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A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social

A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social

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A prova da vida em comum deve ser plenamente realizada através da correspondente ação declaratória, independentemente da existência de prova material, ao considerar-se que a união estável é uma situação de fato, que tem como elementos a notoriedade e a convivência duradoura, como entidade familiar.

Resumo: Na Carta Política Pátria, a família constitui o sustentáculo da sociedade e tem especial proteção do Estado, proteção essa estendida à união estável, ali elevada ao status familiar, cujo §3º do art.226 estabelece que a união estável entre um homem e uma mulher é reconhecida como entidade familiar. União estável é a relação pública, contínua e duradoura, entre um homem e uma mulher, com a intenção de formar uma família, configurando-se quando não existir nenhum impedimento legal para o casamento, exceto se um ou ambos os conviventes esteja separado de fato. Como fato, a sua comprovação independe da existência de qualquer outro meio que não seja mediante prova testemunhal diante da condição exigida por lei, de que a convivência seja pública e notória. Portanto, é necessário analisar o comportamento do direito em face da sentença proferida na ação declaratória como meio de prova suficiente da união estável para qualquer fim, especificamente perante a Previdência Social, para fazer jus aos benefícios mantidos por esse regime de previdência. Neste trabalho será abordada essa consideração, frente à prova quanto à autoridade da coisa julgada e a posição da doutrina, dos tribunais e da Previdência Social a respeito desse assunto.

Palavras-chave: União estável. Ação declaratória. Sentença declaratória.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da união estável. 2.1. Conceito. 2.2. Breve histórico. 3. Estudo das ações. 3.1. Conceito e classificação. 4. A posição dos companheiros no critério de preferência entre os beneficiários da previdência social. 5. A prova da união estável para a previdência social. 6. Conclusão.. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo discorrer acerca da validade da sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a Previdência Social, para fins de direito aos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social. Aqui, serão reportados os aspectos pertinentes à união estável em si, a ação declaratória prevista no inciso I do art.4º do Código de Processo Civil Brasileiro – CPC, bem como, a sentença nela proferida, transitada em julgado, e os seus reflexos estritamente relacionados à Previdência Social, no que tange à sua validade como prova do fato união estável, por conseguinte, da condição de companheira (o), portanto, beneficiária (o) /dependente para fins de concessão de benefício previdenciário compreendido no Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

O debate proposto para a matéria surgiu da necessidade de que fique estabelecido que, sendo a união estável uma situação de fato, a via mais apropriada para que esta situação seja reconhecida como uma relação jurídica capaz de gerar direitos e obrigações é através da sentença proferida nos autos da ação declaratória de união estável, onde fica consignada a certeza jurídica dessa situação, dada como certa a sua existência, uma vez assim previsto na legislação processual civil brasileira.

Em assim sendo, é mister se discutir acerca da possibilidade da existência válida ou não desse meio de prova de união estável, ou seja, da sentença que a declara, como por si só suficiente para a comprovação da condição de dependente a (o) companheira (o) do (a) segurado (a) da Previdência Social, em face das normas previdenciárias, que dão especificidade ao tema e do próprio posicionamento do Órgão Previdenciário acerca da questão.

Sobre o assunto, verifica-se a existência de duas linhas de entendimento: a que entende que a sentença declaratória de união estável por si só não é suficiente para fazer prova da condição de dependente como companheira (o) do (a) segurado (a) da Previdência Social para fins de concessão de benefício de pensão por morte, defendendo a necessidade da existência de outras provas para corroborar com o decisum, e aqueloutra que defende que a sentença declaratória de união estável é sim prova plena da condição de dependente para fins de concessão de benefício previdenciário de pensão por morte.

Do primeiro ponto de vista, ou seja, aquele que entende por necessário a existência de outros elementos a corroborar com a sentença para a validade desta como prova perante a Previdência Social, e é o que norteia as decisões na esfera administrativa, decorre o estabelecimento de novas relações jurídicas processuais, com a proposição de ações contra o Órgão Previdenciário, para fins de obtenção de benefício de pensão por morte, cujos provimentos sempre são deferidos, ou no juízo de primeiro grau, ou mesmo em nível de segunda instância, ou tribunais superiores, o que tem acarretado um aumento no custo-benefício para os cofres da Previdência Social, por força da condenação do órgão no ônus da sucumbência, além da condenação na incidência de juros e correção monetária quando do pagamento do benefício.

Ainda depreende-se da adoção de tal posicionamento, que um órgão público no exercício da função atribuída pelo Estado, seja ele pertencente a quaisquer das esferas de governo, União, Estado ou Município, ao denegar um pedido administrativo de acolhimento de uma sentença judicial transitada em julgado, que declarou a existência de uma situação de fato como uma relação jurídica para fins de direito, in casu, a união estável, está a opor resistência à própria prestação jurisdicional, que é uma função do Estado direcionada a dirimir os conflitos, tornando-se ilógico a necessidade de várias demandas para o mesmo fim.

E o mais curioso é o fato de que o próprio Órgão Previdenciário tem o direito-poder de reconhecer administrativamente a união estável, quer mediante a apresentação pela (o) interessada (o) no ato do requerimento do benefício de três elementos de prova material da existência do vínculo de companheira (o), nos termos do art.22, §3º do Decreto nº.3.048/99, quer mediante o processamento de Justificação Administrativa1, nos moldes do art.142 do mesmo Decreto.

O problema da pesquisa proposto para ser solucionado delimitou-se como: sendo a união estável uma situação de fato, a sentença que a declara uma vez transitada em julgado é meio autônomo de prova perante a Previdência Social para fins de direito a concessão de benefício regido pelo Regime Geral de Previdência Social, a ser deferido à (ao) companheira (o) pela Previdência Social?

