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A extrafiscalidade tributária como forma de intervenção do Estado no domínio econômico

A extrafiscalidade tributária como forma de intervenção do Estado no domínio econômico

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O controle da norma tributária extrafiscal deve se realizar segundo parâmetros de adequação, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito.

Resumo: A análise ora apresentada trata da extrafiscalidade dos tributos como instrumento usado pelo Estado para sua intervenção sobre o domínio econômico. Assim, a partir da concepção de Estado Democrático de Direito, aborda-se o poder-dever estatal de garantir que o interesse público prevaleça na sociedade. Nesse passo, apresenta-se como instrumento válido utilizado pelo Estado, na busca de seu fim - qual seja, o bem comum -, o uso da tributação. Faz-se, então, com fundamento na Constituição Federal, na lei e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, uma breve verificação da finalidade extrafiscal do tributo, sua aplicabilidade e limites. A pesquisa visa contribuir para a divulgação e compreensão do instituto da extrafiscalidade, por se tratar de instrumento que, quando utilizado dentro dos limites constitucionais e legais, dá aos tributos papel fundamental no caminho do desenvolvimento social e econômico do país.

Palavras-chave: ESTADO - INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO – EXTRAFISCALIDADE -TRIBUTO.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente artigo estuda, especificadamente, a forma como o Estado vale-se dos tributos não só para arrecadar os recursos necessários para o custeio das atividades estatais, mas também, para ter finalidade precípua de intervir no domínio econômico e no meio social. Neste caso, tem-se que sua finalidade principal é extrafiscal.

O tema se justifica, então, na importância de um estudo sobre o modo como o Estado, na manifestação do seu poder–dever de garantidor do interesse público, tem no tributo valioso instrumento de intervenção no domínio econômico.

A abordagem metodológica que permitiu traçar os caminhos a serem seguidos e alcançar os objetivos enumerados se deu essencialmente através do método de abordagem dedutivo, partindo de uma análise geral do tema, para uma particular, na tentativa de fornecer um embasamento teórico sobre o assunto, e, a posteriori, entender melhor suas peculiaridades Desta forma, se observará o processo de intervenção do Estado sobre a economia de maneira ampla, desenvolvendo o tema até se chegar no foco do caso em tela, qual seja: a extrafiscalidade tributária como meio utilizado para esta intervenção.

Como referencial teórico destacou-se a pesquisa descritiva dos documentos e da legislação atinente à matéria, utilizando-se como base teórica as obras de Direito Tributário, Direito Econômico, Direito Administrativo e Direito Constitucional, de autores nacionais e internacionais, de modo especial os relacionados com a temática específica a ser desenvolvida, além de pesquisas na jurisprudência.

Antes de se discorrer diretamente sobre o assunto serão feitas análises separadas e específicas sobre o tema. Assim, no primeiro capítulo se estudará o referencial histórico, o teórico e as formas da intervenção do Estado no o domínio econômico, e, após, de que forma o Estado Brasileiro tem na Constituição Federal, em especial no Título VII, os parâmetros para a sua atuação no domínio econômico. Porém, a pesquisa desta questão não se restringirá á leitura isolada do Titulo VII da Constituição. Mostrar-se-á imprescindível observar a Constituição de forma sistemática para, a partir daí, conferir as bases que a sociedade deu ao Estado para intervir no domínio econômico.

Em continuidade, no segundo capítulo, será apresentado um liame entre esta intervenção e a noção de extrafiscalidade tributária, através, principalmente, do estudo da legitimação, das suas acepções e funções.

 Outrossim, também se observará como a extrafiscalidade dos tributos pode impactar a economia ao ponto de levar o mercado a tomar a direção pretendida nas políticas públicas voltadas ao setor, razão pela qual cabe ao Estado agir nessa seara com prudência e nos limite impostos pelo ordenamento jurídico vigente.

Por fim, no terceiro e último capítulo será traçada a aplicabilidade desta extrafiscalidade em casos práticos, por meio da análise de julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

Desta feita, percebe-se que o interesse em torno do assunto testemunha sua atualidade e relevância. Não é de deixá-lo de lado. Convém, ao contrário, mantê-lo aceso. Este tema suscita importantes questões, dignas de registro e reflexão, propondo-se o presente estudo a apresentá-las em suas linhas fundamentais.


2. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

2.1.Referencial Teórico e Histórico

A intervenção do Estado no domínio econômico, do ponto de vista teórico-histórico, sempre existiu, variando apenas quanto à intensidade e modo de atuação. Segundo ensina Cabral de Moncada: “A intervenção é um fenômeno historicamente permanente. Na verdade, desde sempre existiram formas de intervenção na economia por parte do Estado, embora qualitativa e quantitativamente diferentes das que são características do Estado de Direito Social dos nossos dias” (CABRAL DE MONCADA, 1988, p. 15).

A própria ideia de Estado, em alguma medida, traz em si a concepção de intervenção, especialmente quando se parte de um conceito pós-moderno de Estado, enquanto a reunião das soberanias individuais na busca da maximização dos resultados socialmente considerados.

A existência de um ente que atua de forma imperativa sobre as condutas individualmente consideradas, é que faz transparecer essa ligação essencial entre o Estado e a intervenção. De Plácido e Silva, no verbete “intervenção” de seu Dicionário Jurídico assevera que “do latim interventio, intervenire (assistir, intrometer-se, ingerir-se), em acepção comum é tido o vocábulo como intromissão ou ingerência de uma pessoa em negócios de outrem, sob qualquer aspecto, isto é, como mediador, intercessor, conciliador etc”. (DE PLACIDO E SILVA, 2002, p. 446). Já Antônio Houaiss, com a costumeira precisão, toma a intervenção como “interferência do Estado em domínio que não seja de sua competência, embora constitucionalmente legítima” (HOUAISS, 2001, p. 1637).

Percebe-se, então, que a definição lingüística da palavra “intervenção” está arraigada, influenciada pelo pensamento liberal clássico, por uma visão em que o seu sentido evidencia um descontentamento do indivíduo com essa tal “intromissão” estatal. No entanto, conforme também se depreende do que foi acima citado e como será melhor detalhado mais a frente, a partir do paradigma do Estado Democrático de Direito, esta intervenção é necessária, não só porque constitucionalmente prevista, mas também porque embasada dentro de um contexto histórico, jurídico e social que a legitimam.

Refletindo esta concepção pós-moderna, Marco Aurélio Greco define que a intervenção do Estado na ordem econômica constitui na “participação deste (Estado) no fluir do processo econômico, seja na etapa da produção da riqueza (desenvolvimento), seja na sua distribuição (justiça social)” (GRECO, 1977, p. 29).

Independente do conceito apresentado, a verdade é que o significado de intervenção do Estado no domínio econômico variou significativamente ao longo do tempo e conforme o contexto histórico.  No Estado correspondente ao modelo jurídico liberal, cuja ideologia assentava-se no individualismo, as normas de intervenção do Estado na economia assumiam muito mais um caráter de repressão do que de indução de comportamentos. Conforme lição de Bensoussa, no Estado liberal havia:

O predomínio da idéia segundo a qual as leis naturais do mercado seriam suficientes para o desenvolvimento da atividade econômica, justificando, pois, um pretendido absenteísmo estatal de qualquer exercício de poder, deixando os agentes econômicos em regime de ampla liberdade... o Estado, neste mesmo período, buscava não uma intromissão na vida empresarial ou econômica de forma direta, mas sim, indiretamente, procurando garantir um ambiente político e econômico propício ao surgimento e desenvolvimento de grandes sociedades, e aqui interessa especificamente a grande concentração de capitais representada pelas companhias”(BENSOUSSA, 2007, p.24).

No final do século XIX já começaram a surgir alterações neste modelo jurídico estatal. Nas palavras do já citado Cabral de Moncada:

A actividade económica deixou de ser mais um sector indiferenciado da actividade privada geral para passar a ser objecto específico da actividade conformadora dos Poderes Públicos, e do mesmo passo a ciência económica deixa de ter por objeto o simples estudo do comportamento (económico) do indivíduo e passa a abranger também o Estado.” Nesse contexto, o Estado Social surge então como um agente de realizações no domínio da economia, passando a exercer um papel ativo na conformação da vida social, política e econômica, com vistas ao bem comum (CABRAL DE MONCADA, 1988, p. 23).

Esta ideia de atuação positiva do Estado fez com que a norma jurídica assumisse um conteúdo axiológico e, por conseguinte, exercesse as funções de coordenação, indução, condução e agilização da economia. Em realidade,

O Estado não se conteve naquele papel de relativa neutralidade e platonismo, passando a impor finalidades outras que não a de mero suprimento de condições para superar as imperfeições do mercado, passando a lograr a obtenção de objetivos de política econômica bem definidos para o desempenho do sistema econômico (SCHOUERI, 2006, p. 79).

