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Mais uma reflexão sobre atividade econômica e serviço público

Mais uma reflexão sobre atividade econômica e serviço público

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É possível o Estado agir sem prestar serviço público? Por outro lado, é possível o particular agir numa concessão sem exercer atividade econômica?

I – Introdução

A distinção entre atividade econômica e serviço público, que demanda prévia definição de ambas as expressões, possui relevância perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Basta ver, por exemplo, que a Constituição Federal, em seu art. 173, somente permite a atuação direta do Estado na atividade econômica “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”, embora ressalve outros casos nela previstos.

Por sua vez, no art. 175,preceitua que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

Pode-se, já com esses dispositivos, questionar se um particular que assuma a prestação de um serviço público por meio de concessão faria isso por interesse outro que não o econômico. Seria para ele um ato de patriotismo e doação ao interesse público ou estaria, conquanto legitimamente, explorando atividade econômica?

Embora exista já bastante material sobre o assunto, ainda não estou satisfeito e esclarecido com o que encontrei até o presente momento.

Ainda existe controvérsia no tema, como se pode ver no acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46-7/DF, de 5 de agosto de 2009[1], em que os ministros do Supremo Tribunal Federal divergiram quanto à natureza do serviço postal e quanto à validade da exclusividade de sua prestação pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, como estabelecido pela Lei nº 6.538, de 22 de junho 1978[2].

O Ministro Marco Aurélio citou afirmação de Marcello Caetano, segundo o qual só haveria justificativa para o Estado assumir “serviços públicos de natureza econômica” se a iniciativa privada não os prestasse de forma eficiente e atendendo o interesse público. Para esse ministro, não tendo a Constituição de 1988 assegurado monopólio em relação ao serviço postal, seria desnecessário perquirir se ele seria atividade econômica ou serviço público. Concluiu seu voto no sentido de que a exclusividade dessa empresa pública não teria sido recepcionada pela Constituição.

O Ministro Eros Grau, por sua vez, entendeu que o serviço postal seria serviço público. Esclareceu que a expressão monopólio se refere a atividade econômica, ao passo que, quando se trata de serviço público, fala-se em exclusividade, uma situação de privilégio. Para ele, seria constitucional essa exclusividade.

Eros Grausistematiza as atividades previstas nos artigos 173 e 175 da Constituição como sendo espécies de “atividade econômica em sentido amplo”. A atuação estatal na economia se daria por meio de “atividades econômicas em sentido estrito”, referidas no art. 173. Ao lado dessas atividades, estariam os serviços públicos, tratados no art. 175 da Constituição[3].

Sobre as atividades econômicas em sentido estrito, há infindáveis hipóteses que podem ser imaginadas como de relevante interesse coletivo ou mesmo de imperativos da segurança nacional, devendo a lei definir no caso concreto cada uma das situações.

Relativamente ao serviço público, mencionado no art. 175 da Constituição, sua prestação compete, segundo Eros Grau,preferencialmente ao setor público[4]. Por outro lado, as atividades econômicas em sentido estrito, por conseguinte, ficam à disposição da iniciativa privada, conforme dispõe o parágrafo único do art. 170 da Constituição[5].

Em sendo lucrativas, ambas serão objeto de desejo da iniciativa privada. Em se tratando de serviço público, a atuação privada buscará submetê-lo ao mesmo regime das atividades econômicas em sentido estrito. Esse conflito é bem retratado por Eros Grau:

Pretende o capital reservar para sua exploração, como atividade econômica em sentido estrito, todas as matérias que possam ser, imediata ou potencialmente, objeto de profícua especulação lucrativa. Já o trabalho aspira atribua-se ao Estado, para que este as desenvolva não de modo especulativo, o maior número possível de atividades econômicas (em sentido amplo). É a partir deste confronto – do estado em que tal confronto se encontrar, em determinado momento histórico – que se ampliarão ou reduzirão, correspectivamente os âmbitos das atividades econômicas em sentido estrito e dos serviços públicos. Evidentemente, a ampliação ou retração de um ou outro desses campos será função do poder de reivindicação, instrumentado por poder político, de um e outro, capital e trabalho. A definição, pois, desta ou daquela parcela da atividade econômica em sentido amplo como serviço público é – permanecemos a raciocinar em termos de modelo ideal –decorrência da captação, no universo da realidade social, de elementos que informem adequadamente o estado, em um certo momento histórico, do confronto entre interesses do capital e do trabalho[6].

Ocorre, contudo, que não parece claro se o simples fato de haver relevante interesse coletivo ou imperativos da segurança nacional poderia autorizar o Estado praticar qualquer “atividade econômica em sentido estrito”.

Quanto ao particular, por seu turno, sua iniciativa pode ser limitada por lei, sem que para isso a Constituição faça qualquer exigência, como faz ao restringir a atuação estatal direta no domínio econômico[7]. Haveria limites para essa restrição?

Nesse âmbito, um interessante caso é o serviço de táxi. Embora não se trate de transporte coletivo[8], os Municípios normalmente o controlam, não apenas fazendo certas exigências, mas chegando até a limitar a possibilidade de sua prestação apenas a alguns cidadãos, escolhidos por critérios variados[9].

Quanto aos serviços públicos, é necessário perquirir se seriam eles apenas aquelas atividades que a Constituição expressamente atribui ao Estado[10]. Também precisa ser esclarecido se qualquer prestação atribuída ao Poder Público seria serviço público.

Note-se, por exemplo, que, embora não haja tanta controvérsia sobre o fato de o serviço de transporte prestado pelo Estado ter natureza de serviço público, o mesmo não ocorre com o serviço prestado pelo Poder Judiciário[11].

Mas é possível o Estado agir sem prestar serviço público? Por outro lado, é possível o particular agir sem exercer atividade econômica?

Salvo melhor juízo, essas questões ainda hoje não estão solucionadas de forma pacífica.

O presente texto pretende, por isso, analisar de forma crítica os conceitos vigentes de serviço público e de atividade econômica.


II - Premissas

Tratando-se de expressões contidas no texto constitucional, é em seu âmbito que deve ser pensado o alcance semântico delas.

A Constituição é estruturada em torno de certos princípios fundamentais, dentro dos quais são eleitos objetivos a serem alcançados pela República[12].

Gilberto Bercovici aponta que, conquanto a atual Constituição ainda seja democrática e social (ou programática), ela inova em termos de modelo[13], passando a ser dirigente[14], já que traz um plano de desenvolvimento, um projeto de transformação do país para superar o subdesenvolvimento[15].

Para ele é “necessária uma política deliberada de desenvolvimento, em que se garanta tanto o desenvolvimento econômico como o desenvolvimento social, dada sua interdependência”[16].

Entre os princípios da Ordem Econômica, consta a função social da propriedade, como limitação e diretriz à livre disposição desse direito, cujo exercício deve ser dirigido ao bem coletivo.

Essa orientação tem especial configuração quando se trata de bens de produção, segundo lição de Toshio Mukai, em obra anterior à Constituição de 1988, mas que permanece válida:

Enfim, numa ordem econômica capitalista, a propriedade dá o poder de disposição privada dos meios de produção, mas tendo ela uma função social, esse poder sofre restrições por parte do Poder Público, que diz respeito aos bens econômicos, aquelas restrições que se transmudam em restrições à liberdade de empresa[17].

A mesma ideia é encontrada em Fábio Konder Comparato:

A chamada função social da propriedade representa um poder-dever positivo, exercido no interesse da coletividade, e inconfundível, como tal, com restrições tradicionais ao uso de bens próprios. A afirmação do princípio da função social da propriedade, sem maiores especificações e desdobramentos, tem-se revelado, pela experiência constitucional germânica, tecnicamente falha.

A destinação social dos bens de produção não deve estar submetida ao princípio da autonomia individual nem ao poder discricionário da Administração Pública. O abuso da não utilização dos bens produtivos, ou de sua má utilização, deveria ser sancionado mais adequadamente.[18]

Não só os bens possuem uma função social, mas o próprio mercado em que eles são transacionados. Nesse aspecto, o art. 219 da Constituição é expresso:

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Os objetivos da República previstos no art. 3º da Constituição, dessa forma, dependem da colaboração de seus cidadãos, bem como do Estado, que, por sua peculiar posição, acaba sendo o principal destinatário da referida norma, bem como responsável por garantir a observância dos princípios do art. 170 da Constituição[19].

A colaboração, imposta pelo preceito da solidariedade, é essencial para manter a coesão social, uma vez que, levada a cultura competitiva a suas últimas consequências, poderá haver, como resultado, exclusão e, por conseguinte, desagregação. E o homem está em sociedade para ter melhores condições de vida do que teria se vivesse isoladamente, mas dela deve participarcom seu trabalho, conforme sua capacidade, para usufruir de seus benefícios.

A sociedade é incompatível com a exploração, seja dos que abusam de seu poder econômico, seja dos que se valem de sua condição de necessitado para, de má-fé, parasitar o bem comum[20].

Deve-se romper ainda com a dicotomia entre Estado e sociedade. O Estado é seu povo. Quando se diz que o Estado atenta contra o povo, na prática, isso nada mais é do que um grupo de pessoas que, travestidas da autoridade estatal, abusam do poder que lhes é entregue como instrumento para consecução do interesse coletivo[21].

Parece decorrer do que foi exposto até aqui que os conceitos que sejam adotados para serviço público e para atividade econômica na Constituição não podem descurar dos objetivos nela constantes e segundo as circunstâncias atuais.

A construção desses conceitos é feita num diálogo entre intérprete e texto[22]. O intérprete, dotado de crenças sobre sua realidade, é por elas influenciado na forma como apreende o sentido do texto[23].

Como muda a realidade do intérprete, muda a influência dela na ação interpretativa e, por conseguinte, a própria interpretação[24].

Mas essa modificação é necessária para que o texto, que é estático, acompanhe até onde for possível a evolução social.

Se a interpretação leva em conta valores, julga qual a alternativa melhor para aplicação da norma e mesmo para sua elaboração, é temerário basear esse julgamento em percepções ou intuições sem uma pesquisa empírica para fundamentá-lo[25].

Com isso, embora a percepção da realidade não sirva para sustentar uma afirmação sem uma base empírica devidamente elaborada, pois corre o risco de ser parcial e equivocada, isso não significa que ela não possa ser usada para contestar posições sem essa mesma base.

Dito de outra forma, um fato isolado não serve para justificar um julgamento generalista, mas pode ser utilizado para confrontar uma afirmação de caráter geral em sentido contrário, quando ela tenha pretensão de ser exata, mas não seja dotada de comprovação.

Por isso, conquanto se possa questionar o fato de haver citações que serão feitas no decorrer do texto extraídas de autores com posições incompatíveis[26], elas não serão tomadas como uma regra geral inquestionável, mas apenas como fundamento para infirmar eventuais certezas.

Se duas afirmações contraditórias sobre o mesmo fato estão certas, isso provavelmente decorre do fato de serem parciais.

Quando pressupostossão tomados como verdades, invariavelmente se entra em um estado de insegurança. A certeza, ou pelo menos a segurança, parece estar apenas no estado de ignorância, no “só sei que nada sei”.