Como questão da pesquisa proposta para a solução do problema apresentado foi a de que: se a união estável constitui uma situação de fato e sendo a ação declaratória o meio próprio para atribuir certeza à sua existência como uma relação jurídica, então, a sentença declaratória de união estável por si só, uma vez transitada em julgado, é prova suficiente da condição de dependente da Previdência Social para fins de direito ao benefício previdenciário de pensão por morte, compreendido no Regime Geral de Previdência Social?

Objetivando um melhor aprofundamento da matéria posta em questão, preferiu-se analisar os efeitos da sentença declaratória de união estável transitada em julgado apenas para fins de direito junto à Previdência Social, quando o Órgão Previdenciário não compõe o pólo passivo da demanda, uma vez que, compondo o Órgão a lide, os efeitos da coisa julgada lhe alcançam, a teor do que estabelece o art.472, primeira parte do Caderno de Ritos Brasileiro.

O embasamento teórico que fundamentou o presente trabalho teve como suporte os princípios e conceitos indispensáveis a uma compreensão clara, precisa e objetiva da pesquisa e dos fins nela pretendidos.

A metodologia aplicada cingiu-se na pesquisa doutrinária, na jurisprudência, na Constituição Federal do Brasil, no Código Civil Brasileiro, no Código de Processo Civil Brasileiro, na legislação previdenciária e demais leis ordinárias que regem a espécie, bem como, nas normas internas e no posicionamento do Órgão Previdenciário.

Este trabalho de pesquisa teve como estrutura a abordagem das características da união estável como entidade familiar, conceitos e histórico e da ação declaratória de união estável e, por conseguinte, da sentença nela proferida, com a análise dos seus efeitos perante a Previdência Social.


2. DA UNIÃO ESTÁVEL

2.1. Conceito

A União Estável é entendida como sendo a união entre um homem e uma mulher, de forma estável, pública, duradoura, demonstrando o interesse de constituir uma família à qual a Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 lhe atribuiu a natureza jurídica de uma entidade familiar.

Segundo a doutrina de Álvaro Villaça Azevedo (2000: p.14), a União Estável é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato.

Edgar de Moura Bittencourt (1979: p.115) acerca do tema escreve que “como esposa de fato, respeitável, em verdadeira posse de casada, é que admito a designação de companheira à concubina honesta e de longa ligação com o homem que a respeita e impõe seu respeito a todos.”, deixando de reconhecer como de fato relação paralela mantida pelo homem casado, isto é, a relação adulterina.

Ao discorrer sobre a matéria União Estável, Euclides Benedito de Oliveira, distinguindo as expressões companheiro e concubino, assim o faz:

No entanto, reserva-se a expressão “companheiros” para as pessoas unidas estavelmente, sob aparência de casados, e sem impedimentos decorrentes de outra união. Já o “concubinato” envolve ligação amorosa de casados, com terceiros, em situação de adulterinidade, formando o chamado “triângulo amoroso.”... A “companheira”, ao invés, é a que vive com homem solteiro, descasado ou viúvo, como se casados fossem legitimamente, por isso gozando da proteção que o Estado garante à entidade familiar. (OLIVEIRA: 1.997, p.104).

No dizer de Milhomens e Magela Alves (1.995: p.79), “Concubinato é a união duradoura entre duas pessoas, de sexo diferente, que passam a viver como se fossem marido e mulher, more uxorio.”

A Lei nº.9.278/96, ao regulamentar o §3º do art.226 da Carta Política Pátria, estabeleceu em seu art.1º que é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

Tem-se, pois, a união estável como um casamento de fato e assim, da mesma forma que na união formal – casamento, os unidos estavelmente se devem, mutuamente, respeito e consideração, assistência moral e material, e ainda, ambos são responsáveis pela guarda, sustento e educação dos filhos havidos em comum.

É o que estabelece o art.2º da Lei nº. 9.278/96.

Também inovando o tema e acompanhando os ditames constitucionais acerca da união estável, o Código Civil Brasileiro de 2.002 dedicou o Título III do Capítulo VI do Livro IV – Do Direito de Família, que vai do art.1.723 ao art.1.726, à união estável, definindo-a como sendo a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, reconhecendo-a como entidade familiar.

O §1º do art.1.723 do CCB preconiza que a união estável não se estabelecerá entre os impedidos de se casarem, que são aquelas pessoas indicadas no art.1.521 do mesmo diploma legal.

No art.1.727, a Lei Civil Pátria excluiu do conceito de união estável as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, denominando tais relações de concubinato.

Aqueles que convivem em união estável, são tidos como companheiros ou conviventes.

Na legislação previdenciária companheiro (a) é aquela pessoa, homem ou mulher, que, sem ser casada, mantenha união estável com o (a) segurado (a) como entidade familiar, na forma do art.226, §3º da CF/88. (Art.16, §3º da Lei nº.8. 213/91).

Ainda sob o manto da legislação da Previdência Social, união estável é aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, formada com a intenção de estabelecer uma família, considerada mesmo aquela em que um ou ambos os cônjuges sejam casados, porém, desde que separados de fato ou judicialmente. (Art.16, §6º do Regulamento da Previdência Social combinado com o §1º do art.1.723 do Código Civil Brasileiro).

2.2. Breve histórico

A relação de convivência extra matrimonial entre pessoas de sexos diferentes sempre existiu nas sociedades.

A propósito, o casamento formal no Brasil remonta ao ano de 1.890, quando foi instituído através do Decreto nº.181, de 24 de janeiro de 1.890. A partir daí passou o casamento civil a ser o único meio de constituição de família legítima.

