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A função do Tribunal de Contas do Estado do Paraná na apreciação dos atos de inativação: tribunal de contas ou de direitos?

A função do Tribunal de Contas do Estado do Paraná na apreciação dos atos de inativação: tribunal de contas ou de direitos?

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A Corte de Contas do Estado do Paraná no controle de legalidade dos atos de inativação, extrapola o limite de sua competência, invadindo a esfera do Judiciário, a quem cabe a defesa dos direitos individuais dos beneficiários.

Resumo: O Tribunal de Contas Estadual do Paraná no exercício do controle externo possui dentre suas atribuições a de apreciar a legalidade dos atos de inativação para fins de conceder-lhes registro.  Entretanto, em que pese a limitação constitucional deste atuar, pode-se afirmar que este Tribunal configura-se apenas um tribunal de “contas” ou ele atua também como um tribunal de “direitos”, de forma a extrapolar suas atribuições constitucionais? Partindo desta questão problema, o objetivo deste estudo é discutir os limites de atuação destes Tribunais. O método utilizado foi a pesquisa exploratória e explicativa através dos procedimentos técnicos de investigação bibliográfica, documental e da observação teórico-empírica. Como resultado foi possível constatar que há extrapolação de competência do Tribunal de Contas do Estado do Paraná quando do exercício de sua atribuição em apreciar a legalidade dos atos de inativação, atuando em defesa do servidor, caracterizando-se em determinados casos como um tribunal de direitos.

Palavras-chave: Tribunal de Contas do Estado do Paraná, competência, inativação.


Introdução

A administração pública vem sendo estigmatizada pela escassez de recursos e por exigências cada vez maiores e mais criteriosas realizadas pela sociedade, que exige dos gestores públicos, uma maior preocupação relacionada à transparência administrativa e a existência de um controle mais eficiente no âmbito das instituições públicas (CALIXTO e VELÁZQUES, 2005).

Para cumprimento destas exigências, necessário se faz a existência de um sistema que comungue informações e organização institucional, com a finalidade de assegurar o cumprimento de políticas públicas, assegurando a consecução de boas práticas de gestão, para que haja uma aplicação do dinheiro público de forma eficaz, eficiente, econômica e legal.

No âmbito público, pode-se afirmar que todos os atos estão sujeitos a controle, incluindo dentre eles os atos de inativação, ou seja, as aposentadorias e pensões dos servidores públicos que estão segurados pelos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). Estes atos específicos, de inativação, serão abordados com destaque neste recorte, para fins de satisfação da questão problema do estudo, a qual gerou inquietudes e motivou a pesquisa.

Nesse sentido, o cerne do problema que norteia este recorte gira em torno do seguinte questionamento: considerando o controle externo realizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná nos atos de aposentadoria e pensões, podem este Tribunal ser entendido exclusivamente como “Tribunais de Contas” ou pode ele caracterizar um “Tribunais de Direitos”?

Guiado por este questionamento, o objetivo deste trabalho é realizar uma discussão, partindo de pesquisas exploratórias através da investigação bibliográfica, documental, entrevistas informais e observação teórico-empírica, apoiando-se em análise descritiva de dados, sobre os limites do exercício do controle exercido pelo Tribunal de Contas, nos atos de aposentadorias e pensões.

Deste modo, o estudo na forma apresentada justifica-se teoricamente por se tratar de um tema emergente e pouco estudado, ao refletir sobre a natureza dos atos de controle exercido pelas Cortes de Contas em casos específicos, e para o desenvolvimento do tema na área de referência, haja vista a valorização dos princípios relacionados à governança e administração da (res)-pública.

Diante do objetivo e justificativa deste estudo, o mesmo não tem como pretensão esgotar o assunto que possui campo fértil para imersões futuras. Desta forma, respeitadas as limitações em busca do atingimento do objetivo proposto, norteado pela questão problema e pautado nos procedimentos metodológicos, este trabalho está dividido em seis partes/seções, somadas a esta introdução e à bibliografia que sustenta o embasamento teórico apresentado.

A primeira parte discorre sobre os principais aspectos do controle no âmbito da Administração Pública, dando enfoque aos tipos existentes e aos órgãos controladores.

Em seguida, a segunda parte versa sobre as principais atribuições e aos limites do controle externo, em especial, aquele exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, dando ênfase ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná, do qual foram obtidos os dados e as informações que serviram de base para satisfizer às inquietações suscitadas neste recorte.

Os procedimentos metodológicos estão descritos na terceira parte deste estudo, por meio dos quais se efetivou a coleta, tratamento de dados e os resultados obtidos, reconhecendo-se as possíveis limitações dos métodos utilizados, dado o entendimento de que eles não são finitos e imutáveis, sendo sempre passíveis de questionamentos e melhorias constantes.

A quarta parte faz referência aos destaques observados em outros estudos de mesma ou próxima natureza que contribuíram para a elaboração do presente, a qual se complementa com a parte seguinte que faz sugestão para o desenvolvimento de novos estudos acerca da temática, destacando-se como uma área emergente, pouco estudada e de essencial contribuição aos administrados e aos órgãos de controle.

Finalizando, a sexta parte faz menção as considerações finais demonstrando de forma sintética e objetiva os resultados obtidos com o presente estudo.


1 Controle na Administração Pública

No Estado Democrático de Direito o agir do gestor público é balizado pelo conjunto de normas editadas pelo Poder Legislativo, sendo seu dever agir de acordo com estas normas, obedecendo e observando as leis e os princípios vigentes no país (GARCIA E ALVES, 2002, p. 19-20).

Desta feita, a essência desta forma de Estado se revela na conjunção simultânea dos ditames da juridicidade, legalidade, interesse público, dignidade da pessoa humana, ou seja, objetiva a garantia das liberdades civis.  

