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Entendendo a desaposentação à luz dos seus aspectos polêmicos e práticos

Entendendo a desaposentação à luz dos seus aspectos polêmicos e práticos

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A situação final da desaposentação aguarda o resultado do julgamento pelo STF. Abordam-se aqui aspectos históricos, premissas, requisitos e as teses existentes sobre o instituto.

 1. INTRODUÇÃO

A Desaposentação vem ganhando cada vez mais importância nos dias atuais, não só pelo aspecto econômico que encerra, mas também pelas frequentes especulações a respeito de reformas do sistema previdenciário. Hoje, administrativamente, não é possível conseguir desaposentar-se, motivo que vem levando milhares de pessoas a procurarem o Judiciário.

A fim de propiciar melhor entendimento do tema, abordar-se-á os aspectos históricos que ensejaram o surgimento do instituto, as premissas e os requisitos para que seja pleiteado, as teses existentes sobre o tema, bem como a jurisprudência dominante até o momento.

O tema já foi muito abordado pelo meio acadêmico, pela doutrina e pelo Judiciário, tendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificado o seu entendimento sobre o tema.

No entanto, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) a última palavra sobre o assunto. Muito se especula sobre a decisão a ser tomada pela Suprema Côrte quanto aos seus fundamentos: se jurídicos ou econômico-financeiros. A resposta à pergunta: “Quem pagará a conta da desaposentação?” parece ser a grande preocupação de alguns ministros.

Enquanto não há uma definição em última instância muitos aposentados que voltaram a trabalhar têm ajuizado ações de desaposentação. Segundo o Jornal Agora, em notícia publicada em 03/10/2014, um levantamento feito pela Advocacia Geral da União (AGU) aponta a existência de 123 mil ações de desaposentação ajuizadas desde 2009[1].

Portanto, trata-se de um tema de grande relevância social, não só pela quantidade de pessoas atingidas, mas também pela mudança que, em se admitindo a sua possibilidade, acarretará no sistema previdenciário nacional.


2. HISTÓRICO DA DESAPOSENTAÇÃO

O primeiro registro de que se tem relato sobre este tema data de 1987 feito pelo professor Wladimir Novaes Martinez no Suplemento Trabalhista nº 4 da editora LTr. No artigo “Renúncia e irreversibilidade dos benefícios previdenciários” ainda não tinha sido empregado o termo “desaposentação” para o instituto, o que ocorreu logo após a ocasião[2].

Na 2ª quinzena de julho de 1988, no artigo “Reversibilidade da prestação previdenciária”, publicado no Repertório de Jurisprudência IOB nº 14/88, o ilustre professor abordou o aspecto de que a irreversibilidade do direito era uma garantia do segurado e não da autarquia previdenciária[3].

Nas obras “Subsídios para um modelo de previdência social” e “A seguridade Social na Constituição de Federal”, ambas publicadas em 1992, defendeu a possibilidade da desaposentação consoante prazos e regras legais.[4]

Anos mais tarde, algumas obras passaram a colecionar acórdãos favoráveis à tese, e após defesas em publicações, entrevistas, congressos e seminários, outros estudiosos passaram a tratar e expandir o tema em suas obras, tais como “Desaposentação” de Fábio Zambitte Ibrahim, publicada em 2005.[5]

Em 2006 houve um painel específico sobre a desaposentação no 19º Congresso Brasileiro de Previdência Social. Desde então, a realização de congressos técnicos e eventos científicos ajudaram a disseminar esta tese por todo o país, incentivando a sua adoção no ambiente acadêmico. Vários advogados apresentaram trabalhos, teses de dissertações e monografias em cursos de graduação e pós-graduação contribuindo cada vez mais com a expansão do instituto[6].

A tese seria ainda de interesse de parlamentares, que elaboraram projetos de lei que tramitaram no Congresso Nacional, sendo o principal deles o PL nº 78/2007, que foi integralmente vetado pelo presidente da república em janeiro de 2008. Conforme mensagem publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 14/01/08, ao permitir a contagem de tempo de contribuição pós-jubilação no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) para obtenção de benefício em outro regime, teria implicações sobre servidores públicos da União, configurando assim, vício de iniciativa, eis que só o presidente da república pode ter iniciativa de leis que disponham sobre tal matéria[7].


3. EVOLUÇÃO DO CONCEITO

A doutrina nacional, em sua grande maioria, acolheu a tese. E não só a acolheu como a evoluiu e aperfeiçoou a maneira de entender e aplicar esse instituto. Nesse sentido, temos autores como Marcelo Leonardo Tavares, Fábio Zambitte Ibrahim, Adriane Bramante de Castro Ladentthin, Viviane Masotti, dentre outros, que se preocuparam em defender a desaposentação e estudar os diversos aspectos que a circundam como questões de atuária, questões processuais, portabilidade de tempo de contribuição e equilíbrio atuarial entre regimes[8].