Por fim, ainda em sede de estabelecimento de parâmetros para o tratamento do tema, é importante ressaltar o papel do jurista.

Invariavelmente, a forma como o jurista encara seu papel decorre de suas crenças.

Embora o presente texto tenha pretensão jurídica, a economia tem íntima relação com o assunto nele tratado, sendo que ambos, direito e economia, como conhecimento sistematizado, nascem juntos com o capitalismo[27].

No campo da economia, como se vê na obra de Adam Smith, as descobertas das ciências naturais tiveram grande influência[28].

Para o direito, não deveria ser diferente. Seria proveitoso se fosse possível uma plena compreensão do funcionamento da sociedade, das regras naturais que a regem. Esse conhecimento propiciaria melhor qualidade das normas jurídicas editadas para conduzi-la.

Ocorre que os juristas, em princípio, não chegam a um acordo nem mesmo quanto ao objeto de seu estudo. É o que se extrai de Hans Kelsen, que, apesar de afirmar que o objeto da ciência jurídica seria apenas a norma jurídica[29], reconhece a existência de outras posições assinala que:

2.É esta a posição da Teoria Pura do Direito em face da chamada teoria “egológica” do Direito que afirma ser objeto da ciência jurídica constituído não pelas normas, mas pela conduta humana; e em face da teoria marxista, que considera o Direito como um agregado das relações econômicas.[30]

José Reinaldo de Lima Lopes também ressalta essa controvérsia, citando cita Lawrence Friedman:

Gosto de usar a tripartição simplificada de Lawrence Friedman: o direito pode ser visto como ordenamento, isto é, como o conjunto de regras e leis (estudar direito seria então estudar leis e princípios); pode ser visto como uma cultura, um espaço onde se produz um pensamento, um discurso e um saber; e pode ser visto como um conjunto de instituições, aquelas práticas sociais reiteradas, as organizações que produzem e aplicam o próprio direito.[31]

A concepção do que estaria dentro ou fora do aspecto jurídico varia segundo o sujeito cognoscente, segundo creio. O aplicador da lei decide no caso concreto até onde o direito deve intervir. Da mesma forma, o pesquisador decide, no caso concreto, até onde estenderá sua pesquisa.

Alysson Leandro Mascaro, por exemplo, sintetiza as concepções do direito em três vertentes. Segundo ele, a primeira vertente seria a positivista, que reduziria o direito à norma estatal. A segunda seria a não-positivista, que adotaria uma visão um tanto mais ampla, incluindo a noção do poder. A terceira estaria representada pelas correntes marxistas, que teriam um enfoque ainda mais amplo do fenômeno jurídico[32].

Num determinado tempo e lugar, as relações sociais ocorrem de determinada maneira em razão das circunstâncias aí existentes. Compreender esse contexto é indispensável para se decidir o modo de alterar seu funcionamento e direcioná-lo aos fins traçados democraticamente.

Essa compreensão é necessária ainda que, no comportamento humano, não se possa esperar uma relação de causalidade necessária como ocorre com outros eventos da natureza.

Pode-se afirmar que o homem é movido no sentido da satisfação de seus interesses, sendo o mais primário deles a própria sobrevivência[33].

Estudos apontam certos padrões de comportamento que evidenciam a busca do homem pela melhoria de sua situação, bem como o fato de ele agir por incentivos[34].

Buscar a satisfação do interesse não significa necessariamente egoísmo, no sentido de um vício, segundo os valores vigentes. Em determinado caso concreto, a satisfação do homem pode ocorrer com alguma ação considerada boa, conforme esses mesmos valores, como a ajuda a um necessitado. O homem, no caso concreto, pode considerar melhor ajudar alguém do que permanecer inerte.

Enfim, não parece correto ou útil generalizar uma visão boa ou má do homem[35].

Na busca da satisfação de seus interesses, o homem se baseia em suas crenças[36]. Com isso, quer-se evidenciar que não importa tanto a realidade, mas o que é considerado real pelo homem. Para esclarecer, basta pensar nas normas proibitivas que fixam sanção por seu descumprimento. Caso o agente acredite que não será punido, essa crença poderá levá-lo a descumprir a norma, na medida em que isso lhe propicie algum benefício[37].

A crença individual é influenciada pela crença coletiva, que interfere na ação humana, como salienta Raymond Aron, ao comentar a obra de Durkheim, “O suicídio”, de 1897:

Mesmo nas sociedades baseadas na diferenciação individual, subsiste o equivalente da consciência coletiva das sociedades em que impera a solidariedade mecânica, isto é, as crenças, os valores comuns. Se esses valores comuns se debilitam, se a esfera dessas crenças se reduz demasiadamente, a sociedade fica ameaçada de desintegração.[38]

Essas noções são importantes para uma melhor aplicação e mesmo elaboração da lei, das normas, enfim, do direito, que é o âmbito em que a presente pesquisa se desenvolve.

A propósito, Calixto Salomão Filho sustenta que o papel do jurista não pode se restringir a ser mero auxiliar na interpretação da norma, mas deve participar da própria elaboração de políticas públicas e, com isso, participar da busca do desenvolvimento determinada pelo art. 3º do texto constitucional.[39]

Com essas premissas, pode-se iniciar a tentativa de se construir os pretendidos conceitos de serviço público e de atividade econômica, bem como de dar uma resposta aos problemas colocados no início.


III – Conceito de serviço público

O conceito de serviço público no direito brasileiro, segundo Gilberto Bercovici, tem origem na França, com a Escola do Serviço Público[40].

Essa noção serviria de critério fundamental para a definição da jurisdição administrativa na França, deixando para a jurisdição comum as atividades que não fossem serviço público[41].

Celso Antônio Bandeira de Mello menciona que o caso “arrêt Blanco” de 1873, julgado pelo Tribunal de Conflitos, seria considerado pela doutrina como a principal decisão que teria introduzido a noção de serviço público na jurisprudência francesa[42].

Léon Duguit, chefe da Escola do Serviço Público, tomou como base a jurisprudência francesa, incluindo esse caso, para formular seu conceito: “é toda atividade cujo cumprimento seja assegurado, regulado e controlado pelos governantes, porque o cumprimento dessa atividade é indispensável à realização e ao desenvolvimento da interdependência social, e que é de tal natureza que pode ser realizada completamente apenas pela intervenção da força governante”[43].

Essa concepção seria sociológica na opinião de Celso Antônio Bandeira de Mello, já que forneceria apenas os contornos de um fenômeno que serviria para o legislador e para o político, mas não para o jurista[44]. Seria um conceito material ou objetivo, que se focaria na atividade exercida.

Gilberto Bercovici esclarece que essa função do Estado, em Duguit, é um dever fundamental para garantir a solidariedade social e mesmo para legitimá-lo[45].

Roger Bonnard, para Celso Antônio Bandeira de Mello, embora estivesse próximo de Duguit por tentar caracterizar o serviço público de modo substancial, traria apenas uma definição orgânica, isto é, focaria na organização responsável pela prestação do serviço[46].

Por sua vez, Gaston Jèze, ainda na doutrina francesa, em vez de adotar a concepção material de Duguit, propõe uma definição jurídico-formal de serviço público, como “um procedimento técnico que se traduz em regime jurídico peculiar”. Teria sido essa última definição, a formal, a prevalente na doutrina nacional[47].

Maurice Hauriou, por fim, defenderia que o Estado se legitima a si e seu poder por servir a sociedade, mas só é capaz de servir se for dotado justamente deste poder que busca legitimar. Dessa forma, há um processo de articulação entre poder público e serviço público[48].

Calixto Salomão Filho informa que serviço público, para Hauriou é o “serviço técnico prestado ao público de maneira regular e contínua para satisfazer a ordem pública por meio de uma organização pública”[49].

Em suma, haveria três concepções de serviço público. A primeira delas objetiva ou material, correspondendo à “atividade exercida”. A segunda subjetiva ou orgânica “refletia a organização que prestava o serviço”. A última, formal, focava nas “características extrínsecas” do serviço[50].

Toshio Mukai assevera que, enquanto as concepções materiais e orgânicas se harmonizavam na época do Estado liberal, a prestação de serviços públicos pela iniciativa privada no âmbito do Estado Social de Direito acabaram por prejudicar a noção de serviço público, colocando-a em crise[51].

Para Celso Antônio, a crise do conceito de serviço público seria falsa, uma vez que decorreria da confusão entre as concepções jurídicas e metajurídicas. O que teria ocorrido seria a inadequação superveniente dos conceitos jurídicos vigentes para tratar dos fatos que evoluíram[52].

A identificação do conceito jurídico de serviço público para Celso Antônio deve utilizar como critério a vontade legislativa, como fez Jèze[53]. Será serviço público o que a lei previr como tal. Ele reconhece, contudo, que às vezes essa vontade não vem expressa na lei, hipótese em que se deveria buscar indícios dela na natureza jurídica da própria atividade do Estado, conforme “configurada no conjunto do sistema normativo vigente.”[54]

Em busca de um conceito, em sua obra “Participação do Estado na Atividade Econômica: Limites Jurídicos”[55], Toshio Mukai parte da distinção entre atividade jurídica e atividade administrativa. Aquela caracterizada pela coação legítima estatal empregada na tutela do ordenamento, por uma ação administrativa. Essa, pela prestação de serviços aos particulares, por meio de prestação administrativa, em que estariam incluídos os serviços públicos[56].

Passa então pela distinção entre serviços uti universi e uti singuli. Os primeiros prestados pelo Estado, no exercício de seu poder de império, para atender o interesse geral, de maneira indivisível. Os segundos seriam colocados à disposição de todos, podendo ser utilizados por determinadas pessoas, prestados pelo Estado, mas sem que essas prestações lhe sejam necessariamente privativas[57].

Diante da existência de serviços de natureza econômica e não econômica prestados pelo Estado, seja sob o regime de direito público, seja privado, teria havido a desvinculação entre a prestação de serviços públicos e o regime administrativo, a dissociação entre o sentido material do serviço e seu sentido orgânico[58].

Por isso, tornou-se necessário estabelecer critérios para identificar quais seriam, então, os serviços públicos bem como os limites para o Estado atuar na economia. Essa preocupação estaria no fato de, para ele, a relação de serviços prevista na Constituição[59] não ser exaustiva, o que permitiria ao legislador instituir outros serviços além daqueles.

Mas Toshio Mukai sustenta que o conceito formal, em que o conteúdo é dado por norma jurídica que o preenche, éincabível, pois daria ao legislador a possibilidade de invadir esfera privativa da livre iniciativa[60].Dessa forma, além de lei, também seria necessária a presença das demais características essenciais do serviço, como “potestade pública em benefício da coletividade”, “interesse geral ou necessidade pública, organização estatal (paraestatal ou comandada pelo Poder Público), bens e regime jurídico de direito público (parcial ou total)”[61].

Para contornar o problema dessa conceituação, ele considera que serviço público seria um conceito jurídico indeterminado, de modo que, embora passível de definição pelo legislador, estaria sujeito ao controle jurisdicional[62].Dentro da indeterminação haveria uma característica essencial, na justaposição do conceito material com o conceito formal. “Materialmente, serviço público é aquele que, dentro de certas circunstâncias de tempo e lugar, tenha transcendência, pela sua necessidade e essencialidade para a comunidade; portanto, é ele anterior ao Estado mesmo.” A característica fundamental seria, então “sua essencialidade para a comunidade”[63]. Do ponto de vista formal, completando a noção de serviço público, seria necessário o legislador concretizar essa atividade[64].

