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Súmula vinculante: regime geral, natureza jurídica e enunciado inconstitucional

Súmula vinculante: regime geral, natureza jurídica e enunciado inconstitucional

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Analisa-se a natureza jurídica da súmula vinculante e a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de um verbete.

Resumo: Neste estudo, efetua-se explanação em torno da súmula vinculante prevista no art. 103-A, da CF/88, analisando-se os requisitos, o procedimento de edição, revisão e cancelamento, a eficácia jurídica do enunciado e, com especial destaque, a discussão em torno da natureza jurídica do instituto e a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de um verbete específico.

Sumário: 1. Introdução. 2. Procedimento. 3. Requisitos. 4. Eficácia legal, modulação dos efeitos e reclamação. 5. Natureza jurídica da súmula vinculante. 6. Inconstitucionalidade de enunciado vinculante. 7. Implicações da súmula vinculante no processo de conhecimento. 8. Conclusão. Notas. Referências.


1. Introdução

Introduzida no contexto da reforma do Poder Judiciário efetuada pela EC n.º 45/2004, a súmula vinculante foi idealizada como um meio capaz de prevenir litígios pela pacificação de controvérsias em enunciado voltado a cristalizar a interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre dispositivo ou questão jurídica constitucional, dotada de efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública em geral. Representou inovação de grande impacto, vez que, “até então, os entendimentos consolidados do STF poderiam ser vertidos em súmula do Tribunal, porém, sem efeitos obrigatórios para as demais instâncias e esferas da Pública Administração” (LIMA, 2013, p. 243).

A estratégia possui nítida semelhança com o vetusto instituto dos assentos portugueses, que remontam a uma antiga prática da Velha Casa de Suplicação do Reino de Portugal, tribunal mais alto do Império, no reinado D. Manuel I (1469-1521), os quais vigoraram no Brasil ao tempo da independência e, em épocas recentes, estavam previstos no art. 2º, do Código Civil Português de 1966. Por meio dos “assentos”, os tribunais supremos de Portugal, nos casos determinados em lei, podiam fixar “doutrina com força obrigatória geral”, o que, por muitos, foi considerado uma esdrúxula outorga de competência legislativa ao Poder Judiciário, a ser exercida sob a forma artificial de atividade jurisdicional (SOUZA, 2013, p. 179-183). 1

No Brasil, a súmula vinculante foi implementada pelo art. 103-A, acrescentado à CF/88, pela EC n.º 45/2004, 2 o qual, por sua vez, foi regulamentado pela Lei n.º 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Segundo o dispositivo da CF/88, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, pode o STF editar súmula de eficácia vinculante, desde que aprovado o texto pela maioria qualificada de 2/3 de seus membros. O objeto do enunciado será a validade, interpretação ou eficácia de normas determinadas, que tenham dado ensejo a controvérsia atual de natureza jurídico-constitucional entre órgãos judiciários ou entre o Poder Judiciário e a Administração Pública, resultando em grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos (BRASIL, 1988, p. 1). Consoante a lei regulamentadora, no prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que for editado, revisto ou cancelado o texto de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal deverá publicar o enunciado respectivo em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, sendo esse o termo inicial de sua eficácia obrigatória e geral (BRASIL, 2006, p. 1). 3


2. Procedimento

O procedimento de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante pode ser deflagrado de ofício, por um ou mais dos ministros do STF, ou por provocação de qualquer dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (BRASIL, 2006, p. 1). Nos termos do art. 3º, incisos VI e XI, da Lei n.º 11.417/2006, no que inova em relação ao disposto na norma constitucional, possuem também legitimidade para provocar o procedimento o Defensor Público-Geral da União, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. Ademais, pode o Município, nas ações em que for parte, propor incidentalmente a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, sem, contudo, autorizar-se a suspensão do processo principal. Consoante o art. 3º, § 2º, da mesma lei, no procedimento de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante, poderá o relator admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros, na condição de amicus curiae (BRASIL, 2006, p. 1). 4

