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Aposentadoria por invalidez e o reflexo no contrato de trabalho

Aposentadoria por invalidez e o reflexo no contrato de trabalho

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Analisaremos as principais repercussões que a aposentadoria por invalidez produz no contrato de trabalho, as quais, por vezes, variam se a causa do jubilamento foi decorrente ou não de acidente do trabalho.

1 - INTRODUÇÃO

O direito previdenciário e do trabalho sempre apresentaram muita proximidade, pois os benefícios previdenciários apresentam as mais variadas e significativas repercussões no contrato de trabalho. Prova desse liame, dentre tantas outras, é que o conceito (e contornos) do acidente de trabalho é extraído da própria Lei de Benefícios (arts. 19 a 21), além do art. 118 do mesmo diploma criar uma outra forma de estabilidade ao empregado. Dessa relação do direito previdenciário com o direito do trabalho, podemos sintetizar que aquele volta os seus olhos para o futuro do trabalhador e este ao presente.

Contudo, neste estudo iremos nos ater aos reflexos do benefício de aposentadoria por invalidez (por causa acidentária ou previdenciária) no contrato de trabalho. Iremos dissecar quais são esses reflexos que a aposentadoria por invalidez produz, sem deixar de lado a análise da jurisprudência atual.

O tema analisado exige a necessidade de conhecimento, pelo intérprete, de dois ramos do direito (trabalho e previdenciário), e isso tem revelado a carência de fundamentação jurídica de certas questões controvertidas.

2 - DESENVOLVIMENTO            

2.1 – A aposentadoria por invalidez. Contornos legais.

Para que possamos analisar os reflexos que a aposentadoria por invalidez produz no contrato de trabalho, impositiva é a abordagem prévia dos seus requisitos e contornos legais.

A regra matriz do benefício de aposentadoria por invalidez está prevista no art. 42 da Lei 8.213/91, in verbis:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.     

Temos que, para gozar da aposentadoria por invalidez, necessário o preenchimento de três requisitos: a) a qualidade de segurado; b) cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais (exceções nos art. 26, II, e 151 da Lei 8.213/91); c) a incapacidade para o trabalho de caráter permanente.

Importante registrar, desde agora, que a aposentadoria por invalidez “será paga enquanto permanecer [o segurado] nesta condição” (parte final do art. 42 da Lei 8.213/91).

A Lei 8.213/91 não torna definitivo o benefício de aposentadoria por invalidez, ao contrário do que faz com as outras aposentadorias. E nem seria recomendável assim o fazer, pois não se pode desprezar a constante evolução das pesquisas e da ciência médica na cura de diversas moléstias, outrora ditas “insuscetíveis de reabilitação”. E o Estado deve sempre fomentar o direito fundamental do trabalho (art. 1º, IV, 6º, 170, ambos da CF/88), e não incentivar a inatividade definitiva.

Logo, independentemente do tempo transcorrido da concessão da aposentadoria por invalidez e o do tipo da patologia, recuperada a capacidade ou o retorno ao trabalho, o benefício será cessado.

A propósito, art. 46 do Decreto 3.048/99:

Art. 46. O segurado aposentado por invalidez está obrigado, a qualquer tempo, sem prejuízo do disposto no parágrafo único e independentemente de sua idade e sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da previdência social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.

Parágrafo único.  Observado o disposto no caput, o aposentado por invalidez fica obrigado, sob pena de sustação do pagamento do benefício, a submeter-se a exames médico-periciais, a realizarem-se bienalmente.

A Lei 9.032/95, inclusive, retirou a previsão da desnecessidade de submissão à perícia após o segurado completar 55 anos.

A redação antiga do art. 101 da Lei de Benefícios era esta:

Art. 101. O segurado em gozo de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença e o pensionista inválido, enquanto não completarem 55 (cinqüenta e cinco) anos de idade, estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue que são facultativos [grifo à parte].

