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Da execução provisória do orçamento da União no exercício de 2013

Da execução provisória do orçamento da União no exercício de 2013

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É regular a execução provisória das despesas referentes aos aumentos concedidos aos servidores públicos federais no exercício de 2013, mesmo sem a entrada em vigor da lei orçamentária correspondente.

Resumo: A Lei n. 12.708, de 17 de agosto de 2012 – Lei de Diretrizes Orçamentárias 2013 autoriza, em seu art. 50, inciso I, a execução provisória das despesas de pessoal previstas no projeto de lei orçamentária anual. Em homenagem aos princípios do equilíbrio orçamentário e da universalidade que norteiam o direito financeiro, bem como à tradição constitucional e às regras afetas à atividade hermenêutica, incluem-se aí os aumentos concedidos aos servidores públicos federais previstos no Anexo V do PLOA 2013.


Introdução

A lei orçamentária anual, como trivialmente sabido, notabiliza-se por ser uma lei temporária, efêmera, passageira. A sua periodicidade, como se infere da própria denominação, é anual, nos termos do disposto no art. 165, III1 e § 5º2 da Constituição Federal. Nesse contexto, não se pode esquecer que o exercício financeiro coincide com o ano civil3.

Sucede, todavia, que o Congresso Nacional, nem sempre, devolve o projeto de lei orçamentária de modo a ser, tempestivamente, sancionado pelo Presidente da República. Nessa hipótese, inicia-se um novo exercício financeiro, sem a aprovação de lei orçamentária correspondente.

Em textos das Constituições pretéritas, como muito bem pontua José Maurício Conti4, a fim de resolver essa lacuna, havia a previsão de prorrogação do orçamento em vigor (Constituição de 19465) ou a aprovação da proposta encaminhada pelo Poder Executivo “por decurso de prazo”, caso o poder Legislativo não se manifestasse a tempo (Constituição de 19676).

Contudo, ao contrário das anteriores, a Constituição Federal de 1988 é omissa sobre a matéria, limitando-se apenas a assinalar no § 8º do art. 166. que:

“os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa”.

No plano infraconstitucional, a Lei Complementar n.º 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, em sua redação original, previa no art. 6º7 que se o orçamento não fosse sancionado até o final do exercício do seu encaminhamento ao Poder Legislativo, sua programação poderia ser executada, até o limite de dois doze avos do total de cada dotação. Esse dispositivo, entretanto, foi vetado pelo Presidente da República, por motivo de interesse público, nos seguintes termos:

"Parcela significativa da despesa orçamentária não tem sua execução sob a forma de duodécimos ao longo do exercício financeiro. Assim, a autorização para a execução, sem exceção, de apenas dois doze avos do total de cada dotação, constante do projeto de lei orçamentária, caso não seja ele sancionado até o final do exercício de seu encaminhamento ao Poder Legislativo, poderá trazer sérios transtornos à Administração Pública, principalmente no que tange ao pagamento de salários, aposentadorias, ao serviço da dívida e as transferências constitucionais a Estados e Municípios.

Por outro lado, tal comando tem sido regulamentado pela lei de diretrizes orçamentárias, que proporciona maior dinamismo e flexibilidade em suas disposições.

Na ausência de excepcionalidade, o dispositivo é contrário ao interesse público, razão pela qual sugere-se oposição de veto, no propósito de que o assunto possa ser tratado de forma adequada na lei de diretrizes orçamentárias." (Destacou-se)

Em virtude da omissão da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser disciplinada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, sendo, então, reproduzida nas edições que se sucedem. Depreende-se daí que o Congresso Nacional, como não poderia deixar de ser, ciente das dificuldades inerentes às discussões afetas à aprovação da lei orçamentária anual, já antevendo a possibilidade de atraso na sua devolução tempestiva, e, ao mesmo tempo, sem querer engessar a atuação da Administração, autoriza a execução provisória de determinadas despesas previstas no projeto de lei orçamentária.

Como se vê, a Constituição Federal de 1988, diferentemente das anteriores, foi silente sobre a matéria, que, por sua vez, passou a ser regulamentada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.