Tribunais estaduais e o próprio Tribunal de Contas da União (TCU)[9] reconhecem o direito à renúncia de proventos de aposentadoria e portar esse tempo para outro regime. A questão, nessas instâncias, que permanece indefinida é sobre a devolução ou não dos valores recebidos.

Embora a desaposentação para aproveitamento de tempo de contribuição em um mesmo regime não tivesse tanta resistência, restava ainda uma definição quanto à sua aplicabilidade no caso de se levar tempo para outro regime. Aparentemente, o que convenceu estudiosos sobre a sua eficácia foi a publicação da Lei 9.796/99 que determina a compensação financeira entre os regimes, possibilitando a contagem recíproca, devendo o regime instituidor receber as contribuições vertidas no regime originário[10].

Ao longo desses 27 anos de estudos sobre o tema, a doutrina e a jurisprudência evoluíram e ampliaram o conceito e abrangência do instituto, trazendo-lhe uma estabilidade no meio jurídico, consolidando o seu entendimento e aceitação. Cita-se a seguir algumas definições do que vem a ser desaposentação, partindo do conceito original, a fim de se entender os fundamentos, a natureza jurídica e observar o aprimoramento e a evolução promovida pela doutrina pátria.

O “pai” da desaposentação, Wladimir Novaes Martinez, em seu “Desaposentação” [11] define:

“É a renúncia às mensalidades da aposentação, sem prejuízo do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, per si, irrenunciáveis, seguida ou não de volta ao trabalho, restituindo-se o que for atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro regime de Previdência Social, sempre que a situação do segurado melhorar e isso não causar prejuízos a terceiros”.

Cabe uma análise do conceito acima citado eis que, desde a sua gênese, o instituto evoluiu e trouxe algumas mudanças em relação à sua ideia original. Primeiro observa-se a intenção do seu idealizador sob cinco aspectos: a desnecessidade de volta ao trabalho; a restituição de valores; o aproveitamento em outro regime; a necessidade de melhora da situação do desaposentando e a impossibilidade de prejuízo a terceiros.

Para Martinez, a simples renúncia às mensalidades já é considerada uma desaposentação, independente do ex-aposentado voltar a contribuir para qualquer regime previdenciário, desde que não cause prejuízo a terceiros. Essa renúncia apenas teria o condão de suspender o exercício do direito de receber pecúnia, podendo ser restituído a qualquer tempo, eis que se trata de direito disponível. Porém, renúncia a tempo de contribuição, na visão do doutrinador, é impossível, pois não há como renunciar o tempo trabalhado/contribuído[12].

Outro aspecto é o fato de, desejando o desaposentado (renunciante apenas das prestações pecuniárias) voltar a trabalhar ou contribuir com o regime e adquirindo um novo benefício mais vantajoso, necessária se faz a restituição dos valores recebidos no primeiro benefício a fim de equilibrar os regimes. A forte jurisprudência tende ao contrário, ou seja, desaposentação pode ser deferida sem a restituição dos valores recebidos.

Sinalizou também com a possibilidade de portabilidade de tempo de serviço/contribuição para outro regime de previdência, como já visto, com base no princípio da compensação entre regimes e na contagem recíproca de tempo de contribuição.

O instituto jamais poderia prejudicar o status quo ante do desaposentando, já que, em regra, não faria sentido deixar de estar numa situação mais favorável financeiramente para ficar numa pior, salvo aqueles que por questões pessoais, assim o desejem. Assim, caso o novo benefício prejudique o desaposentado em relação à sua situação anterior, esse novo benefício é passível de renúncia, restabelecendo-se a condição mais favorável ao beneficiário.

Questão curiosa do conceito é a questão de não causar prejuízos a terceiros, já que à primeira vista, terceiros não podem interferir na decisão do aposentado de renunciar a um direito que é pessoal e disponível. Este cunho moral, como decorrência do princípio da boa fé, impediria que o ex-aposentado renunciasse ao seu benefício só para deixar, por exemplo, de pagar a algum credor ou uma pensão alimentícia. Sobretudo serve para garantir que nenhum dos regimes previdenciários venha a ser prejudicado.