Interessante é ainda a distinção feita pelo autor entre serviços públicos econômicos e serviços públicos administrativos, bem como a diferenciação entre serviço econômico de interesse geral e serviço econômico simples.

Os serviços públicos econômicos estariam sujeitos a um regime de direito privado, mas submetidos a certas regras de direito público. Embora passíveis de serem lucrativos, seu objetivo principal seria o atendimento do interesse público, motivo pelo qual, quando deficitário, poderia ser subsidiado pelo Estado. Enquanto nos serviços públicos as discriminações entre usuários não seja admitida, isso seria possível nos serviços públicos econômicos[65].

Os serviços econômicos de interesse geral podem ser prestados pelo Estado e pelos particulares. Não são serviços públicos por não serem dotados da característica da regularidade, nem são atividades econômicas simples pelo fato de interessarem a toda coletividade, motivo pelo qual seu exercício dependeria de autorização do Estado e se sujeitaria a sua fiscalização. Seriam exemplos as atividades financeiras, as explorações minerais e florestais etc.[66].

Prossegue o autor tentando diferenciar os serviços públicos econômicos dos serviços econômicos de interesse geral. Aponta, inicialmente, que seria impossível classificar as atividades econômicas que seriam serviços públicos. As características dos serviços públicos econômicos estariam na sua essencialidade, na sua comum sujeição a monopólio natural, na exigência de grande soma de recursos para sua implementação e na necessidade, em regra, de utilização de bens públicos e de atos de autoridade[67]. Enquanto os serviços públicos econômicos teriam em sua estrutura o interesse público, os serviços econômicos de interesse geral teriam a presença do interesse público em sua finalidade[68].

Conclui, então, com o seguinte conceito de serviço público:

...aquele que o Estado, ao elegê-lo como tal, exerce-o diretamente ou por interpostas pessoas, e que, por atender a necessidade essencial ou quase essencial da coletividade apresenta um interesse público objetivo em sua gestão.[69]

Celso Antônio Bandeira de Mello, por seu turno, em obra de 1979, também prega a conciliação entre a concepção formal e a material[70]. Para ele, o serviço público pode ser conceituado como:

... toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de direito público – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.[71]

Na sua opinião, a relação constitucional de serviços públicos não é exaustiva, embora o legislador não possa instituir outros serviços dessa natureza sem observar os limites constitucionais[72], limites esses ligados à ordem econômica e social, incluindo o respeito à livre iniciativa[73].

Ele esclarece que entre todas as atividades possíveis em uma sociedade, algumas seriam públicas e outras privadas, sendo a Constituição o guia para essa diferenciação[74].

Em primeiro lugar, as atividades econômicas seriam serviços privados, cuja prestação seria preferencialmente feita pela iniciativa privada. Mesmo quando o Estado os prestasse, tais serviços continuariam a ter natureza privada[75].

Por outro lado, a Constituição indicaria alguns serviços como de competência do Poder Público, o que os tornaria “suscetíveis de configuração como serviço público.”[76]

Entre esses, haveria os privativos do Estado e aqueles que só seriam serviços públicos se prestados por ele, uma vez que seria possível a prestação pelos particulares[77].

Em obra mais atual, de 2011, Celso Antônio Bandeira de Mello praticamente manteve seu conceito[78]:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.

O regime público seria instrumento para assegurar a regular prestação do serviço público[79].

Explicando seu conceito, Celso Antônio, quanto ao substrato material, assevera que ele não abarca toda atividade pública, material e jurídica. Menciona ainda que restringiu-se aos serviços uti singuli, pois os uti universi estariam entre as “prestações administrativas da Administração aos Administrados”[80]. O regime de direito público, relativo ao aspecto formal do conceito, abrangeria os princípios da prestação estatal obrigatória, supremacia do interesse público, adaptabilidade, universalidade, impessoalidade, continuidade, transparência, motivação, modicidade das tarifas e controle[81].

No que diz respeito à figura do responsável pela prestação do serviço, houve uma pequena alteração em sua posição, pois passou a separar os serviços, de acordo com a Constituição atual, da seguinte forma: a) prestação obrigatória e exclusiva do Estado; b) prestação obrigatória do Estado com dever de outorgá-la em concessão; c) prestação obrigatória pelo Estado, sem exclusividade; d) prestação não obrigatória pelo Estado, mas com dever de promover-lhe a prestação quando não o fizer diretamente[82].

Dinorá Adelaide Musetti Grotti aponta que a prestação de serviços públicos diretamente pelo Estado deixou de ser a regra para ser exceção. E essa prestação de serviço público por particulares passou até mesmo, em certos casos, a ser regida pelo direito privado[83].

Contudo, Calixto Salomão Filho é enfático ao afirmar que nos setores não-regulamentáveis, o Estado deve prestar diretamente o serviço. Seriam setores não passíveis de regulamentação aqueles em que a atividade puder causar externalidades sociais[84].Além disso, ele demonstra que o direito administrativo brasileiro utilizaria o regime dos serviços públicos como principal forma de regulação da economia[85].

Sobre a questão de estar esgotada ou não a relação dos serviços públicos no texto constitucional, a pesquisa de Fábio Ferraz Marques revelou que a maioria da doutrina admite que a lei possa instituir outros serviços, “desde que respeitados limites constitucionais para tanto”[86].

É a mesma conclusão de Celso Antônio, quando tratou dos limites constitucionais para caracterização de um serviço como público[87]. Para ele, o legislador não poderia afrontar as garantias da livre iniciativa, nem tornar atividades econômicas serviços públicos.Embora o constituinte não a tenha conceituado, a expressão “atividade econômica”, de acordo com esse autor, deveria ser tomada em seu sentido comum, vigente em determinada sociedade. E mesmo que o Estado exerça atividades dessa natureza, elas não seriam serviço público[88].

A fluidez do conceito de serviço público também é acentuada por Dinorá Grotti:

Cada povo diz o que é serviço público em seu sistema jurídico. A qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano da concepção do Estado sobre seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes em um dado tempo histórico.[89]

Reunindo as ideias até aqui expostas, verifica-se que o ponto crítico dos serviços públicos está justamente nessas atividades não previstas na Constituição. Segundo o que foi visto, se vierem a ser previstas em lei e exercidas pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, poderá ser serviço público ou não.

Serão serviço público, de acordo com essa linha de raciocínio, se atenderem uma necessidade coletiva em regime de direito público. Senão, serão atividades econômicas.

Celso Antônio Bandeira de Mello assevera que limitou o conceito de serviço público para que ele tivesse préstimo, de modo a não abarcar realidades distintas:

Se a expressão serviço público tivesse amplitude tão lata que abrangesse atividade material e jurídica assumida pelo Estado como pertinente a si próprio, a noção de serviço público perderia seu préstimo, pois abarcaria realidades muito distintas entre si, coincidindo, afinal, com o conjunto de atividades do Estado, sem extremá-las com base nas características de cada qual e nas particularidades dos respectivos regimes jurídicos. Em suma: haveria mera superposição da noção de serviço público à noção de atividade pública, nada agregando de particularizador dela. Por abranger objetos muito díspares, seria, então imprestável para isolar um conjunto homogêneo de princípios e normas.[90]

Mas façamos uma análise para verificar o que há de peculiar naquilo que esse autor chama de serviço público. Para tanto, comparemos o serviço judiciário, que não seria considerado serviço público, com o serviço telefônico, que seria considerado.

Ambos são fruíveis individualmente; são prestados pelo Estado, embora o telefônico admita delegação; há um regime consagrador de prerrogativas de supremacia em ambos. Talvez a única diferença esteja no que ele chama de “utilidade ou comodidade material”. É certo, contudo que, se o termo “material” forutilizado num sentido de algo concreto, tangível, no serviço de comunicação ele poderá ser questionado. Se fosse fornecimento de água, ele seria mais adequado.

Mas não se nega a diferença entre utilidade que há no serviço prestado pelo Poder Judiciário e a que existe no serviço telefônico. O primeiro tem a possibilidade de interferir na esfera jurídica do sujeito ainda que contra a vontade deste. Ocorre que a tutela jurisdicional buscada, em regra, traduz-se em pecúnia ou outro bem material, por vezes mais material do que o serviço telefônico.

Se se chamar de atividade jurídica aquela que não produz diretamente efeitos concretos, como ficaria a situação dos serviços públicos de registradores e notários? Seu serviço se presta fundamentalmente para garantir segurança jurídica. Opera principalmente no mundo jurídico e não no mundo fático, em que são produzidos papéis e registros eletrônicos. Se se alegar que o papel ou registro gerado seria o bem ou utilidade material, então se poderá aduzir que a sentença judicial também o é.

Enfim, se o objetivo de restringir o conceito de serviço público era encontrar a intersecção, os elementos comuns dos diversos serviços públicos existentes e a existir, para que a respeito de tal conjunto fossem encontradas as normas que formassem um regime único peculiar, então ele parece não ter sido alcançado.

A variedade dos serviços parece não permitir essa reunião de uma única forma. Há princípios aplicáveis ao conjunto dos chamados serviços públicos “materiais” que também se aplicam às “atividades jurídicas” (supremacia, continuidade etc.).

Uma distinção que talvez possa ser feita na prática seja entre serviços em que o destinatário da ação estatal é seu beneficiário direto e serviços em que o destinatário não seria necessariamente o beneficiário. Explico-me.

No caso da prestação de serviço de fornecimento de água, o destinatário desse serviço é seu beneficiário. O mesmo não se pode dizer quando o Estado fiscaliza e multa um administrado ou quando desapropria seu imóvel.

Nesses dois últimos casos, o destinatário da ação estatal não recebe um benefício direto. Ao invés, normalmente é atingido por um ato contrário aos seus interesses. Talvez no caso da fiscalização até se possa admitir que, em alguns casos, ela vise à segurança de todos, inclusive do próprio fiscalizado. Mas na prática, é a coletividade a beneficiária da atuação estatal.

Ocorre, todavia, que se todos os atos estatais forem, ainda assim, considerados como serviço público, seria difícil vislumbrar essa natureza nos contratos administrativos. É certo que, nesses contratos, o contratado, ao prestar um serviço ou oferecer um bem à Administração, recebe uma remuneração que lhe pode proporcionar lucro e, assim, ser-lhe vantajosa. Mas o serviço é destinado à Administração e não ao contratado.

Então, para efetivamente sistematizar os atos estatais, discernindo serviços públicos daqueles que não teriam essa natureza, sugeriria excluir do âmbito dos serviços públicos os atos de intervenção na propriedade, os atos de polícia e os contratos administrativos.

Esses atos seriam instrumentais à prestação do serviço público. Nessa linha, o Estado intervém na propriedade individual, por exemplo, para garantir o bem-estar da coletividade. Ele fiscaliza e pune para, entre outras coisas, buscar segurança. Firmaria contratos administrativos como meio de prover o funcionamento de seus serviços. Enfim, os atos instrumentais servem de meio à satisfação do interesse coletivo.