1. Da exegese do art. 50, I, da Lei n.º 12.708, de 17 de agosto de 2012 – LDO 2013

Antes de se adentrar no exame da aludida norma, cumpre assinalar que a exegese das leis, além da interpretação literal, é também orientada pelos processos lógico e sistemático. Ao comentar o processo lógico, o eminente jurista Carlos Maximiliano8 conclui:

O Processo Lógico tem mais valor do que o simplesmente verbal (1). Já se encontrava em textos positivos antigos e em livros de civilistas, brasileiros ou reinícolas, este conselho sábio:“deve-se evitar a supersticiosa observância da lei que. Só olhando a letra dea, destrói a sua intenção” (2).

Por outras palavras o Direito romano chegara a conclusão idêntica: declara – “age em fraude da lei aquele que, ressalvadas as palavras da mesma, desatende ao seu espírito” – Contra Legem facit, quid id facit quod lex prohibet: in fraudem vero, qui, salvis verbis legis, sententiam ejus circumvenit (3). O apóstolo São Paulo lançara na segunda Epístola aos Coríntios a frase que se tornou clássica entre os jurisconsultos: “a letra mata; o espírito vivifica” – Littera occidit; spiritus vivificat.

A segurança jurídica, objetivo superior da legislação, depende mais dos princípios cristalizados em normas escritas do que da roupagem mais ou menos apropriada em que os apresentam (4). Deve, portanto, o pensamento prevalecer sobre a letra, a idéia valer mais do que seu invólucro verbal (5): - Prior atque potentior est, quam vox, mens dicentis – “mais importante e de mais força que a palavra é a intenção de quem afirma” (6). “Acima da palavra e mais poderosa que ela está a intenção de quem afirma, ordena, estabelece.”

Assim, afigura-se imprescindível examinar o referido dispositivo à luz das normas correlatas. Nessa linha, sobreleva anotar que, nos termos do disposto no art. 4º da Lei n.º 4.320/64, a lei do orçamento compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da Administração centralizada, ou que por intermédio deles se devam realizar9. Trata-se de uma das vertentes do princípio da universalidade10.

Paralelamente a isso, não se pode esquecer que o direito financeiro também é orientado pelo princípio do equilíbrio orçamentário, segundo o qual o orçamento deve ser aprovado com igualdade entre receitas e despesas, conforme previsto no art. 4, I, da Lei Complementar n.º 101/200011.

Feitos esses esclarecimentos, cumpre agora examinar o art. 50, I, da Lei n.º 12.708, de 17 de agosto de 2012 – LDO 2013. Observa-se, de início, que o referido dispositivo está inserido na Seção IX do Capítulo III da Lei de Diretrizes Orçamentárias 2013, denominada de “Execução Provisória do Projeto de Lei Orçamentária”, com o seguinte teor:

Art. 50. Se o projeto de Lei orçamentária de 2013 não for sancionado pelo Presidente da República até 31 de dezembro de 2012, a programação dele constante poderá ser executada para o atendimento de:

I – despesas com obrigações legais e constitucionais da União relacionadas no Anexo V;

O Anexo V mencionado pela norma é o da própria Lei de Diretrizes Orçamentárias que, por sua vez, contempla no seu item 27, as despesas referentes à Pessoal e Encargos Sociais12.

Perceba-se que o art. 50, I, ao permitir a execução provisória das despesas de pessoal, em nenhum momento, faz restrições sobre o Anexo V do projeto de lei orçamentária anual. Ora, na atividade hermenêutica, prevalece a máxima ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, vale dizer, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo. Outro não é o pensamento do festejado autor Carlos Maximiliano13 que, ao examinar a matéria, assevera:

“Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras, cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas.”

O Superior Tribunal de Justiça, ao aplicar as regras afetas à atividade hermenêutica, não tem hesitado em respeitar a aplicação do referido brocardo, consoante se pode verificar da leitura da seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO. EX-COMBATENTE. DEFINIÇÃO.

1. O integrante da Marinha Mercante faz jus à pensão especial estabelecida pelo art. 53, II, do ADCT desde que tenha participado de, no mínimo, duas viagens em zonas de ataques submarinos.

2. A legislação de regência não faz distinção quanto ao porte da embarcação utilizada pelo ex-combatente para fins de concessão da pensão especial em evidência; desse modo, não cabe ao intérprete fazê-lo, aplicando-se o brocardo ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus.