De fato, a ação autofágica dos agentes econômicos exigiu a intervenção do Estado para garantir a própria liberdade do mercando, então ameaçada pelo demasiado poder econômico desses agentes (o poder econômico privado).

A crise do sistema capitalista de produção, a ocorrência da Primeira e Segunda Guerras Mundiais e a evidente insustentabilidade da situação a que eram submetidos os trabalhadores fez evidenciar-se uma questão social. E por mais irônico que possa parecer, o Estado passa, então, a atuar para salvar a liberdade de iniciativa que antes exigia a sua total abstenção para existir (na concepção dos liberais).

A Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 apresentam pela primeira vez a tendência de atuação do Estado no domínio econômico. Aquela condicionou o exercício da propriedade privada à observância do interesse público (artigo 27) e estabeleceu o combate ao regime de monopólios, à concentração econômica e ao açambarcamento (artigo 28); esta, dispôs sobre a organização da vida econômica e fixou limites à liberdade econômica individual (LEOPOLDINO DA FONSECA, 2005, p. 260).

Cresce, à época, uma grande tendência de dirigismo Estatal da economia, com a centralização das decisões econômicas. No Welfare State, o Estado, mesmo mantendo o regime de mercado, ingressou na economia de forma tal a tornar-se uma personagem do jogo econômico, que exercia sua influência no interesse da coletividade.

A intervenção deixa de ser uma circunstância excepcional para tornar-se um elemento fundamental do Estado. A doutrina de John Maynard Keynes no ocidente, que apresentou um programa governamental do pleno emprego, foi de um impacto que passou a ser cognominada de "Revolução Keynesiana” (MONTORO FILHO, 1992, p.53).

E enquanto Keynes reabilitava o capitalismo, o socialismo era implantado em nível nacional pela primeira vez, em 1917, na União das Repúblicas Socialistas Soviética - URSS, servindo de modelo a nações como China, Vietnã e Cuba.

Contudo, o Estado paternalista do Welfare, que não contava com a participação democrática, nem se fundamentava em uma legitimidade jurídica, acabou por se mostrar ineficiente quanto ao seu desempenho econômico de implementação dos direitos fundamentais, desenvolvimento econômico e maximização da riqueza coletiva. Um sentimento de descrédito se insurge contra esse Estado paternalista, o qual se incumbe da tarefa de decidir o que seria o bem da coletividade sem uma relação de participação daquela.

Fruto deste descrédito surgiu a necessidade de um meio-termo entre o “desinteresse” do Estado Liberal e o intervencionismo exagerado do Welfare State, de modo a se exigir uma constituição econômica ou um direito especial da economia, em que o Estado, embora não se substituísse ao mercado, interviesse minimamente nas suas disputas, através de normas/ e ou institutos que, embora assegurassem o direito de propriedade, a liberdade de empresa e a liberdade de trabalho – como direitos fundamentais econômicos -, não permitisse abusos no seu exercício (MENDES, 2009, p. 1406).

O papel do Estado é redefino pelo novo paradigma constitucional adotado. Surge então a teoria de uma constitucionalidade econômica compatível ao exercício da cidadania, com uma política econômica implantadora de direitos fundamentais, criada pelo discurso jurídico da livre criação e da processualidade (pelo contraditório, ampla defesa e isonomia) da ordem econômica.

Neste contexto, no Brasil, essa ruptura paradigmática ocorreu, principalmente, com Constituição brasileira de 1988, implicando uma hermenêutica de Direito Democrático. A Constituição Federal de 1988 não permite o chamado neoliberalismo, ou seja, é uma Constituição que rechaça o liberalismo puro, tal interpretação é observada na leitura dos artigos 3º, 5º inciso XXIII, 170, 193 e 219. A Constituição, então, aponta ao Estado a busca pelos valores apontados por estes dispositivos, como a função social da propriedade, promoção do bem estar social e a busca de uma sociedade justa e solidária para todos (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 745 e ss).

Entretanto, ao mesmo tempo em que se afirma que o liberalismo econômico não é possível com a Constituição atual, observa-se que este mesmo texto impede que o Estado planifique a economia. Aponta-se, neste contexto, o art. 174 da Constituição Federal, donde se extrai que:

A título de planejar, o Estado não pode impor aos particulares nem mesmo o atendimento às diretrizes ou intenções pretendidas, mas apenas incentivar, atrair os particulares, mediante planejamento indicativo que se apresente como sedutor para condicionar a atuação da iniciativa privada (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 750).

Preferencialmente, portanto, o Estado Brasileiro deve agir no sentido de induzir os comportamentos dos particulares, levando a economia na direção do que planejou, introduzindo os princípios da justiça social e das necessidades da vida nacional, de modo a possibilitar a todos uma existência digna, além de garantir a liberdade econômica dentro de tais limites, como elementos fundamentais para a organização da ordem econômica (ALBIDO DE SOUZA apud MENDES, 2009, p. 1406).

Percebe-se, assim, que a intervenção na economia, respeitados os ditames e os limites constitucionais, faz-se necessária, pois nenhuma das reivindicações pleiteadas hoje sob o título de Direitos Sociais poderá alcançar seu objetivo sem uma intervenção mínima do Estado na economia.

A veracidade desta conclusão é demonstrada de modo irrefutável desde 1956-57, por George Burdeau, em Traité de Science Politique: “Aucune dês revendications énoncées aujourd’hui sous le titre de doits sociaux ne peut pas atteindre son objet sans une direction de l’economie[1].” E ainda:

“Qu’il s’agisse du droit au travail, du salaire vital, de la sécurité ou du droit aux loisirs et la culture personnelle, il est claire que leur rélisation est subordonnée à une organization de la production et la consommation systématiquement conçue por donner à chacun ce à quoi la démocratie sociele l’ autorise à prétendre. Il serait illusoire de faire prendre l’individu en charge par la sociéte si celle-ci ne póuvait planifier l’ exploitation et l’utilization dês resourses colliectives. Et ceci est vrai aussi bien dans la prospérité que dans la pénurie[2]”. (BURDEAU apud BECKER, 2002, p. 593)

Ante o exposto, feito este esboço conceitual e histórico da intervenção do Estado no Domínio Econômico e explicitada a sua presença e sua necessidade dentro da Ordem Econômica Brasileira, faz-se mister uma análise acerca das diversas formas através das quais ela se manifesta.

2.2 Formas de Intervenção do Estado no Domínio Econômico

Pode o Estado atuar ou intervir no processo econômico. Considera-se atuação a exploração da atividade econômica em sentido amplo (abrangendo a prestação de serviços) e intervenção, a exploração de dita atividade em sentido estrito.

A distinção entre atividades econômicas que são serviços públicos e atividades econômicas que não o são (atividade econômica em sentido estrito), não é nova, tendo sido originariamente, entre nós, postulada por Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO apud GRAU, 2001, p. 150). Tal distinção foi acatada por vários doutrinadores, a exemplo de Eros Roberto Grau: “ao afirmar que serviço público é tipo de atividade econômica, a ele atribui a significação de gênero no qual se inclui a espécie, serviço público” (GRAU, 2001, p. 1390). Já para José dos Santos Carvalho Filho: “dentro da noção de atividade econômica em sentido amplo, temos, como espécies, alguns serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito” (CARVALHO FILHO, 2002, p. 389).

Faz-se importante a supramencionada distinção, tendo em vista que no presente trabalho se discorre sobre as formas de atividade econômica em sentido estrito, ou seja, no exato dizer de Grau, por pertencer o domínio econômico (atividade econômico em sentido estrito) aos particulares, às empresas, e não ao Estado – pode-se nele intervir. Assim, cogitando-se das formas de atuação do Estado em relação ao processo econômico desenrolando na esfera do provado – isto é – no campo da atividade econômica em sentido estrito, no “domínio econômico” – cuida-se das formas de intervenção do Estado em relação a ele (GRAU, 2001, p. 145, 146, 147).

Celso Antônio Bandeira de Mello aponta que esta intervenção do Estado pode ocorrer de três formas: 1) exercendo o poder de polícia, na função de fiscalização e regulamentação das atividades; 2) exercendo ele próprio a atividade econômica, hipótese que é exceção justificada apenas por imperativo de segurança nacional ou por relevante interesse público; ou 3) incentivos à iniciativa privada, com favores fiscais e crédito facilitado (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 749).