Atual:

Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

A legislação previdenciária estabelece, a cada dois anos, a necessidade de submissão do segurado às perícias médicas de revisão, mesmo nas situações em que o benefício é concedido pela via judicial (art. 71 da Lei 8.212/91 e art. 211 da Instrução Normativa INSS/PRES n. 45/10).

Destaca-se ainda que o retorno voluntário ao trabalho cancela automaticamente o benefício (art. 46 da Lei 8.213/91), devendo o segurado devolver ao INSS os valores que recebeu pelo saque do benefício após a data do retorno espontâneo ao trabalho (art. 208, § 2º, da Instrução Normativa INSS/PRES n. 45/10).

É que, se o segurado se julgar apto a retornar a atividade, deverá solicitar a realização de nova avaliação médico-pericial (art. 205 da Instrução Normativa INSS/PRES n. 45/10), com o que, concluindo a perícia pela atual capacidade, fará jus às vantagens da regra estatuída no art. 47 da Lei 8.213/91.

Feitos esses esclarecimentos, temos que, na verdade, o tempo de gozo da aposentadoria por invalidez terá reflexo apenas na aplicação da regra protetiva do art. 47 da Lei 8.213/91, conhecida como “mensalidades de recuperação”, a saber:

Art. 47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado por invalidez, será observado o seguinte procedimento:

I - quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará:

a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social; ou

b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados;

II - quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período do inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade:

a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade;

b) com redução de 50% (cinqüenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses;

c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente.

2.2 - Aposentadoria por invalidez como causa de suspensão do contrato de trabalho.

O art. 475, caput, da CLT prevê expressamente que o empregado aposentado por invalidez “terá suspenso o seu contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis de previdência social”.

Temos, assim, que a legislação trabalhista adota a compreensão de que a aposentadoria por invalidez é causa de suspensão (não interrupção) do contrato de trabalho, assim como remete às leis de previdência social a fixação do prazo dessa paralisação dos efeitos do contrato de trabalho.

Mauricio Godinho Delgado[1] ensina que “interrupção e suspensão do contrato empregatício são institutos que tratam da sustação restrita ou ampliada dos efeitos contratuais durante certo lapso temporal”.

2.3 – Da ausência de prazo máximo para a suspensão do contrato de trabalho pela concessão da aposentadoria por invalidez

Vimos em linhas passadas que legislação previdenciária não fixa prazo para a fruição do benefício de aposentadoria por invalidez, pois será pago “enquanto permanecer [o segurado] nesta condição” (parte final do art. 42 da Lei 8.213/91).

A súmula nº 160 do TST reflete exatamente essa compreensão, ou seja: o contrato de trabalho fica suspenso por prazo indeterminado, in verbis:

APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. Cancelada a aposentadoria por invalidez, mesmo após cinco anos, o trabalhador terá direito de retornar ao emprego, facultado, porém, ao empregador, indenizá-lo na forma da lei.(ex-Prejulgado n.º 37).

E a súmula 160 do TST continua orientando os atuais precedentes daquela Corte Superior:

PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA. EMPREGADO APOSENTADO POR INVALIDEZ. LIMITAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DO EMPREGADOR. A concessão do restabelecimento do convênio médico, sem limitação à data de 28/09/2016, cinco anos após a concessão da aposentadoria por invalidez, encontra respaldo na Súmula 160, TST, que prevê que mesmo após esse prazo quinquenal, o empregado terá o direito de retornar ao emprego, facultado, porém, ao empregador, indenizá-lo na forma da lei. Os argumentos lançados em agravo de instrumento esbarram na Súmula 333, TST. Agravo de instrumento não provido. (TST, AIRR - 845-59.2012.5.02.0251 , Relator Ministro: Ronaldo Medeiros de Souza, Data de Julgamento: 10/09/2014, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/09/2014)

A súmula 217 do STF, editada nos idos de 1963, apresenta solução em sentido contrário, pois sinaliza que o contrato de trabalho fica suspenso por até 5 anos.

