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Inconstitucionalidades dos retrocessos empreendidos pelo novo Código Florestal

Inconstitucionalidades dos retrocessos empreendidos pelo novo Código Florestal

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A necessidade de recuperação das áreas de preservação permanente e de Reserva Legal é um direito subjetivo ambiental. Pretende o legislador que haja retroação da lei ambiental para atingi-lo.

1. INTRODUÇÃO

Após muita discussão na sociedade, no Congresso Nacional, há um novo Código Florestal no Brasil, a Lei n. 12.651/2012.

Compete agora aos operadores do Direito analisarem esta norma jurídica e averiguarem se há nela alguma inconstitucionalidade que impeça sua aplicação na prática.

O objetivo deste artigo é apontar a incompatibilidade dos dispositivos que violaram a Constituição Federal e portanto não poderão ser aplicados, sob pena de grave retrocesso e degradação ambiental.

A análise que será feita neste texto cingir-se-á aos permissivos legais de ocupação consolidada nas áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente no que diz respeito aos conflitos com a Constituição Federal, os quais, ao contrário do que foi apregoado pelos defensores do Novo Código, incidiram sim em “anistia” criando-se situações que causam espanto pela desigualdade de tratamento entre aqueles que preservaram e cumpriram a lei e os que a descumpriram. Deixar-se-á para outra oportunidade a análise dos dispositivos em si e sua interpretação, bem como outras partes da norma jurídica.


2. DA DESOBRIGAÇÃO DE RECOMPOSIÇÃO DE APPs E RESERVA LEGAL PELO NOVO CÓDIGO FLORESTAL

Ao tratar das áreas consolidadas anteriores ao período de 22 de julho de 2008, a Lei Federal n. 12.651/2012, em seus artigos 61-A e 67, assim dispôs:

“Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).

§ 1º Para os imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).

§ 2º Para os imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 8 (oito) metros, contados da borda da calha do leito regular, independente da largura do curso d´água. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).

§ 3º Para os imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d’água. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).

§ 4º Para os imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais: (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).

I - em 20 (vinte) metros, contados da borda da calha do leito regular, para imóveis com área superior a4 (quatro) e de até 10 (dez) módulos fiscais, nos cursos d’agua com até 10 (dez) metros de largura; e (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).

II - nos demais casos, em extensão correspondente à metade da largura do curso d’água, observado o mínimo de 30 (trinta) e o máximo de 100 (cem) metros, contados da borda da calha do leito regular. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).”

“Art. 67.  Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.”

Dos dispositivos em questão evidencia-se que tal diploma legal permitiu a redução das APPs de rios a irrisórios 05 metros em imóveis de até quatro módulos fiscais (escalonando tamanho maior em outros), bem como dispensou estes de qualquer recuperação de Reserva Legal naquelas áreas ocupadas até 22 de julho de 2008.

Portanto, se um imóvel abaixo de quatro módulos fiscais – que, em algumas regiões do Brasil pode atingir até quatrocentos hectares – não possuísse sequer 1% de vegetação nativa para compor a Reserva Legal, poderá ele ser dispensado de cumprir com tal obrigação.

Ocorre que, conforme demonstrar-se-á, tais dispositivos são eivados de absoluta inconstitucionalidade, sem prejuízo de outros que não estão sendo analisados neste artigo.


3. DA INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO ADQUIRIDO – ART. 5º, XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

3.1 – Previsão Constitucional da Vedação da Retroação da Lei para Atingir o Direito Adquirido

A Constituição Federal, no Capítulo relativo às garantias dos direitos fundamentais, previu o princípio implícito da segurança jurídica ao dispor que:

“Art. 5º ...

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

A função deste dispositivo constitucional é justamente evitar as injustiças e dar estabilidade às relação jurídicas, evitando-se assim, que situações juridicamente consolidadas venham a ser atingidas por novos instrumentos normativos.

O consagrado Clóvis Bevilácua, quando tratava da razão e importância de assegurar o direito adquirido, já asseverava que “o respeito aos direitos adquiridos é uma necessidade imposta pelo instituto de conservação da sociedade, que não teria organização estável, nem base para o seu natural desenvolvimento, se a ordem jurídica e os direitos, que ela assegura, se dissolvessem com as sucessivas reformas da legislação.” (Código Civil, 1940, Vol. I, p. 101).

Contudo, o conteúdo do que seja o direito adquirido não foi delineado pela Constituição Federal, devendo ser extraído do texto infra-constitucional, conforme muito bem aponta o constitucionalista Alexandre de Moraes:

“Não se pode desconhecer, porém, que em nosso ordenamento positivo inexiste definição constitucional de direito adquirido. Na realidade, o conceito de direito adquirido ajusta-se á concepção que lhe dá o próprio legislador ordinário, a quem assiste a prerrogativa de definir, normativamente, o conteúdo evidenciador da ideia de situação jurídica definitivamente consolidada...” (Direitos Humanos Fundamentais, Ed. Atlas, 8ª Ed., p. 203)

Portanto é na legislação infraconstitucional, na doutrina e na jurisprudência que se deve buscar o conteúdo do que seja “direito adquirido”.

3.2 – Conceito de Direito Adquirido

Ao buscar-se na legislação infraconstitucional o conceito de Direito Adquirido, percebe-se que tal delimitação foi feita pela Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 6º, § 2º:

“Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

...

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”

Ou seja, pela dicção do dispositivo são direitos adquiridos aqueles em que seu titular possa exercê-los de imediato – independentemente de haverem ou não sido exercidos.

O reconhecido constitucionalista José Afonso da Silva, por seu turno, traça os seguintes caracteres para tal instituto:

“Para compreendermos um pouco melhor o que seja o direito adquirido, cumpre relembrar o que se disse acima sobre o direito subjetivo: é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado, direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o fundamentava). ...

Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, par aser exercido quando convier. A lei nova não pode prejudicá-ló, só pelo fato de o titular não ter exercido antes.”(Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª Ed., Ed. RT, p. 374)

Repitam-se as lições do mestre: é um direito subjetivo que: a) pode já ter sido exercitado e, portanto, é direito consumado; b) ainda que não exercitado, não pode ser prejudicado pela legislação posterior, pois já foi adquirido.

Em resumo, uma vez sendo exercível de plano tal direito – ou seja, tratando-se de direito subjetivo – é de se reconhecer que há um direito adquirido na hipótese em questão.

3.3 – Conceituação dos Direitos Subjetivos em individuais, coletivos e difusos

Como traçamos no conceito acima que para haver o direito adquirido há que ocorrer um direito subjetivo de seu titular, é importante registrar-se o conceito de Direito Subjetivo, que Miguel Reale trata ao dizer que “é a possibilidade de ser exercido, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio.” (Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Bushatsky/EDUSP, 1973, p. 292).

Cumpre esclarecer que inicialmente, pode-se equivocadamente pensar que este direito subjetivo estar-se-ia adstrito à esfera privada. Contudo, já na doutrina civilista tradicional sempre foi prevista a existência do direito subjetivo de ordem pública. É o que se extrai da lição de Caio Mário:

“Onde quer que exista um direito subjetivo, de ordem pública ou de ordem privada, oriundo de um fato idôneo a produzi-lo segundo os preceitos da lei vigente ao tempo em que ocorreu, e incorporado ao patrimônio individual, a lei nova não o pode ofender.” (Instituições de Direito Civil, 5ª Ed, Ed. Forense, 1976, Vol. I, p. 152)

Todavia, modernamente há que se reconhecer já haver pacificado na doutrina, jurisprudência e inclusive na legislação, a divisão dos direitos subjetivos em: a) individuais; b) individuais homogêneos; c) coletivos e d) difusos.

Tal divisão vem estabelecida no Código de Defesa do Consumidor quando assim dispõe em seu artigo 81, parágrafo único:

“Art. 81. ...

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem coumum.”

Portanto, é de se reconhecer a existência de direito subjetivo não só aos indivíduos, mas também e principalmente à coletividade, através do direito difuso.

Neste sentido, tratando da existência de direito fundamental difuso subjetivo ambiental, o constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho, reconhece esta realidade, como se depreende de sua lição:

“Se do ponto anterior saiu reforçada a ideia da existência de um novo valor que reveste cada vez mais importância para a comunidade jurídica organizada – valor esse que, pelo menos neste sentido, é sobretudo compreendido na sua dimensão pública ou coletiva – importa em todo caso ainda mostrar que essa sua natureza não prejudica (mas, pelo contrário, reforça) a circunstância de o ambiente dever ser também assumido como direito subjetivo de todo e qualquer cidadão individualmente considerado. Isto é claro se compreendermos que o ambiente, apesar de um bem social unitário, é dotado de uma indiscutível dimensão pessoal.” (Introdução ao direito do ambiente, Lisboa, Universidade Aberta, 1998, p. 26-27)

Note-se que a presença em nosso Direito Constitucional e Processual de instrumentos jurídicos conferidos à sociedade e até mesmo ao cidadão individualmente (ação popular) de defesa dos direitos difusos, especialmente o meio ambiente, somente reforça ser inegável a existência de um “direito subjetivo ao meio ambiente equilibrado”.

É este o entendimento de José Rubens Morato Leite:

“O direito do cidadão, a título individual, de acesso à justiça jurisdicional da proteção ambiental faz surgir a figura do direito subjetivo ao meio ambiente, ecologicamente equilibrado, que não é incompatível com a autonomia do bem ambiental. Não se deve esquecer de que o bem ambiente é de evidente relevância para a coletividade e caracterizado, conforme já visto, como bem jurídico próprio e autônomo, tutelado em si e por si mesmo. Paralelamente a estas varais feições do bem jurídico ambiental, não existe uma preclusão e nem se afasta a hipótese do ambiente ser configurado, ainda, como um direito subjetivo de todo e qualquer cidadão em sua tutela jurisdicional com o objetivo de protegê-lo na sua categoria de macrobem.” (Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial, 2ª Ed., RT, p. 149)

Não há dúvidas, portanto, da existência do direito subjetivo nos casos do direito difuso, que é exercido por qualquer titular (seja individualmente por um cidadão em substituição à coletividade através da ação popular, seja por representação do Ministério Público ou demais legitimados no caso da ação civil pública).