Os magistrados Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari acrescentaram ao conceito original o objetivo do instituto, assim o definindo: “é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada com o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário”.[13]

Observa-se que a possibilidade de se portar o tempo de contribuição para outro regime, o direito subjetivo do seu titular e a disponibilidade da aposentadoria mantiveram-se no conceito de desaposentação, agora, porém, com a necessária intenção de requerer-se novo benefício. O que antes era facultativo no conceito original, passa a ser a razão do instituto, qual seja, a obtenção de novo benefício, ficando implícito que a nova aposentadoria deverá ser mais vantajosa que a anterior. Também não se exigiu a devolução de valores, conforme pressupunha o conceito originário.

No ano de 2005, Fábio Zambitte Ibrahim descreve desaposentação como a “reversão da aposentadoria obtida no Regime Geral de Previdência Social, ou mesmo em Regime Próprio de Previdência de Servidores Públicos, com o objetivo exclusivo de possibilitar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário”.[14]

A partir de então o instituto teve uma maior disseminação, sendo que nesse conceito rejeita-se o aspecto de renúncia ao benefício apenas para usufruto do ócio. A razão de ser do instituto é obter um novo benefício, no mesmo ou em outro regime, desde que mais vantajoso. Além disso, defendeu que a desaposentação “não prejudica o equilíbrio atuarial dos sistemas, pois as cotizações posteriores à aquisição do benefício são atuarialmente imprevisíveis, não sendo levadas em consideração para a fixação dos requisitos de elegibilidades do benefício” [15], fortalecendo o aspecto da não devolução de valores.

Assim, podemos definir a desaposentação como sendo a renúncia às prestações decorrentes de uma aposentadoria para fins de cômputo de período de contribuição posterior à primeira jubilação, a fim de se obter uma nova, desde que mais vantajosa, no mesmo regime previdenciário ou em diverso, sem a devolução de valores recebidos no primeiro benefício.


4. SURGIMENTO E FORTALECIMENTO DO INSTITUTO

No RGPS o aposentado que exerce atividade remunerada é obrigado a verter contribuições, sem nenhuma contrapartida, exceto se empregado, onde poderá fazer jus ao salário-família e reabilitação profissional (artigo 18 § 2º da Lei 8.213/91).

A desaposentação é um instituto técnico que visa à melhora no valor dos proventos de aposentadorias. Há um volume considerável de ações Brasil a fora pleiteando a renúncia da atual aposentadoria para que outra seja concedida em valor maior, aproveitando-se as contribuições feitas pelo aposentado que continuou a exercer atividade remunerada.

Algumas causas foram determinantes para a gênese e disseminação da desaposentação, às quais passa-se a abordar.

 4.1. Piores meses

O motivo da concepção da desaposentação, conforme relata o seu idealizador, é o fato de no passado existirem os chamados “piores meses para a aposentação”, que poderia fazer com que uma pessoa pudesse ter uma Renda Mensal Inicial – RMI até 40% superior à do mês anterior, sendo tal realidade amplamente desconhecida pelos segurados[16]. Essa causa perdurou produzindo efeitos mesmo após a Constituição de 1988, tanto que o STF reconheceu em 2013, em sede de repercussão geral, o direito dos segurados ao benefício mais vantajoso:

APOSENTADORIA – PROVENTOS – CÁLCULO. Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais. Considerações sobre o instituto do direito adquirido, na voz abalizada da relatora – ministra Ellen Gracie, subscritas pela maioria. (STF - RE: 630501 RS, Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 21/02/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-166 DIVULG 23-08-2013 PUBLIC 26-08-2013 EMENT VOL-02700-01 PP-00057)

Ainda hoje, em menor ênfase, pode-se observar um exemplo de “melhores meses” e um “pior mês” para se aposentar. Esse cenário ocorre, já que sempre no mês de dezembro se dá a publicação, pelo IBGE, da tábua da expectativa de vida dos brasileiros, que influencia diretamente no fator previdenciário. Como essa tábua sempre aumenta a expectativa de vida piora o valor das aposentadorias por tempo de contribuição. Assim, quem se aposenta em dezembro, tende a ter um benefício de menor valor em relação a quem jubilou-se nos meses anteriores.

Essa situação causadora de prejuízos aos segurados justifica a desaposentação a fim de preservar o princípio da isonomia, da irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 194, IV da CF), bem como da vedação à adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadorias a beneficiários do RGPS (CF, art. 201, §1º).       

4.2. Fim do Abono de Permanência em Serviço e do Pecúlio

A Lei 8.213/91, em sua redação original, previu no seu art. 87 o abono de permanência em serviço e nos arts. 81 e 82 o pecúlio. O abono de permanência em serviço estabelecia uma contrapartida para o trabalhador que já reunia os requisitos para a aposentadoria mas permanecia em atividade sem requerê-la, correspondente a 25% do valor da aposentadoria a que teria direito. Já o pecúlio garantia a devolução das contribuições previdenciárias feitas pelo aposentado que permanecesse em atividade, ou a ela retornasse após a sua aposentadoria. Essas contribuições eram devolvidas de forma atualizada e de uma só vez[17].