Destrinchando de maneira mais detalhada as formas de intervenção, Eros Roberto Grau classifica a intervenção em três modalidades: a) intervenção por absorção ou participação, b) intervenção por direção e c) intervenção por indução. Tais modalidades podem ser organizadas conforme a atuação do Estado em cada uma delas, distinguindo-se entre intervenção 1) no domínio econômico e 2) sobre o domínio econômico. (GRAU, 2001, p. 126)

Na modalidade intervenção no domínio econômico, o Estado intervém na atividade econômica em sentido estrito, isto é, desenvolve ação como sujeito econômico. Participa diretamente da atividade econômica como um dos agentes participantes da economia, sejam eles públicos ou privados. Ocorre por absorção ou participação.

A intervenção no domínio econômico por absorção, também de forma direta, se dá quando o Estado toma para si exclusivamente o controle de determinada atividade ou setor da economia, proibindo a atuação de particulares, constituindo monopólio da atividade. Já quando atua por participação age como mais um dos participantes da atividade econômica, competindo com os privados que atuam no setor.

Na intervenção sobre o domínio econômico, o Estado atua de maneira indireta, como regulador da atividade econômica. Nesta hipótese emite normas de regulamentação da atividade econômica, valendo-se do seu poder de império para intervir na economia sem participar dela diretamente.

Neste caso, poderá intervir sobre o domínio econômico por direção ou indução. Quando atua por direção, estabelece normas obrigatórias de comportamento para os participantes da atividade econômica. O descumprimento de tais normas ocasiona aplicação de sanção jurídica. Já na atuação por indução, o Estado manipula os instrumentos de intervenção sem a exigência de um comportamento compulsório por parte dos agentes, mas de maneira a estimular ou desestimular determinadas atividades e comportamentos.

Eros Roberto Grau afirma que na modalidade de indução têm-se normas dispositivas, deixando de lado a carga de cogência que carregam as normas da modalidade de direção. Tais normas não estabelecem sanção, mas trazem um “convite” (traduzido em benefícios tributários, pecuniários, patrimoniais, etc.) ao destinatário para que este participe da atividade incentivada pelo Estado. O destinatário pode optar por não aceitar o “convite” que o Estado lhe faz, e por tal opção não sofrerá qualquer sanção. Se aderir ao preceito da norma indutora, poderá usufruir os benefícios oferecidos pelo Estado como forma de fomentar a atividade econômica eleita. Na hipótese acima exposta, tem-se a indução de maneira positiva, ou seja, o Estado concede benefícios para quem aderir a comportamento por ele estimulado. (GRAU, 2001, p. 128)

A indução também pode se dar por via negativa, com a colocação, por parte do Estado, de barreiras que visem desestimular determinados comportamentos que sejam considerados indesejáveis (GRAU, 2001, p. 129).

Da disciplina da ordem econômica na Constituição de 1988, verifica-se que das formas de intervenção vistas, a mais adequada ao modelo brasileiro é a indução de comportamentos dos privados. A direção pura da economia é vedada pela Constituição, isto é, o Estado só pode expedir normas de regulamentação e fiscalização do exercício da atividade econômica, mas nunca de direção, propriamente dita, da atividade econômica.

Mais excepcional ainda é a intervenção no domínio econômico. A participação do Estado na economia, junto com os privados é cabível apenas em casos de exceção. Ambas as hipóteses (participação ou absorção) devem ser evitadas, pois não se tratam do que o Estado normalmente deve fazer, de acordo com a Constituição Federal.

Desta forma, cabe ao Estado um papel de fiscalização e regulamentação, principalmente no sentido de coibir práticas abusivas por parte dos privados, e de indução, quando pretende indicar comportamentos desejáveis ou indesejáveis.

Assim, o principal papel do Estado, quando seja necessária a intervenção, é o de indutor, de fomento, de estímulo a comportamentos. Por exemplo, no caso de uma política para estímulo de plantio de determinada cultura em certa região, poderá conceder estímulos fiscais para os agricultores para que plantem tal variedade como quer. Não pode impor o plantio daquela variedade, mas pode induzir os privados a plantarem através de atividades de fomento.

Dentro desta conjectura, percebe-se que o Estado contemporâneo não se preocupa apenas com o financiamento de suas despesas com pessoal, serviços, contratos, enfim, com a manutenção da máquina administrativa. O Estado que intervém sobre o domínio econômico-social e que se preocupa com a consecução dos objetivos e valores constitucionais, deve ter à sua disposição instrumentos normativos específicos, que atendam às exigências cada vez maiores da economia e sociedade modernas.

Dessa forma, ao lado das normas tributárias com função fiscal, ou seja, aquelas normas que visam precipuamente à arrecadação de recursos financeiros, surgem também normas cuja função não é a de imediata e unicamente incrementar as receitas estatais. De fato, a crescente demanda pela atuação estatal nos mais diversos setores da sociedade e da economia influiu diretamente na tributação e isto provocou a utilização cada vez maior do tributo com função não apenas arrecadatória.

A necessidade de intervir sobre as relações econômicas para proteger e equilibrar a balança comercial; a necessidade de promover o fomento de atividades econômicas em determinadas regiões do território nacional, para reduzir as desigualdades regionais e sociais; a necessidade de proteger o meio ambiente contra a exploração predatória; a necessidade de reduzir a concentração de renda que resulta no empobrecimento e marginalização de parcela substancial da sociedade; a necessidade de reduzir o desemprego e o subemprego e evitar a precarização das condições de trabalho, a necessidade de desincentivar o consumo de fumo e bebidas alcoólicas são apenas alguns exemplos de objetivos extrafiscais que orientam o legislador no momento da criação de uma norma tributária que sirva de instrumento para a intervenção estatal.

Com efeito, o estudo deste fenômeno não pode prescindir da investigação de princípios e objetivos que norteiam a Constituição Econômica e a Tributária. É o que ensina Ricardo Lobo Torres, citado por Luís Eduardo Schoueri, quando afirma que: “A intervenção indireta do Estado sobre a economia, através de tributos ou outros ingressos, é um assunto de rara complexidade.” Isto porque:

As relações entre a Constituição Econômica e a Tributária apresentam-se como íntimas e profundas. Não há subordinação entre elas, pois a Constituição Tributária não se dilui na Econômica nem ocorre o contrário. Estão em equilíbrio permanente, influenciando-se mutuamente e relacionando-se em toda a extensão dos fenômenos econômico e tributário.” (SCHOUERI, 2005, p. 38).

Neste contexto, pode-se afirmar que um dos importantes instrumentos utilizados pelo Estado para intervir indiretamente no domínio econômico é o tributo. Ao lado da função arrecadadora, o tributo exerce uma função importante na regulação do mercado e na reestruturação social e econômica. Assim, adquire fundamental importância a noção de extrafiscalidade, como forma de fazer cumprir os objetivos constitucionais.


3. EXTRAFISCALIDADE TRIBUTÁRIA

3.1 Acepções da Extrafiscalidade

Inicialmente, pode-se observar que a extrafiscalidade se constitui no “algo a mais” que a simples obtenção de receitas tributárias; liga-se a valores constitucionais; pode ser representada por isenções, benefícios fiscais, progressividade de alíquotas, finalidades especiais, entre ouras formas que assume, criando diferenças entre os indivíduos, que são em última análise, agentes políticos, econômicos e sociais. Os estudiosos, porém, alternam-se em apresentar concepções amplas ou restritas, clássicas ou modernas do termo.

Com ênfase no Direito Brasileiro, passaremos a tratar das concepções da extrafiscalidade. Importa, antes, notar que a questão nacional é idêntica e as conclusões aplicáveis, em regra, ao direito português, ao direito espanhol, e ao direito argentino; e muito similar ao direito italiano, que, no entanto, finca-se na expressão “parafiscalità”, dando a ela dimensão maior do que a simples vinculação de receitas a entidade paraestatal, como no Brasil, para abarcar a próprio fim que a entidade persegue, pouco valendo do termo “extrafiscalità” (GOUVÊA, 2006, p. 3).

Vê-se, ao revés, que o tema suscita questões distintas, por exemplo, na França e nos Estados Unidos. No direito tributário francês não se verifica a expressão “extrafiscalidade” e o termo “parafiscalité” não lhe é equivalente, mas com freqüência, os problemas que aqui tratamos sob a rubrica de extrafiscalidade, vêm registrados sob a alcunha de “interventionnisme fical” e “politique fiscal”, Esse termo, política fiscal (“tax policy”), a propósito, é o que representa com mais proximidade a extrafiscalidade na literatura norte-americana e encontra ressonância no Brasil nas ciências econômicas, tanto nos livros quanto nas cadeiras das faculdades (GOUVÊA, 2006, p. 3 e 4).