Para assegurar estes preceitos é necessário que haja o controle dos atos de gestão do administrador público, visando à garantia das boas práticas de governança pública.

Como argumenta Matias- Pereira (2010, p. 167) “o controle é uma atividade inerente a qualquer tipo de instituição ou organização, compreendendo além dos aspectos administrativos e financeiros todo o conjunto de métodos e ações realizados dentro de determinado órgão administrativo”.

Deste modo, através de efetivas técnicas de controle garante-se não apenas o cumprimento das normas, mas também o atingimento das metas essenciais do ente público, ou seja, o desenvolvimento e execução eficiente de políticas públicas que integram a agenda governamental, assegurando a continuidade do Estado em direção ao bem comum. 

Corroborando com a discussão Justen Filho (2011, p.1100) mostra que:

O Estado é uma organização de bens e pessoas para a realização dos direitos fundamentais. Existem mecanismos jurídicos de controle da atividade administrativa destinados a verificar a regularidade dos atos administrativos e a reprimir os desvios ocorridos.

Assim, denota-se que a finalidade do sistema de controle da gestão pública é assegurar que o administrador atue em consonância com os princípios da legalidade, moralidade, finalidade pública, publicidade, motivação, impessoalidade (DI PIETRO, 2011, p. 735) podendo somar-se a estes, a observância dos princípios da indisponibilidade e supremacia do interesse público.

Neste matiz infere-se que o controle pode ser exercido previamente, sendo, portanto, um controle orientação, e/ou concomitante e a posteriori, controle fiscalização, sendo certo, que as formas se inter-relacionam, pois como preceitua Justen Filho (2006, p. 748) “a submissão da atuação de um sujeito à fiscalização alheia produz efeito de orientação de sua conduta. Aquele que sabe que seus atos serão objeto de fiscalização orienta a própria conduta para evitar reprovações”.

Utilizando-se outra forma de classificação, nota-se também que o controle pode ser de mérito: quando adentra as questões de conveniência e oportunidade; ou de legalidade: quando inerente ao efetivo cumprimento da regulação vigente. 

Na administração pública, considerando o espectro de abrangência nas três esferas do federalismo brasileiro, bem como a necessidade de consolidação de instrumentos de gestão para subsídio às decisões e à efetivação das políticas públicas, a implementação do controle se dá de forma sistêmica nos âmbitos interno e externo, sendo que os sistemas que dão o devido suporte devem ser acionados para estabelecer mecanismos que, aderentes à “filosofia” de gestão pautada nos princípios de governança pública, assegurem a lisura e transparência nos atos dos gestores públicos.

 Sobre o controle desenvolvido no âmbito interno da própria administração pública, Justen Filho (2011, p. 1104) traz a lume o seu entendimento de que:

(...) controle interno é o dever-poder imposto ao próprio Poder de promover a verificação permanente e contínua da legalidade e da oportunidade da atuação administrativa própria, visando a prevenir ou a eliminar defeitos ou a aperfeiçoar a atividade administrativa, promovendo as medidas necessárias a tanto.

Observa-se assim que o controle interno é um dever imposto a cada Poder do Estado, de fiscalização e orientação dos próprios atos, de forma prévia, concomitante, e/ou a posteriori, reconhecido constitucionalmente (art. 74 da CF/88). Possui ele a finalidade de avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos; bem como, de comprovar a legalidade e avaliar os resultados obtidos quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração pública, e também a aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado (BRASIL, 1988).

Já o controle externo “é o dever-poder atribuído constitucionalmente e instituído por lei como competência específica de certos poderes e órgãos” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 1111), sendo ele exercido pelo Poder Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas; pelo Poder Judiciário e também pela sociedade, Controle Social, que participa diretamente dele quando o provoca para defesa de interesses individuais e/ou coletivos, sendo este controle, inclusive, imprescindível para a concretização do Estado Democrático.

O controle social é resultado da evolução do Estado e da essência da Democracia. Nesse sentido, com amparo no art. 72, §2º. da CF/88, Castro (2007, p.136) o entende como sendo “um instrumento disposto pelo constituinte para que se permita a atuação da sociedade no controle das ações do estado e dos gestores públicos, utilizando de qualquer uma das vias de participação democrática.”

Por meio do Controle Judicial, o Poder Judiciário examina com imparcialidade os atos administrativos, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, sempre sob o aspecto da legalidade e da moralidade (DI PIETRO, 2011, p. 755), cabendo a ele, exclusivamente, aplicar o Direito ao caso concreto. Ressalte-se ainda, conforme preceitua a autora, que os atos políticos também podem ser apreciados pelo judiciário desde que causem lesão a direitos individuais e coletivos.

Já o controle exercido pelo Poder Legislativo, conforme Matias-Pereira (2010, p. 173) aderente à Di Pietro (2011), é aquele realizado pelas Casas Parlamentares: Senado e Câmara dos Deputados; Assembleias Legislativas; e Câmaras de Vereadores, efetivando-se internamente nessas casas através de comissões parlamentares de inquérito, convocação de autoridades, pedidos escritos de informação, fiscalização contábil, financeira e orçamentária, sustação dos atos normativos do executivo, podendo assim, em alguns casos ocorrer o controle de mérito.

Justen Filho (2006, p.765) corroborando com o tema discorre:

Compete ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas a fiscalização. Logo, não lhes é reconhecido o exercício em nome próprio das atividades de que os outros órgãos estão investidos. (...) Cabe aos órgãos de fiscalização verificar se inexistiu desvio de finalidade, abuso de poder ou se, diante das circunstâncias, a decisão adotada não era a mais adequada.

