

Ao longo desta pesquisa, foi observado que para a fixação da obrigação alimentar aos avós se faz necessária vasta prova documental que comprove que os genitores não podem arcar integral ou parcialmente com o sustento dos filhos. Todavia, surgindo a obrigação e não havendo o adimplemento por parte dos avós, estes vêm sendo coagidos à prisão civil da mesma forma que outros indivíduos inadimplentes, aspecto que merece ser analisado criticamente, o que será adiante abordado com maior clareza.


5. CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DO DECRETO PRISIONAL DOS AVÓS

Embora a prisão civil seja em muitas circunstâncias a única forma eficaz de obrigar o devedor a saldar sua dívida, ela agride a integridade física e às vezes até psicológica do devedor, mormente em idade avançada, se vendo impedido no seu direito de ir e vir, podendo sofrer danos irreversíveis em suas condições de saúde.

Dessa maneira, deve o julgador de primeiro grau ter máxima cautela quando o decreto versar sobre avós, eis que a grande maioria deles se encontra numa categoria própria, chamada de “terceira idade”.

Essa categoria, de acordo com cientistas, se inicia aos 65 anos de idade, mas sem dúvida alguma, este é um critério sem fundamento científico preciso, pois as pessoas são muito diferentes umas das outras, possuindo especificações físicas e psicológicas que invalidam um critério cronológico de definição.

A prisão é uma medida extrema e odiosa restrigenda, a qual serve como meio coativo de cumprimento da obrigação alimentar, porém, agride tanto a liberdade quanto a dignidade dos avós.

Cumpre salientar que os avós que contam com no mínimo 60 anos, estão sob a proteção da Lei Complementar nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, mais conhecida como o Estatuto do Idoso, justamente por se encontrarem numa situação diferenciada. Assim, deve o juiz aplicar a lei com sabedoria, evitando que se retire dos avós o necessário para que tenham uma velhice digna.

A Constituição Federal, em seu art. 1º inciso III, adotou como princípio maior o princípio da "dignidade humana." Dessa forma, todos os demais direitos fundamentais decorrem desse direito, e  nele encontram, por sua vez, seu próprio alicerce. Em consequência, toda a atividade do Estado deve ser orientada à proteção da dignidade humana, e qualquer violação a esse princípio atinge também os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana como sujeito de direitos.

Em relação à interpretação dos direitos fundamentais da pessoa humana, ao credor dos alimentos, justamente pela relevância extrema do seu direito, deve ser oportunizada a pronta e integral satisfação judicial de seu elementar direito ameaçado, selecionando o operador jurídico os “meios executivos que se revelem necessários à prestação integral da tutela executiva, mesmo que não previstos em lei, e ainda que expressamente vedados em lei, desde que observados os limites impostos por eventuais direitos fundamentais”. (MADALENO apud GUERRA, 2007, p. 237)

Desse modo, imperioso é que o juiz, no caso dos avós, busque outros meios coercitivos que visem a satisfação do débito alimentar, mas que sejam mais brandos, diante das condições físicas e psicológicas que tais sujeitos apresentam.


6. OUTRAS MEDIDAS CABÍVEIS PARA A SATISFAÇÃO ALIMENTAR

É certo que não sendo paga alguma parcela da prestação alimentícia, pode o credor ingressar com ação executiva pedindo a prisão civil do devedor. Contudo, interessante é a ideia de previsão de multa diária, denominada astreinte, que não passa de um gravame pecuniário imposto por acréscimo ao devedor renitente, como ameaça adicional para demovê-lo a honrar o cumprimento de sua obrigação. Em alguns casos, vislumbrada a conveniência da medida, pode ser aplicada de ofício quando do recebimento da execução, de modo que representaria uma situação menos gravosa ao devedor de alimentos e o credor satisfaria seu crédito da mesma forma.

Esta multa diária tem sido muitas vezes uma “alternativa eficiente de motivação executiva adicional” e, conforme Sérgio Cruz Arenhart, citando Roger Perrot, é tida como

Um meio de pressão que consiste em condenar um devedor sujeito a adimplir uma obrigação, resultante de uma decisão judicial, a pagar uma soma em dinheiro, por vezes pequena, que pode aumentar a proporções bastante elevadas com o passar do tempo e com o multiplicar-se das violações. (MADALENO apud ARENHART, 2007, p. 242)

Na mesma esteira, ensina Grisard Filho (2006, p. 903):

A previsão constitucional de uma sanção cominatória, multa ou astreinte, revela-se eficiente meio de pressão sobre o ânimo do devedor de alimentos para que cumpra em tempo sua obrigação. Essa sanção destina-se a desestimular a recalcitrância do obrigado pela coação psicológica do custo financeiro adicional e progressivo do inadimplemento. Aqui é castigo imposto ao devedor e não meio de reparar o prejuízo do credor, como expõe o § 4º, do art. 461, do Código de Processo Civil.

Ademais, Madaleno (2007, p. 243-244) cita que:

As multas são associadas ao instituto do contempt of Court, porque o descumprimento de ordem judicial implica uma lesão ao credor e a insubordinação à autoridade judicial, eis que ofendida a autoridade do Estado. Desse modo, para tornar possível a prestação da tutela específica, o legislador conferiu ao juiz poderes para impor multa diária ao réu indiferente ao expresso pedido do autor, consistente, verdadeiramente, de uma sanção processual destinada a desestimular – pela coação psicológica do custo financeiro adicional e até progressivo – a obstinada resistência da pessoa obrigada e fazer que se sinta compelida a cumprir o preceito a que estava obrigada.