Visto este breve apanhado das acepções internacionais, ressaltando que se deixa de adentrar aos detalhes de cada país por não ser o objeto específico deste trabalho, cumpre agora descrever as concepções adotadas no Brasil.

Entre nós, vigoram acepções distintas, notadamente clássicas, e mais restritas, seja por considerar apenas estímulos ou desestímulos a comportamentos, por vislumbrar sempre aumento ou redução da carga tributária ou por entender a extrafiscalidade como objetivo apenas econômico, ou por apresentar uma dissociação entre os tributos fiscais e extrafiscais, em termos absolutos ou pelo critério da predominância.

Neste sentido, são restritas as acepções de Fábio Fanuchi, que reconhece o tributo como extrafiscal quando se verifica em sua cobrança “outros interesses que não sejam os de simples arrecadação de recursos financeiros” que se exteriorizam mediante “alívio” e “agravamentos fiscais”(FANUCCHI, 1976, p. 54 e ss); de Ruy Barbosa Nogueira, para quem a extrafiscalidade corresponde à intervenção do Estado mediante tributos, a estimular ou a desistimular condutas (NOGUEIRA. 1986, p. 157 e ss); Misabel Derzi, ao afirmar que “a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estilimular comportamentos, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios e incentivos fiscais (DERZI, em atualização a BALEEIRO, 2003b, p. 233).

Em outra linha, autores como Paulo de Barros Carvalho, segundo quem à “forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade” e Sacha Calmon Navarro Coelho, defendendo que a “extrafiscalidade é a utilização dos tributos para fins outros que não os da simples arrecadação de meios para o Estado” apresentam conceito ampliado da extrafiscalidade, mas aqui ou ali, em suas obras, verifica-se a opção por uma extrafiscalidade veiculada somente por institutos que implicam aumento ou redução da carga tributária com o fim de realizar valores econômicos mediante incentivos ou dificuldades tributários. Mantêm, portanto, a posição clássica (CARVALHO, 1993, p. 149) (COELHO. Manual de direito tributário, p.130).

São ampliativas, ao revés, as concepções de autores que vêm na extrafiscalidade, além de estímulos e desestímulos a comportamentos, todo expediente tributário que vise, intencional ou não intencionalmente, a realização de valores que excedam à “mera” arrecadação de tributos, embora em conjunto com este objetivo arrecadatório.

Em posição ampla, Ricardo Lobo, que sustenta:

A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração; de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo o dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias (TORRES, 2001, p. 167).

Neste conceito, revela-se a união inseparável da extrafiscalidade com a fiscalidade na norma tributária e, percebe-se, então, a noção larga da acepção, na medida em que a extrafiscalidade atua, finalisticamente, em domínios como a economia, a sociologia, a política, não se limitando, portanto, a induzir ou reprimir comportamentos, nem visando apenas a objetivos econômicos, mas também culturais, artísticos e desportivos, dentre outros.

Há que se ressaltar, no entanto, que apesar da ciência desta acepção ampliativa do termo, o presente trabalho se limitará a estudar os aspectos e funções da extrafiscalidade como forma de intervenção nos objetivos econômicos, como já bem delimitado no primeiro capítulo.

3.2 Análise da Legitimação e Função Extrafiscal do Tributo na Intervenção do Domínio Econômico

Como dito, o Estado vale-se dos tributos não só para arrecadar os recursos necessários para o custeio das atividades estatais. O tributo pode ter, também, finalidade precípua de intervir no domínio econômico.

Neste sentido, para Hugo de Brito Machado será hipótese de tributo extrafiscal: quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros. (MACHADO, 2001, pág. 61). Sobre a finalidade extrafiscal dos tributos ensina Alfredo Augusto:

A principal finalidade dos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não era a de um instrumento arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. (BECKER, 1998, p.587)

A “interferência”, por Hugo de Brito Machado, ou “intervenção”, por Alfredo Augusto Becker, do Estado sobre o domínio econômico, por meio do tributo, para atingir objetivos extrafiscais, se justifica no seu poder-dever de atuar em benefício da sociedade e, por consequência, do próprio sistema econômico.

Eros Roberto Grau, valendo-se de escritos de outros doutrinadores assevera:

A ordem econômica na Constituição de 1988 contempla a economia de mercado, distanciada porém do modelo liberal puro; a Constituição repudia o dirigismo, porém acolhe o intervencionismo econômico, que não se faz contra o mercado, mas a seu favor (Tércio Sampaio Ferraz Júnior); a Constituição é capitalista, mas a liberdade apenas é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia e mercado. (GRAU, 2001, 190).

O Estado Brasileiro, portanto, tem na Constituição Federal, em especial no Título VII, os parâmetros para a sua atuação sobre o domínio econômico. Neste contexto, dispõe o artigo 174, do referido Titulo que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Porém, a análise da questão não deve se restringir à leitura isolada do Titulo VII da Constituição. Mostra-se imprescindível analisar a Constituição de forma sistemática para, a partir daí, conferir as bases que a sociedade deu ao Estado para intervir no domínio econômico.

Nesse sentido, para o discernimento de um sistema econômico na Constituição, é fundamental analisar os princípios contidos no Titulo VII em consonância com os dos artigos 1º, 3º, 5º, LXXI, 7º a 11, 24, I, 37, XIX e XX, do § 2º do 103, 149, 201, 202 e 218 e 219.

Assim, a intervenção do Estado sobre domínio econômico, valendo-se da finalidade extrafiscal dos tributos, concretiza-se por meio de desoneração ou aumento da carga tributária. O objetivo dessa atuação estatal deve contribuir para a efetividade do bem comum e não para, de maneira isolada, atender um ou outro contribuinte ou segmento econômico.

Nesse passo, serve a extrafiscalidade dos tributos para: a) simplificar e/ou diminuir os custos da administração; b) promover a equidade; c) corrigir desvios; d) compensar gastos realizados pelos contribuintes com serviços não atendidos pelo governo; e) compensar ações complementares às funções típicas de Estado desenvolvidas por entidades civis; f) promover a equalização das rendas entre regiões; e/ou, incentivar determinados setores da economia.

Tem-se como exemplo de extrafiscalidade tributária a isenção, remissão, alteração de base de cálculo e de alíquota, diferimento, etc. Assim, pode-se afirmar que a redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI, sobre a produção de automóveis, concedido pela União nos anos de 2008 e 2009, não teve como objetivo principal o favorecimento de determinado setor da economia. Sua intenção foi, a princípio, garantir que o desequilíbrio econômico mundial não desencadeasse um processo de paralisação do segmento no país, pois, caso isso ocorresse, suas conseqüências teriam reflexos danosos no mercado e na sociedade.

Há séculos os países adotam o Imposto de Importação como meio de proteger suas economias; o Imposto de Exportação também possui história antiga, como instrumento destinado a regular o mercado interno de bens. Os esforços de guerra têm inspirado o manejo de impostos finalísticos há gerações. A evolução do Estado Social, com o surgimento dos direitos humanos de segunda e terceiras gerações, levou o Estado a instituir tributos finalísticos, com vistas à efetivação desses direitos. Economistas estudam os efeitos dos tributos tanto na regulação dos mercados quanto no desempenho das economias nacionais.

Tributos, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços- ICMS – brasileiro, são pedras angulares na efetivação política das formas federativa de Estado.

O tratamento tributário condenado entre nações tem se mostrado talvez o principal elemento de integração dos blocos econômicos.

Verifica-se, sem maiores esforços, que os diversos ramos do saber humano encontram justificativas para a tributação que se afastam da mera arrecadação de recursos para o Estado, vale dizer, justificativas extrafiscais.

Neste diapasão, Wether Botelho diz que:

A utilização da tributação com finalidades não fiscais é um instrumento de fundamental importância para a consecução dos objetivos da política econômica do Estado Democrático de Direito. Entretanto, põem-se em debate os limites a esta utilização e a sua necessária relação com os limites e princípios retores da imposição fiscal. Discute-se, assim, até que ponto a tributação extrafiscal não atentaria contra os princípios de justiça, equidade e outros balizadores da tributação fiscal (SPAGNOL, 1994, pág. 144).

A extrafiscalidade dos tributos, portanto, pode impactar a economia ao ponto de levar o mercado a tomar a direção pretendida nas políticas públicas voltadas ao setor. Com isso, ao Estado cabe agir nessa seara com prudência e nos limite impostos pelo ordenamento jurídico vigente.

Pelo exposto, o Estado, portanto, na manifestação do seu poder–dever de garantidor do interesse público, tem no tributo valioso instrumento de intervenção no domínio econômico, vinculado aos limites da Constituição e das leis. Tal intervenção deve, contudo, ocorrer no sentido de realização do bem comum sem prejuízo ao mercado.