3.4 – Direito Adquirido Difuso e Direito Adquirido Ambiental

Daquilo que foi exposto acima, podemos extrair as seguintes premissas:

1) A Constituição Federal veda que a lei venha a retroagir para violar o direito adquirido (art. 5º, XXXVI);

2) O direito adquirido é aquele que pode ou poderia ser exercido por seu titular, ainda que não o tenha feito anteriormente (art. 6º, §2º, da LICC) – ou seja, o direito subjetivo exercível de plano;

3) A doutrina, jurisprudência e legislação preveem a existência do direito subjetivo difuso ambiental;

4) O direito ambiental é um direito difuso;

Destas premissas, podemos concluir o seguinte: qualquer violação pela lei a um direito subjetivo ambiental ferirá um direito adquirido de toda a sociedade.

Pois bem, no que diz respeito à necessidade de recuperação das áreas de preservação permanente e de Reserva Legal, não há dúvidas que este é um direito subjetivo ambiental (que já foi exercido ou poderia sê-lo por meio de ação civil pública – direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, art. 225, da Constituição Federal) sendo que pretende o legislador que haja retroação da lei ambiental para atingi-lo.

Ao tratar sobre a irretroatividade do Novo Código Florestal para prejudicar os direitos ambientais já consolidados pela sociedade, ensinam Fernando Reverendo Vidal Akaui e Nathan Glina:

“A nós, as regras constantes num Código Florestal, que deve sempre ter como escopo disciplinar regras relativas à manutenção do patrimônio florestal brasileiro, por serem imprescindíveis ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, encerram a primeira classe de leis, quais sejam, as que prescrevem a aquisição de direitos, e, portanto, estão imunes à retroatividade de leis posteriores.

Bem anota o ilustre constitucionalista alemão Konrad Hesse que “na função estatal-jurídica da lei tem, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, também a proibição fundamental de uma retroatividade de leis agravantes sua raiz. O tribunal distingue entre retroatividade em sentido próprio e em sentido impróprio, conforme, se a lei ‘posteriormente intervém modificadoramente em fatos concluídos, pertencentes ao passado’, ou somente intervém sobre fatos e relações jurídicas presentes, ainda não concluídos, para o futuro’. À ambas, as formas de retroatividade traçam, segundo sua concepção, os preceitos, contidos no princípio do Estado de Direito, da certeza jurídica e da proteção da confiança (…)”.

Portanto, estando devidamente caracterizada a aquisição do direito por parte do(s) titular(es), não há que se falar em retroatividade da nova lei, para alcançar situações jurídicas que, se ainda não consumadas, deveriam tê-las sido, em razão de termo prefixo ou condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem.

E, levando em conta a advertência formulada pelo Min. Sepúlveda Pertence, lançada em voto no RE 226.855, no sentido de que: “(…) adotar a posição do saudoso Prof. Limongi França, na tese recordada com brilho pelo Min. Celso de Mello, implicaria, data venia, um grave retrocesso em todo o longo caminho corrido pela hermenêutica constitucional contemporânea, na medida em que joga, em que remete, em que delega ao legislador ordinário a definição de conceitos indeterminados necessários a dar eficácia a garantias constitucionais eminentes. De nada valeria a garantia da irretroatividade em prejuízo do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, da coisa julgada, se o conceito de tais institutos independesse da construção constitucional e tivesse sua eficácia confiada à definição que lhe desse o legislador ordinário – quando sua eficácia confiada à definição que lhes desse o legislador ordinário – quando não o editor das medidas provisórias. Não é preciso insistir em que se cuida da garantia constitucional voltada primacialmente – quando não exclusivamente como sustentam muitos – contra o legislador ordinário”, temos que o conceito de direito adquirido constante da Lei 4.657/1942 deve ser interpretado à luz da Constituição Federal de 1988, e da inviolabilidade dos direitos fundamentais.

Assim, as alterações do Projeto de Lei que institui novo Código Florestal, e que atingem frontalmente as Áreas de Preservação Permanente – APP e a Reserva Legal, não se aplicariam a estes institutos tal como protegidos na Lei 4.771/1965, por se tratar de patrimônio jurídico já incorporado à sociedade brasileira (brasileiros e estrangeiros residentes no país – art. 5.º, caput, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) ).

No que pertine à Reserva Legal, ainda que se levasse em consideração o conceito jurídico de direito adquirido estabelecido na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, verificaríamos a necessidade de se respeitar a regra contida na lei ainda vigente, na medida em que a instituição daquela, de caráter perpétuo e aplicável a todas as propriedades e posses de características rurais, tinha prazo já prefixado.”

(Intertemporalidade e Reforma do Código Florestal, Revista de Direito Ambiental | vol. 65/2012 | p. 27 | Jan / 2012 | DTR\2012\92 – grifos nossos)

Portanto, a única e óbvia conclusão é a de que tais dispositivos legais são flagrantemente inconstitucionais e portanto não podem ser aplicados.


4. INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO

4.1 – O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado como Direito Humano Fundamental de Terceira Geração

Não bastasse a inconstitucionalidade do dispositivo em razão da violação ao direito adquirido, tal dispositivo também é inconstitucional por força de violar o princípio implícito da vedação ao retrocesso dos direitos fundamentais.

Para a necessária compreensão deste princípio, inicialmente, compete recordar a clássica classificação dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração, bem como o reconhecimento do meio ambiente como direito fundamental de terceira geração pelo Supremo Tribunal Federal:

“O direito à integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o principio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (MS 22.164/SP, Trib. Pleno do STF, rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.95, DJ 17.11.95, p. 39206. Disponível www.stf.jus.br acesso em 01 de junho de 2012)

É de se reconhecer que a característica do direito ao meio ambiente ser direito fundamental também decorre diretamente de ser corolário lógico do direito à vida, na esteira do que ensina José Afonso da Silva:

“O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida.(Direito Ambiental Constitucional, Ed. Malheiros, 4ª Ed., p. 70)

Sendo assim, não restam dúvidas ser o direito ao meio ambiente equilibrado um direito fundamental de terceira geração.

4.2 – A Eficácia Plena e Imediata das Normas Relativas aos Direitos Fundamentais

Fixada a premissa acima, é de se reconhecer que as normas atinentes aos direitos fundamentais, por força de determinação constitucional, são de eficácia plena e aplicação imediata, segundo se absorve da dicção do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal:

“art. 5º...

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

O legislador constitucional não poderia ser mais claro: a aplicação das normas de direitos fundamentais – e já se demonstrou que o direito ao meio ambiente é uma delas – tem aplicação imediata.

Neste sentido, no que diz respeito a esta aplicação imediata também aos direitos fundamentais ambientais, especialmente aqueles previstos no artigo 225, da Constituição Federal, Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros esclarece:

“Aqui passaremos a sustentar que, em virtude de sua condição de direito fundamental, em princípio, também para o artigo 225 da CF e as normas nele contidas (em que pese a existência de uma faceta programática), é válido o postulado contido no artigo 5º, § 1º, o qual confere aos direitos fundamentais aplicabilidade imediata e eficácia plena...” (Meio Ambiente Direito e Dever Fundamental, Ed. Livraria do Advogado, 2004, p. 147)

Também assim assevera Orci Paulino Bretanha Teixeira:

“A norma contida no art. 5º, § 1º, da Constituição, pode ser considerada um reforço da eficácia vinculante, inerente aos preceitos constitucionais em geral, especialmente os que digam respeito ao tema tratado. Na obrigação de tudo fazer para concretizar o direito fundamental ambiental, o Poder Público e seus agentes formalmente considerados, encontram-se obrigados ao cumprimento da legislação. Como o efeito vinculante decorre do art. 5º, § 1º, da Constituição, os direitos fundamentais não se encontram na esfera de disponibilidade nem do Poder Público nem dos particulares, porque o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é indisponível.” (O Direito ao Meio ambiente Ecologicamente Equilibrado Como Direito Fundamental, Livraria do Advogado, 2006, p. 118)

Tratando-se de norma de eficácia imediata, a sua constitucionalização garante certa estabilidade, resultando em “um valioso atributo de durabilidade legislativa no ordenamento, o que funciona como barreira à desregulamentação e a alterações ao sabor de crises e emergências momentâneas, artificiais ou não.” (Antônio Herman Benjamim, in Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, Coordenado por José Joaquim Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite, Ed. Saraiva, 2007, p. 79)

Desta forma, há que se extrair da Constituição Federal nesta matéria a maior eficácia possível, sendo que ao estabelecer este tipo de direito, o Constituinte cria ao legislativo duas obrigações: a) uma negativa, ao não poder contrariar ao que está na Carta Magna; b) outra positiva, consistente em sempre implementar com maior força e efetividade os direitos ali previstos.

Sobre estas obrigações impostas ao legislador pelo Constituinte, vem ao caso a citação dos ensinamentos do professor Ingo Wolfgang Sarlet:

“Ainda neste contexto há que reconhecer a pertinência da lição de Gomes Canotilho, ao ressaltar a dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Assim, num sentido negativo (ou proibitivo), já se referiu a proibição da edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais, que, sob este ângulo, atuam como normas de competência negativas. Na sua acepção positiva, a vinculação do legislador implica um dever de conformação de acordo com os parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais e, neste sentido, também um dever de realização destes, salientando-se, ademais, que, no âmbito de sua faceta jurídico-objetiva, os direitos fundamentais também assumem a função de princípios informadores de toda a ordem jurídica. É justamente com base na perspectiva objetiva dos direitos fundamentais que a doutrina alemã entendeu que o legislador possui deveres ativos de proteção, que englobam um dever de aperfeiçoamento (Nachbesserungspflichten) da legislação existente, no sentido de conformá-la às exigências das normas de direitos fundamentais.(A eficácia dos direitos fundamentais, Ed. Livraria do Advogado, 8ª Ed, p. 391 - grifo nosso)

Daquilo que foi exposto, verificam-se as premissas para a exposição ao princípio da vedação ao retrocesso.

4.3 – Do Princípio Constitucional da Vedação ao Retrocesso em Matéria de Direitos Fundamentais Ambientais

Daquilo o que foi exposto acima, já se pode iniciar uma primeira reflexão em matéria de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, qual seja, tais normas têm eficácia plena e aplicação imediata e impõem ao legislador o dever de não contrariá-las e também de implementar cada vez mais o seu conteúdo.

Justamente por tais motivos, não faria qualquer sentido que a Constituição Federal previsse uma garantia a um direito fundamental e, após o mesmo ser implementado por meio da legislação infraconstitucional, ser possível ao poder legislativo retroceder nesta proteção andando na contramão daquilo que foi desejado pelo legislador originário.