E continua:

Chamada de tutela inibitória, pois este é o sentido da imposição da multa diária, a astreinte como instrumento legítimo de pressão psicológica deve ser fixada em valor significativo para o demandado, a fim de que o preceito seja cumprido. Fosse irrisório o valor arbitrado para a multa e certamente ela estaria longe de cumprir a sua função de inibição à relutância do devedor.

Madaleno (2007, p. 245) conclui dizendo que:

Sempre que presentes as condições favoráveis à imposição da multa como ferramenta adicional de motivação para o pagamento da pensão alimentícia represada pelo devedor alimentar, dispostos a causar agravos materiais e morais ao credor da pensão, certamente servirão as astreintes como um eficiente mecanismo de desestímulo à renitente teimosia dos executados que costumam dar vazão processual às feridas abertas por força de velhas dissensões afetivas e conjugais.

Se a astreinte é um ato subjetivo do juiz, entendo que deveria ser aplicada quando o magistrado de família se deparar com a questão alimentos/avós/netos. No entanto, verifico que a aplicação desse instrumento se afigura recomendável somente nos casos em que o devedor reúne condições financeiras e há manifesta intenção em não adimplir com a obrigação.

Uma outra sugestão, que independe de condição financeira privilegiada do devedor, é a possibilidade da “penhora on line”, prescrita no art. 655-A do CPC, que contempla a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira. A requerimento do credor, o juiz requisita à autoridade supervisora do sistema bancário informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade até o valor indicado na execução.

Entretanto, apesar de mecanismo ágil e eficaz, necessita de requerimento pelo credor e ainda da existência de saldo, o que por vezes dificulta sua aplicabilidade e/ou efetividade.

Outro ponto que deve ser ressaltado é a aplicação da multa prevista no art. 475-J, do CPC, no patamar de dez por cento do montante da execução. É opção menos gravosa ao devedor, porque este responderá com seu patrimônio e não sofrerá coerção pessoal. Tal procedimento está em consonância com o art. 620 do CPC, segundo o qual, quando por vários meios o credor puder satisfazer a execução, o juiz mandará que se faça pelo menos gravoso ao devedor.

Diante do exposto, tem-se que a prisão civil é meio eficaz para o recebimento dos alimentos em atraso, mas as consequências deste ato podem ser irreversíveis quando se trata de uma pessoa idosa, comumente fragilizada em suas condições físicas e psicológicas. Neste caso, penso que as medidas acima propostas têm o mesmo condão de coagir ao pagamento, mas de uma forma mais amena, não ofendendo princípios constitucionais fundamentais, como o princípio da dignidade humana.


7.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A pessoa idosa deve ter, na medida do possível, acesso às condições básicas de sobrevivência, levando em consideração suas necessidades individuais e condições de saúde. A liberdade, sem dúvida, é necessária para se viver com dignidade, sendo importante para todas as pessoas, de todas as idades, principalmente quando em idade avançada, com eventual perda de capacidade física.  O idoso tem tantas peculiaridades que o legislador criou o Estatuto do Idoso, com o cunho de proteger integralmente os seus direitos. A criança e o adolescente estão em circunstâncias diferentes da do idoso, mas carecem de possibilidades para gerir suas necessidades, as quais só na fase adulta poderão ser alcançadas e supridas.

Primeiramente, entendo que a proteção à vida dos filhos cabe primordialmente aos pais, que geraram estas vidas. Transferir essa tarefa fundamental para os avós é o mesmo que subverter o ciclo natural da vida e os compromissos de responsabilidade que devem nortear as relações parentais. De qualquer forma, se não podemos mudar a legislação, e se a obrigação alimentar pode ser repassada ou complementada por esses indivíduos, nos cabe somente fazer uma análise profunda do caso e criar mecanismos para amortecer essa relação especial que a lei coloca.

Ao verificarmos o entendimento contido na jurisprudência gaúcha, notadamente quando a questão envolve avós e netos em relação à pensão alimentícia, o critério da possibilidade deve prevalecer sobre a necessidade e proporcionalidade, nos termos do Agravo de Instrumento nº 70005360425, da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, julgado em 13 de fevereiro de 2003, pelo Desembargador Rui Portanova. Este julgado já demonstra a particularidade do caso, somada à excepcionalidade. Se na fixação da obrigação alimentar dos avós há exceção à regra, porque não pode haver também ao executá-la?

Conclui-se que se deve, em situações como esta apontada no tema, optar pelos meios menos gravosos e tão eficazes quanto propõe a prisão civil. Sendo as medidas alternativas efetivamente aplicadas, os avós serão chamados da mesma maneira à sua obrigação, o que possivelmente levará ao adimplemento almejado. Adotar-se-á, por tal via, formas menos gravosas e humilhantes, não passando por cima de um dos basilares princípios constitucionais, o da dignidade da pessoa humana, ressalvando ainda, o direito à vida, ponto de partida para a institucionalização dos alimentos.


REFERÊNCIAS

ASSIS, Akaren de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

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WANDERLEY, Juliana Cristina. A obrigação alimentar dos avós e a extrema excepcionalidade da medida prisional . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3169, 5 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21204. Acesso em: 26 abr. 2024.