As uniões de fato eram desprezadas pelo direito, sendo, inclusive, tratada pelo Código Civil revogado, Lei nº. 3.071/1.916, apenas com o objetivo de proteger a família constituída pelo casamento formal, como são exemplos: art.248, inciso IV(que legitima a mulher casada para reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo marido à concubina), art. 1.177. (proíbe a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice) e art.1.719, III (impede que a concubina seja nomeada herdeira ou legatária do testador casado, ou o concubino de testadora casada) etc.

Anteriormente ao casamento formal, a união entre um homem e uma mulher reconhecida pela sociedade era aquela formada pelo casamento religioso, uma vez que era considerado pela Igreja Católica como um sacramento, sendo esse o ensinamento doutrinário que pregava.

Após o advento do Decreto nº. 181/1.890, que estabeleceu o casamento formal, tanto as famílias que eram constituídas por mera convivência duradoura dos cônjuges, bem como as famílias que se formavam pelo casamento religioso eram consideradas como famílias compostas por concubinos, tidas como famílias ilegítimas.

Com o passar do tempo, a jurisprudência brasileira passou a reconhecer a existência no mundo jurídico daquela relação de convivência entre o homem e a mulher não impedidos de casar, que era o considerado “concubinato puro”.

Pacificando a jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal acabou editando quatro súmulas a respeito dessas relações não formais como o casamento, mas sem impedimento para a sua realização. São as súmulas número: 35; 380; 382 e 447.2

A Súmula nº. 35. previa o direito da concubina, em caso de acidente do trabalho ou de transporte, ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.

A Súmula nº. 380. trata da dissolução da sociedade de fato, reconhecendo direito à partilha dos bens adquiridos na constância da união e pelo esforço de ambos os conviventes, como segue: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.

A Súmula nº382 trouxe inovação na relação concubinária, ao estabelecer que a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é elemento essencial à caracterização do concubinato.

Por fim, a Súmula 447, cujo teor é: “É válida a disposição testamentária em favor do filho adulterino do testador com a sua concubina”.

No período intermediário entre a edição do Código Civil Revogado (1.916) e a entrada em vigor da Constituição de 1988, decretos e leis foram editados, que, de alguma forma, davam destaque ao concubinato.

Exemplo disso: o Decreto-Lei nº. 4.737, de 24 de setembro de 1942, que permitiu o reconhecimento dos filhos “naturais” ou “ilegítimos” após o desquite; a Lei nº. 883, de 24 de outubro de 1949, que ampliou as hipóteses de reconhecimento de filhos “ilegítimos”, em qualquer caso de dissolução da sociedade conjugal; a Lei nº.5.890/73, que atribuiu redação ao inciso I do art.11 da Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, Lei nº.3.807, de 26/08/1.960, incluiu a companheira mantida há mais de cinco anos como dependente dos segurados da previdência social urbana; a Lei n. 6.515/77, cujo art. 51. atribuiu nova redação ao art.1º da Lei nº.883, possibilitou o reconhecimento de filho havido fora do casamento durante a vigência da sociedade conjugal, desde que se fizesse por intermédio de testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho e, nessa parte, irrevogável; a Lei nº. 6.015/73 (art.57 e parágrafos), com redação da Lei 6.216/75, atribuiu direito a concubina de adotar o nome do companheiro com vida em comum por, no mínimo, cinco anos, ou se houver filhos em comum, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas; Lei nº. 4.069/62, cujo artigo 5º, §§ 3º e 4º previu que a concubina seria a beneficiária da pensão deixada por servidor civil, militar ou autárquico, solteiro, desquitado ou viúvo, que não tenha filhos capazes de receber o benefício e desde que haja subsistido impedimento legal para o casamento; Lei nº. 4.284/63, onde a concubina seria beneficiária de congressista falecido no exercício do mandato, cargo ou função; Lei nº. 4.103-A/62, que a concubina fosse beneficiária de advogado; a Lei nº. 7.087/82 que regulamentava ser a companheira dependente do segurado perante o Instituto de Previdência dos Congressistas - IPC; o Decreto nº. 73.617/74, que estabeleceu ser a companheira dependente do trabalhador rural; e a Lei nº. 7.210/84, que instituiu a Lei de Execução Penal, permitiu o direito de visita pela companheira ao preso e autoriza este a sair do estabelecimento em caso de falecimento dela.

Finalmente, após o advento da Carta Política Pátria, que reconheceu a união extra matrimônio como entidade familiar, batizando-a de União Estável e elevando-a ao patamar de entidade familiar e após, a edição da Lei n. 8.971/94, que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, cujo art. 1º concedeu à companheira ou ao companheiro, na união estável (concubinato puro), após a convivência de cinco anos ou a existência de prole, o direito a alimentos, nos moldes da Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade, iniciando, assim, os efeitos patrimoniais da união estável.

No campo doutrinário, Maria Helena Diniz (2003: p.109-116), ao tecer comentários acerca do §3º do art.226 da CF/88, afirma que a citada norma constitucional não teria eficácia imediata, portanto, é norma com eficácia relativa complementável de princípio institutivo, sendo que esse princípio seria o de que a união estável é entidade familiar. Logo, não é auto - aplicável. É norma cuja aplicação depende de outra posterior, que dê corpo à instituição a que aquela se refere. Para a renomada autora, enquanto a norma posterior não for editada, a norma constitucional não produz efeitos positivos, mas apenas paralisa os efeitos de normas contrárias a ela.

E regulamentando o §3º do art.226 da Lei Máxima Pátria, foi editada a Lei n. 9.278/96 que passou a estabelecer um regime de bens básico para as uniões estáveis, adotando o regime semelhante ao da comunhão parcial, em que os companheiros amealhavam um patrimônio comum, sendo presumida a colaboração mútua durante a união. O artigo 5º dessa lei estabelece que em não havendo estipulação em contrato escrito, os bens móveis e imóveis adquiridos, onerosamente, por um ou por ambos os concubinos durante a convivência, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, pertencendo a ambos, em condomínio e em partes iguais, mas para isso, a união tem que ser duradoura, notória, pública, contínua e tenha sido estabelecida com objetivo de constituição de família. O parágrafo único desse dispositivo concede ao companheiro sobrevivente o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, porém, passando a ser extinto referido direito quando o seu titular contrair nova união ou se casar.