Ora, se a Constituição Federal previu um direito fundamental e tal direito veio a ser regulamentado e implementado pela legislação infraconstitucional – como aconteceu com o Código Florestal revogado, que foi recepcionado pela atual constituição – como seria possível entender pela constitucionalidade de uma lei que venha a contrariar aquilo que foi estabelecido nesta garantia?

É por isto que vem se consolidando na doutrina a existência do princípio constitucional implícito da vedação ao retrocesso em matéria de direitos fundamentais e, em especial no caso aqui tratado, direitos fundamentais ambientais.

Ao explicar as razões e fundamentos constitucionais do princípio da vedação ao retrocesso, o já citado professor Ingo Wolfgang Sarlet em obra clássica sobre o tema denominada “A Eficácia dos Direitos Fundamentais” assenta de forma firme este princípio, conforme se vislumbra da citação abaixo, a qual pede-se vênia ao leitor por ser longa, mas necessária e ao autor por haver multilado partes do texto:

“A partir desta perspectiva e renunciando desde logo ao esgotamento e aprofundamento individualizado de todo o leque de razões passíveis de serem referidas, verifica-se que, no âmbito do direito constitucional brasileiro, o princípio da proibição de retrocesso (na sua dimensão mais estrita aqui versada) decorre – como já sinalizado – de modo implícito do sistema constitucional, designadamente dos seguintes princípios e argumentos de matriz jurídico-constitucional:

a) do princípio do Estado democrático e social de Direito, que impõe um patamar mínimo de segurança jurídica, o qual necessariamente abrange a proteção da confiança e a manutenção de um nível mínimo de continuidade da ordem jurídica, além de uma segurança contra medidas retroativas e, pelo menos em certa medida, atos de cunho retrocessivo de um modo geral;

b) Do princípio da dignidade da pessoa humana....

c) do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais... o que, por seu turno, exige uma proteção também contra medidas de caráter retrocessivo, inclusive na acepção aqui desenvolvida;

d) As manifestações específicas e expressamente previstas na Constituição, no que diz respeito a proteção contra medias de cunho retroativo na qual se enquadra a proteção dos direitos adquiridos, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito) ...

e) O princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito...

...

g) Negar reconhecimento ao princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito á vontade expressa do Constituinte. ...

h) .... o sistema de proteção internacional impõe a progressiva implementação efetiva da proteção social por parte dos Estados, encontra-se implicitamente vedado o retrocesso em relação aos direitos sociais já concretizados. ”

(A eficácia dos direitos fundamentais, Ed. Livraria do Advogado, 8ª Ed, p. 457-460 - grifo nosso)

O mesmo autor e na mesma obra, prevê expressamente este princípio em relação ao Direito Ambiental:

“As diversas possibilidades que envolvem uma noção abrangente de proibição de retrocesso encontram na seara do direito ambiental uma importante e peculiar manifestação, de tal sorte que se poderá falar aqui – como acentual Carlos Alberto Molinaro – em um princípio de vedação da retrogradação, já que o direito ambiental cuida justamente da proteção e promoção dos bens ambientais, especialmente no sentido de impedir a degradação do meio ambiente, o que corresponde, por sua vez, a uma perspectiva evolucionista (e não involucionista) da vida.” (obra citada, p. 447)

Por outro lado, constitucionalistas consagrados também defendem a aplicação deste princípio, como Luís Roberto Barroso:

“Merece registro, ainda, neste capítulo dedicado à garantia dos direitos, uma ideia que começa a ganhar curso na doutrina constitucional brasileira: a vedação do retrocesso. Por este princípio, que não é expresso mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instruir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido.

Nessa ordem de ideias, uma lei posterior não pode extinguir um direito ou uma garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição.” (O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas, Ed. Renovar, 7ª Ed., p. 158)

Em obra específica sobre o tema, Carlos Alberto Molinaro assim aponta:

“Portanto, em sede de direitos fundamentais, a proibição da retrogradação socioambiental) vincula o legislador infraconstitucional ao poder originário revelador da Constituição, não podendo a norma infraconstitucional retrogredir em matéria de direitos fundamentais declarados pelo poder constituinte.” (Direito Ambiental Proibição de Retrocesso, Ed. Livraria do Advogado, 2007, p. 111)

Também Orci Paulino Bretanha Teixeira reconhece este princípio na seara do Direito Ambiental:

“É exatamente o objetivo que protege o núcleo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, núcleo essencial e conteúdo mínimo do próprio direito. Por se tratar de uma garantia assegurada aos indivíduos – presentes e futuras gerações -, a proibição de retrocesso é da própria natureza dos direitos fundamentais.

...

Com assento constitucional, por força deste princípio, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado só é modificável in melius e não in pejus, uma vez que é expressão da sadia qualidade de vida e da dignidade da pessoa humana. ” (O Direito ao Meio ambiente Ecologicamente Equilibrado Como Direito Fundamental, Livraria do Advogado, 2006, p. 123 e 125)

Portanto, fica absolutamente evidenciado que não se pode admitir no atual Estado Democrático de Direito que a sociedade ande para trás na proteção aos direitos fundamentais, dentre eles, ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Sendo assim, resta patente a inconstitucionalidade do dispositivo em questão também por violação ao princípio da vedação ao retrocesso.


5. DA INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5º, XXIII E 186, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE

5.1 – Da Função Ambiental da Propriedade

Com o advento da nova ordem constitucional, o conceito da função da propriedade modificou-se, abandonando-se a visão privada do Código Civil de 1916, alcançando-se uma ótica social, conforme expressamente disposto no artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal:

“Art. 5º. ...

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;”                                                                                                                                                                                                                                                                       

Como corolário desta função social, surge também a necessidade de que a propriedade atenda sua função ambiental, exigência esta feita expressamente em relação à propriedade rural no artigo art. 186, I e II, da CF:

“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;”

Ressalte-se que a propriedade como instituto jurídico teve radicalmente alterada sua estrutura, pois além de incorporar em seu conteúdo a função social, uniu-se em vínculo placentário à tutela ambiental. Em outras palavras, o respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui premissa básica para o atendimento da função social da propriedade, mormente quando diretamente relacionado à proteção da vida humana (GOMES, Luís Roberto O Princípio da Função Social da Propriedade e a Exigência Constitucional de Proteção Ambiental. In Revista de Direito Ambiental n. 17, Revista dos Tribunais, p. 170).

Portanto, tratando-se de propriedade rural, a mesma deve cumprir a sua função ambiental constitucionalmente prevista.

5.2 – Dos Institutos das Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal como Materialização Intrínseca da Função Ambiental da Propriedade Rural Privada

Que a propriedade rural deve cumprir sua função ambiental não restam dúvidas. Contudo, o que se impõe questionar é o conteúdo desta responsabilidade em cumprir sua “função ambiental”.

Ocorre que os principais institutos relativos à função ambiental da propriedade rural previstos pela legislação infraconstitucional – e que vem implementar e dar eficácia prática ao princípio constitucional acima exposto – são os institutos da Reserva Legal e da Área de Preservação Permanente.

Foram estes dois institutos, previstos em nosso ordenamento pátrio desde o Código Florestal de 1934 (Decreto-lei n. 23.793, de 23/01/1934), que sempre deram esta característica de função ambiental neste tipo de propriedade.

Na doutrina moderna, a efetiva implementação da função ambiental da propriedade pelos institutos da Reserva Legal e Área de Preservação Permanente também foram pontuados pelo hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Herman Benjamim:

“Em linhas gerais, nenhum dos dispositivos do Código Florestal consagra, aprioristicamente, restrição que vá além dos limites internos do domínio, estando todos constitucionalmente legitimados e recepcionados; demais disso, não atingem, na substância, ou aniquilam o direito de propreidade. Em ponto algum as APPs e a Reserva Legal reduzem a nada os direitos do proprietário, em termos de utilização do capital representado pelos im´poveis atingidos. Diante dos vínculos que sobre elas incidem, tanto aquelas como esta aproximam-se muito da modalidade moderna de propriedade restrita, restria, sim, mas nem por isso menos propriedade.” (Refelxões sobre a hipertrofia do direito de propriedade na tutela da reserva legal e das áreas de preservação permanente, Revista de Direito Ambiental n. 4, Ed. RT, p. 56)

Este também é o entendimento de Paulo Affonso Leme Machado ao tratar do instituto da Reserva Legal:

“A Reserva Legal Florestal tem sua razão de ser na virtude da prudência, que deve conduzir o Brasil a ter um estoque vegetal para conservar a biodiversidade. Cumpre, além disso, o princípio constitucional do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Importa dizer que cada proprietário não conserva uma parte de sua propriedade com florestas somente no interesse da sociedade ou de seus vizinhos, mas primeiramente no seu próprio interesse.” (Direito Ambiental Brasileiro, Ed. Malherios, 15ª Ed., p. 755)

Na jurisprudência a aplicação destes dois institutos também sempre foram reconhecidos como a faceta prática do cumprimento da função social ou ambiental da propriedade rural. Confira-se em acórdão paradigma do Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ARTS. 16 E 44 DA LEI Nº 4.771/65. MATRÍCULA DO IMÓVEL. AVERBAÇÃO DE ÁREA DE RESERVA FLORESTAL. NECESSIDADE.

1. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente"

2. A obrigação de os proprietários rurais instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, atende ao interesse coletivo.

3. A averbação da reserva legal configura-se, portanto, como dever do proprietário ou adquirente do imóvel rural, independentemente da existência de florestas ou outras formas de vegetação nativa na gleba.

4. Essa legislação, ao determinar a separação de parte das propriedades rurais para constituição da reserva florestal legal, resultou de uma feliz e necessária consciência ecológica que vem tomando corpo na sociedade em razão dos efeitos dos desastres naturais ocorridos ao longo do tempo, resultado da degradação do meio ambiente efetuada sem limites pelo homem. Tais consequências nefastas, paulatinamente, levam à conscientização de que os recursos naturais devem ser utilizados com equilíbrio e preservados em intenção da boa qualidade de vida das gerações vindouras (RMS nº 18.301/MG, DJ de 03/10/2005).