Desta feita, o controle externo exercido pelo Poder Legislativo, dado a sua gama de atribuições, nos termos do disposto no art. 71 da Constituição Federal, pode ser realizado com o auxílio do Tribunal de Contas, órgão autônomo, que fiscalizará os gastos dos Poderes, Executivo, Judiciário, e do próprio Poder, nos termos e competências fixadas taxativamente na Carta Constitucional.

As competências, atribuições e limites no exercício dos atos de controle executados por estas Cortes de Contas serão tratados com maior destaque no tópico a seguir, uma vez que envolve o tema central deste recorte.


2 Tribunais de Contas – Atribuições - Controle dos Atos de Aposentadorias e Pensões

Consubstanciadas em informações disponibilizadas no site oficial do Tribunal de Contas da União (TCU), este Tribunal foi criado sob inspiração francesa, através do Decreto n.966-A, de 07 de novembro de 1890, que deu início a instauração do sistema de controle externo no Brasil, com o auxílio deste Tribunal, atribuindo-lhe poderes para exame, revisão e julgamento de todas as operações concernentes à receita e despesa da República, Decreto este que foi referendado pela Constituição de 1891, através de seu art. 89 que assim dispôs:

É instituído um tribunal de contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença.

Estes Tribunais foram evoluindo através dos tempos e como contribui Diamond (2003, p. 119), as atividades de controle passaram a englobar amplas atividades, com vários objetivos, sendo seu papel tradicional o de assegurar que os recursos públicos sejam arrecadados e aplicados de acordo com as leis e regulamentos existentes, evoluindo atualmente para controle dos resultados, e não apenas da legalidade como era em seus primórdios.

Ao tratar do tema “controle”, ainda Diamond apud Giacomoni (2010, p. 337) enfatiza a sua importância para a gestão da res-pública ao crivar que ele:

(...) cumpre uma ampla gama de atividades com objetivos distintos. Tradicionalmente tem sido um mecanismo tendente a assegurar, ao governo e aos seus ministérios (controle interno) e ao Poder Legislativo (controle externo), que os recursos públicos sejam arrecadados e aplicados de acordo com as dotações orçamentárias e outras leis relevantes (controle de conformidade) e que o uso dado aos recursos de acordo com a administração representa total e exatamente a sua posição financeira (controle financeiro). A função de controle foi evoluindo em muitos países até adquirir uma visão mais completa das consequências econômicas e sociais das operações governamentais – aquilo que geralmente se denomina ‘valor por dinheiro’ ou controle de resultados.

Em que pese a rica discussão doutrinária acerca deste órgão ser um poder autônomo ou possuir vinculação ao Poder Legislativo, é majoritário o entendimento de que estas Cortes de Contas são órgãos vinculados a este Poder, embora sem subordinação, possuindo atribuições previstas, taxativamente, no texto constitucional.

No Brasil existem 34 (trinta e quatro) Cortes de Contas, sendo 01 (uma) da União, 27 (vinte e sete) Estaduais, 02 (duas) Municipais e 04 (quatro) de Municípios, integradas por ministros ou conselheiros, cujas decisões em sua maioria são coletivas.

A Constituição Federal vigente atribui ao Poder Legislativo a titularidade do controle externo ao prever em seu artigo 70 que “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional”.

Esta disposição constitucional consagra o teor da Lei de Contabilidade Pública – Lei n. 4.320/64 (recepcionada em grande parte pela Carta Republicana de 1988) - que já previa em seu artigo 81, o papel do Poder Legislativo como órgão de controle externo: “O controle da execução orçamentária, pelo Poder Legislativo, terá por objetivo verificar a probidade da administração, a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei de Orçamento”.

Desta feita, tanto a Constituição Federal, como a norma geral de Contabilidade Pública “evidenciam que as questões centrais de interesse do controle externo são os aspectos legais ligados à arrecadação e aplicação do dinheiro público e à observância dos limites financeiros consignados no orçamento” (GIACOMONI, 2010, p.340).

Nesta ampla tarefa de controlar, com todas as particularidades e complexidades existentes, o Poder Constituinte reconhecendo e prevendo de antemão o elevado grau de responsabilidades e as inúmeras atribuições do Poder Legislativo, previu que este Poder necessitaria de suporte técnico especializado para realização desta tarefa, tendo no artigo 71 da Carta Magna preceituado que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, seria exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas.

É fato que estas Cortes de Contas estão gradativamente em evolução, exercendo funções imprescindíveis de fiscalização, controle e orientação, utilizando-se para este mister não apenas as disposições  constitucionais, mas toda a legislação existente em matéria de gastos públicos, contabilidade e controle, em especial, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), editada em meados do exercício de 2000, a qual tratou do assunto com mais especificidade, trazendo um novo padrão de gestão com novas regras de controle e fiscalização aplicáveis ao setor público, encarregando, desta feita, o Poder Legislativo de maiores responsabilidades.

Dentre as inúmeras atribuições constitucionais destas Cortes há àquela de controle dos registros dos atos de aposentadorias e pensões, os chamados atos de inativação.

O Poder Constituinte reservou ao Tribunal de Contas em matéria relativa a atos de concessões de aposentadorias, reformas e pensões, o controle estritamente de legalidade para fins de registro destes atos, consubstanciando-se numa forma de controle a posteriori, por força do próprio dispositivo constitucional, que assim determina:

[...] III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório (Art. 71, III, da CF/88 – grifo dos autores)

O legislador não deixou margem de questionamentos ou discussões acerca da forma de controle que deve ser exercido pelos Tribunais de Contas em relação aos atos mencionados, limitando assim, o seu controle ao aspecto exclusivamente da legalidade, que deve ser exercido como forma de fiscalização, ou como dito anteriormente, controle a posteriori.