Eis o teor da referida que, embora em desuso, não foi expressamente cancelada pelo STF:

Súmula 217 do STF: Tem direito de retornar ao emprego, ou ser indenizado em caso de recusa do empregador, o aposentado que recupera a capacidade de trabalho dentro de cinco anos, a contar da aposentadoria, que se torna definitiva após esse prazo (data 1963).

Entendemos que a posição correta (e atual) é aquela expressada pela súmula 160 do TST. E assim pensamos porque a súmula 217 do STF foi editada quando não estava em vigor a atual legislação previdenciária (Lei 8.213/91). Não foi cancelada pelo STF na medida em que esse tema é de índole infraconstitucional (art. 475 da CLT e art. 45 da Lei 8.213/91), prova disso que o último precedente do STF a respeito da súmula 217 é exatamente o RE 69082, Rel. Min. THOMPSON FLORES, Segunda Turma, julgado em 01/06/1970.

Contudo, por dever de transparência ao leitor, é preciso destacar que há jurisprudência minoritária entendendo que a suspensão do contrato de trabalho deve permanecer pelo prazo máximo de 5 anos, conforme a súmula 217 do STF e a exegese extraída do art. 47 da Lei 8.213/91. Confira-se:

APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RESCISÃO CONTRATUAL. RECURSO DA RECLAMANTE. Embora a Lei nº 8.213/91 (art. 47, I e II) não estabeleça prazo de vigência para a aposentadoria por invalidez, não há como manter indefinidamente a suspensão do contrato de trabalho. Nesse sentido a Súmula nº 217 do STF, segundo a qual ultrapassados cinco anos da concessão da aposentadoria por invalidez, esta, que antes era provisória, passa a ser definitiva, deixando de existir qualquer impedimento à extinção do contrato de trabalho. Aposentada a reclamante, por invalidez, desde 01-9-2000, não há qualquer irregularidade na rescisão contratual efetivada em 17-12-2012. Sentença que julgou improcedente a ação que se mantém. (TRT4, PROCESSO: 0000060-24.2013.5.04.0731, MARÇAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO, 05.09.13)

2.4 – Efeitos produzidos durante a suspensão do contrato de trabalho pela aposentadoria por invalidez

Por força do art. 471 da CLT, não é possível dissolver o contrato de trabalho durante o gozo da aposentadoria por invalidez, salvo: a) justa causa no curso da suspensão; b) extinção da empresa; c) pedido de demissão.

Entretanto, se a falta grave ocorreu antes da aposentadoria por invalidez, o ato de demissão somente produzirá efeitos após eventual término do citado benefício previdenciário. A empresa até pode comunicar de imediato ao trabalhador a justa causa aplicada, mas a efetivação da rescisão só poderá ocorrer após terminar a causa suspensiva (aposentadoria por invalidez).

O TST tem posição firmada no sentido de que o prazo prescricional de 5 anos (art. 7º, XXIX, da CF/88) flui regularmente durante o gozo da aposentadoria por invalidez. É o que está sedimentado na OJ nº 375 da SDI-1 do TST:

A suspensão do contrato de trabalho, em virtude da percepção do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, não impede a fluência da prescrição quinquenal, ressalvada a hipótese de absoluta impossibilidade de acesso ao Judiciário.

A citada OJ n. 375 do TST apenas exclui da regra geral a situação de “absoluta impossibilidade de acesso ao Judiciário”.

O mesmo não ocorre com relação à prescrição bienal, pois essa pressupõe a “extinção do contrato de trabalho”, e, no caso, o pacto laboral está apenas suspenso (não desfeito).

Tema bastante controvertido é quanto à obrigação da empresa em custear o plano de saúde do empregado durante a vigência da aposentadoria por invalidez, que, como visto em linhas passadas, não tem prazo previamente definido.

O empregador, de um lado, sustenta que, como a aposentadoria por invalidez (ou auxílio-doença) suspende o contrato de trabalho, e se valendo do próprio conceito doutrinário do que seja “suspensão”, isto é: não há trabalho nem contraprestação pela empresa. Sérgio Pinto Martins[2] ensina que a “suspensão é a cessação temporária e total da execução e dos efeitos do contrato de trabalho”.