5. A averbação da reserva legal, à margem da inscrição da matrícula da propriedade, é conseqüência imediata do preceito normativo e está colocada entre as medidas necessárias à proteção do meio ambiente, previstas tanto no Código Florestal como na Legislação extravagante. (REsp 927979/MG, DJ 31.05.2007)

6. Recurso Especial provido.”

(STJ - REsp 821083 / MG RECURSO ESPECIAL 006/0035266-2 – Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 25/03/2008 e publicado em 09/04/2008)

 

Por estes motivos é que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a Reserva Legal não é uma mera abstração matemática, devendo ser devidamente caracterizada e demarcada dentro da propriedade, sob pena de ferir-se o Código Florestal (MS 23.370-2 Goiás, de 16/12/99: “A ‘reserva legal’, prevista no art. 16, § 2º, do Código Florestal, não é quota ideal que possa ser subtraída da área total do imóvel rural, para o fim do cálculo de sua produtividade (cf. L. 8.629/93, art. 10, IV), sem que esteja identificada na sua averbação” e MS 22.688-9 Paraíba, de 03/02/99: “A reserva legal não é uma abstração matemática. Há de ser entendida como uma parte determinada do imóvel. Sem que esteja identificada, não é possível saber se o proprietário vem cumprindo as obrigações positivas e negativas que a legislação ambiental lhe impõe. Por outro lado, se não se sabe onde concretamente se encontra a reserva, se ela não foi medida e demarcada, em caso de divisão ou desmembramento de imóvel, o que ocorreria é que cada um dos novos proprietários só estaria obrigado por lei a preservar vinte por cento de sua parte. Desse modo, a cada nova divisão ou desmembramento, haveria uma diminuição do tamanho da reserva proporcional à diminuição do tamanho do imóvel, com o que restaria frustrada a proibição da mudança de sua destinação nos casos de transmissão a qualquer título ou de desmembramento, que a lei florestal prescreve.”).

Fica evidente, assim, que a existência de Reserva Legal e de Área de Preservação Permanente é condição sine qua non para atingir a finalidade prevista no artigo 5º, XXIII e 186, I e II da Constituição Federal, sendo que quaisquer dispositivos que venham a esvaziar o conteúdo desta norma, devem ser considerados inconstitucionais.

5.3 – Da inconstitucionalidade do “esvaziamento” dos Institutos da Preservação Permanente e Reserva Legal feita pelo Novo Código Florestal

Pois bem, ficando evidente que tais institutos fazem parte do conteúdo normativo do princípio da função ambiental da propriedade rural, é evidente que não podem eles ser eliminados do ordenamento prático.

Mas não é só, não basta apenas a garantia de não eliminação, mas também, há que se garantir que não haja esvaziamento ou ineficácia  dos mesmos.

Ora, o que fez o legislador pátrio – mesmo contrariando a ciência e a vontade da população em geral, apenas para atender interesses econômicos – foi esvaziar o conteúdo dos institutos da área de preservação permanente e de reserva legal.

A função das APPs e das Reservas Legais, é justamente a proteção dos recursos hídricos e a troca de fluxo gênico, necessário ressaltar que a proteção das áreas de preservação permanente – conforme ensina Osny Duarte Pereira (Direito Florestal Brasileiro, 1950, p. 210) – não é feita “... apenas por interesse público, mas por interesse direto e imediato do próprio dono. Assim como ninguém escava o terreno dos alicerces de sua casa, porque poderá comprometer a segurança da mesma, do mesmo modo ninguém arranca as árvores das nascentes, das margens dos rios, nas encostas, ao longo das estradas porque poderá vir a ficar sem água, sujeito a inundações, sem vias de comunicação, pelas barreiras e outros males conhecidamente resultantes de sua insensatez. As árvores nestes lugares estão para as respectivas terras como o vestuário está para o corpo humano. Proibindo a devastação, o Estado nada mais faz do que auxiliar o próprio particular a bem administrar os bens individuais, abrindo-lhe os olhos contra os danos que poderia inadvertidamente cometer contra si mesmo”.

Portanto, amputou-se o instituto de tal forma a retirar sua configuração mínima, esvaziando seu conteúdo e incorrendo em inconstitucionalidade.


6 – DA INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO A TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Não fosse inconstitucional o artigo citado pela violação ao direito adquirido, ao princípio da vedação ao retrocesso, seria o mesmo inconstitucional ou inválido por violar texto expresso de tratados internacionais em que o Brasil é signatário.

Já se tornou consagrado na doutrina que trata dos tratados sobre Direitos Humanos – e aí, conforme apontado acima, está incluído direito ao meio ambiente – que o ingresso destes tratados em nosso ordenamento jurídico, se faz em plano superior à legislação infraconstitucional, dada a importância a que foi dada a esta matéria pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, § 2º e 3º:

“Art. 5º. ...

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios a ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45/2004)”

Da redação do dispositivo não restam dúvidas que aqueles tratados aprovados após a emenda 45/2004 e que tenham tramitado nos moldes ali previstos, têm força de norma constitucional.

A questão a que se impõe resposta é em relação àqueles que são anteriores àquela emenda?

Pois bem, ao tratar do tema a professora Flávia Piovesan, apresenta resposta a esta questão:

“Ora, ao prescrever que ‘os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais’, a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos nacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos.

Ao efetuar a incorporação, a Carta atribui aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Essa conclusão advém ainda de interpretação sistemática e teleológica do Texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional.

...

Uma vez mais, corrobora-se o entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados anteriormente ao mencionado parágrafo, ou seja, anteriormente à Emenda Constitucional n. 45/2004, têm hierarquia constitucional, situando-se como normas material e formalmente constitucionais. Esse entendimento decorre de quatro argumentos: a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§2º e 3º do art. 5º, já que o último não revogou o primeiro, mas deve, ao revés, ser interpretado à luz do sistema constitucional; b) a lógica e racionalidade material que devem orientar a hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que apontem a agudos anacronismos da ordem jurídica; e d)_ a teoria geral da recepção do Direito brasileiro.” (Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, Ed. Saraiva, 8ª Ed, p. 52 e 73)

Note-se que este entendimento – de serem os tratados sobre direitos humanos anteriores à emenda 45 normas de direito constitucional material – foi expressamente reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça no RHC 18799, tendo como Ministro Relator José Delgado, em maio de 2006: “...o § 3º do art. 5º da CF/88, acrescido pela EC n. 45, é taxativo ao enunciar que ‘os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados, em cada Casa do Congresso nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais’. Ora, apesar de à época o referido Pacto ter sido aprovado com quórum de lei ordinária, é de se ressaltar que ele nunca foi revogado ou retirado do mundo jurídico, não obstante a sua rejeição decantada por decisões judiciais. De acordo com o citado § 3º, a Convenção continua em vigor, desta feita com força de emenda constitucional. A regra emanada pelo dispositivo em apreço é clara no sentido de que os tratados internacionais concernentes a direitos humanos nos quais o Brasil seja parte devem ser assimilados pela ordem jurídica do país como normas de hierarquia constitucional. Não se pode escantear que o § 1º supra determina, peremptoriamente, que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.’. Na espécie, devem ser aplicados, imediatamente, os tratados internacionais em que o Brasil seja parte.”

Portanto, não restam dúvidas de que tais tratados ingressam em nosso ordenamento jurídico com força superior à legislação infraconstitucional e, portanto, quaisquer normas que venham a lhes contrariar, deverão ser consideradas inconstitucionais ou inválidas – conforme a doutrina que se siga.


7. INEFICÁCIA FACE AO DIREITO NATURAL E/OU INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE[1] E DA PROPORCIONALIDADE[2]

7.1. Anedota Jurídica: A não revogação da Lei da Gravidade por uma Câmara de Vereadores

“Em uma pequena cidade nos rincões do Brasil, havia um problema crônico de falta d´água, sendo que, em administrações anteriores havia sido furado um poço artesiano para abastecimento, mas que nunca tinha sido ligado ao sistema de distribuição daquela localidade.

Convocada uma audiência pública na Câmara Municipal para tratar do tema, o técnico responsável pelo sistema de abastecimento foi categórico: - Não se pode ligar este poço à rede de distribuição por causa da Lei da Gravidade.

Foi então que um dos vereadores disse: - Não tem importância, nós revogamos esta lei!

Neste momento, o presidente da Casa, mais experiente, disse: - Não podemos revogar esta lei nobre colega, ela é uma Lei Federal!”

Esta anedota corre por várias cidades do interior do país e é bem provável que nunca tenha acontecido, sendo apenas uma forma bem humorada, ao estilo do povo brasileiro, de ilustrar o despreparo que às vezes existe por parte de alguns integrantes de casas legislativas.

Contudo, após os sérios ataques à legislação ambiental brasileira em franca contrariedade à ciência e à vontade da população, enfraquecendo e até destruindo os institutos já consagrados como o da Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente (como o que foi feito neste Novo Código Florestal), tal anedota passa a ser pertinente.

Justifica-se: Para qualquer pessoa é evidente a impossibilidade de uma norma jurídica revogar a Lei da Gravidade (uma lei física da natureza que ocorre independentemente da vontade humana). Todavia, o legislativo não viu com a mesma clareza a impossibilidade de se extirpar ou diminuir-se a tamanhos irrisórios as áreas de preservação permanente, principalmente as matas ciliares e de encosta de montanhas e morros, mesmo com a advertência de cientistas e ambientalistas de que tais áreas são essenciais para a manutenção dos cursos d´água, contenção de desmoronamentos e erosões e funcionam como corredores ecológicos essenciais à biodiversidade.

De igual maneira não viu o legislativo a advertência que a extinção/redução a percentuais ínfimos de Reserva Legal causa na perda de biodiversidade e nas funções ambientais/ecológicas deste instituto.

Ora, durante a discussão do Código Florestal restou pacífico que esta alteração reduzindo-se as APPs e Reservas Legais contrariou frontalmente os conhecimentos científicos acumulados, ficando claro tal fato na carta de repúdio ao Novo Código Florestal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência:

“Mesmo no relatório aprovado no Senado mostramos pontos deficientes que precisariam  mudar. Exemplo: as Áreas de Preservação Permanentes (APPS) nas margens de cursos d´água deveriam ser integralmente restauradas e demarcadas a partir do nível mais alto do rio, e não de um nível regular como foi aprovado..” (http://www.sbpcnet.org.br/site/codigoflorestal/aprovacao.php)

Apenas para registrar que tal situação contraria, inclusive, o artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal – “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.”, quando o legislador, cedendo à pressão de uma minoria fez ouvidos moucos à grande maioria da população que em pesquisas era absolutamente contra a qualquer retrocesso à legislação ambiental (95% dos entrevistados pelo Instituto Data Folha foram contra a manutenção de pecuária e agricultura nas áreas de preservação permanente - http://www.ecodesenvolvimento.org.br/posts/2011/junho/pesquisa-aborda-opiniao-da-sociedade-sobre-o-novo).