Ainda essa última lei editada em 1.996 veio atribuir aos conviventes/companheiros idênticos direitos e deveres como no casamento formal, quais sejam respeito e consideração mútua, a assistência moral e material recíprocas, a guarda, o sustento e a educação dos filhos comuns, de forma partilhada.

Como a Lei nº.9.278/96 veio para regulamentar o §3º do art.226 da CF/88, o seu artigo 9º estabelece a competência para julgar as questões relativas ao concubinato, como sendo das Varas de Família, admitindo que possa ser adotado o segredo de justiça, modificando o art.155, inciso II do Código de Processo Civil.

Essa Lei nº. 9.278/96 gerou controvérsia por haver redefinido a união estável sem ter atribuído lapso temporal ou exigir a existência de prole para o seu reconhecimento, diferentemente do que estabelecia a Lei nº. 8.971/94, no seu art. 1º. Como se percebe a modificação veio a revogar o art. 1º da Lei nº. 8.971/94 e, por conseguinte, resultou em que a caracterização da união estável dependa das circunstâncias do caso concreto.

Tem-se conhecimento de que, após a edição dessas leis, foi criado um Projeto de Lei, n. 2.686. de 1996, Estatuto da União Estável, de autoria do então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, objetivando sistematizar a União Estável, entanto foi vetado.

No art.1º do referido projeto, estava estabelecido que: “É reconhecida como união estável a convivência, por período superior a cinco anos, sob o mesmo teto, como se casados fossem, entre um homem e uma mulher, não impedidos de realizar matrimônio ou separados de direito ou de fato dos respectivos cônjuges.” Tal norma, sendo de caráter geral, deveria se sobrepor ao Código Civil Brasileiro.

Hoje, a mais recente norma legal que regula a União Estável é o Novo Código Civil com vigência a partir de 01/01/2003, que dedicou o Título III exclusivamente à União Estável dentro do Livro IV - Do Direito de Família, regulando-a na forma da Carta Política Pátria e da Lei nº. 9.278/96.

O art.1.723 do Código Civil reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir uma família, não se configurando, no entanto, se presentes os impedimentos legais do casamento, aqueles previstos no art.1.521 da Lei Civil, excetuando-se o caso em que a pessoa casada se ache separada de fato ou judicialmente.

Como na Lei nº.9.278, o art. 1.724. do Código Civil enumera os deveres recíprocos aos companheiros, que são os deveres de respeito e assistência, e o de guarda, sustento e educação dos filhos, inovando com o dever de lealdade, que nada mais é que a fidelidade estabelecida no inciso I do art.1.566 do Código Civil como um dever do casamento.

Em relação aos efeitos patrimoniais decorrentes da União Estável, o art.1.725 do CC estabelece o regime de comunhão parcial de bens, onde serão partilhados entre eles os bens adquiridos durante a constância, ressalvando o caso em que haja contrato escrito pelos companheiros.

Seguindo as prescrições constitucionais do §3º do art.226 da Constituição Federal/88, o art. 1.726. do CC dita que a união estável possa ser convertida em casamento por meio de pedido formulado pelos companheiros ao juiz, como o respectivo assento no Registro Civil.

Por fim, encerrando os regramentos acerca da União Estável, o art. 1.727. do Novo Código Civil diferencia a união estável do concubinato, que era denominado pela doutrina de “concubinato impuro”, estabelecendo que as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato, portanto, não constituem união estável.

De todo o exposto, conclui-se que para a União Estável se configurar é mister que estejam presentes requisitos como a união entre homem e mulher, que ambos convivam, portanto, o dever de coabitação, que também existe no casamento, embora a doutrina e a jurisprudência admitam domicílios separados, a teor do disposto na Súmula nº382 do STF, ao estabelecer que a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é elemento essencial à caracterização do concubinato, e que essa convivência seja pública, contínua e duradoura.

Ressalte-se que a doutrina majoritária admite que a coabitação é elemento essencial para a configuração da união estável, uma vez que esta deve ter aparência de casamento, embora não negue eficácia à citada Súmula 382, refletindo uma situação de exceção.

Encerrando o tema, o que se percebe é que a corrente mais literal de interpretação da união estável exige três condições básicas para a sua configuração: a notoriedade, a fidelidade e a continuidade da relação.


3. ESTUDO DAS AÇÕES

3.1. Conceito e Classificação

O conceito de ação se faz pela própria definição de sua natureza jurídica, ou seja, é um direito inerente a toda pessoa, física ou jurídica, de buscar a prestação jurisdicional do Estado para a satisfação de uma necessidade de solução de um conflito ou uma controvérsia existente.

Ou, para Cintra, Grinover e Dinamarco (1991: p.221), ação vem a ser o direito ao exercício da atividade jurisdicional.

No definir de Maria Stella Rodrigues (1.989: p.51), ação é um “... direito público subjetivo, que qualquer pessoa tem, de pedir ao Estado que preste a atividade jurisdicional diante de um caso concreto (conflito)...”.

Ao explicar o conceito que a doutrina atribui à ação, afirma a célebre jurista Maria Stella (1.989: p.51-52), que a natureza da ação é autônoma, uma vez que prescinde da existência de um direito material a defender e é abstrata por ser desnecessária a existência de um direito material a defender em Juízo, para que possa exercer o direito de agir, ou seja, bastando a existência de um interesse abstrato protegido pelo ordenamento jurídico, podendo a solução ser ou não favorável ao autor, mas tão somente, a “solução do litígio”.