Retirando, então, essas três atividades estatais, as demais seriam consideradas como serviço público, independentemente das diversas peculiaridades que cada uma possa ostentar, seja quanto à natureza econômica ou não, seja quanto à possibilidade de delegação ou não.

Essa posição, porém, demanda esclarecer, então, quais seriam os serviços passíveis de permissão ou concessão, além de delimitar o espaço que caberia à iniciativa privada.

Por não se ter chegado a algo mais firme e preciso no âmbito do serviço público até aqui, a pesquisa prosseguirá no campo da atividade econômica.


IV – Atividade Econômica

Celso Antônio reconhece que a Constituição não define o que seja “atividade econômica” e sustenta que ela é obtida por exclusão, após o legislador ter definido o que seja serviço público[91].

Aduz que, conquanto também seja fluido, seu conceito comporta uma zona de certeza, em que indubitavelmente seja possível afirmar que se trata de atividade econômica[92]. Ocorre que essa zona não é indicada por ele.

A palavra economia, em sua origem, diz respeito à “administração da casa”, ao suprimento das necessidades[93].

As necessidades podem ser melhor traduzidas em desejos, algo pela qual as pessoas se interessem.Os homens agem para satisfazer esses interesses, dos mais nobres aos mais vis.

Vale lembrar que mesmo os atos ilícitos têm relevo para o direito, estando previstos normativamente. Aliás, a renda obtida com atividade ilícita também é sujeita à tributação[94].

Essas atividades, o homem as pratica para si ou para outrem, como meio para satisfazer seus próprios interesses, ou diretamente por meio delas, ou com os recursos que obterá ao trocar o produto de sua atividade no mercado.

Quando emprega recursos em uma atividade dessa natureza, ele forçosamente terá que esperar lucro. Com efeito, se seu objetivo não é essa atividade, já que ela é apenas meio para satisfazer seus interesses, os recursos que serão obtidos com ela necessariamente deverão superar os custos. Caso contrário, o homem empregaria seus recursos diretamente naquilo que desejasse.

As atividades voluntárias e de benemerência normalmente são atividades que poderiam ser oferecidas mediante um preço, mas este é dispensado por quem as presta.

Celso Antônio assevera, todavia, que seria inútil utilizar o lucro como critério distintivo da atividade econômica. São suas palavras:

Seria inútil pretender configurar “atividade econômica” como aquela suscetível de produzir lucro, ou como aquela que é explorada lucrativamente. Qualquer atividade (salvantes as de mera benemerência) e mesmo os serviços públicos mais típicos são suscetíveis de produzir lucro e de exploração lucrativa. Aliás, se não o fossem, não poderia existir a concessão de serviços públicos, pois o que nela buscam os concessionários é precisamente a obtenção de lucros com a exploração do serviço.[95]

Creio que é justamente aqui que se deixou passar a oportunidade de se chegar a um conceito preciso de atividade econômica.

Como visto acima, o homem pratica uma atividade para com ela satisfazer suas necessidades diretamente ou por meio dos recursos por ela propiciados. A atividade econômica ocorre nesse segundo caso, quando o homem emprega recursos na produção de bens ou serviços para serem trocados no mercado.

É justamente o fato de um produto ou serviço ser suscetível de troca no mercado para obtenção de lucro que o torna econômico.

A atividade econômica é aquela destinada a majorar o patrimônio do indivíduo. A majoração só é possível se sua atividade for lucrativa, isto é, se o produto de sua atividade for colocado no mercado por um valor superior aos recursos empregados em sua fabricação.

Mas deve ser notado que o fato de eventualmente haver prejuízo não faz com que a atividade deixe de ser econômica.

Então a caracterização da atividade econômica está na intenção do agente que a pratica e não em seu resultado.

O que pode ser feito no mercado não se mostra passível de predição. Já há quem venda a virgindade[96] ou mesmo quem se ofereça para ter o corpo tatuado com a propaganda de algo em troca de dinheiro[97], sem contar as atividades tidas como ilícitas.

Essa grande margem de possibilidades, ao que tudo indica, fez com que Eros Grau considerasse os serviços públicos como espécie de atividade econômica, como visto acima[98].

E o intuito lucrativo foi o critério utilizado como caracterizador da atividade econômica na Constituição, como demonstram alguns exemplos.

O seu art. 43, §2º, IV, ao tratar de incentivos como forma de reduzir as desigualdades regionais, faz menção ao aproveitamento econômico de rios e de massas de água represadas[99].

Ao cuidar dos princípios gerais da ordem tributária, o art. 145, §1º, menciona “atividades econômicas do contribuinte” para se referir à aquilo que a pessoa pratica para auferir renda[100].

O art. 149, quando trata das contribuições de competência da União, cita “categorias profissionais ou econômicas” para respectivamente fazer alusão a trabalhadores e empresas[101].

A propósito, empresário, no art. 966 do Código Civil, é “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Já quando define associações, esse Código diz em seu art. 53 que elas se constituem “pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.” Fim não econômico é fim não lucrativo.

No capítulo dos princípios gerais da ordem econômica, a Constituição diz em seu art. 170: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...]”.

Tudo leva a crer que se quis fazer um contraponto entre trabalho e capital, trabalho humano e livre iniciativa, trabalho subordinado e trabalho autônomo ou empreendedorismo[102].

Para que seria livre a iniciativa? Para que o homem escolhesse a forma como pretende sobreviver.

É certo, todavia, que não se trata de total liberdade.

De um lado, ela deve cumprir sua função social, como já apontado acima e mencionado no seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do artigo 170 da Constituição Federal, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada[103].

Calixto Salomão Filho, na mesma linha, afirma que “livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta”[104].

Contudo, essa limitação também encontra barreiras. Não se pode limitar esse direito a ponto de anulá-lo[105].

Assim, colocados os traços da atividade econômica e os contornos do serviço público, cabe a tentativa de conciliá-los na solução dos problemas colocados no início.


V – A teoria e a prática

Em primeiro lugar, um particular que recebe a concessão de um serviço público faz uso dela como exercício de atividade econômica, já que possui intuito lucrativo. Em razão das disposições legais que regem essa atividade, a liberdade do particular é restringida, o que é admitido pela própria Constituição.

Com relação ao caso dos serviços postais, também se trata de atividade econômica, pelo menos em sentido amplo. Se prestada pelo Estado, contudo, será serviço público. Em razão de sua relevância, o Estado, por meio da Lei n.º 6.538, de 1978, garantiu-lhe direito de exclusividade na sua prestação.

Isso se justifica, na medida em que, pelas dimensões do Brasil e por sua diversidade, o resultado econômica da atividade não será o mesmo em todos os locais. Assim, os locais lucrativos compensam os deficitários[106].

Liberado à iniciativa privada, ocorreria sua concentração nos locais lucrativos, reduzindo o resultado do Estado e podendo prejudicar a prestação do serviço.

O problema, todavia, consiste no fato de haver na prática diversas empresas realizando transporte de pequenos volumes, com insegurança jurídica quanto ao enquadramento dessa atividade no privilégio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e, por conseguinte, quanto a eventual subsunção no tipo penal do art. 42 da Lei nº 6.358, de 1978, já citada acima.

Quanto à questão relativa à possibilidade de o Estado exercer qualquer atividade econômica em sentido estrito em caso de interesse coletivo e imperativos da segurança nacional, não parece haver grandes problemas. A Constituição não fez qualquer restrição quanto aos tipos de atividade, mas apenas quanto aos motivos que justificam a atuação estatal.

A restrição à livre iniciativa, por seu turno, será o contraponto da atuação estatal, do interesse coletivo. Sempre que o Estado atuar, necessariamente estará de alguma forma atingindo o interesse individual.

Na prática, a lei definirá o que é serviço público e ficará sujeita ao controle do Poder Judiciário.

Com relação ao serviço de táxi, trata-sede atividade econômica, mas, como visto, não é tão livre. Aliás, é muito limitada. Uma total liberdade, em tese, poderia aumentar a oferta do serviço e fazer a renda dos profissionais diminuir. Isso poderia refletir de forma negativa na qualidade do serviço. Por outro lado, um intervenção estatal pode gerar um mercado paralelo de transporte clandestino, bem como a venda do direito de operar. Enfim, em qualquer relação bilateral com interesses contrários, como essa, em que há clientes e prestadores de serviço, toda intervenção necessariamente acarretará o risco de favorecimento de uma parte em detrimento da outra ou de outrem[107].

Referente à natureza dos serviços prestados pelo Estado, isto é, se todos eles seriam serviços públicos, é certo que a Constituição faz menção no art.173 à exploração da atividade econômica por entes criados pelo Poder Público.

Chega a afirmar que, nesses casos, esses entes não poderão ter tratamento diverso daquele conferido aos particulares. Essa norma objetiva garantir uma concorrência justa, para que não haja prejuízo aos particulares[108].

Mas como imaginar que o Estado explore atividade econômica disfarçado de agente privado? Por trás do seu ente com personalidade jurídica de direito privado, haverá um forte vínculo com o regime de direito público para consecução das finalidades coletivas.

Não se deve olvidar que, ainda que a Constituição se refira a exercício de atividade econômica, isso não quer dizer que tal atividade, quando prestada pelo Estado, não sejaserviço público.

Essa afirmação, obviamente, reclama uma definição de serviço público, que a torne compatível com o texto constitucional.

Em princípio, o Estado não pode agir sem prestar serviço público, ainda que num sentido amplo.

Mesmo quando exerce um ato instrumental, como no poder de polícia, ainda que se possa sustentar que esse exercício não represente um serviço público em sentido estrito para o particular que sofre a fiscalização, inegavelmente se trata de um serviço público em favor da sociedade, normalmente realizado para buscar sua segurança.

Pode ser levantado o fato de as empresas estatais buscarem o lucro. Mas o lucro, que é para a iniciativa privada um fim, para os entes estatais é um meio para consecução de um fim maior, um fim coletivo.

É certo que o Estado pode doar um bem público para um particular, quando o interesse coletivo assim determine na lei. Pode ser citado como exemplo um pequeno Município que tenha doado um imóvel a um munícipe para que ele instale uma academia, como reconhecimento pelo fato de ter vencido uma competição esportiva internacional.Com base nesse exemplo e nessa linha de raciocínio, poderia ser inferido que haveria possibilidade de outorgar total liberdade a uma empresa estatal agir, já que “quem pode o mais, pode o menos”.

Ocorre que, enquanto o bem doado tem seu fim exaurido com a doação, o ente estatal privado continua existindo e deve continuar existindo para alcançar sua finalidade, que não se exaure na sua constituição.Seu lucro não poderá ser simplesmente apropriado por particulares[109]. Sua atividade não poderá ser totalmente livre e com fins tão somente especulativos.

Tanto é verdade que esses entes estão sujeitos a uma série de normas que afastam a autonomia da vontade do administrador, obrigando-o a licitar e a contratar por concurso público.