7.2 A interface entre as leis da natureza e o Direito Ambiental – Sanções Jurídicas e Sanções da Natureza – invalidade frente ao Direito Natural

Voltando-se à anedota do início deste texto: E se os vereadores de nossa fictícia cidade tivessem editado uma Lei Municipal com a seguinte redação: “Art. 1º Fica revogada neste Município a Lei da Gravidade. Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.”?

O que seria esta lei? Inconstitucional? Inválida? Ilegal? Inaplicável?

É impossível enfrentar este tema sem analisarmos ao menos superficialmente – em razão da limitação de espaço que um artigo impõe – a antiga discussão entre o jusnaturalismo e o juspositivismo (ou entre o Direito Natural e o Direito Positivo).

Resumindo-se em muito tão complexa visão destas duas Escolas do Direito e correndo-se todo o risco que tal reducionismo implica, a questão focal é: existem princípios ou normas já implícitos, inerentes ou pré-existentes ligados à natureza em si ou à natureza do Homem (portanto, acima do Direito Positivo) ou todas as normas jurídicas emanam do Direito Positivo?

Os defensores do Direito Natural sustentam a pré-existência de normas jurídicas inerentes à natureza e ao ser humano, sendo que tais “Direitos Naturais” não poderiam ser ignorados ou contrariados pelo Direito Positivo.

Como se sabe, o Direito Positivo é aquele emanado de uma autoridade competente pré-legitimada por uma norma de competência que lhe atribui poderes para criar o Direito – p. ex. Poder Legislativo, Poder Executivo na função legislativa atípica ou na função regulamentar, Poder Judiciário ao dizer o Direito no caso concreto, etc....

Por outro lado, o professor João Maurício Adeodato, da Universidade de Recife, em artigo escrito em espanhol para o livro “Las Razones Del Derecho Natural” coordenado por Renato Rabbi-Baldi Cabanillas (2008, p. 71), apresenta os dois postulados do Direito Natural:

“El iusnaturalismo puede definirse, grosso modo, a partir de dos postulados, fundamentales: a) hay un orden jurídico más allá del efectivo, del observable empíricamente por los órganos de los sentidos, que es metafóricamente designado ‘natural’, entendiéndose la ‘naturaleza’ como algo no producido por el ser humano; b) encaso de conflicto con el orden positivo, debe prevalecer el orden ‘natural’, por ser el criterio externo de correspondencia de aquel, hetero-referente (y superior) en relación al derecho positivo.”

Já os defensores do juspositivismo defendem que não há Direitos pré-existentes ou acima do sistema jurídico positivo, até porque as diferenças culturais e sociais das várias sociedades humanas levam ao relativismo absoluto, sendo que uma conduta não aceita na maioria das sociedades (escravidão, infanticídio, incesto, etc...) podem ser aceitas em outras que tem seu regime jurídico próprio.

Para estes, como afirma Kelsen, basta que a norma seja emanada da autoridade competente e que tal competência venha atribuída em outra norma de hierarquia superior. Para Kelsen, a última norma superior é uma norma pressuposta (norma hipotética fundamental) que dá competência ao legislador Constitucional para suas atribuições (Teoria Pura do Direito, p. 277).

Neste mesmo sentido é a lição do professor João Maurício Adeodato (2008, p. 77):

“Filosóficamente, puede decirse que el positivismo jurídico se caracteriza por aceptar que el derecho resulta de un acto de poder competente, pudiendo asumir cualquier contenido. Es autorreferente, pudiendo asumir cualquier contenido. Es autorreferente; procedimental y en cierto modo irracional en cuanto al contenido, en la medida que rehúsa un paradigma externo que configure la posibilidad de una materia ética ‘necesaria’.”

Sem pretensão de buscar responder qual das duas correntes está com a razão, o que se busca afirmar neste artigo é que não pode o homem ignorar as Leis da Natureza sob pena de ser sancionado por ela.

Assim, ninguém em seu juízo normal, ainda que haja uma ‘lei municipal’ revogando a Lei da Gravidade, irá pular do décimo andar de um prédio pensando que sairá flutuando.

Contudo, a mesma racionalidade não é adotada quando se busca desproteger as margens de rios, encostas e topos de morro de sua vegetação protetora, com a finalidade exclusiva de ocupação econômica, buscando-se lucro no curto prazo, seja para fins imobiliários ou agropecuários.

Também neste caso é inolvidável que ocorrerá a conseqüência de se ignorar a Lei da Natureza segundo a qual é imprescindível a existência de vegetação nas margens de rios, entorno de nascentes, encostas e topos de morros, sob pena de erosão, assoreamento, desmoronamento, perda de biodiversidade e escassez de água.

Portanto, o desmatamento de áreas de preservação permanente, a despeito de sofrer sanção jurídica em nosso Direito, tanto na esfera civil (com necessidade de reparação do dano in natura e indenização da parte não recuperável), administrativa (com imposição de multa), e criminal - art. 38 e 39 da Lei de Crimes Ambientais, é sancionado de forma muito mais severa pela natureza, em razão da irresponsabilidade humana em sua ocupação.

Em obra essencial a quem busca entender a crise ambiental mundial pela qual estamos passando, o autor Jared Diamond (Colapso – Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, 2007), analisa de forma profunda e didática, baseado em critérios científicos e pesquisas reconhecidas pela comunidade acadêmica, as razões do colapso de sociedades que já tiveram apogeu estrondoso, mas que, principalmente em razão de exploração ambiental insustentável, vieram a ser destruídas em seu modo de vida.

O autor narra em alguns trechos de sua obra a conseqüência do desmatamento desenfreado em sociedades antigas:

“Os povos pré-históricos do Pacífico desmataram suas ilhas em graus diferentes, indo desde o desmatamento superficial ao total, com conseqüências sociais que variaram desde a sobrevivência das sociedades até colapsos completos que mataram todos os seus membros.” (p. 35)

“Um dos problemas do solo mais disseminado é o da erosão, resultado de sérias mudanças que removem a cobertura de plantas que normalmente protege o solo: sobrepastejo, infestação de ervas daninhas, atividade madeireira ou incêndios florestais excessivamente quentes esterilizam a camada superior do solo.” (p. 68)

O exemplo mais impactante narrado por este autor é o da Ilha de Páscoa, que em seu auge chegou a ter 15.000 pessoas, bem alimentadas e estruturadas ao ponto de construírem moais (estátuas de pedra) de até 75 toneladas – para cuja construção era necessária muita gente, cordas feitas de casca de árvores, excedente de alimentos para alimentar artesãos e trabalhadores, dentre outros – vindo, ao seu final, em razão do colapso ambiental, ser o seguinte:

“A ilha de Páscoa é o exemplo mais extremo de destruição de florestas no Pacífico, e está entre os mais extremos do mundo: toda a floresta desapareceu, todas as suas espécies de árvore se extinguiram. As conseqüências imediatas para os insulares fora a perda de matérias-primas, perda de fontes de caça e diminuição das colheitas.

...

A maioria das fontes de alimento silvestre se perdeu. Sem canoas de alto-mar (em razão da extinção das árvores que serviam de matéria prima), os ossos de golfinho, principal fonte de carne dos insulares nos primeiros séculos, desapareceram dos monturos por volta de 1500, assim como o atum e os peixes oceânicos. O número de anzóis e ossos de peixe também diminuiu, sobrando apenas espécies que podiam ser capturadas em águas rasas ou na praia. As aves terrestres desapareceram completamente, e as aves marinhas foram reduzidas a populações marginais de um terço das espécies originais de Páscoa, confinadas a se reproduzirem em algumas ilhotas ao largo do litoral. As sementes de palmeira, os jambos e todos os outros frutos selvagens saíram de sua dieta. As espécies de moluscos consumidos reduziram-se e estes ficaram menores e muito menos abundantes. A única fonte de alimento silvestre que restou foram os ratos.

...

Estas foram as conseqüências imediatas do desmatamento e outros impactos causados pelo homem. As conseqüências posteriores começaram com fome, declínio da população e degradação até o canibalismo. Os relatos de insulares sobreviventes sobre a fome estão vividamente confirmados pela proliferação de pequenas estátuas chamadas moai kavakava, ilustrando gente faminta com bochechas afundadas e costelas salientes. Em 1774, o capitão Cook descreveu os insulares como ‘pequenos, magros, tímidos e miseráveis’. ... Em vez da antiga fonte de carne selvagem, os insulares voltaram-se para a maior fonte disponível e até então não usada: humanos, cujos ossos começaram a se tornar comuns não apenas nos cemitérios (quebrados para a extração do tutano) como também em pilhas de lixo tardias. As tradições orais dos insulares estão obsessivamente repletas de relatos de canibalismo.” (p. 139 – 140 – grifo nosso)

A citação longa, mas necessária, evidencia a que ponto pode chegar uma sociedade que se descuida da preservação ambiental, explorando os recursos naturais a ponto de esgotamento.

Não necessitamos buscar apenas nas sociedades antigas a conseqüência do desmatamento e ocupação em áreas de matas ciliares e encosta e topos de morros. Basta acompanharmos os noticiários diários sobre desmoronamentos que aterram casas e causam morte – geralmente da população mais pobre – e da escassez de água provocada pelo assoreamento de cursos d´água fruto da exploração econômica insustentável.

Portanto, é inegável – até porque comprovada por inúmeros artigos científicos – a existência de uma “Lei da Natureza” que “determina” a proteção da vegetação nas nascentes e ao longo de cursos d´água, bem como nas encostas e topo de morros, lei esta que, quando desobedecida, impõe sanções naturais, independentemente das sanções jurídicas criadas pelo homem.

Portanto, impõe-se que reconheçamos a possibilidade em nosso sistema jurídico de transportar preceitos “naturais” e transformá-los em preceitos jurídicos, ainda que os mesmos não estejam positivados em nossa legislação.

Em Direito Ambiental é inegável a interface que devem ter os aplicadores do Direito com as ciências naturais: a tão apregoada interdisciplinaridade.

Contudo, esta interdisciplinaridade não se pode resumir a consulta aos estudos, perícias, etc. Ela deve aprofundar-se com a transposição de postulados naturais inquestionáveis erigidos a princípios jurídicos.