A tese contrária, apresentada pelo empregado, consiste, basicamente, na fundamentação de que: a) a suspensão cessa apenas as principais obrigações das partes (prestação do trabalho e pagamento do salário), mas não as acessórias (benefícios, no caso do plano de saúde); b) em face da habitualidade em que prestada, o benefício adere ao contrato de trabalho, incorporando-se ao patrimônio jurídico do trabalhador (art. 468, caput, da CLT); c) aplicação do princípio da boa-fé (art. 422 do CC/02), pois é o momento em que o empregado mais necessita do plano de saúde.

O TST recentemente acolheu a última tese, de acordo com a súmula 440 (Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012):

AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À MANUTENÇÃO DE PLANO DE SAÚDE OU DE ASSISTÊNCIA MÉDICA - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. Assegura-se o direito à manutenção de plano de saúde ou de assistência médica oferecido pela empresa ao empregado, não obstante suspenso o contrato de trabalho em virtude de auxílio-doença acidentário ou de aposentadoria por invalidez.

Com relação ao FGTS, o art. 15, § 5º, da Lei nº 8.036/90 dispõe que é obrigatório o seu recolhimento nos casos de “licença por acidente do trabalho”.

Ocorrerá a licença (suspensão) do empregado por acidente do trabalho (arts. 19 a 21 da Lei 8.213/91) em duas situações: gozo do auxílio-doença acidentário (espécie 91[3]) e aposentadoria por invalidez acidentária (espécie 92).

O auxílio-doença previdenciário (espécie 31) e aposentadoria por invalidez previdenciária (espécie 32), por sua vez, embora sejam causas de licença (suspensão), não têm origem em acidente do trabalho. Sem depósito do FGTS, portanto.  

A jurisprudência majoritária, contudo, não faz essa necessária distinção entre as duas espécies de aposentadoria por invalidez, e descarta a obrigatoriedade de depósito do FGTS nos casos de aposentadoria por invalidez quando oriunda de acidente do trabalho (espécie 92). A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1) do TST tem decidido exatamente nesse sentido, verbis:

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DEPÓSITOS DO FGTS DO PERÍODO DE AFASTAMENTO. INDEVIDOS. A discussão gira em torno da suspensão do contrato de trabalho em vista da concessão de aposentadoria por invalidez decorrente de acidente de trabalho, e o devido depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço no período de afastamento, de acordo com a Lei 8.036/90. A jurisprudência deste Órgão Colegiado formou-se no sentido de que a norma de regência do FGTS não obriga o empregador a recolher os depósitos durante a suspensão do contrato de emprego em razão do gozo da aposentadoria por invalidez. Trata-se de norma classificada como numerus clausus, e não exemplificativa, não deixando margem para interpretação ampliativa. Recurso de embargos conhecido e não provido. (TST, E-RR - 168000-21.2009.5.01.0025, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 11/09/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 19.09.14)

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. DOENÇA DO TRABALHO DECORRENTE DE ESFORÇOS REPETITIVOS. APOSENTADORIA POR INVALDEZ. DEPÓSITOS DO FGTS. RECOLHIMENTO. INDEVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte fixou o entendimento no sentido de que a aposentadoria por invalidez, ainda que acidentária, não garante ao empregado o direito aos depôs itos do FGTS, por falta de amparo legal, na medida em que, nos termos do art. 15, caput e § 5º, da Lei 8.036/90, tal verba é devida somente para os empregados em licença previdenciária por acidente do trabalho e para aqueles afastados para a prestação de serviço militar obrigatório, não mencionando a lei o afastamento por aposentadoria. Precedentes desta Subseção. Recurso de embargos conhecido e não provido. (TST, E-RR - 1228-12.2010.5.03.0079 , Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 07/08/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 15/08/2014)

Entendemos que essa jurisprudência majoritária, que é acolhida pelo TST, confere uma interpretação contrária à expressa disposição de lei. Isso porque já vimos que a aposentadoria por invalidez acidentária (espécie 92) preenche, sem espaço para dúvidas, os dois requisitos objetivos do art. 15, § 5º, da Lei 8.036/90, quais sejam: a) licença (suspensão) e b) origem em acidente do trabalho.