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 768419 /SC, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, DJ 06/03/2000) (Destacou-se)

Assim sendo, como não há no texto legal qualquer restrição às despesas de pessoal previstas no Anexo V do projeto de lei orçamentária anual, não está o exegeta autorizado a excluí-las da autorização da execução provisória do orçamento.

Verifica-se, a propósito, que, quando o legislador quis excepcionalizar determinadas despesas da execução provisória, ele o fez expressamente, como é o caso dos projetos de leis ou medidas provisórias que criam cargos, empregos ou funções, oportunidade em que se exigiu a necessidade da publicação da lei orçamentária, consoante se depreende da leitura do disposto no art. 76, § 7º da Lei n.º 12.708, de 17 de agosto de 2012 – LDO 2013:

§ 7º Os projetos de lei e as medidas provisórias que criarem cargos, empregos ou funções a serem providos após o exercício em que forem editados deverão conter cláusula suspensiva de sua eficácia até constar a autorização e dotação em anexo da lei orçamentária correspondente ao exercício em que forem providos, não sendo considerados autorizados enquanto não publicada a respectiva lei orçamentária. (Destacou-se)

Ora, se todas as autorizações presentes no Anexo V da PLOA estivessem excluídas da autorização da sua execução provisória, não haveria necessidade dessa previsão, porquanto essa prática não se coaduna com uma das regras de hermenêutica, segundo a qual a lei não contém palavras inúteis. Vale dizer, nenhum conteúdo da norma pode ser esquecido, ignorado, ou tido como sem efeito, sem importância ou supérfluo. Em outras palavras, só é adequada a interpretação que encontrar um significado útil e efetivo para cada expressão contida na norma. Sobre a matéria, fecundo, novamente, os ensinamentos de Carlos Maximiliano14:

“Devem-se compreender as palavras (da Lei) como tendo alguma eficácia.”

O Superior Tribunal de Justiça, ao examinar questões análogas, é uníssono em reconhecer a aplicação da referida máxima. A propósito, convém transcrever passagens da seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE REGRA PREVISTA NO EDITAL LICITATÓRIO. ART. 41, CAPUT, DA LEI Nº 8.666/93. VIOLAÇÃO.DEVER DE OBSERVÂNCIA DO EDITAL.

I - Cuida-se, originariamente, de Mandado de Segurança impetrado por SOL COMUNICAÇÃO E MARKETING LTDA, contra ato do Senhor Presidente da Comissão Especial de Licitação da Secretaria de Serviços de Radiodifusão do Ministério das Comunicações, que a excluiu da fase de habilitação por ter entregue a documentação exigida para essa finalidade com 10 (dez) minutos de atraso.

II - O art. 41. da Lei nº 8.666/93 determina que: "Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada."

III - Supondo que na Lei não existam palavras inúteis, ou destituídas de significação deontológica, verifica-se que o legislador impôs, com apoio no Princípio da Legalidade, a interpretação restritiva do preceito, de modo a resguardar a atuação do Administrador Público, posto que este atua como gestor da res publica. Outra não seria a necessidade do vocábulo "estritamente" no aludido preceito infraconstitucional.

IV - "Ao submeter a Administração ao princípio da vinculação ao ato convocatório, a Lei nº 8.666 impõe o dever de exaustão da discricionariedade por ocasião de sua elaboração. Não teria cabimento determinar a estrita vinculação ao edital e, simultaneamente, autorizar a atribuição de competência discricionária para a Comissão indicar, por ocasião do julgamento de alguma das fases, os critérios de julgamento. Todos os critérios e todas as exigências deverão constar, de modo expresso e exaustivo, no corpo do edital."(in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Dialética, 9ª Edição, pág. 385)

V - Em resumo: o Poder Discricionário da Administração esgota-se com a elaboração do Edital de Licitação. A partir daí, nos termos do vocábulo constante da própria Lei, a Administração Pública vincula-se "estritamente" a ele.

VI - Recurso Especial provido.

(REsp 421946, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 06.03.2006) (Destacou-se)

Frise-se, mais uma vez, que todas as despesas de pessoal previstas no Anexo V do PLOA15, em homenagem ao princípio da universalidade e do equilíbrio orçamentário, já foram incluídas no cômputo das despesas de pessoal, não trazendo, pois, qualquer acréscimo de despesa para o orçamento de 2013.