4. ESTUDO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DA EXTRAFISCALIDADE E DE SEUS LIMITES

4.1 Do Não-Confisco e da Limitação ao Poder de Polícia

Seja em caso de tributação fiscal, ou em caso de extrafiscalidade, é unânime o entendimento de que a imposição tributária não pode assumir feição confiscatória. Em outros termos, as finalidades buscadas pela Administração Pública não podem gerar encargos que sejam desproporcionais aos referidos fins (FURLAN, 2004, p.149).

Com escopo constitucional no Art. 150, IV da Constituição Federal, o não-confisco deriva também do direito de propriedade elencado no Art 5º, inc. XXII da CF/88. Consoante ensinamentos de Aliomar Baleeiro, tributos confiscatórios são aqueles que:

 Absorvem parte considerável do valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem o exercício de atividade lícita e moral. Disso se depreende que a tributação não pode atingir a um patamar tal que comprometa ou desestimule “a livre iniciativa, o trabalho e a propriedade em si, de forma não indenizável (BALEEIRO apud FOLMANN, 2002, p. 501-502).

Para o Supremo Tribunal Federal, diante da falta de critérios objetivos para a aferição de tal conceito, deve o jurista fazer uso do princípio da razoabilidade, como condicionante da atividade estatal, de maneira a evitar a irrazoável afetação do patrimônio ou renda do contribuinte. Entende o Pretório Excelso também que deve ser levado em conta apenas a soma dos tributos exigidos pelo ente político em litígio (ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p. 117-118).

Em realidade, há que se levar em consideração a estrutura do mercado em que a tributação incide. E neste ponto, há o encontro entre o não confisco e a extrafiscalidade. Assim, desde que a lei isente ou tribute modicamente os gêneros de primeira e média necessidade, não há empecilho constitucional em que se eleve substancialmente a carga tributária que recai sobre produtos e serviços “suntuosos”.

Neste contexto, em certos momentos, o princípio do não-confisco interage com a extrafiscalidade, de sorte que se admite o excesso por motivo extrafiscal e pelo exercício do poder de polícia.

Como exemplo, pode-se dizer que o princípio do não-confisco não pode ser invocado, apesar da elevada carga tributária, no caso do IPI mais gravoso para produtos supérfluos, na hipótese de IR progressivo, quando a exacerbação constitucional induz comportamentos desejados e inibe os comportamentos indesejados.

Há que se alertar, porém, para os limites da extrafiscalidade com o fito de evitar que o ente estatal tributante seja tentado a usar a extrafiscalidade como desculpa ou pretexto para estabelecer maior pressão fiscal.

Neste aspecto, ainda sob a égide da Constituição de 1967, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 94.001/SP traçou outros importantes limites à tributação com função extrafiscal.

O caso era de Mandado de Segurança impetrado por contribuintes do imposto predial contra o lançamento do tributo com acréscimo de 200% sobre o valor do imposto municipal. Este acréscimo era previsto em razão da constatação de construções que não possuíam o “habite-se” ou “auto de vistoria” ou, ainda, “alvará de conservação”. A lei municipal ressalvava do acréscimo apenas os imóveis com área de até 72 metros quadrados.

O Acórdão recorrido considerou que o acréscimo de 200% tinha finalidade extrafiscal, na medida em que induzia os proprietários a regularizarem seus imóveis e não haveria inconstitucionalidade na utilização dos meios tributários para alcançar fins não fiscais.

O Relator Ministro Moreira Alves deu provimento ao Recurso Extraordinário dos contribuintes. Um dos argumentos utilizados pelo Relator foi o de que o artigo 3º do Código Tributário Nacional não admite que se tenha como tributo prestação pecuniária compulsória que constitua sanção de ato ilícito. O que implica dizer que não é permitido, em nosso sistema tributário, que se utilize de um tributo com a finalidade extrafiscal de se penalizar a ilicitude. Tributo não é multa, nem pode ser usado como se o fosse.

O Ministro Moreira Alves salientou que a extrafiscalidade é admissível com base no poder de polícia, não aquele poder de polícia considerado como atividade repressiva e sancionadora de ato ilícito, mas sim como atividade limitadora e disciplinadora da amplitude de direitos individuais em benefício do bem comum. Acrescenta, ainda, que o poder de polícia que reprime o ato ilícito por meio de sanção não pode dar margem a tributo com a finalidade extrafiscal de fazer cessar a ilicitude, em razão do disposto no artigo 3º do CTN.[3]

Concluiu o Relator explicitando que o acréscimo representava então uma segunda sanção pecuniária administrativa e se o Município quer agravar a punição de quem constrói irregularmente, cometendo ilícito administrativo, que crie ou agrave multas com essa finalidade. O que não pode – por ser contrário ao artigo 3º do CTN e, conseqüentemente, por não se incluir no poder de tributar que a Constituição Federal lhe confere – é criar adicional de tributo para fazer as vezes de sanção pecuniária de ato ilícito.

4.2. Da Observância do Princípio da Isonomia e da Capacidade Contributiva

Ora, sabe-se que a capacidade contributiva é medida que informa a fiscalidade, eis que impõe ao Estado cobrar tributos daqueles que tenham capacidade para serem tributados. A capacidade contributiva do indivíduo significa sua idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável a vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo total de serviços públicos.

Percebe-se, então, que a capacidade contributiva é a expressão maior do princípio da igualdade em Direito Tributário, consignado nos artigos 5º e 150 da Constituição Federal.

As discussões acerca da igualdade são infindáveis. Dispensável tratar do debate entre a chamada igualdade formal e a igualdade material, suas origens, seus fundamentos. Aqui importa que, em Direito Tributário, contribuintes que se encontram em situações equivalentes, segundo o critério da hipótese de incidência do tributo, recebam o mesmo tratamento.

Nesta toada, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento da ADIn 1.643-1, a respeito da diferenciação de tratamento imposta por uma norma tributária com finalidades extrafiscais. A Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando o inciso XIII do artigo 9º da Lei n° 9.317/96, que dispõe sobre o regime tributário das microempresas e empresas de pequeno porte e institui o SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.

A referida Lei veda às pessoas jurídicas prestadoras de serviços constituídas por profissionais cuja atividade dependa de habilitação legalmente exigida, a opção pelo SIMPLES.

O Relator, Ministro Maurício Corrêa, reconheceu que a lei federal que instituiu o SIMPLES, com base no art. 179 da Constituição, possuía função extrafiscal, na medida em que visava à proteção das microempresas e empresas de pequeno porte contra os abusos do poder econômico, bem como retirá-las da economia informal e possibilitar-lhes o desenvolvimento do próprio negócio de acordo com a respectiva capacidade financeira e técnica, gerando, desse modo, maior número de empregos.

Também reconheceu que teriam sido respeitados os limites constitucionais da extrafiscalidade, uma vez que o tratamento diferenciado era justificado, posto que baseado em critério razoável e que obedecia à igualdade formal, uma vez que atingia todas as pessoas da mesma classe[4].

No tocante à alegação de ofensa ao princípio da capacidade contributiva, o Ministro Maurício Corrêa invocou o argumento esposado no voto do Ministro Moreira Alves proferido no RE 153.771 (Pleno, DJ 05.09.97), segundo o qual “em se tratando de aplicação extrafiscal de imposto, não está em jogo a capacidade contributiva, que só é levada em conta com relação a impostos pessoais com finalidade fiscal.”

Parece-nos que no julgamento da ADIn 1.643-1, o Supremo deixou assentado que o tratamento diferenciado da Lei n° 9.317/96 possui um fundamento constitucional justificador, porquanto decorre do implemento da política fiscal e econômica, visando a interesse social e à proteção dos economicamente mais fracos contra os abusos do poder econômico, com destaque especial para a sua função extrafiscal. Além disso, a norma se aplica igualmente a todas aquelas pessoas que se encontram na mesma situação, pelo que não haveria ofensa ao princípio da igualdade formal.

No julgamento da ADIn 1.276-2, Relatora Ministra Ellen Gracie, o Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, por unanimidade de votos, julgou válida a Lei paulista que instituiu incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, ao fundamento de que o tributo, no caso, o IPVA, pode ser utilizado em sua função extrafiscal, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia[5].

Extrai-se, ainda, do voto da Relatora que a Assembléia Legislativa de São Paulo teria utilizado legitimamente do caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular uma conduta por parte do contribuinte, no caso, a contratação de pessoas de meia-idade que encontram dificuldades para conseguir ou manter seus empregos no mercado de trabalho. O objetivo da norma seria o de compensar uma vantagem que, notadamente, os mais jovens possuem no momento de disputar uma vaga no mercado de trabalho. Além disso, o incentivo teria sido concedido de forma abstrata e totalmente impessoal.