De modo algum, com isso, estar-se-ia conferindo uma “interpretação ampliativa” ao citado dispositivo, mas tão-somente aplicando-o à hipótese prevista.

A aposentadoria por invalidez acidentária, tal como o auxílio-doença acidentário, não é definitivo (revisão a cada dois anos, na forma do art. 210 da Instrução Normativa INSS/PRES n. 45/10), decorre de acidente do trabalho e tem por finalidade assegurar ao segurado meios indispensáveis de manutenção motivada por incapacidade laboral (art. 1º, caput, da Lei 8.213/91).

Portanto, além de contrariar o próprio texto legal (art. 15, § 5º, da Lei 8.036/90), a solução majoritária da jurisprudência, ao afastar a obrigatoriedade de recolhimento do FGTS por aposentadoria por invalidez acidentária, também desconsidera o princípio da proteção, pela dimensão da regra do in dubio pro operario.

Clássica é a doutrina de Américo Plá Rodrigues[4], para quem o princípio da proteção se expressa em três regras: in dubio pro operario, da norma mais favorável e da condição mais benéfica:

a) a regra in dubio, pro operario. Critério que deve utilizar o juiz ou o intérprete para escolher, entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador; b) a regra da norma mais favorável determina que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas; e c) a regra da condição mais benéfica. Critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava um trabalhador. Desta exposição segue-se que se trata de três regras distintas, resultantes do mesmo principio geral, sem que se possa considerar uma regra subordinada ou derivada de outra.

Logo, também por força do princípio da proteção, não há fundamento válido na compreensão da jurisprudência majoritária de que a aposentadoria por invalidez acidentária não está contemplada no art. 15, § 5º, da Lei 8.036/90. Isso porque, se há dúvida (e vimos que ela não existe), mesmo assim deveria prevalecer a interpretação mais favorável ao empregado, e não justamente o contrário.

Diante da posição majoritária da jurisprudência, o trabalhador, para não ser lesado, deverá, por meio do seu sindicato, buscar a inserção de tal previsão em negociação coletiva (art. 611 da CLT) ou reparar o dano material - ausência do depósito do FGTS - em reclamação trabalhista fundada no princípio da “reparação integral do dano”[5] (arts. 186, 927, 944, 949 e 950, ambos do CC/02).

Seguindo no campo da responsabilidade civil, o aposentado por invalidez decorrente de acidente do trabalho, quando causado por culpa ou dolo do empregador (ou sem esse elemento nas hipóteses de responsabilidade objetiva, art. 927, parágrafo único, CC/02[6]), e presente o nexo causal entre a atividade e o dano, a indenização material deverá corresponder à exata extensão do dano (art. 944 do CC/02).

Por isso, se “o ato danoso ocasionou a perda total da capacidade laborativa do reclamante, a indenização deve corresponder, objetivamente, ao valor que ele deixou de receber caso estivesse em atividade”. Por isso, “por aplicação do princípio que assegura, em tais casos, a restitutio in integrum, a pensão mensal deve ser fixada com base nos valores referentes ao ofício ou à profissão anteriormente praticada e corresponder ao valor total da remuneração por ele então percebida, de acordo com os parâmetros e limites traçados pelo artigo 950 do Código Civil de 2002”[7].

E o empregador não poderá compensar na indenização material o valor recebido pelo empregado a título de aposentadoria por invalidez, de acordo com a previsão do artigo 7º, XXVIII, da CF/88 e artigo 121 da Lei 8.213/91. A propósito é a súmula 229 do STF e o Enunciado nº 48 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalhado realizada em Brasília em novembro/2007.