Denota-se que, neste específico exercício de controle, ao apreciar como legal o ato de inativação, concedendo-lhe o respectivo registro, o Tribunal de Contas legitima a relação entre a Administração Pública e o Servidor, validando o direito de crédito do beneficiário para com a Fazenda Pública, de forma a evitar desvios e gastos indevidos pelo ente público, ou seja, evitando lesão ao erário.

Deste modo, para melhor realizar esta atribuição, estes Tribunais utilizam-se não apenas das leis de caráter geral, mas também de resoluções e atos normativos por eles mesmos editados, com o intuito de padronizar suas atuações, fixando critérios de análise, de forma a evitar pareceres e decisões contraditórias, dentro do mesmo órgão, em situações similares, uma vez que possuem vasto corpo técnico.

A fixação destes critérios é imprescindível não apenas para a organização administrativa do órgão, padronização, mas também para fins de manter a credibilidade da Instituição frente aos órgãos fiscalizados.

Tomando como exemplo de atuação o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), que teve sua origem seminal em 02 de junho de 1947 e tem apresentado uma evolução expressiva, uma vez que considerado atualmente como uma Corte de Contas modelo aos demais, observa-se que esta Corte também teve em seus primórdios apenas a preocupação única de atuar como órgão de fiscalização, tendo evoluído a cada década e aprimorando suas técnicas fiscalizatórias de forma a englobar mais entidades e órgãos. Ressalte-se que esta Corte de Contas na década de 80 exerceu importante papel de orientação através de treinamentos disponibilizados para os entes Municipais (Prefeituras e Câmaras)[1].

Ainda, na década de 80, mais precisamente após o advento da Carta Constitucional de 1988, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná regulamentou a participação da população frente aos atos de controle, normatizando o direito de denúncia e aperfeiçoando-se de tal forma, que com todo o aparato eletrônico desenvolvido e a busca de aproximação da sociedade aos atos de gestão pública, lato sensu, adquiriu credibilidade e tornou-se, em âmbito nacional, o Tribunal de Contas pioneiro no processo eletrônico e na preocupação de normatização para fins de possibilitar o exercício do controle social (PARANÁ, 2013).

Dentre suas atribuições, destaca-se neste estudo a competência desta Corte na apreciação da legalidade dos atos de aposentadoria e pensões. Para este fim, o corpo técnico do Tribunal de Contas utiliza-se de leis de caráter geral, e de Instrução Normativa editada pelo próprio órgão com o fito de fixar critérios objetivos de análises, a qual trata especificamente, do envio, acesso à informação e documentos necessários à apreciação e registro destes atos de inativação, a IN 46/2010 (PARANÁ, 2010a).

Sem adentrar na natureza desta normativa frente ao poder legiferante, mas sim, partindo-se do princípio de que se trata de mera instrução que fixa critérios para consecução de uma análise objetiva dos requisitos legais exigidos para registro dos atos de aposentadorias e pensões, como mencionado anteriormente, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná vêm pautando a análise dos processos encaminhados, no cumprimento das exigências constantes nesta Instrução Normativa, restando a este recorte, consoante ao seu objetivo, verificar se há extrapolação de competências por esta Corte de Contas quando do exercício de controle de registro destes atos de inativação.

Com o advento do processo eletrônico verifica-se que a Instrução Normativa em comento fixa de forma taxativa o rol de documentos, e não apenas de forma exemplificativa, uma vez que se não houver o envio de todos os documentos exigidos na instrução, não há sequer como realizar a autuação eletrônica do processo, com o envio parcial da documentação exigida.

No entanto, ressalte-se que quando da edição destas normativas, as Cortes de Contas devem se atentar ao texto constitucional para fins de não ultrapassar os limites de sua atuação e invadir a competência dos demais poderes, uma vez que o controle por elas exercido deve estar adstrito ao aspecto de legalidade, conforme leciona Justen Filho (2006, p. 763):

O tribunal de Contas não é titular de competência para produzir normas jurídicas autônomas. A função primordial do Tribunal de Contas não é editar normas gerais e abstratas, destinadas a regular a conduta daqueles que administram recursos públicos. Ou seja, o tribunal de Contas não é órgão dotado de poderes legiferantes.

Cabe assim, aos Tribunais de Contas apreciar, a posteriori, a legalidade dos atos de inativações submetidos a registro, vedando-se a aplicação do direito ao caso concreto, tarefa adstrita ao Poder Judiciário, podendo editar normativas, desde que não ultrapassem suas competências constitucionais para este fim, diante das atribuições do Poder Legislativo.

Deste modo, não é atribuição destes tribunais opinarem ou se manifestarem sobre a aplicação do direito no caso concreto, função esta exercida exclusivamente pelo Judiciário, uma vez que no Brasil, vigora o sistema de jurisdição única conforme dispõe o art. 5º, XXXV, CF/88 (BRASIL, 1988).

Desta feita, abstrai-se que em seu mister de controlar os atos de inativação cabe a estas Cortes apenas a análise estrita dos aspectos legais, sem adentrar no mérito do ato administrativo, e em casos de eventuais prejuízos sofridos pelo servidor compete ao judiciário, mediante provocação, a análise e julgamento do ato lesivo.

Não obstante a clareza das leis sobre a matéria e a previsão das atribuições no texto constitucional, resta verificar se empiricamente estes Tribunais não extrapolam suas competências e podem ser entendidos, efetiva e exclusivamente, como “Tribunais de Contas” ou se em determinados casos, eles atuam em benefício dos servidores, atuando como “Tribunais de Direitos”.

Para responder esta indagação realizou-se levantamento de dados junto ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná, o qual será utilizado neste recorte como fonte de informações, conforme evidenciado no tópico a seguir, onde estão especificados os procedimentos e métodos empregados.