Como se pode observar, os princípios da universalidade e do equilíbrio orçamentário, bem como as regras que norteiam a atividade hermenêutica impõem a conclusão de que o art. 50, I, da Lei n.º 12.708, de 17 de agosto de 2012 – LDO 2013, autoriza o pagamento dos aumentos de remuneração previstos no Anexo V do PLOA 2013.


2. Do cumprimento das exigências previstas no art. 169, § 1º, I e II da Constituição Federal

Todo projeto de lei que implique em aumento de remuneração ou concessão de qualquer vantagem deve atender, necessariamente, a duas exigências constitucionais previstas nos incisos I e II do § 1º do art. 169. da Constituição Federal, a saber: a) a existência de prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesas de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes e b) se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias.

Inicialmente, examinaremos a segunda condição, e, depois, a primeira. Nessa linha, a Lei n.º 12.708, de 17 de agosto de 2012 – LDO 2013, ao regulamentar a questão em seu art. 76, reporta a autorização específica exigida pelo texto constitucional ao Anexo V da lei orçamentária anual, nos seguintes termos:

Art. 76. Para fins de atendimento ao disposto no inciso II do § 1o do art. 169. da Constituição, observado o inciso I do mesmo parágrafo, ficam autorizadas as despesas com pessoal relativas à concessão de quaisquer vantagens, aumentos de remuneração, criação de cargos, empregos e funções, alterações de estrutura de carreiras, bem como admissões ou contratações a qualquer título, de civis ou militares, até o montante das quantidades e dos limites orçamentários constantes de anexo discriminativo específico da Lei Orçamentária de 2013, cujos valores deverão constar da programação orçamentária e ser compatíveis com os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.

§ 1º O anexo a que se refere o caput conterá autorização somente quando amparada por proposição, cuja tramitação seja iniciada no Congresso Nacional até 31 de agosto de 2012, e terá os limites orçamentários correspondentes discriminados, por Poder e Ministério Público da União e, quando for o caso, por órgão referido no art. 20. da Lei de Responsabilidade Fiscal, com as respectivas:

I - quantificações para a criação de cargos, funções e empregos, identificando especificamente o projeto de lei, a medida provisória ou a lei correspondente;

II - quantificações para o provimento de cargos, funções e empregos; e

III - especificações relativas a vantagens, aumentos de remuneração e alterações de estruturas de carreira, identificando o projeto de lei, a medida provisória ou a lei correspondente.

§ 2º O anexo de que trata o § 1o considerará, de forma segregada, provimento e criação de cargos, funções e empregos, indicará expressamente o crédito orçamentário que contenha a dotação dos valores autorizados em 2013 e será acompanhado dos valores relativos à despesa anualizada, facultada sua atualização, durante a apreciação do projeto, pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no prazo fixado pelo § 5º do art. 166. da Constituição. (Destacou-se)

(Omissis)

Da leitura da norma acima transcrita, notadamente do disposto nos parágrafos primeiro e segundo, infere-se, sem maiores dificuldades, que as autorizações presentes no Anexo V da Lei Orçamentária deverão ser acompanhadas da programação orçamentária correspondente e ser compatíveis com os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ora, todas as autorizações presentes no Anexo V do PLOA 2013 seguiram rigorosamente as exigências do referido art. 76. Por conseguinte, os aumentos de remuneração ali previstos estão acompanhados da programação orçamentária correspondente, assim como atendem aos limites da Lei Complementar n.º 101/2000.

Se a programação orçamentária foi incluída, o outro requisito constitucional previsto no inciso I, do § 1º do art. 169. da Constituição Federal, será, igualmente, atendido, em razão da aplicação do art. 50, I, da Lei n.º 12.708, de 17 de agosto de 2012 - LDO 2013, que, como visto, permite a execução provisória do projeto de lei orçamentária. Não é por outra razão que o § 2 do art. 50. da referida Lei estabelece que a utilização dos recursos ali autorizados serão considerados antecipação de crédito à conta do projeto da Lei Orçamentária de 2013.

Aqui, não merece prosperar o argumento segundo o qual a observância da referida norma estaria condicionada à efetiva aprovação do orçamento. Isso porque os riscos da eventual não aprovação do Anexo V do projeto de lei orçamentária anual são os mesmos da não aprovação de todo o projeto, e a própria Constituição Federal, como já assinalado, no art. 166, § 8º16, já disciplina essa situação.