Como se vê, cuidou o legislador de autorizar a representação pela edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante a amplo rol de legitimados. Mais importante que o poder de provocar a edição da súmula é a possibilidade outorgada aos tribunais superiores, aos tribunais federais e estaduais e ao Defensor Público-Geral da União de promoverem a revisão ou o cancelamento do enunciado. Originalmente excluídos da prerrogativa, nos termos da EC n.º 45/2004, por não serem legitimados à propositura da ação de direta de inconstitucionalidade, tais órgãos, na forma da lei regulamentadora, passaram a poder submeter diretamente ao Supremo Tribunal Federal as razões pelas quais entendam pertinentes a revisão ou o cancelamento de enunciado vinculante, prevenindo, assim, o engessamento da interpretação constitucional sumulada. Afigura-se acertada a opção legislativa, vez que tanto a Defensoria Pública quanto os órgãos do Poder Judiciário, em especial os tribunais locais, mostram-se mais próximos da realidade social e, por conseguinte, mais sensíveis às vicissitudes das questões judicializadas, pelo que podem, com maior clareza do que o faria o Supremo Tribunal Federal ou os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade, vislumbrar a impropriedade da aplicação de determinadas disposições obrigatórias, propondo, por conseguinte, a revisão ou cancelamento de determinado enunciado da súmula vinculante. 5


3. Requisitos

Nos termos do art. 103-A, da CF/88, é requisito para a edição de súmula vinculante a existência de “controvérsia atual” sobre matéria constitucional entre órgãos do Poder Judiciário ou entre estes e a Administração Pública, com repercussão na segurança jurídica e na multiplicação de processos sobre idêntica questão de direito. Para Luiz Guilherme Marinoni, a controvérsia exigida no texto constitucional não se resume à discutibilidade da matéria no âmbito do Supremo Tribunal Federal ou demais órgãos judiciários. Segundo o autor, a discussão deve atingir os fundamentos jurídicos dos precedentes, sendo essa a situação prevista na Constituição como apta a ensejar a necessidade de pacificação mediante súmula universalmente vinculante. Em palavras do autor:

A súmula vinculante somente pode ser editada quando houver controvérsia atual. Entretanto, por controvérsia atual não basta entender questão constitucional que está em discussão, ou que acaba de ser discutida, no Supremo Tribunal Federal. A controvérsia é atual quando há discussão, contemporânea, acerca da precisa ratio decidendi dos precedentes que dizem respeito a uma mesma questão constitucional. Controvérsia, portanto, não é sinônimo de objeto sobre o qual se discute judicialmente, mas pertine à dúvida sobre a ratio decidendi dos precedentes respeitantes a tal objeto. (MARINONI, 2013, p. 488-489)

Marcelo Lamy e Luiz Guilherme Arcaro Conci, citados por Marcelo Alves Dias de Souza (2013, p. 267), no mesmo sentido, comentando o requisito da “controvérsia atual”, explicitam que deve ela recair, na forma do art. 103-A, da CF/88, sobre as teses jurídicas conflitantes associadas à exegese constitucional, quais sejam, as que digam respeito à validade, interpretação e eficácia de normas determinadas, a saber, a regularidade formal ou conformidade hierárquica da norma infraconstitucional em face do texto da Constituição, o alcance do significado dos termos jurídico-constitucionais e a efetiva produção de efeitos pela norma constitucional ou infraconstitucional no plano social. No entender dos autores,

a súmula vinculante não tem o mote de extinguir com a ‘resistência’ perante o conflito de interesse, mas o destino de desvelar o entendimento sedimentado sobre determinadas ‘teses jurídicas’ atinentes à exegese constitucional normativa, quais sejam: validade, interpretação e eficácia. Controvérsia sobre a validade, na seara constitucional, é a divergência atinente à constitucionalidade de norma infraconstitucional concreta. Controvérsia sobre a interpretação é desacordo sobre o melhor significado de determinado dispositivo de acordo com os ditames constitucionais. Controvérsia sobre a eficácia é dissenso sobre a coercibilidade jurídico-social de normas determinadas, no tempo ou no espaço. (LAMY; CONCI apud SOUZA, 2013, p. 267)

Para a edição da súmula, necessária, ainda, a ocorrência de “reiteradas decisões sobre matéria constitucional” e a aptidão, da “controvérsia atual”, para a configuração de “grave insegurança jurídica, que acarrete relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” (BRASIL, 1988, p. 1). À evidência, não há um número predeterminado de decisões ou de processos em tramitação que permita a satisfação do requisito. Cuida-se de critério a ser aferido à luz da conveniência e oportunidade da uniformização de determinado entendimento jurídico pelo Supremo Tribunal Federal, havendo quem admita, até mesmo, a possibilidade de utilização do instituto com base em caso isolado, desde que apto a deflagrar “questões processuais de massa ou homogêneas, envolvendo matérias previdenciárias, administrativas, tributárias ou até mesmo processuais, suscetíveis de uniformização e padronização.” (MARTINS, 2013, p. 1) Não obstante se enxergue com reservas essa última possibilidade, o importante, em todo caso, é que a matéria tenha sido apreciada anteriormente em sua inteireza pelo STF, o qual, fazendo simples remissão a seus próprios precedentes, poderá aprovar enunciado com efeito vinculante, nos moldes do art. 103-A, da CF/88.