Aqui é interessante notar um certo paradoxo: Os entes estatais, que, segundo a doutrina, exploram atividade econômica em regime privado, estão sujeitos a uma série de restrições de ordem pública[110]. Os serviços públicos, que teriam como característica citada pela doutrina o “regime de direito público”, são concedidos a particulares que podem contratar quem bem entenderem, sejam empresas, sejam as pessoas de seu quadro...

Enfim, aquilo que a Constituição Federal chama de atividade econômica explorada pelo Estado é para ele uma espécie de serviço público, com regime próprio, seja para proteger o particular, principalmente quanto ao aspecto concorrencial, seja para proteger o erário, evitando desvio de recursos públicos.

Voltando ao lado extremo do serviço público, não se pode negar que o Poder Judiciário preste serviço público. E um serviço remunerado por taxas inclusive.

Por que não considerar esse serviço um serviço público? Não há um bem material entregue mediante a tutela jurisdicional? Essa prestação não tem um valor e na maioria das vezes econômico?

E para os que defendiam a indelegabilidade do serviço prestado pelo Poder Judiciário, não há como negar que o advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, trouxe uma revolução ao permitir a arbitragem na solução de litígios. Não se trata, sequer, de serviço público delegado. Essa lei admite que o particular, qualquer pessoa capaz, julgue litígios, se assim concordarem as partes, e não faz nenhuma exigência para autorizar a prestação desse serviço.

A apreciação da decisão do árbitro pelo Judiciário é cabível apenas em casos excepcionais, uma vez que a regra, segundo os termos do art. 18 dessa Lei, é a seguinte: “Art.18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”

Quanto ao serviço de segurança pública, previsto no art. 144 da Constituição[111], sem dúvida é de natureza pública. Mas o que será dito acerca dos serviços de segurança privada? Será serviço privado quando explorado pela iniciativa privada, assim como saúde e educação, estando entre aqueles que o particular pode exercer concomitantemente com o Poder Público?

Como distinguir os casos em que um serviço só pode ser prestado pelo particular mediante concessão ou permissão dos demais, em que ele pode exercer livremente ou dependendo de mera autorização?

Em princípio, além dos casos citados expressamente na Constituição, será necessário conceder ou permitir sempre que o exercício da atividade depender da utilização de bens públicos, como as vias públicas e os rios[112].

E haverá casos em que nem se deverá conceder ou permitir, como lembrado por Calixto Salomão Filho[113]. Para ele, serviços que possam gerar externalidades não teriam condições de serem prestados adequadamente, do ponto de vista coletivo, por particulares. “É inútil tentar mudar sua natureza através de regimes jurídicos específicos”[114].

Um exemplo que colocaria em debate seria a administração de planos ou seguros de saúde. Trata-se de um ramo em que, quanto maior o número de participantes, melhor a condição para consumidores e prestadores de serviço. Aqueles teriam que pagar menos e esses poderiam receber mais. Além disso, uma grande quantidade de participantes poderia, em tese[115], tornar o sistema mais sólido.

Esses administradores prestam um serviço relevante, inclusive tendo mais possibilidades de negociar melhores condições de preços e serviços com os prestadores. Por outro lado, o seu legítimo intuito lucrativo, talvez não seja compatível com a natureza do serviço. Isso porque, a relação bilateral básica entre paciente e prestador de serviço de saúde já possui sua própria tensão natural para fixação do preço, em que o primeiro pretende pagar o menor preço e o segundo cobrar o maior preço. O ingresso do intermediário pode aumentar essa tensão, já que parte do que o consumidor paga e do que prestador recebe será apropriada por ele, que também, naturalmente, terá o intuito de cobrar o máximo dos primeiros e pagar o mínimo aos prestadores.

Para completar esse quadro, decisões judiciais e normas da agência reguladora às vezes contrariam a lógica do mercado[116]. O problema não está no fato de todos os agentes econômicos envolvidos na relação almejarem reduzir seus custos e maximizar seus ganhos. Está sim na questão acerca do cabimento ou não da prestação desse tipo de serviço por ente privado, bem como na adequação das normas que lhe são impostas[117].

Como se vê, em cada caso concreto, é necessário perquirir a forma como o serviço seria melhor prestado para a sociedade. Se há uma concessão ou permissão, não é justo não pagar o preço ao concessionário ou permissionário. Tampouco é justo que ele permaneça no serviço além do tempo necessário a amortizar seus investimentos. Mas como, na prática, medir o preço justo?

Em princípio, seria melhor não haver concessão nem permissão. Essa assertiva parte do pressuposto de que, uma vez delegado o serviço, o usuário terá que arcar com seu custo, bem como com o lucro do delegatário. Se o serviço fosse prestado diretamente pelo Estado, ainda que com lucro, este poderia ser revertido em benefício coletivo.

Enfim, em todos os casos, a decisão quanto à atuação estatal ou não e sua forma deve ser tomada democraticamente e respeitando as diretrizes constitucionais.


VI – Critério de julgamento e planejamento

Tratei da questão sobre o cabimento ou não da atuação estatal na economia em recente artigo[118]. Nele analisei os argumentos liberais e os favoráveis ao intervencionismo.

A conclusão a que posso chegar é que, mesmo que o Brasil quisesse, não poderia ser totalmente liberal.

Primeiro, sob o ponto de vista jurídico, em razão dos mandamentos constitucionais.

Mas não é só. Se outros países interferem em suas economias, isso não colocaria o país em uma situação de desvantagem? Imaginando que nosso sistema estivesse funcionando em perfeito equilíbrio e com concorrência perfeita, como ficaria esse equilíbrio se um gigante estrangeiro, com monopólio protegido no país de origem, ingressasse no Brasil?

Enfim, o Brasil deve buscar o desenvolvimento e não só. Deve, segundo termos claros do art. 3º da Constituição, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Mesmo quando não aja diretamente, é indispensável regular a ação dos agentes privados que, em regime de competição, com assimetria de informações e desequilíbrio de forças, podem chegar a um resultado danoso para a sociedade. A ação estatal deve visar, na opinião de Calixto Salomão Filho, à formação de um ambiente de cooperação, sanando o “dilema do prisioneiro” em que se encontram esses agentes[119].

Para tanto, é indispensável planejamento, que, conforme art. 174 da Constituição[120], aplicável a serviços públicos e atividades econômicas, é vinculante para o setor público, mas meramente indicativo para o setor privado. Ambos, contudo, estão abrangidos pelas funções de incentivo e de fiscalização.

Disso que foi exposto até aqui, pode-se extrair que, se o planejamento, em algum ponto, puder ser prejudicado, por depender de alguma forma da iniciativa privada, o Estado não poderá compeli-la a seguir suas diretrizes. Restará, então, se eventuais incentivos não surtirem efeito, como única alternativa, atuar diretamente para suprir essa lacuna. Com isso, respeita-se a liberdade do particular e se sana uma omissão que viria a prejudicar a concretização do plano.

E não são estreitas as hipóteses de atuação estatal, conforme asseverou o Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.950/SP[121].

A decisão quanto a “privatizar” ou não um serviço público ou mesmo quanto ao Estado deixar de prestar determinado serviço deve, segundo creio, pautar-se pelo nível de cumprimento dos objetivos traçados pela Constituição.

Não pode ser um tiro no escuro. Necessita de pesquisas empíricas que confirmem se a medida tomada propiciou, por exemplo, “redução de desigualdades” ou “desenvolvimento nacional”.

Entre os indicadores que podem ser utilizados para essa medição, existe, entre outros, o índice Gini[122]. No gráfico abaixo, elaborado pelo DIEESE, verifica-se que esse índice vem caindo desde 2001[123]:

Tomou-se esse índice como exemplo porque a concentração de renda representa o contrário da pretendida redução das desigualdades. Além disso, de acordo com Calixto Salomão Filho, o desenvolvimento necessita de demanda[124], que, por sua vez, é incompatível com concentração de renda[125].

Não basta pesquisa, porém. É necessária uma interpretação correta dos dados. Não vá o leitor pensar que, se a desigualdade vem caindo, isso significaria que as privatizações foram um acerto. De acordo com essa pesquisa, a melhoria do mercado de trabalho, associada à difusão de benefícios assistenciais, seriam responsáveis pela diminuição da concentração de renda[126].

Não poderia ser diferente. Se a riqueza é um conjunto finito distribuído entre os cidadãos, só é possível alguns terem mais se outros tiverem menos.

Alcides Jorge Costa, quando trata da capacidade contributiva como conceito jurídico-político e instrumento de redistribuição de riqueza, esclarece que essa redistribuição é função de duas variáveis, receita e despesa.[127]

Assim, se um contribuinte paga mais impostos, mas recebe mais benefícios do Estado, isso acaba anulando a progressividade[128] e mesmo a redistribuição efetuada. Pelo mesmo motivo, ele não vê incompatibilidade entre capacidade contributiva e alíquotas proporcionais, ainda que ela, como instrumento de redistribuição de riqueza, seja comumente associada a alíquotas progressivas[129].

José Paciulli também não descura desse aspecto e afirma que a “parcimônia dos gastos públicos é condição importante para uma realização justa e honesta.”[130]

Então é importante frisar que nem parece adequado haver miséria extrema nem riqueza extrema dentro de uma sociedade, quando outros membros dela não estão na mesma situação. A redistribuição é necessária.

Deixar tudo segundo as leis do mercado é permitir a guerra de todos contra todos e ainda com o auxílio do direito.

Não cabe o argumento de que o mercado premia o mérito, pois as pessoas são diferentes e não têm culpa nem são dignas de elogios por isso.[131]

É certo que, se cada um se dedicar àquilo que tem mais talento, a atividade será melhor desempenhada e todos ganharão com isso.[132]

Ocorre que, se o talento depende da natureza e não apenas do trabalho, então a razão para alguém se apropriar de todo o resultado de sua atividade seria a sorte. Mas a sociedade não se sustenta se a vida de cada um depender da sorte e não do próprio trabalho.

O homem tende a querer transformar o mundo a sua volta segundo sua vontade. Tende a ir até onde possa licitamente e, alguns, ilicitamente. O poder tende a aumentar essa possibilidade de transformação.

Embora o poder possa aumentar, o homem continua sendo homem, buscando a satisfação de seus desejos. Talvez por isso, normalmente, em todas as organizações, os superiores hierárquicos recebam uma remuneração maior ou tenham mais vantagens do que os inferiores. Nem sempre se trata de situações em que uns têm mais estudo do que outros. Basta ver que professores podem ter remuneração inferior a políticos iletrados.

Como o poder derruba barreiras, outorga liberdades, o homem vai até onde seja possível e sua atuação dependerá de seu caráter.

Talvez uma situação ideal em uma sociedade seja aquela apontada por Marx: “De cada um conforme sua capacidade. A cada um conforme sua necessidade”[133]. Mas para isso, é necessário construir um ambiente de solidariedade e virtude.

Enfim, a redistribuição reclama, para realizar qualquer resultado pretendido, um necessário planejamento, que, por sua vez, não pode ser realizado sem pesquisas empíricas.

Por fim, alguns argumentos contrários à atuação do Poder Público necessitam ser respondidos.

Um deles diz respeito a sua alegada ineficiência[134]. Não há como negar que, no âmbito privado, a ineficiência gera prejuízo, motivo pelo qual há incentivo para ser eficiente.