Regra geral, a doutrina classifica as ações de acordo com as sentenças nelas proferidas. Sendo assim, têm-se: ações meramente declaratórias, ações constitutivas e ações condenatórias.

A classificação atribuída às ações por Maria Stella (1989: p.55-57), se dá pela natureza da ação, pela natureza do objeto, da extensão do objeto, ao fim e à transmissibilidade, em razão do direito buscado. Também as classifica em razão das sentenças nelas proferidas.

Sendo assim, quanto à natureza as ações são patrimoniais ou não patrimoniais. Aquelas defendem um direito real ou obrigacional, portanto, visam um patrimônio. Subdividem-se em ações reais e pessoais ou obrigacionais, sendo reais as que visam um direito real e as pessoais, objetivam garantir o cumprimento de uma obrigação. Como exemplo das reais, são as ações possessórias e pessoais ou obrigacionais, as ações de alimentos.

As ações não patrimoniais se propõem a defender direitos relacionados ao estado da pessoa, ao estado de família, a exemplo, a investigação de paternidade.

Quanto à natureza das sentenças proferidas nas ações, estas se classificam em ações declaratórias, condenatórias e constitutivas, seguindo essa a regra geral de classificação das ações pela doutrina brasileira.

Na classificação de Cintra, Grinover e Dinamarco (1.991: p.235), de acordo com o pedido a ação se classifica em ação de conhecimento e ação executória. A primeira tem por meta o julgamento do mérito da causa e a executiva, a satisfação do pedido.

Para esses doutrinadores as ações de conhecimento se subdividem em meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias.

Dentro dessa classificação, apenas as ações cuja sentença de mérito seja condenatória tem força executiva.

Na ação condenatória, a pretensão do autor é criar uma obrigação para o réu (parte passiva).

Nas ações constitutivas, a sentença nelas proferidas é a que constitui, modifica ou extingue uma relação ou situação jurídica.

Ainda sobre a sentença constitutiva, ela se limita a declarar “... o direito preexistente, do qual derivam efeitos constitutivos, previstos no ordenamento jurídico...”, sob a ótica de Cintra, Grinover e Dinamarco (1.991: p.272).

Já as ações declaratórias são aquelas cuja sentença declara a existência ou não de relação jurídica ou a “... mera declaração de um fato (falsidade documental)”, no afirmar de Cintra, Grinover e Dinamarco (1991: p.270).

Apenas a título ilustrativo, resta o acréscimo das ações mandamentais e as ações executivas lato sensu, segundo a classificação de Pontes de Miranda, citado por Vicente Greco Filho (1981: p.229).

Na ação mandamental, o autor busca uma ordem judicial para que a parte demandada (pessoa física ou um órgão) faça ou deixe de fazer alguma coisa. É essa a pretensão deduzida em juízo nessa ação.

Já na ação executiva lato sensu, o autor adota novas medidas para que faça valer o seu direito.

Segundo Barbosa Moreira (2.000: p.3), o processo de execução é o exercício da função jurisdicional que visa “... à atuação prática da norma jurídica concreta que deve disciplinar determinada situação...”, afirmando o renomado jurista, que a sentença de mérito é a expressão da norma jurídica que disciplinará a pretensão dedutível em juízo.

No presente trabalho interessa a ação declaratória prevista no art.4º do Código de Processo Civil Brasileiro, na qual o interesse do autor está limitado em declarar a existência de uma relação jurídica, qual seja, a união estável.

Essa relação jurídica é a situação de convivência pública, que tenha continuidade e que seja duradoura entre um homem e uma mulher, intencionados em constituir uma família, família essa já existente de fato e a qual é reconhecida como entidade familiar pelo Estado Brasileiro Democrático de Direito, na forma do art.226, §3º da Carta Magna.

A ação declaratória pode ser definida como sendo o direito que tem o autor de buscar a prestação jurisdicional do Estado para o fim único de ter declarada a existência ou não de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento, de seu interesse. (Art.4º, incisos I e II do Código de Ritos Brasileiro).

Na ação declaratória da existência ou não de uma relação jurídica, que faz parte do objeto do presente estudo, parte-se da existência de uma relação de fato para que torne certa a sua existência como uma relação jurídica e, por conseguinte, capaz de gerar direitos e obrigações, sendo o objeto da ação a simples declaração de uma situação jurídica preexistente.

A respeito do tema, ao discorrer sobre a ação declaratória no tópico pertinente à classificação das ações, a doutrina de Maria Stella Villela (1.989: p.58), revela que “...Esse tipo merece, dos estudiosos, sérias críticas, no sentido de sustentar-se que o objeto da ação não é fazer simples declarações, mas dirimir conflitos reais...”, no que se concorda, uma vez que a necessidade – interesse do autor na busca de declarar a existência ou não da relação jurídica preexistente, ou de declarar que determinado documento é ou não verdadeiro, pressupõe a existência de um conflito.

Ressalte-se que na ação declaratória estabelece-se o contraditório havendo necessidade de citação das partes legítimo-interessadas, de produção de provas como a oitiva de testemunhas, juntada de documentos, etc.

Há que se destacar ainda o fato de que as provas devem ser idôneas e no processo se destinam a oferecer ao juiz os meios de conhecer a verdade dos fatos, de sorte a nele – pessoa do juiz, produzir a convicção acerca do fato que se quer provar.


4. A POSIÇÃO DOS COMPANHEIROS NO CRITÉRIO DE PREFERÊNCIA ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Os companheiros estão inseridos na primeira classe de dependentes do segurado, considerada como classe preferencial, portanto, tendo preferência às demais classes na obtenção do benefício previdenciário, concorrendo em igualdade de condições a todos os dependentes inscritos na classe primeira, na forma do art.16, inciso I da Lei nº.8.213/91 e do Regulamento da Previdência Social.