4. Eficácia legal, modulação dos efeitos e reclamação

Consoante o art. 4º, da Lei n.º 11.417/2006, publicado o texto respectivo, a súmula vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 dos seus membros, “poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.” (BRASIL, 2006, p. 1) Cuida-se da prerrogativa de modulação dos efeitos, também presente nos demais instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade. Satisfeita a maioria qualificada de 8 (oito) ministros, pode o Supremo, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse público, conferir eficácia pro futuro à súmula vinculante.

Salienta-se, ainda, que, nos termos do art. 7º, da mesma Lei n.º 11.417/2006, da decisão judicial ou ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente, cabe reclamação ao Supremo Tribunal Federal, “sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação” (BRASIL, 2006, p. 1). Apesar disso, dispôs o legislador que, em se tratando de omissão ou ato da Administração Pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas. Julgando procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal “anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.” (BRASIL, 2006, p. 1) 6


5. Natureza jurídica da súmula vinculante

Quando do surgimento do instituto da súmula vinculante, algumas questões polêmicas foram levantadas em torno do tema. Uma delas diz respeito à suposta violação que efetuaria a sistemática ao princípio da separação dos Poderes, discussão essa que gira em torno da natureza jurídica do enunciado vinculante. Segundo Rosemiro dos Reis Martins (2013, p. 1), relativamente à natureza jurídica do instrumento previsto no art. 103-A da CF/88, a doutrina se divide entre os que sustentam a) o caráter materialmente legislativo do enunciado, b) a natureza estritamente jurisdicional da súmula vinculante ou, ainda, c) a qualificação da súmula como um tertium genus, denominado de “quase-lei”, porquanto situado no plano intermediário entre a atividade legislativa e o produto da jurisdição.

A tese da natureza legislativa da súmula vinculante (ou, para os menos radicais, da qualidade de “quase-lei” da prescrição jurisdicional – conceito artificial, de difícil compreensão e detalhamento) funda-se na existência de generalidade, abstração, coercibilidade e obrigatoriedade no enunciado normativo, o qual, não obstante represente a interpretação conferida pelo STF ao ordenamento jurídico, a ele passa a se integrar por força dos atributos conferidos pela Constituição a essa específica modalidade de pronunciamento. Nesse sentido, manifesta-se José de Albuquerque Rocha, citado por Rosemiro dos Reis Martins:

Um enunciado prescritivo, como dissemos, se caracteriza justamente por esses dois elementos, ambos encontrados na disposição do artigo 103-A e seus parágrafos: (a) dirigir a conduta humana e (b) qualificá-la como obrigatória. Portanto, repetimos, a disposição do artigo 103-A e seus parágrafos concede poderes ao Supremo Tribunal Federal para editar enunciado de súmula prescritivo. [...] Desse modo, analisada a súmula vinculante à luz do critério da validade, conclui-se ser uma norma jurídica, ou seja, pertencente ao ordenamento jurídico, já que produzida por um órgão do sistema jurídico, o Supremo Tribunal Federal, e no exercício de poderes conferidos por uma norma superior do sistema, qual seja, a que resulta da interpretação do disposto no artigo 103-A da Constituição. (ROCHA apud MARTINS, 2013, p. 1).

Logo, sob essa perspectiva, a súmula vinculante representaria intromissão indevida do Poder Judiciário na esfera de atuação típica do Poder Legislativo, na medida em que produziria norma geral de observância obrigatória, em mitigação inconstitucional do princípio da separação dos Poderes (CALDAS, 2013, p. 1). A súmula vinculante, enquanto atividade materialmente legislativa, seria manifestação legiferante do Poder Judiciário, embora revestida da forma de decisão judicial, representando alternativa esdrúxula adotada pelo sistema brasileiro, sobretudo em face de sua filiação à tradição romanista ou de civil law.