Tal transposição não é estranha ao Direito e, conscientemente ou não, já vem sendo realizada por Doutrinadores nacionais, podendo-se citar o professor Álvaro Valery Mirra, que ao estudar o postulado natural da “resiliência”, ou seja, a possibilidade da natureza suportar certos níveis de agressão intui o “princípio jurídico da tolerabilidade”.

Nas palavras do autor, “o princípio de tolerabilidade, compreendido na sua exata significação, longe de consagrar um direito de degradar, emerge, diversamente, como um mecanismo de proteção do meio ambiente, tendente a estabelecer certo equilíbrio entre as atividades interativas do homem e o respeito às leis naturais e aos valores culturais que regem os fatores ambientais condicionantes da vida.” (MIRRA, 2002, p. 100)

É certo que o autor, em seu livro, extrai este como um princípio implícito, oriundo do art. 225 da Constituição Federal, mas, é inegável que se trata de uma transposição de um postulado natural a um princípio jurídico.

Mas a pergunta inicial deste tópico se mantém: uma lei “jurídica” que contraria frontalmente uma “Lei da Natureza” é o que? Inválida? Inconstitucional? Ilegal? Ineficaz?

Para quem admita a existência do Direito Natural como limitante e outorgante de validade ao Direito Positivo, a resposta à questão é simples: a lei é destituída de validade por desrespeitar um preceito superior.

Não chegando a defender a invalidade do Direito Positivo frente ao Direito Natural, mas permitindo o “julgamento” e o “controle” daquele (positivo) por este (natural), o autor Michel Miaille, no livro Introdução Crítica ao Direito, ensina:

“As funções (confessas) explícitas do direito natural racional são, segundo os autores clássicos, confirmadas pela experiência comum: o direito natural deve inspirar o direito positivo, permite pois controlá-lo.

...

Então o direito natural executa o papel de um critério que permite julgar o direito positivo e medir-lhe a justiça intrínseca. Este juízo de valor não seve ser estranho ao jurista: é uma exigência indestrutível da Razão. O juiz, aliás, quando decide em termos de equidade, não faz mais do que apelar para esta consciência e conhecimento direto que tem da justiça – isto é, de uma ordem racional -, colocando-os como fundamento do seu julgamento. “Neste sentido, o direito natural serve ao mesmo tempo de critério do justo e de fonte complementar do direito positivo.” (p. 261 e 263)

7.3. Violação do princípio da razoabilidade

Contudo, para os que tenham apego positivista e não entendam que esta situação é de invalidade ao Direito Natural, a resposta pode estar na posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao analisar uma Lei Estadual do Estado do Paraná, que obrigava que todos os caminhões de gás tivessem uma balança para que o consumidor pudesse aferir, no ato da compra, o peso do botijão. Ao deparar-se com a impossibilidade fática de seu cumprimento, já que em razão do desnível das ruas e locais é impossível ter uma balança acoplada a um caminhão – entendeu a Suprema Corte que tal Lei viola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade:

“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 10.248/93, do Estado do Paraná, que obriga os estabelecimentos que comercializem Gás Liquefeito de Petróleo - GLP a pesarem, à vista do consumidor, os botijões ou cilindros entregues ou recebidos para substituição, com abatimento proporcional do preço do produto ante a eventual verificação de diferença a menor entre o conteúdo e a quantidade líquida especificada no recipiente. 3. Inconstitucionalidade formal, por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre o tema (CF/88, arts. 22, IV, 238). 4. Violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos. 5. Ação julgada procedente.” (DJE nº 59, divulgado em 26/03/2009)

Aliás, com a tendência moderna de constitucionalização da maioria dos postulados de Direito Natural, a discussão entre juspositivismo e jusnaturalismo acaba quase que superada. É o que ensina o professor Paulo Ferreira da Cunha (2008, p. 58):

“Por otra parte, en el terreno constitucional – que también hemos cultivado -, es grande la tentación de prescindir del iusnaturalismo. A modo de síntesis, se diría que las tendencias neoconstitucionalistas y afines ahorran apelaciones a la trascendencia, porque los grandes principios iusnaturalistas ya están positivados.”

Contudo, mesmo nestes casos de Constitucionalização (ou aplicação do princípio da razoabilidade) muitos autores defendem a sua aplicação com fundamento no Direito Natural. Confira-se a lição de Luis Roberto Barroso:

“O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para se aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. Há autores, mesmo, que recorrem ao direito natural como fundamento para a aplicação da regra da razoabilidade, embora possa ela radicar-se perfeitamente nos princípios gerais da hermenêutica.” (Interpretação e aplicação da Constituição, Ed. Saraiva, 1996, p. 204-205)

Assim, como na Constituição está previsto que o meio ambiente sadio é direito de todos e todos têm o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225), é perfeitamente reconhecível que tal norma permite que se eleve a postulados jurídicos alguns postulados naturais, tal como a necessidade de preservação das áreas de preservação permanente, já que, violando-se tais áreas, não se terá um ambiente sadio e essencial à qualidade de vida, nem, muito menos, teremos ele preservado para as futuras gerações.

Defendendo a idéia de que o instituto das áreas de preservação permanente tem ligação estreita com o artigo 225 da Constituição Federal e seus incisos, José Augusto de Oliveira Franco ensina:

“Através de tais previsões verifica-se que a Constituição Federal recepcionou o Código Florestal e o instituto das áreas de preservação permanente, como elemento essencial, em mais de uma das descrições do parágrafo supracitado, para atingir os objetivos pretendidos.

O inc. I impõe ao Poder Público, independente de lei ou regulamento, o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais que devem ser entendidos como todos os processos básicos necessários à manutenção da vida em todas as suas formas.

...

Como as matas ciliares estão estreitamente ligadas à qualidade e quantidade da água dos rios e aos ciclos hidrológicos, fazem parte dos mencionados processos ecológicos, essenciais e como tais devem ser preservadas.

...

Quanto ao inc. II, este também é aplicável ao instituto, uma vez que o mesmo apresenta como finalidade e conseqüência a manutenção da biodiversidade, enquadrando-se nesta diversidade genética, riquíssima nas áreas ribeirinhas, diante da diversidade de habitats que abriga e seu alto grau de endemismo. Ressalte-se que tal inciso determina ainda ao poder público que fiscalize as entidades dedicadas às atividades de pesquisa e manipulação de material genético, o que, sob este prisma, foge do escopo do instituto em análise.

Porém, de extrema importância para a compreensão da base constitucional e mesmo da natureza e alcance do instituto das APPs, como matas ciliares, é o inc. III, que determina ao poder público a definição, em todas as unidades da federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, especificando que a supressão ou alteração destes somente poderá ser permitida através de lei, e, por fim, vedando qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção.

Pois é exatamente sob esta definição que se encaixam as Áreas de Preservação Permanente; tratando-se de espaços territoriais que por suas peculiares características a lei determinou fossem preservados, impedindo, assim, qualquer uso que comprometa a integridade dos atributos que fundamentam sua proteção.” (p. 80-82)

Portanto, independentemente da análise sob outros prismas, tais quais princípio da vedação ao retrocesso ou impossibilidade de norma estadual ou municipal ser menos restritiva que a federal, dentre outros, parece que a descaracterização via legislativa do instituto da Área de Preservação Permanente viola a razoabilidade e, portanto, é inconstitucional.

7.4. Violação do princípio da proporcionalidade

7.4.1 Dimensão objetiva dos direitos fundamentais

Cimentada a premissa de que o direito ao meio ambiente é um direito fundamental, infere-se na sequência que implica ao Estado tanto deveres omissivos como comissivos, algo tributário da construção germânica da dimensão objetiva dos direitos fundamentais (o precedente de partida é o caso Lüth, disponível em SCHWABE, 2011, p 386-494). À partida, a construção dos direitos fundamentais, mormente em função da sua inserção no texto constitucional, cuja força jurídica pretendeu vincular o Estado nas suas mais diversas competências, engendrou os direitos como ordem limitativa do poder estatal. Essa perspectiva objetiva consagra políticas valorativas eficazes a todo o ordenamento jurídico restante e servem de norte vinculativo a todos os órgãos estatais (SARLET, 2007, p. 166-168).

Logo, como a pretensão dessa vinculação dos poderes públicos seria incompleta sem uma forma que garantisse a sua tutela, a percepção imediata da posição do indivíduo frente ao Estado implica a noção de uma categorização juridicizável de defesa desses direitos em sua eventual violação, qual seja, o direito subjetivo (NOVAIS, 2003, p. 57).

Não obstante, em razão da contribuição doutrinária e jurisprudencial, especialmente tedesca, percebeu-se que as normas de direitos fundamentais ostentam um duplo viés: um subjetivo e outro objetivo, este existe independentemente daquele. Com esse desenvolvimento, destrinçou-se o paradigma direito subjetivo/objetivo, isto é, o prisma objetivo dos direitos fundamentais não se contenta a apenas ser a “outra face da moeda” dos direitos subjetivos, no sentido de que qualquer situação jurídica subjetiva tenha de ter correspondência em alguma norma de direito objetivo que a contemple. Em rigor, sobreleva uma faceta independente da categoria “direito subjetivo”, de conteúdo normativo-valorativo, que confere um plus funcional aos direitos fundamentais (SARLET, 2007, p. 57).

São vários os desdobramentos dessa faceta jurídico-objetiva, ainda de extensão um pouco nebulosa, mas os que mais interessam ao objeto de estudo são a consagração na dogmática jurídica de que todos direitos fundamentais irradiam efeitos a todo o ordenamento jurídico e impõem ao Estado um dever de proteção e concretização desses direitos e de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais (SARLET, 2007, p. 161-175), do qual se ampara a base teórica da defesa contra uma insuficiência na realização de direitos sociais e, por que não admitir, de direitos de 3ª dimensão, voltados à defesa da cidadania coletiva. Conforme apontam PIEROTH e SCHLINK (2008, 24), há câmbio de perspectiva: os direitos fundamentais concedem ao particular margem de autonomia ao mesmo tempo em que a retiram do campo decisório do Estado, inclusive do legislador, sem importar se o indivíduo realmente goza ou não de algum direito.