Por outro lado, admitir essa tese seria negar vigência ao disposto no art. 50, I, da Lei n.º Lei n.º 12.708, de 17 de agosto de 2012, que, consoante já exaustivamente demonstrado no tópico anterior, não traz qualquer restrição sobre a questão. Nesse contexto, não se pode olvidar que os atos normativos gozam da presunção de constitucionalidade. Pelo princípio da constitucionalidade das leis e atos do Poder Público, todo ato normativo – decorrente, em geral, do Poder Legislativo – presume-se constitucional até prova em contrário. Uma vez promulgada e sancionada uma lei passa ela a desfrutar da presunção relativa de constitucionalidade. Sobre a matéria, convém reproduzir as lições do constitucionalista Luís Roberto Barroso17:

“a presunção de constitucionalidade das leis encerra, naturalmente, uma presunção iuris tantum, que pode ser infirmada pela declaração em sentido contrário do órgão jurisdicional competente (...) Em sua dimensão prática, o princípio se traduz em duas regras de observância necessária pelo intérprete e aplicador do direito: a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que acarretem para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor.”


3. Da não aplicação do precedente julgado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3599.

Resta, ainda, assinalar que não se aplica à tese até aqui desenvolvida, o precedente julgado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3599, cuja transcrição de parte do seu teor se faz necessária, para melhor compreensão da matéria:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Leis federais 11.169/2005 e 11.170/2005, que alteram a remuneração dos servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Alegações de vício de iniciativa legislativa (arts. 2º, 37, X, e 61, § 1º, II, a, da CF); desrespeito ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Carta Magna); e inobservância da exigência de prévia dotação orçamentária (art. 169, § 1º, da CF). (...) A ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão somente a sua aplicação naquele exercício financeiro. Ação direta não conhecida pelo argumento da violação do art. 169, § 1º, da Carta Magna. Precedentes : ADI 1.585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ de 3-4-1998; ADI 2.339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ de 1-6-2001; ADI 2.343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ de 13-6-2003. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada improcedente."

(ADI 3.599, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 21-5-2007, Plenário, DJ de 14-9-2007.)

Na ocasião, as Leis Federais nº 11.169/2005 e 11.170/2005, que alteraram a remuneração dos servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, não foram previstas no orçamento vigente. De acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal, essas leis são existentes, válidas, porém ineficazes. A eficácia, a seu turno, estaria condicionada à previsão das referidas despesas na lei orçamentária anual.

No caso em exame, os aumentos previstos nas leis que concederam os reajustes, diferentemente do referido julgado, foram incluídos no Anexo V do PLOA 2013, havendo, pois, orçamento para pagamento das suas despesas.

Por derradeiro, não se pode esquecer que o Congresso Nacional, ao mesmo tempo em que aprovou as leis dos reajustes aos servidores do Poder Executivo, com a previsão de que as novas tabelas nelas previstas vigorassem a partir de janeiro do corrente ano, sem a fixação de qualquer condicionante, concordou com a proposta do Poder Executivo materializada no art. 50, I, da LDO 2013, no sentido de autorizar a execução provisória da lei orçamentária, incluída aí, como visto, as autorizações dos reajustes previstos no Anexo V do PLOA 2013.

Analisando a questão sob o prisma do princípio nemo potest venire contra factum proprium18, ou seja, que veda a adoção de comportamentos contraditórios, corolário do princípio da boa-fé, da lealdade e da confiança legítima, não seria razoável admitir que o Congresso Nacional depois de aprovar as referidas leis, rejeitasse o aumento correspondente, quando do exame do projeto da lei orçamentária anual.