A corrente prevalecente, contudo, é a que se mostra contrária a esse posicionamento, aduzindo a legitimidade constitucional do disposto no art. 103-A, da CF/88, com fundamento no fato de que a súmula vinculante não se reveste do atributo mais destacado da norma legislativa, qual seja, o potencial de inovar na ordem jurídica (EBECKEN, 2013, p. 1). Trata-se do entendimento acertado sobre o assunto. Com efeito, não obstante a generalidade e a obrigatoriedade do enunciado vinculante, este apenas esclarece o conteúdo de princípios já presentes na ordem jurídica, sendo inconcebível que alguém se veja “obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa” (BRASIL, 1988, p. 1) em virtude, exclusivamente, do disposto em súmula vinculante. Tendo em vista o princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, inciso II, da CF/88, 7 no Brasil, somente a lei pode ser a fonte originária de obrigações e direitos, restando ao Poder Judiciário, tão somente, a função de esclarecer o conteúdo das disposições normativas. E, ao fixar a competência do Supremo Tribunal Federal para a edição de súmula vinculante, em momento algum o constituinte reformista outorgou ao Judiciário poderes para inovar na ordem jurídica; pelo contrário, o § 1º, do art. 103-A, da CF/88 foi claro ao estabelecer que “a súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas” (BRASIL, 1988, p. 1) e não que consistiria, em si, uma prescrição primária, apta a criar direitos ou obrigações.

Isto é: a súmula vinculante sempre se reportará a determinada norma preexistente no ordenamento jurídico, dispondo sobre sua validade, eficácia ou significado, à luz dos princípios constitucionais. Por mais que a hermenêutica constitucional permita alto grau de maleabilidade na utilização de conceitos jurídicos, a fundamentação – sempre passível de controle social, notadamente sob a forma da doutrina – restará sempre, ao menos em certo grau, limitada à fórmula gramatical e ao conteúdo histórico e social dos institutos jurídicos referidos no texto constitucional. Por conseguinte, a conclusão não pode ser outra senão pela natureza jurisdicional do enunciado da súmula vinculante, cujo conteúdo nada mais é do que a explicitação, em “interpretação autêntica” (KELSEN, 1999, p. 249) de normas já existentes na ordem jurídica, efetuada no esforço de concretização do ideal de justiça pela identificação e aplicação de conceitos e princípios gerais do Direito.

Não se discute que a elaboração do precedente pressupõe certo grau de criatividade na função jurisdicional, tal como se verifica, em maior ou menor grau, em toda atividade interpretativa. O que se afirma é que, apesar disso, o precedente judicial é uma espécie de norma jurídica de natureza substancialmente diversa da legislativa, na medida em que o Poder Judiciário não se encontra absolutamente livre para inovar na ordem jurídica, nos moldes do que ocorre com o órgão legislativo. A atividade jurisdicional, embora possa criar direito, encontra-se adstrita às possibilidades interpretativas do ordenamento, que, de modo inequívoco, são limitadas por elementos de ordem gramatical, histórica, filosófica, cultural e sociológica.

Nada impede, na forma do texto original da CF/88, que a atividade jurisdicional, por questões de justificada economia processual, seja efetuada em caráter geral e vinculante, como veio a ser admitido pela EC n.º 45/2004. Não há que se falar em inconstitucionalidade do instituto, o qual em nada viola o princípio da separação dos Poderes, revelando-se atividade jurisdicional do Supremo Tribunal Federal, dotada, contudo, por razões de política processual, de efeitos vinculantes em relação ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário.

A figura a seguir ilustra a dependência do ordenamento jurídico pelo órgão de cúpula do Judiciário que fixa a interpretação vinculante, demonstrando a relação de pertinência entre o enunciado sumulado e o contexto jurídico-positivo do qual foi emanado. O STF extrai do ordenamento jurídico a interpretação constante da súmula, dependendo, pois, da previsão, naquele, das regras e princípios explicitados nesta. No caso da edição de norma materialmente legislativa a dinâmica é exatamente oposta: a partir de elementos extrajurídicos, tais como fatos e valores sociais, o legislador edita a lei, a qual, satisfazendo determinados requisitos formais, passa a integrar o ordenamento jurídico.