Em outro julgamento, o do RE n° 236.931-8/SP, o Supremo Tribunal Federal considerou que a diversidade de alíquotas em razão da natureza do combustível (álcool ou gasolina) não ofende o princípio da igualdade, nem configura tributo progressivo. O Relator, Ministro Ilmar Galvão, adotando os fundamentos do Acórdão recorrido, considerou que a diferenciação de tratamento no tocante à variação de alíquota, sendo de 3% para veículos movidos a álcool e 4% para os movidos a gasolina, é justificada pelo fato de que o objetivo do Governo é incentivar o consumo de energia renovável, de produção nacional, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da isonomia.

Já no julgamento da ADIn 1.655-5, o Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, considerou, à unanimidade, inconstitucional a Lei Estadual nº 356/97 do Estado do Amapá que concedia isenção do IPVA aos proprietários de veículos automotores destinados ao transporte escolar que estivessem filiados à Cooperativa de Transportes Escolares do Município de Macapá. O Relator Ministro Maurício Corrêa deixou consignado que a vedação constitucional de tratamento desigual a contribuintes que estão em situação equivalente não foi observada pelo legislador estadual, ao editar a Lei ora atacada. Um exame mais aprofundado, após o deferimento da medida liminar, revela não ser possível, no universo dos proprietários de veículos destinados ao transporte escolar, que somente os filiados a determinada cooperativa alcancem a isenção do IPVA.

Nesta linha de raciocínio, da análise dos julgados supramencionados, depreende-se que de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da igualdade não é violado, quando: (a) a norma tratar igualmente os contribuintes que se encontram na mesma situação; (b) o tratamento diferenciado não violar nenhum direito fundamental; (c) nenhuma pretensão decorreria do igual tratamento; (d) o tratamento diferenciado possui um fundamento constitucional justificador (ÁVILA, 2006, pág. 345).

4.3 Da Progressividade Fiscal e Extrafiscal do IPTU

Inicialmente observa-se que o IPTU alberga duas distintas modalidades de progressividade, ambas com status constitucional: a de acordo com a capacidade contributiva do sujeito passivo (Art. 156, §1º, da CF/88) e a atinente à função social da propriedade (Art. 182, §4º, II, da CF/88). A partir de tais considerações preliminares, faz-se conveniente adentrar em cada uma das progressividades ora elencadas, analisando-se suas notas jurídicas mais relevantes.

Partindo-se da premissa de que compete ao Município, detentor da titularidade do crédito tributário, bem como da qualidade de sujeito ativo da relação jurídico-tributária em matéria de IPTU, o dever de instituir, fiscalizar e arrecadar tal imposto, conclui-se que a alíquota a incidir sobre a base de cálculo (que, no caso do IPTU, se trata do valor venal do imóvel) dependerá de normas também emanadas pelo referido ente da federação.

Assim, obedecidas as devidas proporções do bom-senso, cabe ao Município fixar alíquotas progressivas em relação à respectiva base de cálculo, de forma paralelamente crescente. Vale dizer: quanto maior o valor venal do imóvel, maior será a alíquota aplicável na tributação sub examine. Isso porque, conforme defende CARRAZA:

[...] a só propriedade do imóvel luxuoso constitui-se numa presunção iuris et de iuri de existência de capacidade contributiva (pelo menos para fins de tributação via de IPTU). Estaria inaugurado o império da incerteza se a situação econômica individual do contribuinte tivesse que ser considerada na hora do lançamento deste imposto (CARRAZA, 2006, p. 107).

Em outros termos, quis a Carta Magna que o mais abastado pagasse mais não só em razão da maior base de cálculo, mas também segundo uma alíquota crescente. E tal sistemática tem como escopo principalmente a tão desejada Justiça fiscal, corolário do nosso consagrado princípio republicano.

Esta progressividade fiscal do IPTU não existia no texto original da Constituição Federal de 1988, ao menos de forma expressa. Foi só com o advento EC n.º 29/2000, ou seja, obra do Poder Constituinte derivado (reformador), cujo processo legislativo para alteração do Texto Constitucional obedece aos ditames do Art. 60, da CF/88, que se inseriu tal comando normativo no Carta Suprema brasileira.

Neste sentido, a jurisprudência, acompanhada de parte da doutrina, já formou entendimento no sentido de que, somente após a vigência de tal Emenda, é que poderá o Fisco municipal exigir a progressividade segundo a capacidade econômica do contribuinte, mesmo diante da preexistente regra genérica de progressividade tributária constante no Art. 145, §1º, da CF/88.

Entretanto, existem doutrinadores que defendem que a progressividade fiscal do IPTU sempre foi admitida na Constituição Federal e, até mesmo, implicitamente exigida, sob o argumento de que diante de duas interpretações possíveis, afigura-se melhor aquela que não excepciona os princípios constitucionais, rechaçando, assim, a interpretação uma interpretação restritiva. (FURLAN, 2004, p. 139-140).

Mas não é esta, entretanto, a posição já pacificada no Supremo Tribunal Federal acerca da problemática. O Pretório Excelso já firmou entendimento no sentido de ser inconstitucional a pretensão tributante do Fisco municipal segundo a sistemática da progressividade fiscal, aferível pela capacidade contributiva do sujeito passivo, para os eventos tributários verificados antes do advento da EC n.º 29/2000.

Ocorre que, mesmo antes do advento de tal Emenda, diversas Leis municipais não hesitaram em autorizar a Fazenda municipal a instituir e cobrar o IPTU mediante alíquotas progressivas, de acordo com a capacidade econômica do sujeito passivo, externalizada pelo valor venal do imóvel (base de cálculo).

Há exemplos também de Municípios que vêm cobrando o IPTU progressivo embasado no Art. 156, §1º, da CF/88, com lançamentos efetuados em data posterior à EC n.º 29/2000, porém referentes a eventos tributários que se consumaram em período anterior à dita alteração constitucional.

A problemática, cujo caráter é nitidamente constitucional, vem sendo objeto de reiterados julgamentos no STF. Neste sentido, analise-se a discussão travada no RE n° 153.771/MG referente à cobrança progressiva do IPTU pelo Município de Belo Horizonte no ano de 1990.

O argumento do recorrente era o de que a progressividade nos impostos ditos reais (como é o caso do IPTU) só seria admitida no caso do art. 156, §1º da CF, ou seja, como regulação do cumprimento da função social da propriedade prevista no art. 182 da CF, não prevalecendo, portanto, a regra prevista no art. 145, § 1o, da CF, que somente seria aplicada para os impostos pessoais, como o Imposto de Renda.

O Ministro Carlos Velloso, Relator, restou vencido. Para fundamentar sua decisão, o Ministro Carlos Velloso lançou mão dos conceitos de progressividade fiscal e progressividade extrafiscal. Para o Ministro, o IPTU progressivo do art. 156, § 1º da CF assenta-se sobre o princípio da pessoalidade e independe do plano diretor e a “função social” nele prevista não é a mesma “função social” do §2º do art. 182 da CF, porque localizada no campo tributário e não está jungida ao reordenamento de áreas urbanas. Ela se assenta, a função social do art. 156, § 1º, numa política redistributiva, ou a progressividade assentada no art. 156, § 1º, visa a realizar uma política redistributiva.

O voto vencedor, capitaneado pelo Ministro Moreira Alves, lançou mão da distinção entre imposto real e imposto pessoal, para concluir que somente os impostos ditos pessoais, com finalidade fiscal, devem obediência ao princípio da capacidade contributiva previsto no §1º do art. 145 da CF. Conforme ressalta o Ministro Moreira Alves, “em se tratando de aplicação extrafiscal de imposto, não está em jogo a capacidade contributiva do contribuinte que só é levada em conta com relação a impostos pessoais com finalidade fiscal.” Para o Ministro, o caráter real do IPTU é incompatível com a progressividade decorrente de capacidade econômica do contribuinte, ao argumento de que o art. 156, § 1º da CF por admitir a progressividade para fins extrafiscais (“de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”), não pode servir de fundamento para justificar progressividade fiscal.

Esta conclusão foi ratificada pelo voto do Ministro Celso de Mello para quem a previsão constante das normas inscritas no art. 156, § 1º, e no art. 182, §§ 2º e 4º, II, da Carta Política, que esse imposto de competência municipal desempenha importante função como instrumento de ação extrafiscal do Poder Público local, na medida em que o caráter progressivo das alíquotas tributárias do IPTU tem por específica finalidade conformar a propriedade urbana à função social que lhe é inerente.[6] Outro argumento interessante levantado pelo Ministro Celso de Mello é o de que essa progressividade de índole extrafiscal pode revestir-se da natureza de verdadeira sanção constitucional, posto que destinada a coibir situações anormais e lesivas ao interesse público, especialmente quando derivadas do exercício irregular do direito de propriedade, em manifesta desarmonia com as exigências fundamentais de ordenação urbana expressas no plano diretor do Município (art. 182, § 2º).