3 Metodologia

O método de pesquisa utilizado neste recorte, em consonância com definições taxionomia empregada por Vergara (2004, pp. 46-50), fundamenta-se em dois critérios: quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins caracteriza-se em pesquisa exploratória e explicativa; ressaltando-se, conforme destaque dado pela autora, que uma investigação exploratória não deve ser confundida com uma simples leitura exploratória, uma vez que àquela é realizada em pesquisas envolvendo áreas de evolução constante, frente às modificações e evoluções da sociedade (com pouco conhecimento acumulado) e que, por sua natureza de sondagem não comporta hipóteses que, todavia, poderão surgir durante ou ao final da pesquisa, razão pela qual se tem, neste estudo, a proposição de sugestão para novos estudos.

A investigação explicativa segundo Vergara (2004, p.47) tem como principal objetivo “tornar algo inteligível justificando-lhe os motivos. Visa, portanto, esclarecer quais fatores contribui de alguma forma, para a ocorrência de determinado fenômeno”. Por este motivo, o estudo aqui desenvolvido, trata do imbricamento, da interdependência e da importância das formas de Controle, da competência dos órgãos Controladores, dos limites de cada Poder, visando assegurar a independência entre eles na forma prevista na Constituição Federal.

Quanto aos meios de investigação, foram utilizados neste estudo, a investigação bibliográfica, documental e a abordagem teórico-empírica, devendo-se registrar que a de cunho bibliográfico (VERGARA, 2004, p. 48) “é representada pelo estudo sistematizado desenvolvido com base no material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, acessível ao público em geral” (relevante instrumento analítico para qualquer outro tipo de pesquisa). Desta feita, este recorte utilizou de pesquisa bibliográfica aderente ao tema em estudo (Limites do Controle exercido pelos Tribunais de Contas em relação aos atos de aposentadorias e pensões), em livros, revistas, artigos científicos relevantes publicados em revistas científicas impressas e/ou eletrônicas, e matérias disponibilizadas na rede mundial de computadores (internet).

Neste mesmo matiz é também empregada a pesquisa de cunho documental e de observação teórico-empírica (VERGARA, 2004, p. 48). Documental porque se fundamenta em levantamentos extraídos de documentos regulatórios oficiais publicados: Leis, Decretos, Portarias, Resoluções, Instruções, material fornecido pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná através da consulta protocolada sob o número 655481/12 – TC, etc; e de observação teórico-empírica, em virtude da condução pelos autores no dia-a-dia das suas vivências acadêmico-profissionais no âmbito do Grupo de Pesquisa que é a fonte seminal da inquietude originária do desenvolvimento deste recorte, em especial na observação semanal das sessões de julgamentos realizadas na Corte de Contas do Estado do Paraná, no período de março a maio de 2013.

Foram também realizadas entrevistas não estruturadas, no período de fevereiro a abril de 2013, junto ao pessoal técnico do tribunal de Contas do Estado do Paraná, que atuam na análise dos atos de aposentadoria e pensões submetidos ao controle daquela Egrégia Corte de Contas; consultas a matérias e entrevistas sobre o tema em estudo, em periódicos e nos sites dos Tribunais de Contas da União e do Estado do Paraná.

Considerando a contribuição de Oliveira, Carvalho e Peretti (2012), destaque-se que ensaios de caráter exploratório realizados pelos meios bibliográfico, documental e de observação, como o consubstanciado neste estudo, vem sendo amplamente valorizados e aceitos no mundo acadêmico, considerando a abrangência, relevância e as contribuições do assunto estudado.

Sabe-se que na academia é valorizada a consulta em trabalhos acadêmicos, razão pela qual é importante destacar que foram encontradas, embora em número reduzido, conforme se observa na seção 4 deste estudo, produções de análise semelhantes à temática proposta, que vieram contribuir com o presente estudo e juntamente com ele promover o aprofundamento do tema aqui pesquisado. Assim, máxime que, vislumbrando evitar-se falar do tema apenas como uma hipótese teórica distante da aplicação, em especial, este estudo aborda, fundamenta e corrobora também resultados auferidos por outros estudos de mesma ou próxima natureza, consoante descrição dos dados coletados, disponibilizados na próxima seção deste recorte.

3.1 Coleta e Tratamento dos Dados

Verificados os limites de competência das Cortes de Contas, especialmente em relação a análise dos atos de inativação, bem como a edição de normativa específica pelo Egrégio Tribunal de Contas do Estado do Paraná para fins de fixar critérios objetivos e padronizar a análise destes atos submetidos a seu registro, infere perquirir a realidade fática referente esta específica atribuição, para que se possa responder de forma criteriosa a questão problema deste trabalho.  

Neste diapasão, reconhecendo-se as limitações dos procedimentos e métodos aplicados no desenvolvimento das pesquisas, visando-se amenizar possíveis impactos dessa natureza, foi também empregada, neste estudo, a pesquisa de campo, de caráter formal, protocolada sob o número 655481/12 junto ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná, solicitando cópias dos pareceres técnicos referentes aos processos de inativação e pensões submetidos a registro naquela Corte, nos exercícios de 2011 e 2012.

Em atendimento à formalização da pesquisa, foram disponibilizados pelo TCE-PR, 2.802 (dois mil, oitocentos e dois) pareceres emitidos pela Diretoria Jurídica (DIJUR), unidade técnica responsável pela análise dos processos de aposentadorias, pensões e revisões, dos quais 41,7% (1.168) receberam solicitação de diligências para retorno dos autos à entidade previdenciária de origem, objetivando a complementação da instrução do processo, solicitando documentos, modificações no ato concessório, esclarecimentos, deixando de serem registrados de plano em virtude de irregularidades constatadas, sendo que destes, apenas 05 (cinco) tiveram a diligência indeferida pelo relator do processo, registrando-se, então, 41,5% (1.163) de processos efetivamente diligenciados.