Para a Previdência Social, companheira ou companheiro é a pessoa que mantém união estável com o segurado ou com a segurada, nos termos do §3º do art.226 da Constituição da República Federativa do Brasil, conforme previsto no art.16, §3º da Lei de Benefícios e art.16, §5º do seu Regulamento.

Em sede administrativa, na existência do casamento válido, ou seja, já havendo benefício de pensão por morte deferida à esposa, a Previdência Social tende a indeferir o pedido de pensão formulado pela companheira, não reconhecendo a união paralela.

No entanto, a jurisprudência pátria é inovadora quanto à situação de fato apresentada, reconhecendo união estável paralelamente ao casamento, portanto, mesmo não havendo a separação de fato.

É o caso da Apelação Cível nº0024936122 da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul3, dentre outras.

Lembre-se que a união estável é equiparada ao casamento.

Logo, é a proteção da família que prevalece na intenção do legislador e do Judiciário, como visto.

Reforçando essa idéia, basta citar o art.1.727 do Código Civil Brasileiro cujo regramento é o de que as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

Torna-se evidente que no caso do segurado que tem uma relação configurada concubinato, em que a concubina tinha pleno conhecimento de seu casamento, a lei não protegerá o direito da concubina não podendo esta auferir qualquer benefício.

Continuando as situações práticas vivenciadas em sede administrativa pelo Órgão Previdenciário, tem-se a do segurado casado, porém separado de fato, que mantém união estável com outrem, havendo hoje a possibilidade de deferimento do benefício de pensão por morte para a companheira.

Essa situação está prevista no §6º do art.16 do Decreto nº.3.048/99, com a redação atribuída pelo Decreto nº.6.384/2008.

Seguindo a orientação do Regulamento, a Instrução Normativa Nº20/INSS/PRES admite a possibilidade de concessão de pensão por morte nessas condições, porém, desde que comprovada a união estável na forma estabelecida no Regulamento da Previdência Social, Decreto nº.3.048/99, como prevê o §4º do art.269 da citada norma interna.

Registre-se que somente perderá a qualidade de dependente o cônjuge ou companheiro que cessar a união estável com o segurado sem ter garantida a percepção de alimentos, conforme disposto no art. 17, II, do Decreto nº.3.048/99.


5. A PROVA DA UNIÃO ESTÁVEL PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL

Impende de início verificar a definição de união estável pela legislação previdenciária.

E assim, o §6º do Decreto nº.3.048/99 define união estável como sendo aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar, quando forem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, enquanto não se separarem.

Como já observado, a prova da união estável aceita perante a Previdência Social para fins de benefício previdenciário, na via administrativa, depende daqueles três elementos que servem para comprovar ao mesmo tempo o vínculo com o segurado e a dependência econômica em relação a ele, que são aqueles documentos elencados no art.22 do Regulamento da Previdência Social.

No entanto, o mesmo Decreto Regulamentar estabelece no inciso XVII do art.22 que quaisquer outros documentos que possam convencer acerca da existência do fato que se quer provar, também valem como prova.

E é aí que se pode inserir a sentença declaratória de união estável transitada em julgado como prova plena da condição de dependente perante a Previdência Social.

Ainda assim, o Órgão Previdenciário tem apresentado resistência quanto à aceitação da sentença declaratória de união estável transitada em julgado, como prova plena da condição dos companheiros de dependentes dos (as) segurados (as) para fins dos benefícios previstos na lei.

Tal posicionamento tem gerado uma série de demandas, tanto em sede administrativa, no contencioso administrativo, com o enorme volume de recursos interpostos perante as Juntas e o Conselho de Recursos da Previdência Social, quanto em sede de judiciário, cujo provimento tem sido favorável.

O que há necessidade de se distinguir, e ainda não se fez em sede administrativa, é a prova da dependência econômica da prova da vida em comum.

A esposa tem que comprovar que à época do óbito do segurado o seu casamento com ele era válido, tendo em vista o que estabelece o art.76, §1º da Lei nº.8.213/91.

De igual modo, a companheira tem que provar a vida em comum, ou seja, a existência de união estável havida até a data do óbito do segurado. Isso basta.

Interessante frisar que dentro do próprio órgão de assessoramento jurídico do INSS existe a controvérsia, a exemplo as Notas Técnicas nº28/2007 e 49/2008, ambas emitidas pela Procuradoria Federal Especializada do INSS.

A Nota Técnica nº.28/20074, datada de 23/03/2007, emitida pela Coordenação–Geral de Matéria de Benefícios da Procuradoria Federal Especializada do INSS, através de sua Divisão de Consultoria de Benefícios, adotou o entendimento de que a apresentação de três dos documentos elencados no §3º do art.22 do Decreto nº.3.048/99, se faz necessário apenas quando “...não foi proposta ação declaratória de união estável ou nos casos em que ainda não houve o trânsito em julgado...”, concluindo, ao final, que o reconhecimento da união estável até a data do óbito mediante sentença transitada em julgado proferida pela Justiça Estadual, é prova da qualidade de dependente para os fins da Lei nº.8.213/91 e o seu Regulamento.

Em contrapartida, a Nota Técnica nº.49/20085, datada de 28/05/2008, também emitida pela Coordenação – Geral de Matéria de Benefícios da Procuradoria Federal Especializada do INSS, através de sua Divisão de Consultoria de Benefícios, adotou o entendimento de que a união estável declarada pela Justiça Estadual, em processo judicial do qual o INSS não participou, não pode ser reconhecida como prova absoluta para fins de concessão de benefício previdenciário, afirmando que “...referida decisão ostenta um caráter de presunção relativa da relação jurídica nela declarada...” e desde que fique demonstrado que a sentença “seria equivocada ou viciada...”, cabe a análise das provas em sede administrativa com base na legislação previdenciária e o indeferimento do pedido de pensão fundado na sentença.