Sem querer esmiuçar os vários aspectos objetivos dos direitos fundamentais, é fato que essa concepção de uma função ou caráter objetivo dos direitos fundamentais permite uma construção integrativa, a formatar os direitos fundamentais não mais apenas naqueles compreendidos no status negativus de Georg Jellinek (JELLINEK, 2002, p. 387-389, para uma ideia muito breve da sua teoria do status), mas complementá-los com os direitos enquadráveis no status positivus (PIEROTH; SCHLINK, 2008, p. 24). Expandem-se para não se limitarem apenas aos direitos subjetivos de liberdade, mas transcenderem a espectros valorativos ou diretrizes axiológicas. Aliás, comenta-se até de um novo status positivus socialis, no intuito de cimentar que a crescente intervenção do Estado na área econômico-social altera o paradigma dos direitos fundamentais unicamente como limites ao Estado, mas conferindo-lhes objetivo maior (PEREZ-LUÑO, 2007, p. 24-25).

Já se defendeu em outro artigo (ALMEIDA, 2011, p. 95-97) que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais representa um reforço de juridicidade à categoria dos direitos sociais, extirpando, por consequência, as objeções relacionadas a sua exigibilidade. Perde o sentido conceber os direitos sociais como simples apelos ao legislador, como meras normas programáticas. De igual forma, em relação aos direitos de terceira dimensão ou de solidariedade/fraternidade, como é o caso do meio ambiente, pode-se advogar que todas as normas jurídicas constitucionais recebem robustez de juridicidade dos deveres dirigidos ao Estado de tutelar e dar efetividade aos valores subjacentes aos direitos, dar-lhes concreção. Esse reconhecimento na norma suprema do Estado dos valores ordenados obriga o poder a subalternar-se a esses valores diretores da ordem jurídica, a comportar-se em subserviência a esses vetores axiológicos.

Os direitos talhados na Constituição carecem, em linha de princípio, de uma maior densificação, a qual é outorgada em primeira mão ao legislador, lídimo representante do povo. No entanto, se fica patente a existência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais e se há reconhecimento da vinculação de todos os poderes públicos à égide da Constituição [no caso brasileiro, o próprio ALEXY (1999, p. 73) já a sustentou com base na dicção constitucional do artigo 5º, §1º] e, por tabela, aos direitos fundamentais, inclusive os sociais e de terceira dimensão, o Estado, seja na atividade administrativa ou na atividade legislativa, não pode violar o direito fundamental por comprimi-lo além de um limite que lhe retire um mínimo de proveito ou deixá-lo sem uma tutela eficiente, sob pena de contumélia irremissível à Constituição.

Nesse desiderato, o legislador constituinte recepcionou o Código Florestal de 1967, porquanto dava concreção ao direito ao meio ambiente e cumpria com o encargo protetivo imposto pelo poder constituinte. Nessa ótica, verifica-se que, ao diminuir a margem de proteção, houve um excesso do legislador desproporcional e, portanto, ilegítimo sob o enfoque constitucional.

7.4.2 Desproporcionalidade do novo Código Florestal

Destarte, cumpre avaliar se o retrocesso legislativo macula uma norma constitucional de controle dos atos e omissões do poder público: o princípio da proporcionalidade. A proporcionalidade foi malferida pelo novo diploma legal.

En passant, é imperioso registrar que o princípio da proporcionalidade é um cânone jurídico de controle que não se confunde com a razoabilidade (ÁVILA, 2008, p. 143-145), antes é mais amplo que ele, porque engloba uma estrutura formal que possibilita um controle mais objetivo do ato normativo sindicável, com a avaliação de uma relação entre meio e fim.

De início, a noção de proporcionalidade não é algo estranha ao ser humano, pois já em Aristóteles (2009, p. 123 e ss.) havia uma conjugação da ideia de justiça com a de proporção. Todavia, sua utilização como standard de controle judicial teve gênese na Alemanha primeiro por obra propositiva de juristas alemães do século XVIII no âmbito do direito administrativo, para controle dos atos de polícia. Seu traslado ao direito constitucional na Alemanha deveu-se ao Tribunal Constitucional Federal Alemão, que, no precedente das farmácias (Apothekenurteil), aplicou o teste de proporcionalidade para avaliar legislação da Baviera sobre a regulamentação das farmácias em 1958. A partir daí, o Tribunal Constitucional Federal consolidou sua jurisprudência em relação ao princípio, dando-lhe status de princípio constitucional (COHEN-ELYA; PORAT, 2010, p. 271-276; SWEET; MATHEWS, 2008, p. 97-104).

Mas o princípio - não se comunga da opinião de Alexy (2008, p. 117) de que seja este standard uma regra, pois é passível de reconstrução da hipótese normativa de forma ampla, o que realmente o caracteriza como princípio (DUARTE, 2009, p. 165) – da proporcionalidade ultrapassou os marcos territoriais da Alemanha e espraiou-se a outros ordenamentos jurídicos nacionais e a outros sistemas de direito internacional. Pode-se pensar que isso se deve ao próprio caráter sistematizador querido pelos ordenamentos jurídicos no intuito de assegurar-lhes uma unidade, que lhe outorga um viés de “norma jurídica global” (PHILIPPE, 1990, p. 9).

A proporcionalidade possui uma estrutura racional própria, com etapas pré-definidas quanto à ordem, contendo elementos autônomos entre si (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Essas etapas são subsidiárias, cujo exame faz-se na ordem como foram apresentadas em caso de ser ultrapassada a etapa anterior, ou seja, não é necessário avaliar sempre se a medida é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Se não for adequada, é desproporcional; se for adequada, mas desnecessária, é desproporcional; se for necessária, adequada e desproporcional em sentido estrito, será, evidentemente, desproporcional (ALEXY, 2005, p. 572-577; BOROWSKI, 2000, p. 38-39).

Na etapa da adequação, cogita-se se a medida adotada corresponde à finalidade engendrada na elaboração da norma; a medida imposta pela norma será, pois, adequada se sua eficácia contribuir para a promoção paulatina do fim.

No que se refere à etapa ou sub-regra da necessidade, deve-se aferir a existência de medidas opcionais que poderiam ter sido adotadas em vez da que acabou por ser escolhida pelo administrador ou pelo legislador. Essa procura de alternativa, contudo, pauta-se pelo critério de que haja alguma igualmente apta a promover ou fomentar o objetivo pretendido, porém com menor carga restritiva ao princípio contrário que a medida eleita possui. Inicialmente, busca-se saber se a medida tem o condão de contribuir igualmente para a consecução do objetivo esboçado e, na sequência, examina-se a intensidade de interferência ao princípio das medidas opcionais encontradas – será necessário o meio se não forem encontrados outros que satisfaçam essas duas condições. Nesse tocante, é interessante o apontamento de que o exame da adequação é absoluto, ao passo que o da necessidade é comparativo, isto é, enquanto na adequação o meio eleito pela norma é avaliado isoladamente, na etapa da necessidade ele é comparado com outros eventualmente pensados pelo julgador.

Finalmente, a fase da proporcionalidade em sentido estrito necessita de uma ponderação para sopesar a importância da interferência ou restrição de em um dos princípios de um lado e a promoção do objetivo público de outro. Perscruta-se se a importância da meta estipulada justifica o custo do sacrifício ou limitação ao direito fundamental atingido. Lobriga-se, por conseguinte, que a otimização fática é perquirida nas etapas da adequação e da necessidade, especialmente nesta fase, quando se avaliam outras medidas que poderiam restringir menos o direito fundamental que o meio escolhido, funcionando a primeira como um critério negativo ou excludente de possibilidades inidôneas. A otimização jurídica decorre do sopesamento que se faz no caso concreto na fase da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que aí se avaliará o peso do direito fundamental e da finalidade pretendida com o meio examinado, buscando o máximo de cada um. Nessa última fase, a ponderação definirá o princípio prevalente, estabelecendo a regra da colisão que prevalecerá no caso concreto.

Há que se ressaltar, também, que a proporcionalidade, que nos primórdios veio identificada com a proibição de excesso, ganhou alguns contornos próprios que merecem ser gizados na configuração de uma ponderação que leve em conta os deveres estatais de proteção decorrentes da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Ou seja, o direito fundamental na dimensão positiva – exigência de um dever positivo do Estado – é afetado justamente quando o Estado não age ou atua de forma insuficiente, o que é vedado (untermaβverbot). Em realidade, constata-se que a Constituição, como ordem-marco e como ordem fundamental, não exaure toda a legislação ordinária (ALEXY, 2002, p. 23). As leis infraconstitucionais não são todas necessariamente impostas pela Constituição ao legislador, o qual possui uma margem de decisão e de ponderação e pode agir, dentro da moldura constitucional, especialmente relacionado aos direitos fundamentais, com parcela de discricionariedade; em relação aos direitos fundamentais, o legislador tanto pode intervir para restringi-los, desde que não ultrapasse um limite excessivo, como deve protegê-los e mesmo dar-lhes densidade, sendo-lhe vedada uma insuficiência de tutela (CANARIS, 2009, p. 118-124; BERNAL PULIDO, 2007, p. 807-811).

In casu, o legislador, ao diminuir a área de preservação permanente para insignificantes 5 metros nas propriedades rurais de até 4 módulos fiscais, bem como ao dispensar a recuperação da reserva legal degradada até 2008, protegeu em menor proporção o meio ambiente. Todavia, não é nem caso de avaliar o controle pela proibição de insuficiência, ou seja, um controle omissivo do legislador, porque o próprio legislador já havia concretizado mais pormenorizadamente o direito ambiental em questão com o Código Florestal revogado. Logo, trata-se, sobretudo, de perscrutar a violação ao princípio da proporcionalidade por ato legislativo positivo, na medida em que, ao retroceder o grau de proteção ao bem jusfundamental, acabou por afetar negativamente a própria norma protetiva do artigo 225, caput, da Constituição Federal. Será inconstitucional essa afetação negativa se ela for desproporcional.

Porém, para que seja desproporcional essa afetação negativa do princípio do direito ao meio ambiente hígido e saudável, é necessário sopesar o interesse estatal ou o direito fundamental promovido em prejuízo do direito ao meio ambiente, após o crivo das etapas da idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A Lei n. 12.651/2012 tem como objetivo, conforme se observa logo do artigo 1º-A, compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção natural das florestas e demais formas de vegetação nativa. Logo, formata-se uma colisão entre o direito fundamental ao meio ambiente, agredido pelo menor cunho protetivo da novel norma legal, com o interesse estatal de desenvolver a economia rural.

Conforme asseverado, na etapa da idoneidade deve-se avaliar se a diminuição da área de proteção permanente possibilita um maior desenvolvimento econômico; se sim, a medida é adequada. Restam severas dúvidas se a medida é apta a promover o fim (desenvolvimento econômico), porquanto toda a degradação ambiental acaba por repercutir negativamente na própria exploração econômica do imóvel rural mais dia, menos dia, haja vista as inúmeras catástrofes ambientais que se tem presenciado, uma resposta da natureza à indiscriminada ação poluidora e degradadora do ser humano.