Quadro I – Pareceres Técnicos em processos de aposentadorias e pensões analisados em 2011/2012

Tipos de Pareceres

Total

Eventos sobre os Pareceres que retornaram em diligência ao ente previdenciário de origem

(2)

(3)

(4)

(5)

(6)

Pareceres pelo registro

1.634

-

-

-

-

-

Pareceres solicitando diligência

1.168

-

-

-

-

-

Total de pareceres emitidos pela diretoria jurídica (DIJUR)- (1)

2.802

-

-

-

-

-

Pareceres que efetivamente retornaram em diligência ao ente previdenciário de origem

1163

1.071

17

50

17

8

Notas:

(1)               - Unidade técnica responsável pela análise dos processos de aposentadorias, pensões e revisões

(2)               - Pautados no §1º, do Art. 352 do Regimento Interno

(3)               - Regra mais benéfica

(4)               - Aumento valor dos proventos

(5)               - Diminuição do valor dos proventos

(6)               - Divergência no valor dos cálculos

Máxime que o fundamento para indeferimento das diligências, nos 05 (cinco) processos mencionados, pautou-se na redação do §1º, do artigo 352 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (PARANÁ, 2010b) que assim dispõe:

Art. 352

(...)

§1º. As diligências propostas pelas unidades administrativas dar-se-ão para a juntada ou apresentação de documentos ou esclarecimentos, excetuados os arrolados em atos normativos próprios de apresentação obrigatória, necessários para o exame de mérito, cumprindo o Relator a apreciação e a fixação do prazo máximo de até 15 (quinze) dias para o seu atendimento. (sem grifo no original)

Nestes processos onde as diligências foram indeferidas entendeu o relator que, se deferidas, o Tribunal de Contas estaria extrapolando suas atribuições constitucionais, uma vez que se tratavam de proposição para alteração dos valores dos proventos de aposentadorias fixados pelos entes previdenciários, cuja “irregularidade” afetaria direito individual do beneficiário.

Nota-se ainda, que dos 1163 (um mil, cento e sessenta e três) processos que efetivamente retornaram em diligência, 8% deles (92) foram efetivamente para alteração dos valores dos proventos, tanto para majorar, quanto para minorar; e para possibilitar ao servidor beneficiário a opção de regramento aposentatório mais benéfico diante da constatação do cumprimento dos requisitos exigidos.

Diante dos dados coletados e análise descritiva sobre eles realizada, no tópico seguinte é realizada a discussão sobre os resultados obtidos visando-se a resposta à inquietude originária deste estudo.

3.2 Resultados e Discussões

Conforme consta do referencial teórico utilizado neste estudo, aos Tribunais de Contas cabe o julgamento de matérias concernentes à “contas”; ou seja, assegurar a correta aplicação do orçamento, da contabilidade, das finanças, e do patrimônio público; e não a lesão de “direitos” individuais, eis que estes possuem jurisdição única, que é a judicial.

Corroborando o entendimento em destaque, Briguet, Victorino e Horvath Junior (2007), contribuem trazendo a lume decisões do Supremo Tribunal Federal que diferem o sentido das atribuições dos Tribunais de Contas de “julgar” e “apreciar” atos submetidos a seu controle:

O plenário desta Corte firmou o entendimento de que as recomendações do Tribunal de Contas, a autoridade administrativa, feitas em conversão de julgamento de legalidade de aposentadoria em diligência, não obrigam esta a rever o ato administrativo de concessão de aposentadoria para ajustá-lo a tais recomendações, razão por que, se a autoridade administrativa os rever  para fazer esse ajuste não está ela atuando como mera executora material das recomendações do Tribunal de Contas, mas sim é a autoridade que responde pela prática do ato administrativo de ajuste.

Todavia, da coleta e tratamento de dados obtidos junto a Corte de Contas do Estado do Paraná, observa-se que ao apreciar os atos de aposentadorias e pensões, não se encontra apenas questões concernentes à proteção ao erário público, mas também questões que envolvem os direitos individuais dos beneficiários.

Desta feita, através dos dados coletados extrai-se que dos 1163 (um mil, cento e sessenta e três processos) que retornaram em diligência ao ente previdenciário de origem, 1071 (um mil e setenta e um) deles foram para cumprimento dos aspectos legais, ou seja, estavam alicerçados pelo §1º, do art. 352, do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, que regulamentou de forma mais específica a Constituição Federal, bem como, gerou a Instrução Normativa 46/2010, que previu taxativamente o rol de documentos necessários para instrução dos processos de aposentadoria e pensões.

No entanto, 92 (noventa e dois) processos retornaram para fins de alteração do valor dos proventos, sendo que deles 50 (cinquenta) para majoração dos valores dos proventos fixados; 17 (dezessete) para diminuição dos valores e 08 (oito) para sanar divergências existentes em relação ao valor fixado e o contracheque apresentado.

Ainda, 17 (dezessete) deles retornaram para fins de que fosse oportunizada ao beneficiário a opção de regra de aposentadoria mais benéfica diante da averiguação do preenchimento dos requisitos para tanto. 

Assim, constata-se que a Corte de Contas do Estado do Paraná no exercício de sua atribuição específica de controlar a legalidade dos atos de inativação para conceder-lhes o registro, extrapola o limite de sua competência, invadindo em determinados casos a esfera de competência do Poder Judiciário, a quem cabe de forma exclusiva, a defesa dos direitos individuais dos beneficiários.