Mas o fato de o lucro motivar as pessoas na iniciativa privada não é garantia de eficiência e nem leva à conclusão de que ela seria melhor prestadora de serviços do que o Estado. Em primeiro lugar, porque tudo dependerá das características de cada pessoa envolvida na prestação do serviço e do conjunto formado pela interação entre essas pessoas. Há aqueles que se contentam com pouco e quantias adicionais de incentivo não surtem efeito[135].

No caso concreto, em cada organização, deve ser dosado o volume de incentivos até um ponto ótimo. E nada impede a utilização de tais incentivos no Estado. Bastaria o ordenamento jurídico prever um adicional de remuneração variável conforme a produtividade. Porém, novamente é preciso ressaltar que qualquer medida deve ser adotada segundo a realidade de cada ente, apurada com base em pesquisas empíricas.

Deve ser lembrado que não se pode comparar um serviço prestado pela iniciativa privada com um prestado pelo Poder Público sem que se estabeleçam critérios precisos e objetivos. Somente a título de exemplo, muitos dizem que as estradas privatizadas são melhores que as demais. Mas, pergunto eu, paga-se o mesmo valor de pedágio em todas?[136]

Um mal que há no serviço público, segundo creio, ligado à noção de que o Estado é o outro, é a ideia de que a coisa pública não pertence ao cidadão. Aristóteles já advertia que o cuidado com as coisas era inversamente proporcional ao número de donos[137]. Daí, o executivo de plantão acaba tendo maior liberdade para atuar, já que não tem sobre ele o devido controle.

Por outro lado, há mais um aspecto que evidencia o fato de a privatizaçãode um serviço público não gerar eficiência necessariamente: há certos bens que são essenciais e são consumidos independentemente da eficiência ou não de seu fornecedor, fato que torna questionável a afirmação de que particulares seriam melhores do que o Estado.

O argumento da corrupção no serviço público[138] também não encontra fundamento firme.Em primeiro lugar, esse argumento está mais ligado ao poder de polícia e não às prestações de serviço propriamente ditas. Se o que acarreta corrupção é o fato de uma decisão interessar aos particulares, então importa o caráter da pessoa que tem a competência de decidir e não a natureza do cargo, se público ou privado[139]. Não se afasta a possibilidade de, por exemplo, um empregado de uma empresa privada, que é responsável por seu setor de compras, decidir adquirir um produto de determinado fornecedor em troca de favores por parte deste.

Enfim, a questão fundamental na distinção entre serviço público e atividade econômica diz respeito sobre como e quando o Estado deve atuar.

No âmbito público, a apropriação do eventual lucro por um agente seria um crime. A ineficiência é um ilícito. Infelizmente, a eficiência depende do governo de plantão.

Somente a prática pode demonstrar o que é melhor. O que é melhor deve ser medido de forma objetiva, segundo critérios definidos e respeitando os ditames democráticos, as leis e a Constituição. Sem isso, dizer que um é melhor do que o outro não encontra fundamento científico, mas mera intuição ou percepção.

É certo que a ação do Estado pode contrariar interesses, bem comosua intervenção representara substituição a vontade do indivíduo pela do Estado[140]. Em uma sociedade desigual, em razão da concentração de poder econômico, este tende a influenciar a própria lei e o poder político.

Mas o poder político, mesmo assim, talvez ainda represente uma barreira à tirania do poder econômico. Se a sociedade for deixada à própria sorte, totalmente liberalizada, o que haverá será a substituição da vontade Estatal pela vontade do poder econômico (se é que essa já não impera...)[141].

Voltando à questão dos serviços públicos e sobre sua privatização ou não, pode-se notar que aquilo que é lucrativo, naturalmente, é apropriado por alguns. O prejuízo é socializado por todos.

Se o Poder Público atuasse em atividades lucrativas, isso faria diminuir a pressão dos impostos, já que, em tese, ele teria mais recursos[142].

É melhor pagar voluntariamente para ter alguma coisa em troca do que pagar por imposição. Se assim não fosse, não seria demais lembrar o descabimento de o Poder Público exercer atividade lucrativa com fim só lucrativo. Se o Poder Público precisa de recursos, ele simplesmente toma dos particulares, com seu poder de tributar. Então por que ficaria com suas portas abertas esperando o freguês?

Enfim, o Poder Público, quando age, presta serviço público sempre, mesmo quando presta atividade econômica lucrativa.

O particular pode agir sem explorar atividade econômica. Isso ocorrerá quando não objetivar lucro.

O Poder Público existe para servir. Não para servir um ou alguns, mas a coletividade que dele precisar segundo critérios justos de repartição, de direitos e deveres.


Considerações finais

Aparentemente, os serviços deficitários, de natureza necessária, ficam a cargo do Estado. Com isso, há solidariedade no prejuízo, uma vez que todos os contribuintes colaboram com seus tributos para mantê-los.

Por outro lado, serviços lucrativos, que atraem a iniciativa privada, são por ela prestados. Mas quanto a esse lucro não se aplica a solidariedade. E nem caberia ao particular dividir os ganhos de seu trabalho que foi prestado no interesse de todos.

Então o problema está justamente no fato de permitir a prestação de serviço lucrativo de interesse coletivo pelo particular[143].

Em serviços dessa natureza, o Estado pode agir quando a iniciativa privada é inerte. Ele tem condições de ser imparcial e neutro, na medida em que pode se sustentar com a contribuição de todos sem depender do lucro. Com efeito, quando o serviço é deficitário, recursos de outras fontes são remanejados para manter a continuidade do serviço. Além disso, o fato de não necessitar distribuir resultados também contribuir para o aspecto financeiro da instituição.

Mas essas condições ficam sujeitas à dominação do poder econômico.Além disso, sempre que se quer socorrer do Estado para sanar problemas sociais, corre-se o risco de perdade liberdade.

O meio termo é difícil no caso concreto. Mas o meio termo, a busca do justo, tem atormentado a humanidade em sua prática e os filósofos em seus pensamentos há séculos. Seria pretensão infantil tentar dar uma resposta no presente texto.

Porém, há na Constituição mandamento claro para busca do desenvolvimento e redução das desigualdades. A solução desses problemas é fundamental.

Já dizia Adam Smith: “Nenhuma sociedade pode ser florescente e feliz, se a grande maioria dos membros for pobre e miserável.”[144]


Referências

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Notas

[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 46-7/DF. Pleno. Rel. para Acórdão: Min. Eros Grau. j. 5.ago.2009.  Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 29.out.2012.

[2] BRASIL. Lei nº 6.538, de 22 de junho de 1978. Dispõe sobre os Serviços Postais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6538.htm> Acesso em: 30.out.2012. Para o que interessa no presente texto, dispõe essa Lei: “Art. 7º - Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento. § 1º - São objetos de correspondência: a) carta; b) cartão-postal; c) impresso; d) cecograma; e) pequena - encomenda. § 2º - Constitui serviço postal relativo a valores: a) remessa de dinheiro através de carta com valor declarado; b) remessa de ordem de pagamento por meio de vale-postal; c) recebimento de tributos, prestações, contribuições e obrigações pagáveis à vista, por via postal. § 3º - Constitui serviço postal relativo a encomendas a remessa e entrega de objetos, com ou sem valor mercantil, por via postal. Art. 8º - São atividades correlatas ao serviço postal: I - venda de selos, peças filatélicas, cupões resposta internacionais, impressos e papéis para correspondência; II - venda de publicações divulgando regulamentos, normas, tarifas, listas de código de endereçamento e outros assuntos referentes ao serviço postal. III - exploração de publicidade comercial em objetos correspondência.  Parágrafo único - A inserção de propaganda e a comercialização de publicidade nos formulários de uso no serviço postal, bem como nas listas de código de endereçamento postal, e privativa da empresa exploradora do serviço postal. Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais: I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada; III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal. § 1º - Dependem de prévia e expressa autorização da empresa exploradora do serviço postal; a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal; b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal. § 2º - Não se incluem no regime de monopólio: a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial; b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento. [...] VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO - Art. 42º - Coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União, ainda que pagas as tarifas postais ou de telegramas. Pena: detenção, até dois meses, ou pagamento não excedente a dez dias-multa. FORMA ASSIMILADA Parágrafo único - Incorre nas mesmas penas quem promova ou facilite o contra bando postal ou pratique qualquer ato que importe em violação do monopólio exercido pela União sobre os serviços postais e de telegramas. AGRAVAÇÃO DE PENA Art. 43º - Os crimes contra o serviço postal, ou serviço de telegrama quando praticados por pessoa prevalecendo-se do cargo, ou em abuso da função, terão pena agravada. PESSOA JURÍDICA Art. 44º - Sempre que ficar caracterizada a vinculação de pessoa jurídica em crimes contra o serviço postal ou serviço de telegrama, a responsabilidade penal incidirá também sobre o dirigente da empresa que, de qualquer modo tenha contribuído para a prática do crime. [...] Art. 47º - Para os efeitos desta Lei, são adotadas as seguintes definições: CARTA - objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário. CARTÃO-POSTAL - objeto de correspondência, de material consistente, sem envoltório, contendo mensagem e endereço. [...] CORRESPONDÊNCIA - toda comunicação de pessoa a pessoa, por meio de carta, através da via postal, ou por telegrama. CORRESPONDÊNCIA AGRUPADA - reunião, em volume, de objetos da mesma ou de diversas naturezas, quando, pelo menos um deles, for sujeito ao monopólio postal, remetidos a pessoas jurídicas de direito público ou privado e/ou suas agências, filiais ou representantes. [...] ENCOMENDA - objeto com ou sem valor mercantil, para encaminhamento por via postal. [...] PEQUENA ENCOMENDA - objeto de correspondência, com ou sem valor mercantil, com peso limitado, remetido sem fins comerciais. [...] Parágrafo único - São adotadas, no que couber, para os efeitos desta Lei, as definições estabelecidas em convenções e acordos internacionais.”

[3] A ordem econômica na constituição de 1988. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 99-107.

[4]Op. cit., p. 101.

[5] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

[6]Op. cit., pp. 108-109. Cite-se, como exemplo, os serviços notariais e de registro previstos no art. 236 da Constituição, que devem ser prestados sob a responsabilidade de um profissional admitido por concurso público, mas que têm natureza privada.

[7] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

[8] Art. 30. Compete aos Municípios: [...] V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

[9] A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, por considerar que o número de taxistas atende a demanda na cidade, não está autorizando novos pedidos de alvará para esse serviço (Prefeitura do Município de São Paulo. Táxi. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/transportes/saiba_como_e_e_como_funciona/index.php?p=3875> Acesso em 24.out.2012.

[10] Por exemplo: “Art. 21. Compete à União: [...] X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; [...] XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;”

[11] Mario Masagão, citado por Toshio Mukai (Participação do estado na atividade econômica: limites jurídicos. São Paulo: RT, 1979, p. 75), não considera o serviço judiciário como serviço público. Também há a preocupação de separar os serviços legislativos dos serviços prestados pela administração, como em Marcel Waline, citado por Toshio Mukai (Participação..., p. 83).