Figura 1 – Súmula vinculante como atividade materialmente jurisdicional do STF. Dependência do contexto jurídico-positivo e ausência de natureza legislativa. Inexistência de violação ao princípio da separação dos Poderes

Fonte: Elaborada pelo autor

Note-se, pois, que a súmula vinculante, enquanto tese jurídica, é decorrência lógica das regras e princípios que informam o ordenamento. A lei, por sua vez, é fruto da convergência de elementos extrajurídicos os quais, sintetizados pelo Poder Legislativo a partir de critérios de conveniência e oportunidade, produzem o conteúdo de determinada ordem jurídico-positiva nacional. Havendo múltiplas interpretações juridicamente possíveis do ordenamento, é a súmula a leitura “autêntica”, efetuada pelo órgão de Estado incumbido constitucionalmente do poder-dever de dizer o direito (KELSEN, 1999, p. 249). É a súmula vinculante, portanto, produto de atividade formal e materialmente jurisdicional, cujo efeito obrigatório em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública mais tem a ver com uma estratégia nacional de produção judiciária que com a coercibilidade da norma jurídica enquanto categoria sociológica.

Prova do que se afirma é o fato de que a superveniência de lei com conteúdo oposto ao de súmula vinculante faz cessar a eficácia do enunciado do Supremo Tribunal Federal (SOUZA, 2013, p. 274). Se a tese jurídica fixada na súmula for frontalmente atacada por ato formal do Poder Legislativo, não há razão para crer que deva permanecer aplicável o enunciado do Judiciário, ainda que dotado de efeitos vinculantes. Nesse sentido, prevê o art. 5º, da Lei n.º 11.417/2006, que “revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.” (BRASIL, 2006, p. 1) Cuida-se de fenômeno que, no common law, é conhecido como a superação do precedente por caducidade. Entre nós, tendo em vista o primado da lei como fonte primordial do direito (art. 5º, inciso II, da CF/88), por mais que o tribunal não proceda à revogação formal do enunciado, não se pode deixar de reconhecer a eficácia do ato legislativo posteriormente editado, vez que a atividade legiferante deve permanecer plena, sendo logicamente contraditório que se submeta o Legislativo a uma interpretação prévia do ordenamento elaborada por órgão judicante. Com efeito,

a súmula vinculante terá sua estabilidade condicionada à estabilidade do princípio subjacente à norma legislada que visa interpretar. Em regra, um enunciado de súmula vinculante não deve sobreviver se alterado o texto da norma legislada a que ele se refere (ou criada uma norma, para o caso de ausência da anterior), de modo a tornar incompatíveis enunciado e novo texto de lei. Entretanto, embora alterado o texto da norma legal ou criada uma onde não exista, pode o enunciado sobreviver se a alteração em nada afetar o princípio subjacente em relação ao qual ele está de acordo. É absurdo pensar que a elaboração das leis, a priori, teria sempre de se conformar com os enunciados da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Seria entender que a Reforma do Judiciário criou uma supremacia do Poder Judiciário em relação ao Poder Legislativo. (SOUZA, 2013, p. 274)

Logo, evidente que a natureza jurídica da súmula vinculante, não somente na perspectiva formal, mas, sobretudo, do ponto de vista material, de sua essência, não é a de ato legislativo, mas jurisdicional. A verificação de um maior grau de criatividade judicial no âmbito de aplicação do instituto não se deve a uma suposta natureza legislativa da súmula, mas à realidade da jurisdição constitucional, a qual, a par de deter o monopólio da última palavra sobre determinada questão jurídica, constantemente, lida com princípios e valores positivados, que demandam elevado esforço interpretativo quando de seu confronto com as demais espécies normativas. Noutros termos, é o papel do STF como instância final de dicção do direito e a sensibilidade axiológica das questões constitucionais por ele resolvidas que explicam a maior ingerência da súmula vinculante em temas pouco esclarecidos da ordem jurídica. O método de trabalho, a forma de raciocínio e a teoria que inspiram sua produção, contudo, divergem significativamente das que informam o processo legislativo.


6. Inconstitucionalidade de enunciado vinculante

Outra questão relevante diz respeito à possibilidade de se reputar formal ou materialmente inconstitucional determinado enunciado de súmula vinculante. Consoante já delineado, há pressupostos de ordem constitucional para a utilização do instituto, os quais, não sendo satisfeitos, ensejam a nulidade do procedimento e a consequente inconstitucionalidade do enunciado. Tiago Asfor Rocha Lima (2013, p. 257) relaciona algumas hipóteses de inconstitucionalidade de verbete vinculante, a saber: a) ausência de satisfação da maioria qualificada de 2/3 dos ministros do STF, o que equivale a 8 (oito) votos a favor do texto da súmula; b) inexistência de decisões reiteradas da corte sobre o tema a sumulado; c) abordagem de matéria não constitucional; d) não divulgação na imprensa oficial do conteúdo do enunciado.