No mesmo sentido:

RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007 - ACIDENTE DE TRABALHO INCAPACITANTE - PENSÃO MENSAL VITALÍCIA - BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - NATUREZA DISTINTA. A pensão mensal vitalícia (indenização material pelo ato ilícito) e a aposentadoria por invalidez (benefício previdenciário) não se confundem e decorrem de relações jurídicas absolutamente distintas, podendo ser recebidas concomitantemente, sem qualquer impedimento ou compensação. Aplicação dos arts. 7º, XXVIII, da Constituição Federal e 121 da Lei nº 8.213/91. Recurso de embargos conhecido e desprovido. (TST, E-ED-RR - 68300-33.2005.5.17.0004 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 18/09/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 26/09/2014)

Por força da ação civil pública nº 2009.71.00.004103-4, movida pelo Ministério Público Federal contra o INSS, em curso perante a 17ª Vara Federal de Porto Alegre/RS, a redação do art. 154 da IN 45/10 foi alterada[8], para computar como carência o período em que o segurado esteve aposentado por invalidez (igual direito ao auxílio-doença), mesmo que não seja de causa acidentária, mas o novo benefício requerido deve ser posterior a 19.09.11 e necessariamente intercalado com períodos de contribuição ou atividade.    

CONCLUSÃO:

A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez produz a suspensão do contrato de trabalho por período de tempo indeterminado, pois, segundo a legislação previdenciária (em especial o art. 42 da Lei 8.213/91), perdurará enquanto o empregado “permanecer nesta condição”.      

E, enquanto suspenso o contrato de trabalho, temos a lição doutrinária de que não há prestação de serviço pelo empregado nem contraprestação pelo empregador.

Contudo, mesmo que suspenso, a aposentadoria por invalidez produz alguns efeitos no contrato de trabalho, mesmo que não haja prestação de serviço pelo empregado.

A manutenção do plano de saúde é de rigor mesmo quando a causa da aposentadoria por invalidez não seja decorrente de acidente do trabalho (espécie 32). A causa da aposentadoria por invalidez também é impertinente para a contagem como carência (necessária para obtenção dos benefícios da Lei 8.213/91) do tempo em que o empregado permaneceu em inatividade, desde que haja períodos intercalados de contribuição ou atividade. Igualmente, o contrato de trabalho somente poderá ser desfeito, durante a suspensão, se houver justa causa, extinção da empresa ou pedido de demissão.

Sendo a origem do jubilamento o acidente do trabalho, entendemos que a empresa deverá recolher o FGTS do período de inatividade (art. 15, § 5º, da Lei 8.036/90), apesar da jurisprudência do TST em sentido contrário, assim como indenizar o empregado na forma do art. 927 e 950 do CC/02, sem compensar com o valor recebido por ele a título de benefício previdenciário. 


BIBLIOGRAFIA:

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013.

PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000.

CAMINO, Carmem. Direito Individual do Trabalho, Ed. Síntese, 1ª ed., Porto Alegre, 1999.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição, São Paulo: LTr, 2004.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da Reparação Integral. Editora Saraiva. São Paulo: 2010.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. Editora Atlas, 25ª edição, São Paulo, 2009.


[1] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição, São Paulo: LTr, p. 834.

[2] PINTO, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. Editora Atlas, 25ª edição, São Paulo, 2009, p. 325.

[3] Códigos disponíveis em: http://www1.previdencia.gov.br/aeps2006/15_01_01_01.asp, acesso em 27.09.14.

[4] PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 107.

[5] Para aprofundamento, conferir: SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da Reparação  Integral. Editora Saraiva. São Paulo: 2010.

[6] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[7] TST, RR - 3800-68.2006.5.04.0461 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 10/09/2014, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/09/2014.

[8] Instrução Normativa INSS/Pres nº 73/2014 - DOU de 28/03/2014.


Autor

  • Juliano De Angelis

    Procurador Federal. Responsável pela Procuradoria Seccional Federal em Canoas (RS). Ex-sócio da sociedade Bellini, Ferreira, Portal Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/REDE LFG.

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DE ANGELIS, Juliano. Aposentadoria por invalidez e o reflexo no contrato de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4301, 11 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32499. Acesso em: 24 abr. 2024.