[12] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[13] Em relação à anterior, que, segundo Toshio Mukai (Participação..., pp. 48-53), teria adotado o princípio da subsidiariedade na participação estatal na economia.

[14] BERCOVICI, Gilberto. Direito econômico do petróleo e dos recursos minerais. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 208. BERCOVICI, Gilberto. Estado intervencionista e constituição social no brasil: o silêncio ensurdecedor de um diálogo entre ausentes. In SOUZA NETO, Claudio Pereira. SARMENTO, Daniel. BINENBOJM, Gustavo (orgs.). Vinte anos da constituição federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 732.

[15] Idem. Estado intervencionista..., p. 733; Idem, Desigualdades regionais, estado e constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.295.

[16] Idem. Desigualdades..., p. 37.

[17]Participação..., p. 41.

[18] COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. In Revista de Direito Mercantil n. 63. São Paulo: RT, jul.-set. 1986, p. 37.

[19] GRAU, op. cit., p.45.

[20] Cf. SANDEL, Michael J.. Justiça – o que é fazer a coisa certa. [Tradução Heloísa Matias e Maria Alice Máximo]. 5.ed. Rio de janeiro: Civilização, 2012, pp. 327-329. Esse autor prega que condutas virtuosas, como a da solidariedade, dependem da prática constante, do hábito, que deve ser incentivado pelo Estado.

[21] MISES, Ludwig Von. Ação humana. [Tradução: Donald Stewart Jr.] 3.ed. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, p. 818.

[22] “O exemplo do tradutor que tem de superar o abismo das línguas mostra, com particular clareza, a relação recíproca que se desenvolve entre o intérprete e o texto, que corresponde à reciprocidade do acordo na conversação” (GADAMER, Hans-George. Verdade e método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 3.ed. Petrópolis, Vozes, 1999, p.564).

[23] Idem. Ibidem. p. 566.

[24] “A norma jurídica não se completa, senão quando posta diante do fato, recebe do intérprete uma adaptação valorativa, diante das circunstâncias históricas, sociais e políticas do tempo, sem violência do próprio texto normativo; e assim se dá à conduta humana um significado material que não a amesquinhe ou a aniquile no contexto social.” (MUKAI, Toshio. Participação..., p. 3).

[25] “Relations among law, statistics, and public policy remain complicated and inconsistent, particularly as it relates to the role of statistics in law and policy; Public policy and policy leaders invariably adopt an empirical perspective; For better or worse, law increasingly influences public policy; Consequently, to remain useful law needs to become increasingly empirical; Is so, this has implications for empirical legal studies.” (“As relações entre direito, estatística e política pública remanescem complicadas e inconsistentes, particularmente porque se relaciona ao papel da estatística e do direito na política; A política pública e os líderes políticos adotam invariavelmente uma perspectiva empírica; Para bem ou para o mal, o direito influencia cada vez mais a política pública; Consequentemente, para o direito continuar útil, ele necessita se tornar cada vez mais empírico; Assim, isso tem implicações para estudos legais empíricos [jurimetria]” – tradução livre) (Paper apresentado por HEISE, Michael. Law, Statistics, and Public Policy: The Past, Present, and Future of Empirical Legal Scholarship: United States, Brazil, and Beyond. In Annual Jurimetrics Conference. 2., Associação dos Advogados de São Paulo - AASP, 2012, São Paulo.

[26] Principalmente quanto à postura em relação à posição do Estado na economia.

[27] HIRSCH, J. Teoria materialista do estado [Trad. Luciano Cavini Martorano]. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 28-29. FEIJÓ, Ricardo. História do pensamento econômico. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.2.

[28] FEIJÓ, op. cit., pp. 108-115.

[29]Teoria Pura do Direito. [Trad. João Baptista Machado]. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 79.

[30]Op. cit., p. 407.

[31]O direito na história - lições introdutórias. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, pp.22-23.

[32]Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010, pp.310-318.

[33] SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do amor, metafísica da morte [Trad. Jair Barboza]. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 62.

[34] LEVITT, S. D.; DUBNER, J. S. Freakonomics: o lado oculto de tudo que nos afeta. Tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p.15. POSNER, R. A. El análisis econômica Del derecho. Tradução de Eduardo L. Suárez. México: Fondo de cultura económica, 2000, p.11.

[35] Ludwig Von Mises, quanto a esse aspecto, parece ter razão. Diz ele “As noções de egoísmo e altruísmo, da forma como empregadas nesses raciocínios, são contraditórias e inúteis. Conforme assinalado antes, toda ação visa a atingir um estado de coisas que convém mais ao ator do que o que prevaleceria na ausência da ação. Nesse sentido, toda ação deve ser qualificada de egoísta. O homem que faz donativos para alimentar crianças famintas o faz porque atribui maior valor à satisfação que espera obter dessa doação do que à que obteria se gastasse seu dinheiro de outra maneira, ou porque espera ser recompensado num outro mundo. O político, nesse sentido, é sempre egoísta, quer defenda um programa popular a fim de ser eleito, quer permaneça fiel às suas convicções – impopulares, privando-se assim dos benefícios que poderia obter se os traísse.” (Op. cit., p. 835).

[36] John Maynard Keynes, apud Ricardo Feijó, op. cit., p. 438.

[37] BRUNET, Júlio Francisco Gregory; VIAPIANA, Luiz Tadeu; BERTÊ, Ana Maria de Aveline; BORGES, Clayton Brito. Fatores Preditivos da Violência na Região Metropolitana de Porto Alegre. Observa POA - Observatório da Cidade de Porto Alegre, 2012. Disponível em: <http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/observatorio/usu_doc/estudo_violencia.pdf >. Acesso em: 28 jun. 2012,

[38] ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico[Trad. Sérgio Barth]. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.475.

[39] SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica – princípios e fundamentos jurídicos. 2.ed. São Paulo : Malheiros, 2008, p. 46.

[40] BERCOVICI, Gilberto. Atuação do estado no domínio econômico e sistema financeiro nacional. Inexigibilidade de licitação em incorporação ou em alienação do controle de uma sociedade de economia mista por outra sociedade de economia mista. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro nº 148, ano 46, out.dez/2007, São Paulo: Malheiros, p. 239. Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: RT, 1968, p.139.

[41] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza …., p.145.

[42]Natureza…, p. 136.

[43] “c’est tout activité dont l’accomplissement doit être assuré, reglé et contrôle par les gouvernants, parce que l’accomplissement de cette activité est indispensable à la realisation et au développement de l’interdépendance sociale, et qu’elle est de telle nature qu’elle ne peut être réalisée complètement que par l’intervention de la force gouvernante » (Léon Duguit. Traité de Droit Constitutionel, v. 2, 3.ed. Paris : E. de Boccard, 1928, p.61. apud BERCOVICI, Atuação..., pp. 239-240, tradução livre).

[44]Natureza..., pp. 140-141.

[45]Atuação..., p. 240.

[46]Natureza…., pp. 145-146; pp. 150-151.

[47]Apud BERCOVICI, Atuação..., p. 241.

[48]BERCOVICI, Atuação..., p. 240.

[49] “On peut definir Le service public ‘un service téchnique rendu au public d’une façon régulière et continue pour la satisfaction de l’ordre public et par une organisation publique’ » In Regulação da atividade econômica – princípios e fundamentos jurídicos. 2.ed. São Paulo : Malheiros, 2008, p. 24).

[50] MUKAI, Toshio. Distinção entre serviços públicos industriais ou comerciais e atividades econômicas. Revista do Advogado nº 17, pp. 28-32. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Natureza..., pp. 151-158.

[51]Distinção...., p. 29.

[52]Natureza…, pp. 168-170.

[53]Natureza…, p. 171.

[54]Natureza.., p. 172.

[55]Participação do Estado na Atividade Econômica: Limites Jurídicos. São Paulo: RT, 1979, pp. 75-83.

[56]Participação..., p.75.

[57]Participação..., p. 76.

[58]Participação..., p. 76.

[59] Trata-se da Constituição anterior à de 1988.

[60]Distinção..., p. 29; Participação..., p. 77.

[61]Participação..., pp. 77-78.

[62]Distinção..., p. 30.

[63]Distinção..., p. 30.

[64]Distinção..., p. 31.

[65]Participação..., pp. 85-86.

[66]Participação..., pp. 88.

[67]Participação..., pp. 88-89.

[68]Participação..., p. 123.

[69]Distinção..., p. 32.

[70]Prestação de serviços públicos e administração indireta. 2.ed. São Paulo: RT, 1979, pp. 18-19; Calixto Salomão Filho (in op. cit., p. 25) entende que este doutrinador teria adotado a definição material, assim como Eros Grau (A ordem econômica na Constituição de 1988 – interpretação e crítica. 12.ed., p. 103), enquanto Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 33.ed. p. 330) seguiria o conceito formal.

[71]Prestação de serviços..., p. 20.

[72]Prestação de serviços..., p. 21.

[73]Prestação de serviços..., p. 22.

[74]Prestação de serviços..., p. 23.

[75]Prestação de serviços..., p. 23-24.

[76]Prestação de serviços..., p. 25.

[77]Prestação de serviços..., p. 26.

[78]Curso de direito administrativo. 28.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 679.

[79]Curso…, p. 680.

[80]Curso…, p. 683.

[81]Curso…, p. 684-685.

[82]Curso…, p. 696.

[83] GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 53.

[84]Op. cit., p. 34. Externalidades, para esse autor, são “efeitos geralmente não-mensuráveis” que afetam agentes que não participaram da relação jurídica que as gerou (Op. cit., pp. 33-34).

[85]Op. cit., p. 24.

[86] MARQUES, Fabio Ferraz. A prestação privada de serviços públicos no Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-25092009-163855/>. Acesso em: 2012-10-25, p. 28.

[87]Curso…, p. 699.

[88]Curso…, p. 700.

[89]O serviço público…, p. 87.

[90]Curso..., p. 683.

[91]Curso…, p. 700.

[92]Curso…, p. 702.

[93] “Ordem ou regularidade de uma totalidade qualquer, seja esta uma casa, uma cidade, um Estado ou o mundo [...]” ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. [trad. Alfredo Bosi] São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 350. O mesmo autor, ao tratar do verbete “Economia Política” como nome de uma ciência, aponta que “esse termo geral designa a técnica de enfrentar situações de escassez” (Idem. pp. 350-351). Para ele, a economia política como ciência é apresentada em três fases. A primeira, “teoria da ordem natural”, pregaria haver leis naturais que assegurariam o regular funcionamento da economia, da racional relação dos homens em sociedade na administração da escassez. A segunda, “teoria do equilíbrio”, negaria a ordem natural, mas admitiria a possibilidade de se alcançar a maximização ou um ponto ótimo na distribuição dos recursos escassos. A última, “teoria dos jogos”, iniciada por John Maynard Keynes, aponta que, na realidade, o homem age em estado de ignorância e falibilidade. Essa última fase ainda estaria em andamento. (Idem, pp. 351-357).