O Superior Tribunal de Justiça, por mais de uma vez, já reconheceu a aplicação do referido princípio perante as condutas estatais. Sobre a questão, vale por todos, transcrever trecho do voto proferido pelo Min. Relator Adhemar Maciel, no julgamento do REsp n. 47.015/SP19:

Ora, pelo que se apreende do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou – a meu ver, acertadamente – o princípio de que nemo potest venire contra factum proprium (ninguém pode se opor a fato a que ele próprio deu causa) (...) Realmente, não pode a Fazenda Pública, décadas após a venda do imóvel realizada por funcionário de alto escalão em nome da Administração, vir a juízo pleitear a nulidade dos títulos. Ora, se há mácula no título, essa foi causada pelo próprio poder público, o qual não pode invocar o suposto equívoco do seu secretário de Estado, para prejudicar aquele que legitimamente adquiriu a propriedade, pagando para tanto. Em suma, Senhor Presidente, se o suposto equívoco no título da propriedade foi causado pela própria Administração, não há que se alegar o vício com o escopo de prejudicar aquele que, de boa-fé, pagou o preço para fins de aquisição. (...)

Sem querer alongar muito sobre a matéria, é importante frisar que, hodiernamente, a doutrina não destoa desse entendimento, de modo a admitir a aplicação do referido princípio em relação às condutas estatais, em quaisquer de suas esferas: legislativa, administrativa e jurisdicional, conforme se pode verificar da leitura das lições da jurista Raquel de Mello Urbano21:

“Independentemente de se fazer inserir, ou não, no princípio da segurança jurídica a ideia de certeza, é sabido que todos reconhecem ao referido princípio o objetivo de subtrair a atividade pública das áleas do arbítrio, assegurando-se a estabilidade mínima possível em um dado sistema jurídico, embora impossível a estabilidade absoluta nas relações sociais. Se no mundo moderno não se pode esperar o imobilismo, igualmente rejeitada é a instabilidade desagregadora do sistema jurídico. Os interesses individuais e coletivos não podem ser expostos à imprevisibilidade acentuada, nem mesmo a mudanças bruscas e irrefletidas, sendo imperioso proteger a boa-fé dos integrantes da sociedade. Em outras palavras, embora seja inerente ao direito ser um sistema mutante, porquanto relativo a uma sociedade em permanente transformação, deve-se buscar um mínimo de equilíbrio e estabilidade necessários ao futuro das relações sociais.”

(...)

“Especificamente no Direito Administrativo, o exame eminentemente doutrinário e, no Brasil, ainda incipiente sobre o tema, invoca como justificativa à proteção da boa-fé na seara pública a impossibilidade de o Estado violar a confiança que a própria presunção de legitimidade dos atos administrativos traz, agindo contra factum proprium. Não há dúvida que a confiança que os cidadãos têm nas ações estatais, decorrentes do seu presumido acerto do ponto de vista fático e jurídico, justifica sejam os mesmos protegidos do automatismo na incidência do ordenamento jurídico. Não se pode admitir um comportamento público que crie expectativas e que, posteriormente, frustre, de modo desarrazoado, o estado de confiança decorrente até mesmo da presunção de legitimidade reconhecida ao Estado.”

No mesmo sentido, são os ensinamentos do professor baiano Paulo Modesto22:

A moralidade administrativa, porém, exige do administrador uma atuação ética tanto em suas relações externas com os administrados, tomados estes como particulares ou com uma coletividade total e inespecífica de homens, quanto nas relações internas relativas ao funcionamento e estruturação do aparato administrativo.

Nas relações com os administrados a boa fé assegura a proteção da confiança , valor fundamental no Estado de Direito, uma vez que oferece vedação a toda atuação contrária à conduta reta, normal e honesta que cabe desejar tráfego jurídico, assegurando também os efeitos jurídicos esperados justificadamente pelo sujeito que atuou de boa fé.

Dessa forma, resta muito claro que as leis que concederam os reajustes, em atenção ao princípio da universalidade, do equilíbrio orçamentário, e ao disposto no art. do art. 50, I, § 2º e no art. 76. da LDO 2013, atendem às exigências do art. 169, §1º, I e II, da Constituição Federal.


Conclusão

Por todo o exposto, em homenagem à tradição constitucional, aos princípios da universalidade e do equilíbrio orçamentário, ao disposto no art. 50, I e § 2º da Lei n.º 12.708, de 17 de agosto de 2012 – LDO 2013, bem como às regras que norteiam a atividade hermenêutica, impõe-se concluir pela regularidade da execução provisória das despesas referentes aos aumentos concedidos aos servidores públicos federais no exercício de 2013, mesmo sem a entrada em vigor da lei orçamentária correspondente.


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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo. Malheiros Editores, 2009.

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MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.