Acerca do primeiro requisito, relativo à maioria qualificada, destaca-se a necessidade de que os 8 (oito) ministros, correspondentes ao quorum de 2/3 do pleno do STF, estejam de acordo em relação a todos os itens ou pontos do verbete sumulado (LIMA, 2013, p. 257). Caso ocorra divergência parcial, eventual súmula editada se mostrará viciada e, por conseguinte, inconstitucional sob a perspectiva formal. Haveria inconstitucionalidade formal, outrossim, quando não satisfeitos os requisitos da prévia discutibilidade do tema no âmbito do Supremo ou da publicação do inteiro teor do verbete em órgão oficial, a despeito de eventual publicidade conferida por outros meios.

No caso de enunciado sobre matéria de índole estritamente infraconstitucional, a inconstitucionalidade seria material, porquanto violadora da norma explícita que limita materialmente o alcance da súmula vinculante à validade, eficácia e interpretação de norma determinada à luz dos princípios e regras constitucionais. Logo, plenamente possível que determinado enunciado de súmula vinculante apresente vício de inconstitucionalidade.

No que tange aos instrumentos passíveis de utilização para a arguição de incompatibilidade de verbete específico com a Constituição, Tiago Asfor Rocha Lima (2013, p. 262-263) sugere: a) o controle incidental realizado de forma difusa, ex officio, pelos magistrados de todo o País; b) a arguição de vício de inconstitucionalidade pela parte nas alegações constantes dos autos (inicial, contestação e razões recursais); e c) a proposta de revisão ou cancelamento da súmula, com fundamento na inconstitucionalidade, dirigida diretamente ao STF, por aqueles que detêm legitimidade para tanto. Em palavras do autor:

Não há como negar a possibilidade do exercício do controle incidental realizado difusamente pelos magistrados de todo o País. A não aplicação do texto de ‘súmula vinculante’ deve ser exaustivamente fundamentada pelo juiz do caso, a fim de que as partes conheçam as razões jurídicas pelas quais o enunciado normativo se encontra viciado pela máxima ilegalidade (inconstitucionalidade). Ademais, essa motivação do magistrado será de suma importância também para eventualmente ‘alertar’ a Excelsa Corte sobre circunstancial equívoco ali cometido, já que, muito provavelmente, a decisão que invocar inconstitucionalidade de verbete vinculante será alvo de Reclamação. (...) Da mesma forma, se o verbete de súmula vinculante é ato normativo, também não haveria por que impedi-lo de ser alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade e/ou Ação Declaratória (...). Sucede que os mesmos legitimados a propor a ADIN e a ADC também possuem legitimação para postular a revisão e o cancelamento da ‘súmula vinculante’, resultando em carência de ação (falta de interesse processual-adequação da via eleita e desnecessidade no seu ajuizamento), haja vista ser o procedimento de revisão e cancelamento mais adequado e célere para tais propósitos. Como na fiscalização concreta, regra geral, os interessados não detêm legitimidade para requerer diretamente e em nome próprio a revisão e/ou cancelamento da ‘súmula vinculante’, resta admitir a arguição de vício de inconstitucionalidade pela parte eventualmente prejudicada, exatamente por se tratar do único instrumento disponível para se alcançar tal objetivo. (LIMA, 2013, p. 262-263)

Portanto, em tese, não somente é possível que determinado enunciado de súmula vinculante seja reputado inconstitucional como, ante a limitação dos legitimados a deflagrar o procedimento de revisão ou cancelamento de súmula, é a arguição de inconstitucionalidade o meio formalmente adequado para o afastamento do enunciado por quem pretenda apontar o defeito respectivo. De igual sorte, na perspectiva hipotética, é a declaração incidental de inconstitucionalidade instrumento à disposição do magistrado para que, em situações-limite – ressalte-se, em casos raros, excepcionais, de importância mais teórica do que prática – negue aplicação ao entendimento sumulado.