Este fato restou evidenciado através destes 92 (noventa dois) processos analisados, uma vez que não se trata de cumprimento de exigências legais, mas sim de inclusão/exclusão de verbas, e/ou regra mais benéfica ao servidor.

Deste modo, em que pese as leis e regulamentos existentes, ainda não se pode afirmar que há padronização na análise dos atos de inativação e pensões, nem mesmo que as Cortes de Contas atuam exclusivamente como Tribunais de “Contas”, especialmente ao se tratar de apreciação destes atos específicos.

Deve-se, no entanto ressaltar, que em observação das deliberações recentes do Tribunal de Contas do Estado do Paraná nas sessões de julgamento, vislumbra-se que a Corte vem enfatizando o texto constitucional, e paulatinamente estão restringindo a atuação apenas ao aspecto da legalidade quando da apreciação dos atos de inativação, de forma a reconhecer a incompetência da aplicação de sanções em processos desta natureza.

Ao final, constata-se através de entrevistas não estruturadas que as principais justificativas utilizadas para esta extrapolação de competência são: I- morosidade do Poder Judiciário; e II- a confiança que os administrados e os entes fiscalizados possuem no Tribunal de Contas.  


4 Destaques Observados em Outros Estudos de Mesma ou Próxima Natureza

Observa-se através do referencial teórico, que o tema objeto deste recorte possui vasta relevância, eis que traz à discussão assuntos contemporâneos importantes aplicados à prática de uma boa gestão pública, dando ênfase aos atos de inativação emitidos pelos Regimes Próprios de Previdência; a importância do controle dos atos públicos de uma forma geral, albergados pela Constituição Federal vigente; bem como ao limite do controle exercido pelos Tribunais de Contas nos atos de inativação.

A função dos Tribunais de Contas na apreciação dos atos de aposentadorias e pensões para fins de registro mostram-se relevantes uma vez que difere das demais atribuições destes órgãos e considerando prováveis contribuições que este estudo pode trazer aos interessados e estudiosos do tema, entende-se que elas somam-se aos destaques de outro estudo já realizado, como referência ao que mostra Malheiro (2008, p.29), onde destaca que:

(...) Pela concepção dada à organização do controle externo brasileiro, ficou muito bem marcado que as Cortes de Contas julgam matérias de “contas” e não de “direitos” – estes só tem uma jurisdição, a do Poder Judiciário. E quando se apreciam os atos de aposentadoria, há em questão, além do interesse da proteção ao erário público, direitos individuais dos servidores. E se há direitos individuais envolvidos, a matéria é de competência julgadora do Poder Judiciário.

O estudo mencionado (MALHEIRO 2008) traz à discussão assuntos relacionados a apreciação da legalidade do ato de inativação para fins de registro, se a mesma é de competência do Tribunal de Contas e se constitui etapa necessária à conclusão deste ato; bem como, se em havendo irregularidade no cálculo dos proventos, estando eles fixados a menor, se o Tribunal de Contas seria competente para exigir a correção dos valores, que em tese causariam lesão apenas ao beneficiário.   

Tem-se ainda, em Coelho (2009, p.57) uma valorosa contribuição ao tratar da natureza jurídica das decisões proferidas pelas Cortes de Contas:

As decisões dos tribunais de contas não possuem natureza administrativa judicial. É que os atos decisórios das casas de contas, desvinculados dos oriundos dos órgãos do Poder Judiciário, têm natureza administrativa sui generis, típica e peculiar à sua jurisdição anômala, que, dentro da sistemática jurídica brasileira, possui eficácia de título executivo, como se depreende do comando inserto no art. 71, § 3º, da Constituição da República de 1988.

Concernente às atribuições e natureza jurídica das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas, os estudos mencionados (MALHEIRO, 2008; COELHO, 2009), são uníssonos em considerar a natureza meramente administrativa, traçando os limites Constitucionais de atuação destas Cortes, que salvaguardam a tripartição dos poderes, sendo eles apenas Cortes de “Contas” e não de “Direitos”.

 


5 Sugestão para Novos Estudos

Considerando que o estudo realizado se pautou na análise das diligências realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná, referente ao exercício de 2011 e 2012, relativos a alteração de valores de proventos de aposentadoria e pensões, bem como de diligências visando à modificação da regra aposentatória, vislumbra-se que este recorte reconhecidamente não exaure o tema estudado, haja vista sua reconhecida extensão, eis que neste trabalho busca-se apenas dados que informem a natureza das decisões e análises realizadas pela Egrégia Corte de Contas do Estado do Paraná, tratando-se então de um tema fecundo para variados e pontuais questionamento que darão origens às pesquisas que enriquecerão o universo acadêmico.

Neste matiz, sugerem-se como possíveis outros estudos contributivos à discussão, maiores aprofundamentos sobre: (i) Poder Legiferante versus Tribunais de Contas; (ii) evolução dos sistemas de controle externo e os limites constitucionais; (iii) autonomia dos Tribunais de Contas; e (iv) eficácia das decisões dos Tribunais de Contas.

Tratando-se de tema emergente, outros trabalhos positivistas também podem ser elaborados, os quais poderão medir através de elementos estatísticos e dados empíricos o efetivo controle desempenho pelas Cortes de Cortes nas análises de diferentes matérias administrativas e previdenciárias.


6 Considerações Finais

O controle dos atos de gestão pública se efetiva através de um sistema que tem por finalidade assegurar as boas práticas de gestão pública, evitando danos ao erário e má gestão dos agentes públicos, caracterizando assim, uma atividade inerente a qualquer tipo de instituição ou organização, compreendendo aspectos administrativos e financeiros.

Por meio da efetividade das técnicas de controle garante-se o cumprimento das normas e o atingimento das metas previstas pelo ente público, de forma a possibilitar o desenvolvimento e execução eficiente de políticas públicas. 