O Ministro Sepúlveda Pertence, por sua vez, deixou consignado que o IPTU pelo só fato de ser um imposto real não afasta a incidência da progressividade. Mas, ressaltou que a Constituição Federal ao prever no art. 156, §1º a progressividade “de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”, vinculou ao conjunto normativo do art. 182 da mesma CF50, sua progressividade somente para fins extrafiscais.

Este julgamento é paradigmático e, com certeza, influenciou o Parlamento quando da edição da Emenda Constitucional n° 29, de 13 de setembro de 2000, que conferiu nova redação ao § 1º do art. 156 da Constituição Federal para admitir a progressividade fiscal do IPTU, em razão do valor, localização e uso do imóvel urbano.

Nesse julgado, a Suprema Corte, ao se basear na distinção entre impostos pessoais e reais para aferir a possibilidade de aplicar a progressividade ao IPTU, para fins fiscais, com base no princípio da capacidade econômica, adotou uma postura positivista e formalista, atendo-se à literalidade do texto constitucional. Tal posicionamento, diante de reiterados pronunciamentos análogos do STF, chegou a ser objeto de Súmula, in verbis:

Súmula 668 do STF: É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

Entende a Corte Suprema que, não obstante a interpretação constitucional teleológica acerca da progressividade dos tributos, traçada como regra geral, não pode o Fisco municipal exigir valores não expressamente autorizados pelo Texto Maior, além de que impostos de natureza real (como é o caso do IPTU, uma vez que deriva de direito reais; direito das coisas), não comportam a progressividade prevista no Art. 145, §1º, da CF/88, mas tão somente se e quando a própria letra da Constituição determinar, o que, no caso em apreço, só se deu após a EC n.º 29/2000.

Já no que diz respeito à progressividade extrafiscal do IPTU, elencada no Art. 182, §4º, II, da CF/88, ela é absolutamente dependente da edição do plano diretor do respectivo Município, no qual serão fixados os desideratos urbanos desejados pela cidade, sendo o IPTU uma importante ferramenta para tal consecução.

Isto porque a progressividade extrafiscal busca favorecer a função social da propriedade urbana, tributando-se de forma mais acentuada os proprietários que não procedem à correta destinação de seus imóveis. Verifica-se, pois, que a função precípua de tal sistemática não reside na arrecadação de fundos ao erário público, mas sim na consecução indireta de determinado interesse público, que, no presente caso, se trata do correto uso e gozo da propriedade territorial urbana.

Por meio de tal sistemática, procura-se reprimir ou favorecer determinadas condutas humanas em relação às respectivas propriedades urbanas, de acordo com o que estabelece o plano diretor do Município. Diversos critérios poderão ser levados em conta para a aplicação de alíquotas progressivas, tais como: o tempo de propriedade inativa (especulação imobiliária), o espaço (exato local onde se localiza o terreno), a superfície (metragem bruta do terreno), a destinação do imóvel (residencial, comercial ou industrial), a existência de construções (edificações), dentre outros (FURLAN, 2004, p. 154-158).

Entretanto, apesar desta legitimação estatal, convém salientar que, como já dito anteriormente, quer se trate de tributação fiscal, quer se trate de tributação extrafiscal, a imposição tributária não pode assumir feição confiscatória. Em outras palavras: quaisquer que sejam as finalidades buscadas mediante a instituição de impostos, não poderá esta acarretar encargos tão acentuados que se revelem desproporcionais ao atingimento dos referidos fins. (FURLAN, 2004, p.149).

Neste sentido, consigne-se que, embora dotado de caráter diferenciadamente extrafiscal, a progressividade contida no Art. 182, §4º, II, da CF/88 não se distancia dos princípios constitucionais reservados àquela de caráter fiscal. Vale dizer, ainda que se queira favorecer determinado interesse público, não pode a tributação se revestir de arbitrariedades ou afrontar os desígnios constitucionais.

4.4 Da Observância do Dever de Proporcionalidade

A proporcionalidade tem sido estudada no Brasil como princípio jurídico. Mais do que isto, a maioria das análises que se efetua coliga-a com a razoabilidade, quando não as confundem uma com a outra, como se exercessem a mesma função dentro do sistema jurídico ou tivessem um mesmo sentido, finalidade ou conteúdo jurídico. Não têm, consoante proposta de Humberto Ávila ao tratar da teoria dos princípios. Segundo ele, também não é possível agrupá-la no rol dos princípios jurídicos, tendo em vista consistir em postulado normativo aplicativo, ou seja, norma jurídica de segundo grau que se presta a estruturar o modo de aplicação das demais normas – princípios e regras (ÁVILA, 2006, p.146-148).

O postulado da proporcionalidade significa, nestes termos, o exame jurídico que se realiza sobre uma relação meio-fim, vale dizer, aplica-se sempre que houver uma medida concreta que se destine a realizar uma determinada finalidade. Por esta razão, o postulado da proporcionalidade implica em exame de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, isto é, respectivamente se a medida empregada tem possibilidade de levar ao fim que se pretende realizar; se dentre os meios possíveis de realizar aquele fim, a medida utilizada é a menos restritiva dos direitos envolvidos; e se a finalidade a ser alcançada é de tal forma valiosa que se justifique a restrição. (ÁVILA, 2006, p.146-148).

Deste modo, a proporcionalidade, ao contrário de ser um princípio propriamente dito, estrutura o modo de aplicação das normas com vistas à promoção dos fins envolvidos.

Estas considerações são importantes porque, como ficou assentado anteriormente, a tributação tem fins diversos a se realizar: ora fiscais – abastecimentos dos cofres públicos –, ora extrafiscais – proteção e fomento econômico, por exemplo.

Assim, afirma-se que os fins são internos (fiscalidade) ou externos (extrafiscalidade). No caso das normas tributárias extrafiscais, que tem como escopo o alcance de fins econômicos ou sociais, percebe-se que estes são fins externos, pois o emprego da norma tributária ambiciona um resultado concreto no campo do comportamento das pessoas – eficácia social, por assim dizer – de modo que pode ser empiricamente dimensionado. Como este resultado tenciona a promoção de finalidades econômicas ou sociais atribuídas ao Estado e não propriedades ou características do sujeito atingido pela norma, então, evidente que o exame de proporcionalidade consiste no mecanismo jurídico adequado para se determinar o dever de igualdade nas normas tributárias desta natureza (ÁVILA, 2006, p.151-161).

Assim, no tema da tributação extrafiscal, além de tudo quanto foi dito nos itens anteriores, deve-se efetivar o exame de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito a fim de se definir a correta validade e aplicação da norma.

Vale dizer, o controle da norma tributária extrafiscal deve se realizar segundo parâmetros de adequação, ou seja, saber se a medida empregada levará ao fim que se pretende alcançar; de necessidade, no sentido de se perquirir se há outros meios que também sejam capazes de promover o fim que se pretende realizar, mas cujos efeitos sejam menos restritivos dos direitos fundamentais envolvidos; de proporcionalidade em sentido estrito, a fim de comparar a importância jurídica que a realização daquele fim possui em relação à restrição aos direitos fundamentais envolvidos, isto é, se as vantagens resultantes da promoção daquele fim são proporcionais às desvantagens que se verifica pelo emprego do meio.

Em resumo, na extrafiscalidade a determinação da igualdade e, em conseqüência, a definição de sua validade e, ao depois, da sua correta aplicação deve obediência aos parâmetros de proporcionalidade. Daí a importância destas considerações.

Dentro deste quadro, analisando um caso de aplicação da proporcionalidade dentro da discricionariedade administrativa, pode-se citar o RE n° 178.932-8/SP, onde o Supremo Tribunal Federal examinou a cláusula inscrita no art. 6º do Decreto-Lei n° 2.434/88 que definia como fator de acesso à isenção do IOF/Câmbio, a data de emissão da guia de importação (a partir de 1o de julho de 1988).

O Relator, Ministro Celso de Mello, acompanhado à unanimidade pelos demais integrantes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, considerou que o critério de ordem temporal adotado pelo legislador para justificar a outorga da questionada isenção tributária apoiou-se em pressupostos lógicos e objetivos legitimadores do tratamento normativo diferenciado estabelecido pelo art. 6º do Decreto-Lei 2.434/88. [7]

Considerou também que a norma em questão não era arbitrária ou contrária ao princípio da igualdade ou da proporcionalidade, porquanto sua função extrafiscal dava-lhe a configuração de um instrumento de intervenção estatal com vistas à implantação de política governamental, inexistindo outorga ilegítima de privilégios estatais em favor de determinados estratos de contribuintes.