Nessa mesma esteira, a Nota emitida pela Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social nº186/20086, em 29/05/2008, cuja ementa segue:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO – QUALIDADE DE DEPENDENTE. COMPANHEIRA. ENQUADRAMENTO. BALIZAS. União estável. Constituição, art.226. Lei nº 8.213/91, art.16, §3º. Integração jurídica – Código Civil/2002, art.1723 e seguintes. Regulamento/RPS: art.22, §3º. Sentença judicial em ação declaratória de união estável. Limites subjetivos da coisa julgada. Valor probatório perante a Previdência Social. Relativização. Necessidade de avaliação e ponderação, no contexto probatório.

Em síntese, o entendimento adotado pela Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social na referida Nota e que vincula o órgão previdenciário INSS, é o de que o entendimento defendido pela Nota Técnica nº.28 citada alhures, pelo fato de que a qualidade de dependente se prova perante a Previdência Social e não em sede de Vara de Família, “... a coisa julgada formada entre particulares (limites subjetivos), nesse panorama, não deve ser considerada cogente para o Estado...”, ao fim concluindo que a forma de se provar o vínculo de dependente para a Previdência Social encontra-se estabelecida na Lei nº.8.213/91, seu art.17 e no Decreto nº.3.048/99, art.22, §3º, afirmando que

Tal disposição regulamentar afigura-se-nos plenamente compatível com o critério da razoabilidade, uma vez que o vínculo de dependente não prescinde de comprovação, em qualquer hipótese.

Inclusive há uma cláusula de abertura na parte final do dispositivo (item XVII) que permite a integração do conjunto probatório do vínculo de união estável por quaisquer outros documentos que possam levar à convicção do fato a comprovar, logo, não há qualquer limitação além da legalidade, o que aproxima o mecanismo administrativo do meio judicial da liberdade das provas para convencimento do juiz.

De maneira que não vemos razão ou eficiência para prestigiar-se a ação declaratória de união estável como prova plena perante a Previdência Social, na medida em que esta se avizinha de uma mera justificação judicial no plano dos efeitos, não sendo razoável erigi-la à categoria de prova plena da relação de união estável, por mais respeitável que seja a intervenção judicial na colheita e avaliação das provas reunidas no processo.

Como se pode ver, o entendimento que prevalece no âmbito da Previdência Social é o de que a sentença declaratória de união estável não é prova plena da condição de dependente, na qualidade de companheira (o) para fins de benefício previdenciário.

Exigem-se os três elementos de prova na forma do §3º do art.22 do Decreto nº. 3.048/99 – Regulamento da Previdência Social.

A doutrina especializada quanto ao tema segue as prescrições do art.22 do RPS para a prova da união estável.

Para Ivan Kertzman (2005: p.269), a união estável pode ser comprovada para fins de benefícios previdenciários mediante apresentação de, no mínimo, três documentos do tipo, certidão de nascimento de filho havido em comum; certidão de casamento religioso etc., repetindo aqueles documentos elencados no §3º do art.22 do Regulamento da Previdência Social.

O mesmo entendimento segue Fábio Zambitte Ibrahim (2004: p.460), que afirma que tanto a dependência econômica como o vínculo se prova na forma do §3º do art.22 do Regulamento da Previdência Social.

Já Hermes Arrais Alencar (2007: p.179), apenas destaca que a documentação a ser apresentada pela (o) companheira (o) deve restringir-se a comprovar a união estável, não admitindo que o Órgão Previdenciário exija prova da dependência econômica.

No entanto esse autor não faz menção quanto a sentença declaratória de união estável como prova plena da união estável perante a Previdência Social, ficando a dúvida acerca do seu posicionamento em face da prova do vínculo na forma do Decreto nº.3.048/99, que é a mesma prevista para a comprovação da dependência econômica, conforme §3º do art.22 do Regulamento.


6. CONCLUSÃO

Nas experiências de trabalho na área da análise do direito, costumo equiparar a sentença declaratória de união estável transitada em julgado, a uma certidão de casamento. Ambos são documentos públicos, portanto, dotados de fé pública e possuem forma legal.

Via de regra, não se discute a validade das certidões emitidas pelos tabeliões de notas, posto que tais documentos são dotados de fé pública, podendo-se vindicar estado contrário se comprovado erro ou falsidade no documento.

De igual modo, a sentença, qualquer que seja ela, por ser documento público, sendo proferida pelo juízo competente, seguindo a forma legal, é dotada de fé pública, somente cabendo discussão nos casos previstos em lei, especificamente mediante os recursos aplicáveis e, escoados estes, através de ação rescisória ou ação anulatória, quando cabíveis.

A união estável é uma entidade familiar, digna da proteção do Estado, na forma estabelecida no art.226, §3º da Carta Política Brasileira.

Se a união estável é tida como entidade familiar, a criação ou a dissolução dessa união estável ente homem e mulher implica alteração do status familiar.

As questões de estado são as relacionadas à família e ao estado civil (nacionalidade, cidadania etc.).

As questões de estado família, são as que envolvem casamento, divórcio, filiação. Ora, se a união estável é equiparada a casamento, logo, toda questão que envolva a união estável deve ser tida como questão de estado.

Nas questões de estado há obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público, consoante prescreve o Código de Processo Civil Pátrio.

A competência para julgar as lides que envolvam as relações entre os conviventes é da Justiça Estadual e restrita às Varas de Família. É o que prescreve o art.9º da Lei nº.9.278/96.