No sistema normativo brasileiro, consoante dispositivo constitucional, há a previsão de duas formas de controle aplicável à Administração Pública: o interno e o externo; aos quais cabem a fiscalização e a orientação dos órgãos públicos e dos órgãos privados recebedores de verba pública, cuja atuação poderá se efetivar de forma prévia, concomitante, e a posteriori, conforme atribuições previstas na Constituição Federal.

O controle externo “é o dever-poder atribuído constitucionalmente e instituído por lei como competência específica de certos poderes e órgãos” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 1111), sendo ele exercido pelo Poder Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas, pelo Poder Judiciário e pela Sociedade, cada um com suas atribuições específicas.

Assim, diante destes deveres os Tribunais de Contas possuem suas atribuições elencadas taxativamente no texto constitucional, dentre elas a de apreciar a legalidade dos atos de inativação.

O objetivo deste estudo foi o de instigar a discussão acerca do limite de atuação dos Tribunais de Contas quando no exercício do controle dos atos de inativação, de forma a responder a questão problema do recorte, ou seja, seria a Corte de Contas apenas um tribunal de “contas” ou também de “direitos”? Esta indagação surgiu em virtude da existência de direitos individuais envolvidos em relação a análise específica destes atos de aposentadorias e pensões, ou sejam, os direitos dos beneficiários.

Dos estudos referenciados nas esferas exploratória, bibliográfica, documental e de observação teórico-empírica, conclui-se pela existência de extrapolação de competência do Tribunal de Contas do Estado do Paraná quando do exercício de sua competência em apreciar a legalidade dos atos de inativação, uma vez que em determinados casos atua em “favor” do beneficiário, caracterizando-se como um tribunal não apenas de contas, mas também de direitos.

Através dos dados coletados, mais especificamente, dos 92 (noventa e dois) processos que retornaram para fins de alteração do valor dos proventos, sendo 50 (cinquenta) para majoração dos valores dos proventos fixados; 17 (dezessete) para diminuição dos valores; 08 (oito) para sanar divergências existentes em relação ao valor fixado e o contracheque apresentado e 17 (dezessete) para fins de que fosse oportunizada ao beneficiário a opção de regra de aposentadoria mais benéfica; que a Corte de Contas do Estado do Paraná, ao apreciar os atos de inativação, não se pauta apenas em questões concernentes à proteção ao erário público, mas também em questões que envolvem os direitos individuais dos beneficiários.

Deste modo, conclui-se que apesar de existirem leis e regulamentos, não se pode afirmar que há padronização na análise dos atos de inativação, nem mesmo que as Cortes de Contas atuam exclusivamente como Tribunais de “Contas”, especialmente ao se tratar de apreciação destes atos específicos de inativação.


7 Referências

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2004.


Nota

[1] www.tce.pr.gov.br/historico


Abstract: The Court of the State of Paraná in the exercise of external control have among their responsibilities to assess the legality of the acts of inactivation for the purpose of granting them registration. However, despite the constitutional limitation of this act, it can be said that this Court set up only a court of "accounts" or it also acts as a court of "rights" in order to extrapolate their constitutional duties? On this issue problem, the objective of this study is to discuss the limits of performance of these Courts. The method used was exploratory and explanatory procedures through technical research literature, documentary and theoretical and empirical observation. As a result, it was established that no extrapolation of competence of the Court of the State of Paraná in the exercise of his assignment in assessing the legality of the acts of inactivation, acting in defense of the server, characterized in certain cases as a court of rights.

Keywords: Court of the State of Paraná, competence, inactivation.

Resumen: El Tribunal de Justicia del Estado de Paraná, en el ejercicio del control externo tiene entre sus responsabilidades de evaluar la legalidad de los actos de inactivación con el fin de otorgarles el registro. Sin embargo, a pesar de la limitación constitucional de esta ley, se puede decir que esta Corte estableció sólo un tribunal de "cuentas" o también actúa como tribunal de "derechos" con el fin de extrapolar sus derechos constitucionales? En este problema problema, el objetivo de este estudio es analizar los límites de la actuación de estos tribunales. El método utilizado fue procedimientos exploratorios y explicativos a través de la literatura de investigación técnica, documental y observación teórica y empírica. Como resultado, se estableció que no extrapolación de la competencia de la Corte del Estado de Paraná, en el ejercicio de su misión en la evaluación de la legalidad de los actos de la inactivación, actuando en defensa de un servidor, que se caracteriza, en algunos casos como tribunal de derechos.

Palabras clave: Corte del Estado de Paraná, la competencia la inactivación.


Autores

  • Cristhian Carla Bueno de Albuquerque

    Cristhian Carla Bueno de Albuquerque

    Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, inscrita na Ordem dos Advogados do Paraná, especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar, metranda da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - área de pesquisa: Governança e Planejamento Público, Curitiba, Estado do Paraná, servidora do Tribunal de Contas do Estado do Paraná

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  • Antonio Gonçalves de Oliveira

    Graduado em Direito e Contabilidade, Mestre em Administração, Doutor em Engenharia de Produção, Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - DAGEE/CT e Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Planejamento e Governança Pública (PGP). Tutor do Programa de Educação Tutorial em Políticas Públicas (PET/MEC). Pesquisador e líder do Grupo de Pesquisa em Gestão Pública e Desenvolvimento (UTFPR/CNPq), Curitiba, Estado do Paraná.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Cristhian Carla Bueno de; OLIVEIRA, Antonio Gonçalves de. A função do Tribunal de Contas do Estado do Paraná na apreciação dos atos de inativação: tribunal de contas ou de direitos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3845, 10 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26359. Acesso em: 19 abr. 2024.