O cuidado que se toma, aqui, ao se destacar que o acima propugnado se afirma em tese, e, portanto, deve ser lido com todas as cautelas possíveis, decorre da regra, claramente estabelecida no texto constitucional, de que não é a mera divergência de entendimento em relação ao fixado pelo STF que autoriza o juiz ou tribunal a deixar de aplicar a súmula, que é de observância obrigatória. A imposição do entendimento sumulado contra a vontade dos julgadores de instâncias inferiores, a bem da racionalidade e uniformidade da jurisdição, é precisamente a razão de ser do instituto da súmula vinculante. O juiz que, embora alertado, reiteradamente, e de forma injustificada, deixa de homenagear interpretação cristalizada em súmula vinculante, presta desserviço à Justiça, e deve ser alvo punição na esfera administrativa.

Logo, em se tratando de inconstitucionalidade formal, por inobservância da maioria qualificada exigida para a edição do verbete ou dos demais pressupostos constitucionais, tais como a prévia discutibilidade do tema no STF ou a publicação do inteiro teor do verbete em órgão oficial, não nos parece que maiores problemas adviriam da prática, já que o equivoco na produção da súmula se teria materializado por circunstância objetiva, de fácil demonstração. Já no que tange à inconstitucionalidade material, como no caso da suposta edição de enunciado versando sobre matéria estritamente infraconstitucional, nítido é que teria o magistrado da inferior instância de lidar com a problemática da usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, sobretudo ante a dimensão analítica da Constituição Brasileira de 1988, a própria definição do que vem a ser “matéria constitucional” é da competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, é a Corte Suprema, em única instância, quem define qual é a sua própria competência, não cabendo ao juiz ou tribunal local declararem se o Pretório Excelso extrapolou de suas atribuições constitucionais. 8

Nesse contexto, ao passo que são reais as chances de ocorrência de vício formal de constitucionalidade na produção de súmula vinculante, parece-nos extremamente difícil vislumbrar uma hipótese concreta de inconstitucionalidade material de um verbete específico – ao menos uma passível de declaração por órgão judiciário de instância inferior. O enunciado mal elaborado, de aplicabilidade genérica, duvidosa ou incerta, ou, ainda, aquele superado pelos valores ou circunstâncias sociais, deve ser alvo de afastamento por distinguishing (apontamento das distinções factuais entre caso concreto e paradigma) ou overruling (revogação do paradigma por alteração das condicionantes sociais), jamais por um suposto reconhecimento de inconstitucionalidade material pelo juiz da causa.


7. Implicações da súmula vinculante no processo de conhecimento

Por último, incumbe mencionar alguns reflexos operados pela sistemática da súmula vinculante no processo de conhecimento. Erik Navarro Wolkart (2013, p. 178-191) refere ao impacto do enunciado obrigatório:

a) na fase postulatória, em que passa a ser recomendável a indicação respectiva pela parte, quando haja verbete que ampare e pretensão do autor;

b) na concessão das tutelas de urgência, quando a plausibilidade do direito passa a ser inquestionável na existência de súmula cristalizando a tese jurídica suscitada pelo requerente;

c) no julgamento liminar de improcedência do pedido, que se torna possível sempre que fundada a demanda em tese rechaçada pelo conteúdo de súmula vinculante;

d) na resposta do réu, que, verificando não ter o magistrado aplicado o art. 285-A, do CPC, deve transcrever o enunciado aplicável como a primeira alegação de mérito, dando azo ao julgamento antecipado da lide;

e) no aprimoramento da utilização da técnica do distinguishing, quando vislumbre a parte haver súmula contrária à sua pretensão, aparentemente aplicável ao caso em apreço, hipótese em que lhe resta a demonstração da existência de peculiaridades que desbordam dos limites da súmula, merecendo solução diferenciada;

f) na valorização da fase instrutória como elemento apto a demonstrar a possibilidade de afastamento da súmula em virtude das especificidades do caso concreto; e, ao final,

g) na maior previsibilidade, estabilidade, segurança e isonomia das decisões do Poder Judiciário, que passarão a ostentar grau desejável de regularidade, com reflexos na celeridade da prestação jurisdicional e no potencial de pacificação das relações sociais, com perspectivas de redução nos níveis de litigiosidade da população.