Como se adota o critério fraco de idoneidade, isto é, na dúvida, opta-se por considerar que a medida é idônea e, portanto, não será por esse motivo desproporcional, com o que se avança no raciocínio.

Na etapa da necessidade, consoante já aduzido, preconiza-se uma medida menos lesiva ao direito fundamental atingido e que promova o fim (desenvolvimento econômico) na mesma intensidade. Com efeito, neste caso, tem-se que a lei é inconstitucional, porque há outras medidas menos afetadoras da proteção indispensável ao meio ambiente. Se o escopo é desenvolver a economia rural com a possibilidade de explorar economicamente áreas antes interditadas, é possível vislumbrar que a exploração econômica da área desprotegida poderia ser em maior escala fomentada com a facilitação de créditos rurais ou mesmo com a criação de incentivos financeiros ao proprietário rural que respeite ás áreas de proteção permanente. É fato que, com esses incentivos, haveria injeção de recursos e possibilitaria aos proprietários rurais o crescimento econômico e o desenvolvimento de outras técnicas para maximizar a produção. Logo, é forçoso reconhecer a inconstitucionalidade da norma legal nesse talante.

Apenas para continuar no ofício de argumentar, mesmo que, por outras razões, julgue-se ser necessária a medida, com o que não se concorda, é fato que a norma legal não passaria do crivo da etapa da proporcionalidade em sentido estrito, justamente a fase que encerra uma ponderação para definir qual o princípio tem mais força no caso concreto, se a proteção do meio ambiente ou o desenvolvimento econômico buscado pelo legislador.

É fato que nessa ótica o exame da proporcionalidade leva a concluir que, no caso concreto, a colisão leva a uma ponderação que pende para a defesa do meio ambiente. Não é preciso repetir toda a narrativa feita alhures sobre os prejuízos ambientais e o reflexo disso na própria propriedade, a pretexto de permitir maior exploração econômica. Ora, minorar a tamanhos ínfimos as áreas de preservação permanente desatende a todas as orientações de pesquisadores e técnicos ambientais, que já alertaram que essa diminuição, principalmente em relação às matas ciliares e às encostas de montanhas e morros, trará prejuízos gravíssimos para a manutenção dos cursos d´água, contenção de desmoronamentos e erosões e funcionam como corredores ecológicos essenciais à biodiversidade. Da mesma forma, a extinção/redução a percentuais ínfimos de Reserva Legal causa na perda de biodiversidade e nas funções ambientais/ecológicas deste instituto, o que repercute como um todo não só nas presentes, mas nas futuras gerações.

Diante desse quadro, vale o risco de aumentar as probabilidades de novos desastres e tragédias ambientais em benefício de permitir uma maior exploração econômica da área rural? De permitir maior assoreamento dos cursos d’água e a extinção da biodiversidade pela perda de corredores ecológicos? Qual tem mais peso na presente colisão? A pecúnia ou a vida?

Nunca é debalde mencionar que a proteção ambiental, a longo prazo, traz um benefício à sociedade e, também, ao próprio proprietário, que consegue desenvolver sustentavelmente sua atividade sem agravar desnecessariamente seus recursos naturais e, com isso, permiti-la por maior tempo.

Por todos esses fatores, conclui-se que as normas legais estudadas neste artigo violam o princípio da proporcionalidade, por ser a medida desnecessária e porque prepondera o direito fundamental ao meio ambiente na colisão com o interesse estatal de assegurar o desenvolvimento econômico.


8. DO POSICIONAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO A RESPEITO DO TEMA

Compete registrar que muitos dos argumentos expendidos neste artigo foram frutos de discussão entre colegas do Ministério Público de todo o Brasil, vindo a ser editadas súmulas de entendimento em reunião conjunta da ABRAMPA – Associação Brasileira dos Membros de Ministério Público de Meio Ambiente e CONCAUMA (Conselho que reúne os Coordenadores de Centros de Apoio de Meio Ambiente dos Ministérios Públicos do Brasil), com a seguinte fundamentação e teor:

“Os Coordenadores de Centro de Apoio de Urbanismo e Meio Ambiente dos Ministérios Públicos Estaduais, o Coordenador da Quarta Câmara do Ministério Público Federal e demais membros dos Ministérios Públicos presentes na Reunião conjunta do COMCAUMA e ABRAMPA em Brasília, no dia 25 de junho de 2012, em uma análise preliminar da Lei Federal n° 12651/2012, chegaram às seguintes conclusões iniciais:

Considerando que a Constituição Federal veda que a lei venha a retroagir para violar o direito adquirido (art. 5º, XXXVI);

Considerando que o direito adquirido é aquele que pode ou poderia ser exercido por seu titular, ainda que não o tenha feito anteriormente (art. 6º, §2º, da LICC) – ou seja, o direito subjetivo exercível de plano;

Considerando que a legislação (art. 81, parágrafo único, I, do Código do Consumidor), a jurisprudência (STJ – Resp 636.021) e a doutrina reconhecem a existência do direito subjetivo difuso;

Considerando que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito humano difuso fundamental de terceira geração reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal;

Considerando que os direitos fundamentais – dentre eles o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225, da Constituição Federal – são de eficácia plena e aplicação imediata, segundo o art. 5º, § 1º, da Carta Magna;

Considerando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida, pressuposto da dignidade da pessoa humana, fundamento necessário para se atingir os objetivos da República (CF, art. 3º) e implantar o Estado Democrático de Direito;

Considerando a existência do princípio constitucional da vedação ao retrocesso dos direitos sócio-ambientais, reconhecido pela doutrina nacional e internacional e por várias cortes internacionais;

Considerando que o princípio constitucional da vedação do retrocesso dos direitos sócio ambientais possui suporte normativo nos princípios constitucionais da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4°, II e IX); na segurança jurídica resultante do direito adquirido (art. 5°, XXXVI) da sociedade ao patamar mínimo de proteção às florestas, consagrado pela Lei n° 4771/65; e na própria eficácia negativa das normas constitucionais, afinal não pode o legislador infraconstitucional seguir um direcionamento contrário a um direito fundamental protegido como clausula pétrea (art. 60, § 4º, IV);

Considerando os princípios constitucionais da razoabilidade/proporcionalidade e da interpretação segundo a Constituição que vedam a aprovação de leis absolutamente desarrazoadas e sem proporcionalidade, como é o caso daquelas que venham a ignorar os princípios naturais da física e da ciência em geral, inclusive, para preservação dos processos ecológicos essenciais e garantia da diversidade e integridade do patrimônio genético do País (art. 225, § 1º e 2º, da CF)

Considerando os tratados internacionais em que o Brasil é signatário que vedam o retrocesso, os quais têm força supra-legal por força dos parágrafos segundo e terceiro do artigo 5º da Constituição Federal;

Considerando o princípio da Função Sócio-Ambiental da Propriedade (arts. 5º, XXIII, 182, § 2º e 186, I e II, da CF), que somente tem tal função atendida quando exercida de forma sustentável;

Considerando que os institutos da Reserva Legal e as Áreas de Preservação Permanente são a materialização da função ambiental da propriedade, conforme reconhecido pela jurisprudência pátria;

Considerando que a intervenção do Poder Público ao definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegido e vedar qualquer utilização que comprometa a integridade ambiental desses espaços, justifica-se em virtude de seu dever de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado;

Considerando que incumbe não só ao Poder Público, mas a toda coletividade o dever de preservar e defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presente e futuras gerações, justifica-se também a responsabilidade objetiva pelo dano ambiental com a imposição da obrigação de reparação integral da área mínima necessária (imposta pela natureza e revelada pela ciência) para a manutenção e restauração dos processos ecológicos essenciais;

Considerando a competência concorrente para legislar sobre o meio ambiente (arts. 23, 24 e 30 da Constituição Federal);

Considerando que a Constituição Federal reservou aos Estados e aos Municípios a competência suplementar, podendo elaborar normas mais efetivas para a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando as peculiaridades regionais (art. 24, VI, VII, VIII e §2° c.c. art. 225, caput, todos da Constituição Federal)

Considerando o reconhecimento de prevalência da lei ambiental mais restritiva na jurisprudência dos Tribunais Pátrios;

Considerando a garantia constitucional ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF);

Concluem:

1)  Os dispositivos legais da Lei n. 12.651/2012 que se configurem como redução à proteção ao meio ambiente são inconstitucionais em razão da violação ao princípio da vedação ao retrocesso dos direitos sócio-ambientais, do direito adquirido difuso, do esvaziamento da função ambiental da propriedade rural ou urbana, da proporcionalidade e da razoabilidade, da eficácia negativa das normas constitucionais, bem como por afrontarem tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

2)  As normas ambientais estaduais e/ou municipais com níveis de proteção mais elevados do que a Lei n° 12.651/2012, prevalecem sobre ela, em razão da competência concorrente e suplementar para legislar sobre o tema e do princípio da aplicação da lei mais benéfica ao meio ambiente.

3) A Lei n° 12.651/2012 não opera efeitos em relação aos Termos de Ajustamento de Conduta já celebrados, devendo ser respeitada a garantia fundamental do ato jurídico perfeito.

4) A Lei n° 12.651/2012 não opera efeitos em relação aos processos em que há sentença condenatória ou homologatória de acordo judicial transitada em julgado, devendo ser respeitada a garantia fundamental da coisa julgada.”


9. CONCLUSÃO

Daquilo que foi exposto conclui-se que os retrocessos estabelecidos pelo Novo Código Florestal, especialmente no que diz respeito à ausência de recuperação e ocupação das áreas de preservação permanente e reserva legal são absolutamente inconstitucionais e inválidos, devendo assim ser arguido nos processos judiciais, esperando-se que o Poder Judiciário venha a reconhecer tais vícios violadores da Carta Magna.


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Notas

[1] Este capítulo do artigo é baseado em parte em outro artigo de Luciano Furtado Loubet: Interface entre as Leis da Natureza e o Direito: Jurisprudência do STJ sobre Áreas de Preservação Permanente

[2] Este subitem é de autoria de Luiz Antônio Freitas de Almeida.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado; ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas de. Inconstitucionalidades dos retrocessos empreendidos pelo novo Código Florestal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3358, 10 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22582. Acesso em: 19 abr. 2024.