MODESTO, Paulo. Controle jurídico do comportamento ético da Administração Pública no Brasil. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ, Centro de Atualização Jurídica, n. 13, abril-maio 2002.


Notas

1 Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

III - os orçamentos anuais.

2 § 5º - A lei orçamentária anual compreenderá: (Destacou-se)

3 Art. 34. da Lei n.º 4.320/64: “O exercício financeiro concidirá com o ano civil.”

4 Conti, José Mauricio. Orçamentos Públicos: A Lei 4.320/64 comentada. Coordenador José Maurício Conti. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 117.

5 Art. 74. da Constituição de 1946: “Se o orçamento não tiver sido enviado à sanção até 30 de novembro, prorrogar-se-á para o exercício seguinte o que estiver em vigor.”

6 Art. 68. da Constituição de 1967: “O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados até cinco meses antes do início do exercício financeiro seguinte; se, dentro do prazo de qutro meses, a contar do seu recebimento, o Poder legislativo não o devolver para sanção, será promulgado como lei.”. Na redação à referida Constituição que foi dada pela Emenda 1, de 1969, o tema passou a constar do art. 66, com a seguinte redação: “ O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional para votação conjunta das duas Casas, até quatro meses antes do início do exercício financeiro, o Poder legislativo não o devolver para sanção será promulgado como lei.”

7 "Art. 6º. Se o orçamento não for sancionado até o final do exercício de seu encaminhamento ao Poder Legislativo, sua programação poderá ser executada, até o limite de dois doze avos do total de cada dotação, observadas as condições constantes da lei de diretrizes orçamentárias."

8 Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. P. 101.

9 Art. 4º A Lei n.º 4.320/1964 : A Lei de Orçamento compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da Administração centralizada, o que , por intermédio deles se devam realizar, observado no art. 5º.”

10 Esse princípio tem assento no art. 165, § 5º, da Constituição Federal, bem como nos arts. 2º, 3º e 4º, todos da lei n.º 4.320.

11 Art. 4, I, a da Lei Complementar n.º 101/2000: Art. 4. A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2º do art. 165. da Constituição e:

I – disporá também sobre:

a) equilíbrio entre receitas e despesas.

12 Esclareça-se, desde logo, que essas despesas, diferentemente do que é defendido por alguns, não estão sujeitas ao que, tradicionalmente, se convencionou denominar de duodécimo. Isso porque a referida restrição incide apenas sobre as despesas previstas no inciso VI do art. 50. da LDO 2013. É o que dispõe o § 4º do art. 50. da LDO 2013, veja-se:

§ 4º As despesas descritas no inciso VII serão limitadas a um doze avos do valor previsto em cada ação no Projeto de Lei Orçamentária de 2013, multiplicado pelo número de meses decorridos até a sanção da respectiva Lei.

13 Hermenêutica e Aplicação do Direito. São Paulo: Editora Forense, 2001. 19ª Edição. P 203

14 Ob. Cit. P. 250.

15 A título elucidativo, permita-me transcrever a autorização presente no Anexo V, para as carreiras do Poder Executivo contempladas com o aumento. Trata-se da versão aprovada no Relatório da CMO de 17.12.2012. Perceba-se que são identificados os PL´s referentes à reestruturação de carreiras e aumento de remuneração. Registre-se que o item 5 identifica as programações orçamentárias, em nível de UO e funcional programática, correspondentes ao provimentos e aumentos de remuneração, todas elas pertencentes ao Grupo de Natureza de Despesa- GND 1 -. Veja-se:

16 § 8º Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante crédito especiais ou suplementares com prévia e específica autorização legislativa.

17 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição.São Paulo: Saraiva, 1998, p. 164-165.

18 A propósito, oportuna as lições de lições de Celso Antonio Bandera de Mello, que, ao examinar a matéria, defende a aplicação do aludido princípio à atuação da Administração, presentes na obra Grande Temas do Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 177.

21 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Editora JusPodium, 2009. p. 83/84 e 111/112.

22 MODESTO, Paulo. Controle jurídico do comportamento ético da Administração Pública no Brasil. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ, Centro de Atualização Jurídica, n. 13, abril-maio 2002.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES JUNIOR, Paulo Fernando Feijó. Da execução provisória do orçamento da União no exercício de 2013. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25921. Acesso em: 19 abr. 2024.