Ora, se a Carta Política Pátria, Lei Máxima, atribuiu à união estável a condição de “entidade familiar”, as pessoas que estão nessa situação passam a ocupar posição especial no seio familiar.

Daí segue-se várias consequências jurídicas: direito de acréscimo do nome de família do companheiro, de ser chamada a concorrer na sua sucessão como herdeira, de receber alimentos etc.

Disso se dessume que a união estável é uma modalidade de estado da pessoa, logo, nos termos do art.472, segunda parte, do CPC, a sentença transitada em julgado, portanto, coisa julgada material, tem efeito contra terceiros na lide da qual resultou, se todos os interessados foram citados no processo. São os efeitos reflexos da sentença.

Interessados nas questões de estado são aqueles ligados pelos laços de parentesco.

Destarte, uma vez atendidos os pressupostos da legitimidade ad causam entre as partes na ação de estado, aquele que não foi parte na lide, o terceiro, não terá direito de discutir a matéria já decidida em outros processos, ainda que possa a vir sofrer prejuízo por força da decisão.

A eficácia erga omnes atribuída à coisa julgada nas ações de estado significa, em outras palavras, que ninguém pode ignorar o status definido pela sentença.

Ademais, na forma do art.334, inciso I do Código de Processo Civil, os fatos notórios independem de prova.

Sendo assim, pode-se afirmar que a sentença declaratória de união estável uma vez transitada em julgada, é prova plena da qualidade de dependente na condição de companheira (o) para fins de direito perante a Previdência Social.

Ora, se para a Previdência Social a relação de dependência econômica da (o) companheira (o) em face do (a) segurado (a) é presumida, consoante preceitua o art.16, inciso §4º c/c inciso I da Lei nº.8.213/91, basta apenas que ela (e) comprove a vida em comum.

Vida em comum corresponde a um fato.

A prova da vida em comum deve ser plenamente realizada através da correspondente ação declaratória, independentemente da existência até mesmo de prova material, ao considerar-se que a união estável é uma situação de fato, que tem como elementos a notoriedade e a convivência duradoura, como entidade familiar.

Fato se prova com testemunhas.

Demais disso, a Lei de Benefícios não exige a prova material como elemento de prova da vida em comum.

Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em acórdão proferido no Recurso Especial interposto pelo INSS, REsp 783697/GO / 2005/0158025-77, que teve como Relator o Ministro Nilson Naves, como segue:

No nosso sistema processual, coexistem e devem ser observados o princípio do livre convencimento motivado do juiz e o princípio da liberdade objetiva na demonstração dos fatos a serem comprovados (arts.131 e 332 do Cód. de Proc.Civil).

Se a lei não impõe a necessidade de prova material para a comprovação tanto da convivência em união estável como da dependência econômica para fins previdenciários, não há por que vedar à companheira a possibilidade de provar sua condição mediante testemunhas, exclusivamente. Ao magistrado não é dado fazer distinção nas situações em que a lei não faz.

Acerca de prova, o CPC estabelece que esta se faz por todos os meios admitidos no direito, sendo legais e moralmente legítimos, todos são hábeis para provar a verdade dos fatos, na forma do caput do art.332.

Portanto, já é hora de o Órgão Previdenciário admitir que a sentença declaratória de união estável por si só, uma vez transitada em julgado, é prova plena da qualidade de dependente na condição de companheira (o) do (a) segurado (a) da Previdência Social.

Ressalte-se que a união estável deve persistir até a data do óbito do (a) segurado (a), caso contrário, haverá necessidade de comprovação de dependência econômica, na forma exigida pelo §1º do art.76, da Lei nº. 8.213/91.

Resta ao Órgão Previdenciário procurar se adequar em face dessa realidade, visando cumprir efetivamente a sua missão que é a de garantir a proteção ao trabalhador brasileiro e aos seus familiares e não opor obstáculo ao caminho legal traçado pelos seus beneficiários.

Por fim, vale informar que atualmente existe um forte movimento dentro do Órgão de Assessoramento Jurídico do INSS – Procuradoria Federal Especializada do INSS com o fito de reduzir as demandas, que é o batizado “Programa de Redução de Demandas Judiciais do INSS” e, tem-se a sugerir que esse movimento deva iniciar com uma reforma na conduta adotada pelo Instituto no tocante à não aceitação das sentenças declaratórias de união estável como prova plena de condição de dependente perante a Previdência Social, o que só tem gerado novas demandas, portanto, indo de encontro à intenção em reduzir o número de ações propostas contra o Órgão Previdenciário.


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Notas

1 Justificação Administrativa é um recurso utilizado no âmbito administrativo do Órgão Previdenciário, para o fim de suprir a falta ou insuficiência de documento ou produzir prova do fato ou circunstância de interesse dos beneficiários, perante a Previdência Social.

2 Disponível no site www.stf.gov.br. Acesso em 23/06/2009.

3 Apelação cível nº70024936122. Disponível no site: www.tjrs.jus.br. Acesso em 28/06/2009.

4 Disponível em https://10.69.3.53/dirben/NotaTecnica/notatecnica028CGMBEN-2007.pdf Intraprev. Acesso em 26/06/2009.

5 Disponível em https://10.69.3.53/dirben/NotaTecnica/notatecnica049CGMBEN-2008.pdf Intraprev. Acesso em 28/06/2009.

6 Disponível em https://10.69.3.53/dirben/NotaTecnica/Nota_CONJUR_MPS_186_2008.pdf Intraprev. Acesso em 28/06/2009.

7 Disponível no site: www.stj.gov.br. Acesso em 30/06/2009


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Informações sobre o texto

Professor Orientador: Emanuel Cardoso Pereira

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ivete Sacramento de Almeida. A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23422. Acesso em: 19 abr. 2024.