[94] “[…] 3. Segundo a orientação jurisprudencial firmada no Pretório Excelso, é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal. […]” STF, Decisão monocrática, Min. Carmén Lúcia, j. 1.8.2012, dje-153 Divulg. 03/08/2012 Public. 06/08/2012, Agravante: Gravames Com. Processamento de Dados Ltda., Agravado:  Município do Rio de Janeiro, Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 28.out.2012. Obviamente que o tributo não poderá ser pago com o produto do crime, já que este deve ser confiscado, conforme previsto no Código Penal: “Art. 91 - São efeitos da condenação: […] II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: […] b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.”

[95]Curso…, p. 702.

[96] Virgindade de jovem russo é comprada por lance brasileiro. G1. 24.out.2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/planeta-bizarro/noticia/2012/10/virgindade-de-jovem-russo-e-comprada-por-lance-brasileiro.html>. Acesso em: 28.out. 2012.

[97] SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado. [trad. Clóvis Marques]. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2012.

[98]A ordem…, pp. 99-107.

[99] Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. [...] § 2º - Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: [...] IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas.

[100] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...] § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

[101] Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

[102] Cf. Eros Grau, op. cit., pp. 199-210.

[103] STF, MC AC nº 1.657, voto do Min. Cezar Peluso, j. 27.6.2007, DJU 31.8.2007, disponível em <www.stf.jus.br>apud MARQUES, Fabio Ferraz, op. cit., p. 17 . A prestação privada de serviços públicos no Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-25092009-163855/>.

[104]Op. cit., p. 115.

[105] Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. in A eficácia dos Direitos Fundamentais – Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, pp. 384-460. DWORKIN, Ronald. Tanking rights serilously. Cambridge: Harvard University Press, 1997,pp. 26-27.

[106] Cf. voto do Min. Joaquim Barbosa no julgamento da ADF 46.

[107] Cf. MISES, Ludwig Von. Ação humana. [Tradução: Donald Stewart Jr.] 3.ed. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, p. 491.

[108] SALOMÃO FILHO, op. cit., p. 168.

[109] Embora nas sociedades de economia mista seja admissível o particular receber o retorno de seu capital investido.

[110] Licitações, pelo menos para suas “atividades-meio”, concurso público e controle das contas, por exemplo.

[111] Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:[...]

[112] Mesmo serviços de telecomunicações que podem ser prestados por equipamentos sem fio ou meios físicos tangíveis estão sujeitos a esse regime. Não é demais lembrar que as comunicações que transitam pelo espaço aéreo, além de poderem atingir domínio da União, pode causar problemas às comunicações das aeronaves. Cf. BRASIL. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9472.htm>

[113]Op. cit., p. 34.

[114]Op. cit., p. 34.

[115] Digo em tese porque se o conjunto total da população estiver em uma situação de saúde pior do que a parcela que participa dos planos, então essa conclusão não será totalmente válida.

[116] PSCHEIDT, Kristian Rodrigo. A balança jurídica do setor de saúde suplementar no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3095, 22 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20698>. Acesso em: 30.out.2012.

[117] Sobre o clássico dilema em questões de vida e saúde em que se discute se é preferível salvar uma vida em detrimento de muitas, ou muitas em detrimento de uma, cf. SANDEL, Michael J.. Justiça – o que é fazer a coisa certa. [Tradução Heloísa Matias e Maria Alice Máximo]. 5.ed. Rio de janeiro: Civilização, 2012.

[118]O papel do estado no desenvolvimento: ação ou liberação?Revista Direito Mackenzie. v.5. n.1. pp. 142-163, 2012.

[119] SALOMÃO FILHO, op. cit., pp. 96-104. Todavia, parece haver uma tensão entre estimular a competição e ao mesmo tempo a cooperação.

[120] Grau, op. cit., p. 107.

[121] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.844/92, DO ESTADO DE SÃO PAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA AOS ESTUDANTES REGULARMENTE MATRICULADOS EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURA E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

(ADI 1950, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2005, DJ 02-06-2006 PP-00004 EMENT VOL-02235-01 PP-00052 LEXSTF v. 28, n. 331, 2006, p. 56-72 RT v. 95, n. 852, 2006, p. 146-153, grifou-se) Interessante nesse julgado é o voto do Min. Marco Aurélio, que questionou a razoabilidade da Lei atacada, na medida em que esta faria o empresário repassar o custo do benefício da meia entrada para os indivíduos que pagam a entrada inteira, independentemente da condição social destes.

[122] “O índice de Gini, que varia de zero a um, é um indicador de igualdade ou desigualdade de uma distribuição. Quando igual a zero, significa a situação teórica de igualdade. Quando igual a um, ocorre

situação de máxima desigualdade. Portanto, quando se aproxima de um, significa que uma dada distribuição está se concentrando.” DEPARTAMENTO Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. A Situação do trabalho no Brasil na primeira década dos anos 2000. São Paulo: DIEESE, 2012, Disponível em: <http://www.dieese.org.br/livroSituacaoTrabalhoBrasil/livroSituacaoTrabalhoBrasil.pdf> Acesso em: 31.out.2012, p. 116.

[123] DEPARTAMENTO Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, op. cit., p. 332.

[124]Op. cit., p. 47.

[125]Op. cit., p. 49.

[126] “A partir de meados dos anos 2000, quando começam a ser identificados os sinais de recuo da desigualdade no país, deflagrou-se um de- bate intenso sobre suas causas. Uma das questões consideradas referia-se ao fator que mais teria contribuído para a desconcentração da renda: se o comportamento do mercado de trabalho, via diminuição do desemprego e elevação dos rendimentos do trabalho; ou se a difusão e elevação dos valores dos benefícios assistenciais, do Bolsa Família em particular. Os argumentos e análises do debate podem ser recuperados nos dois volumes da publicação Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente (BARROS et al., 2006). Um estudo mais recente (BARROS et al., 2010) constata que o peso da contribuição de cada um dos fatores determinantes da redução da desigualdade depende do indicador escolhido para mensurá-la. Quando se considera o Índice de Gini (que, conforme já dito, reflete mais fielmente o que se passa no meio da distribuição), os rendi- mentos do trabalho apresentam-se como os principais determinantes do avanço da maior equalização da renda. E, quando são tomados por referência indicadores de desigualdade que enfatizam o que ocorre na relação entre as pontas da distribuição (como a relação entre as rendas médias dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres), preponderam os rendimentos de não trabalho, como os benefícios assistenciais.” (DIEESE, op. cit., p.339).

[127] COSTA, Alcides Jorge. Capacidade contributiva. Revista de direito tributário. nº 55, ano 15, jan.-mar. 1991, p.301.

[128] Progressividade, na lição de ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, explicando sua aplicação aos impostos, consiste na fixação de “alíquotas que variam para mais à medida que forem aumentando as bases de cálculo”. Em contraposição, proporcionalidade ocorre quando pessoas economicamente fracas e fortes “paguem impostos com as mesmas alíquotas”. (Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 88-89).

[129] COSTA, Alcides Jorge, op. cit., p. 301.

[130]Direito financeiro. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1977, p. 80.

[131] “Seja nossa ética de trabalho produto de nosso esforço ou não, nossa contribuição depende, pelo menos em parte, das aptidões naturais cujos créditos não podemos reivindicar”. (SANDEL, Michael J., Justiça..., p. 198). Sobre o acaso nos resultados das organizações, cf. MLODINOW, Leonard. O andar do bêbado. São Paulo: Jorge Zahar, 2009.

[132] Cf. SANDEL, Michael J., Justiça..., p. 234.

[133] MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 301.

[134] Utilizado, por exemplo, para justificar as parcerias público-privadas. Cf. SARAI, O paradoxo….

[135] Cf. MISES, Ludwig Von., op. cit., p. 683: “Havia, e ainda hoje continua havendo, pessoas que trabalhavam por algum tempo e depois viviam, por um período, da poupança que acumularam trabalhando. Nos países em que o nível cultural das massas é baixo, torna-se frequentemente difícil recrutar trabalhadores dispostos a permanecer no emprego.” Quando ao fato de o maior salário estimular o trabalho, Cf. SMITH, Adams, A riqueza das nações. [Trad. Maria Teresa Lemos de Lima] Curitiba: Juruá, 2010, p.80: “A remuneração generosa do trabalho aumenta a propagação da espécie e aumenta a laboriosidade das pessoas comuns. Os salários do trabalho são o estímulo da operosidade, que, como toda outra qualidade humana, aumenta na proporção do estímulo que recebe.” Cf. SANDEL, Michael. Justiça..., p. 78.

[136] A propósito, algumas notícias podem levar ao questionamento do acerto da privatização: “A conta de luz do consumidor residencial no Brasil é a sexta mais cara entre os principais países do mundo.” (Estado de Minas. 23.mar.2012. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2012/03/25/internas_economia,285305/pais-tem-a-6-conta-de-luz-mais-cara-do-mundo.shtml> Acesso em: 5.nov.2012. “Brasil tem 2ª maior tarifa de celular do mundo” (Folha de São Paulo. 8.fev.2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u690866.shtml> Acesso em: 5.nov.2012.

[137] “§ 10. Esta proposição ‘tudo é meu’, tem ainda outro inconveniente: é que nada inspira menos confiança do que algo cuja posse?é comum a muitas pessoas. Damos exagerada importância ao que?propriamente nos pertence, ao passo que só consideramos as propriedades comuns em proporção a nosso interesse. Entre outras?razões, são elas mais desprezadas por estarem entregues aos cuidados?de outrem. Do mesmo modo o trabalho doméstico: tanto mais deficiente quanto maior é o número de serviçais” (Aristóteles. Política. [Trad. Torrieri Guimarães]. São Paulo: Martin Claret, 2003, p.40).

[138] Embora tratando da intervenção em sentido amplo, Ludwig von Mises acredita ser inevitável a corrupção, na medida em que as decisões dos agentes públicos sejam de interesse da iniciativa privada. (Op. cit., pp. 834-836).

[139] Sobre uma sugestão para combater a corrupção, cf. SARAI, Leandro. Ideias para combater a corrupção. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3007, 25 set. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20046>. Acesso em: 30 out. 2012.

[140] Ludwig von Mises, op. cit., p. 822.

[141] “A ameaça à liberdade, dizia Karl Mannheim, não vem de um governo que é “nosso”, que elegemos e que podemos derrubar, mas das oligarquias sem responsabilidade pública. As coalizações de interesses e as combinações empresariais típicas do capitalismo contemporâneo têm poder para adotar medidas arbitrárias, como racionamento da produção, greve de investimentos, aumentos abusivos de preços, controle de patentes, de recursos e de mercados.” (BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Os antecedentes da tormenta: origens da crise global. São Paulo: Unesp; Campinas: Facamp, 2009, p. 50).

[142] Cf. SARAI, Leandro. O paradoxo da prestação de serviço público pela iniciativa privada. Prognose das parcerias público-privadas. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 510, 29 nov. 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5987>. Acesso em: 30 out. 3912.

[143] SARAI, Leandro. O paradoxo da prestação de serviço público pela iniciativa privada. Prognose das parcerias público-privadas. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 510, 29 nov. 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5987>. Acesso em: 26 out. 3912.

[144] SMITH, Adam, op. cit., p.78.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAI, Leandro. Mais uma reflexão sobre atividade econômica e serviço público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3878, 12 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26688. Acesso em: 18 abr. 2024.