8. Conclusão

A súmula vinculante é o instrumento de natureza material e formalmente jurisdicional pelo qual o Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, destaca a ratio decidendi dos precedentes, refinando-a em um processo de abstração, e edita verbete aplicável, em tese, aos casos que versem sobre questão idêntica. O enunciado da súmula é de observância obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública em geral, os quais somente podem deixar de aplicá-lo, com exaustiva fundamentação, se existentes, na espécie, peculiaridades que justifiquem o afastamento da interpretação constitucional, que proporcionaria evidente injustiça no caso concreto (hipóteses de distinguishing ou overruling). É a súmula passível de incorrer em vício de inconstitucionalidade, na hipótese de não serem satisfeitos os requisitos da maioria qualificada de 8 (oito) votos para cada um dos itens constantes do enunciado, da existência de discussões prévias em plenário acerca da matéria objeto da súmula e do status constitucional da questão que se pretenda pacificar com o verbete aprovado.

Se, por um lado, a sistemática da súmula vinculante diverge drasticamente do regime do stare decisis sob as perspectivas histórica, estrutural e procedimental, na medida em que este, construído sob a égide da common law, diz respeito à força obrigatória não de enunciados de jurisprudência, mas de precedentes, cujo conteúdo normativo encontra-se intimamente ligado aos fatos de um caso concreto, por outro, tem-se inegável aproximação com a referida metodologia, na medida em que a “súmula” brasileira, embora vinculante, não pode ser compreendida, como querem alguns, como um “enunciado canônico, cuja força advém da autoridade que a promulga, dotada de força inexorável, não permitindo nenhuma ponderação ou ajuste pelos juízes”, mas como “precedente sumulado” (WOLKART, 2013, p. 187), que, como tal, admite flexibilização por institutos como o overruling e o distinguishing. E o faz com propriedade sem igual, pois foi somente a partir da súmula vinculante que vivenciou a experiência jurídica brasileira os positivos efeitos processuais de uma decisão judicial dotada de eficácia formalmente obrigatória.


Notas

1 Os assentos foram declarados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional Português em 1993, na parte em que previam a competência do Poder Judiciário para a edição de norma com força obrigatória geral, sendo reputada legítima, porém, a força vinculante do pronunciamento em relação aos tribunais hierarquicamente ligados à corte que editasse o regulamento (Acórdão n.º 810/1993 no Processo n.º 474/1988). Na parte não declarada inconstitucional, os assentos foram integralmente revogados em 1995, pelo art. 4º, n.º 2, do Decreto n.º 329-A. Cf. SOUZA, 2013, p. 183.

2 BRASIL, 1988, p. 1: “103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

3 BRASIL, 2006, p. 1: “Art. 2º. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei. (...) § 4º No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo.”

4 BRASIL, 2006, p. 1: “Art. 3º São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – o Procurador-Geral da República; V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VI - o Defensor Público-Geral da União; VII – partido político com representação no Congresso Nacional; VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; IX – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares. § 1º O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo. § 2º No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.”

5 Registra-se, por oportuno, que, nos termos do art. 6º, da Lei n.º 11. 417/2006, a proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão. Cf. BRASIL, 2006, p. 1.

6 BRASIL, 2006, p. 1: “Art. 7º Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. § 1º Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas. § 2º Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso. Art. 8º O art. 56 da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º: ‘Art. 56. (...) § 3º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.’ (NR) Art. 9º A Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 64-A e 64-B: ‘Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso. Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.’ Art. 10. O procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante obedecerá, subsidiariamente, ao disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.”

7 BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

8 Eventual enunciado absurdo ou teratológico, que aqui somente se admite por hipótese, por certo, seria alvo de procedimento de revisão ou cancelamento por um dos legitimados. Acaso mantido o texto impugnado por decisão motivada do STF, o controle da atuação da corte teria de dar-se pela via social, na forma da doutrina ou de outras modalidades de manifestação popular, como, de resto, ocorre com os demais atos dos diferentes órgãos de Estado. Em todo caso, quando da aplicação de verbete de súmula vinculante, é assegurado aos magistrados a faculdade de ressalvarem por escrito o seu entendimento pessoal, o que, para além de um exercício de sua independência funcional, revela-se instrumento apto a fomentar o debate, com vista ao aprimoramento da tese sumulada.


Referências

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SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. 1. ed. (2006). 2. reimpr. Curitiba: Juruá, 2013.


Autor

  • Cláudio Ricardo Silva Lima Júnior

    Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - dupla diplomação. Ex-Assessor da Justiça Federal de Primeira Instância na 5ª Região. Ex-Assessor do Ministério Público Federal na 1ª Região. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

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LIMA JÚNIOR, Cláudio Ricardo Silva. Súmula vinculante: regime geral, natureza jurídica e enunciado inconstitucional . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4049, 2 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30624. Acesso em: 25 abr. 2024.