O Ministro destacou a orientação do Supremo Tribunal Federal no RE 157.228-1, no sentido de que “a isenção fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, pelo Estado, tendo em vista o interesse social. É ato discricionário que escapa ao controle do Poder Judiciário e envolve juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo”, pelo que não compete ao Poder Judiciário estender a isenção àqueles que não foram incluídos no âmbito de incidência da norma, sob pena de ofensa ao princípio da separação de poderes.[8]

É de ressaltar, portanto, a posição do Supremo Tribunal Federal neste julgado no que concerne à caracterização da norma tributária extrafiscal como instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico e para a consecução dos objetivos de Política econômica e social a cargo do Poder Executivo, através de seu poder discricionário, mas sempre vinculado a certos limites, conforme acima expostos.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que o Estado contemporâneo não se preocupa apenas com o financiamento de suas despesas com pessoal, serviços, contratos, enfim, com a manutenção da máquina administrativa. O Estado que intervém sobre domínio econômico-social e que se preocupa com a consecução dos objetivos e valores constitucionais, deve ter à sua disposição instrumentos normativos específicos, que atendam às exigências cada vez maiores da economia e sociedade modernas.

Observa-se que ao lado das normas tributárias com função fiscal, ou seja, aquelas normas que visam precipuamente à arrecadação de recursos financeiros, surgem também normas cuja função não é a de imediata e unicamente incrementar as receitas estatais. De fato, a crescente demanda pela atuação estatal nos mais diversos setores da sociedade e da economia influiu diretamente na tributação e isto provocou a utilização cada vez maior do tributo em sua função extrafiscal.

Assim, o uso extrafiscal do tributo não almeja apenas estimular ou desestimular o comportamento dos contribuintes, muito menos se resume à questão dos fins não arrecadatórios. No Estado Social Democrático de Direito, o tributo passa a ser um instrumento de política socioeconômica e a extrafiscalidade o mecanismo pelo qual o Estado se utiliza para a consecução dos seus objetivos e dos valores constitucionais.

Neste contexto, da análise da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, depreende-se que a extrafiscalidade é admissível com base no poder de polícia, não aquele poder de polícia considerado como atividade repressiva e sancionadora de ato ilícito, mas sim como atividade limitadora e disciplinadora da amplitude de direitos individuais em benefício do bem comum, respeitando-se, para tanto, os princípios do não confisco, da isonomia, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.

Constata-se, então, pela extensão de seus reflexos na esfera social ou econômica, que a extrafiscalidade deve ser implementada nos limites da Constituição e das leis. Nesse passo, a intervenção estatal, nessa circunstância, só se justifica quando efetivada para, de forma geral, satisfazer o bem comum e, de forma estrita, para contribuir com o crescimento do mercado nacional

Feitas essas considerações, cumpre ressaltar que a pretensão do trabalho não foi de esgotar o tema, mas tentar apontar algumas questões acerca do objeto de estudo, esperando ter contribuído para o debate doutrinário. Lembrando sempre que no cotejamento constante entre a possibilidade de intervenção estatal e os seus limites é necessário um criterioso juízo de ponderação sob a ótica da razoabilidade para que se encontre a verdadeira Justiça.


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Notas

[1] “Nenhuma das reivindicações anunciadas hoje em dia sob o título de deveres sociais pode atingir seu objeto sem uma direção da economia.”

[2] “Quando se trata de direito ao trabalho, ao salário vital, e à segurança e dos direitos aos lazeres e à cultura pessoal, é claro que essa realização é subordinada a uma organização sistemática da produção e do consumo concebida para dar a cada um aquilo que a democracia social lhe autoriza a exigir/aspirar. Seria ilusório ter um individuo sustentado pela sociedade se ela mesma não pudesse planificar a exploração e a utilização dos recursos coletivos. E isso é verdade tanto na prosperidade quanto na escassez”.

[3]O Relator argumentou que “a extrafiscalidade é admissível quando, pelo agravamento do imposto, não se vise ao afastamento de ato ilícito já praticado, até porque, enquanto não há a regularização indiretamente objetivada, o acréscimo tem por fim imediato a sanção do ato ilícito praticado, o que, por caracterizá-lo como multa, configura, precisamente, a vedação do artigo 3o do Código Tributário Nacional, ou seja, que a prestação pecuniária compulsória não constitua sanção de ato ilícito.”

[4]Extrai-se do voto que: “Não há falar-se, pois, em ofensa ao princípio da isonomia tributária, visto que a lei tributária – e esse é o caráter da Lei n° 9.317/96 – pode discriminar por motivo extrafiscal entre ramos de atividade econômica, desde que a distinção seja razoável, como na hipótese vertente, derivada de uma finalidade objetiva e se aplique a todas as pessoas da mesma classe ou categoria (...). Essa desigualdade factual justifica tratamento desigual no âmbito tributário, em favor do mais fraco, de modo a atender também à norma contida no §1º do art. 145 da Constituição Federal, tendo-se em vista que esse favor fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, visando o interesse social. Portanto, é ato discricionário que foge ao controle do Poder Judiciário, envolvendo juízo de mera conveniência e oportunidade do Poder Executivo.”

[5]Em seu voto, a Ministra Ellen Gracie diferencia a igualdade proporcional da igualdade matemática ou paritária. Essa conclusão decorre do próprio conceito de igualdade, tal como o concebe o direito público, isto é, como igualdade proporcional, e não como igualdade matemática ou paritária. Os homens são desiguais na sociedade e na natureza, tanto quanto as coisas, os lugares, os fatos e as circunstâncias. O princípio da igualdade jurídica não traduz, no campo do direito – como uma opinião atrasada ou tendenciosa quer fazer crer – o desconhecimento dessa desigualdade natural. É antes um esforço para balanceá-la, compensando, o jogo das inferioridades e superioridades de modo que elas não favoreçam também uma desigual proteção jurídica, pois é certo que os ônus e as recompensas, o bom e o mau êxito, acompanharão com maior ou menor regularidade as variações naturais, mas não é desejável que fique sob a mesma influência a distribuição da Justiça.

[6]Outro argumento suscitado pelo Ministro Sepúlveda Pertence diz respeito ao princípio da capacidade contributiva previsto no art. 145, § 1º da CF. Para o Ministro, a admissão da progressividade do IPTU é o que melhor atenderia aos princípios da justiça social e da autonomia municipal. Mas a parte final do art. 145, § 1º da CF não deixou dúvidas de que a capacidade contributiva aí tratada, como critério de graduação do imposto é a capacidade econômica efetiva, real e global do contribuinte atinente aos impostos de caráter pessoal, não se aplicando aos impostos reais, como é o caso do IPTU.

[7]Para o Ministro, o Decreto-Lei n° 2.434/88 veiculou verdadeira norma tributária extrafiscal, com objetivo de intervir na “área econômico-fiscal e no domínio do comércio exterior”, cujo fundamento se encontra “na necessidade de o Estado implementar políticas governamentais, cuja execução lhe incumbe efetivar nos estritos limites de sua competência constitucional”.

[8] De acordo com o entendimento prevalecente naquela Corte Suprema, ressaltou o Ministro Celso de Mello que: “os Magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não podem conceder, por isso mesmo, ainda que sob fundamento de isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem da isenção. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado. É de acentuar, neste ponto, que, em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o Poder Judiciário só atua como legislador negativo (grifos no original).


Abstract: The analysis here presented is about the regulatory taxes as an instrument used by the State to intervene in economic domain. Therefore, from the conception of Democratic State of Right is established the debate about power/duty to ensure that the public interest prevails in society. In this step, there are presented as valid instrument used by the State in search of its purpose, the common good, the use of the taxation. It is then based on the Federal Constitution, in the law and in the precedents of the Federal Supreme Court, a brief examination of the extrafiscal purposes on taxes, application and limitations. The research aims to contribute to the dissemination andunderstanding about the regulatory taxes institute, because it is an instrument which, if used within the constitutional and legal limits, may give taxes a role in the way of social and economic development of the country. 

Keywords: STATE – INTERVENE IN ECONOMIC DOMAIN – EXTRAFISCAL TAXES – TAXE


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Hamanda Rafaela Leite. A extrafiscalidade tributária como forma de intervenção do Estado no domínio econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3432, 23 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23080. Acesso em: 17 abr. 2024.