Com a extinção desses benefícios em 1994, pela Lei nº 8.870, e a exclusão, pela Lei 9.528/97, da possibilidade do aposentado auferir auxílio-acidente, a atual redação da Lei 8.213/91 prevê que, embora aposentado, o trabalhador que continue exercendo atividade remunerada - ou que volte a exercê-la - é obrigado a contribuir para a previdência (art. 11, § 3º da Lei 8.213/91). Porém, ele só terá direito ao salário-família e à reabilitação profissional e, ainda assim, apenas se for empregado (artigo 18, § 2º da Lei 8.213/91)[18].

Por isso, a tese da desaposentação cresceu ao longo dos anos como maneira de, também, compensar o fim do abono de permanência, do pecúlio, da acumulação com o auxílio-acidente.

4.3. Emenda Constitucional nº 20/98 e o fator Previdenciário

Em dezembro de 1998, veio o que chamamos de "1ª reforma da previdência", com a publicação da Emenda Constitucional nº 20. Além de acabar com a aposentadoria proporcional no RGPS, tentou-se nessa época tornar obrigatória a acumulação dos requisitos idade e tempo de contribuição para aposentadorias concedidas tanto pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS, quanto pelos Regimes Próprios de Previdência Social - RPPS. No entanto, a E.C nº 20/98 foi aprovada sem a exigência da acumulação desses requisitos para as aposentadorias concedidas pelo RGPS[19].

Nesse contexto histórico, foi criado o fator previdenciário pela Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, para ser aplicado obrigatoriamente, às aposentadorias por tempo de contribuição e, facultativamente, às aposentadorias por idade. O fator previdenciário é uma fórmula utilizada para o cálculo do salário-de-benefício, onde a média dos salários-de-contribuição, contados a partir de julho de 1994, será multiplicada por ele. O objetivo do fator previdenciário é retardar o pedido de aposentadoria pelos segurados, pois diminui o valor da aposentadoria por tempo de contribuição[20].

O fator leva em consideração a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado no momento da aposentadoria.

Acrescido ao fato de hoje em dia milhares de aposentados se manterem economicamente ativos, a redução drástica do valor dos benefícios justifica a possibilidade da desaposentação, a fim de mitigar significativas perdas orçamentárias, justamente quando mais precisam dela, que é na idade avançada.

4.4. Posição adotada pelo INSS

Administrativamente não se consegue o deferimento do pedido de desaposentação, já que a posição notória e reiteradamente adotada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS é no sentido da sua impossibilidade. O argumento: a aposentadoria é irrenunciável e irreversível, com base no artigo 181-B do Decreto nº 3.048/99.

Em decisão recente sobre a necessidade do prévio requerimento administrativo para que se ingresse no Judiciário com ações previdenciárias, o STF assim decidiu:

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. (...) (RE 631240, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014)

Tendo em vista o posicionamento da Autarquia Previdenciária, pode-se inclusive dizer que a desaposentação é o meio pelo qual o Judiciário concede o direito ao aposentado que continua contribuindo após a aposentadoria, aproveitar tais contribuições para a concessão de novo benefício mais vantajoso.

4.5. Ingresso no serviço público

Com o fim do limite de idade para ingresso no serviço público, aposentados que possuem baixos valores de benefício no RGPS prestam concursos para cargos nos regimes estatutários e desejam portar o tempo de contribuição utilizado para o benefício no regime de origem, por meio de Certidão de Tempo de Contribuição, para fins de obtenção de um benefício mais vantajoso[21].


5. ASPECTOS POLÊMICOS DA DESAPOSENTAÇÃO

5.1. Ausência de previsão legal e vedação regulamentar

Polêmica acerca do tema é a questão de inexistir previsão legal para que a Administração conceda a desaposentação. A tese defendida pelos que lhe são contrários é de que a aposentadoria é instituto de direito público, portanto, está sujeita ao princípio da legalidade, qual seja, a Administração só pode fazer o que lhe é permitido por lei, nos termos do art. 37, caput da Constituição.

De fato, não existe previsão legal autorizando a desaposentação. Por outro lado, também não existe expressa vedação legal ao instituto. E é nisto que os seus defensores fundamentam seu argumento: ao particular é permitido realizar tudo o que não é vedado por lei, conforme artigo 5º, inciso II da Constituição.

Há entendimentos no sentido de as contribuições vertidas pós-jubilação são obrigatórias, nos termos do art. 11, § 3º da Lei 8.213/91, em face do princípio da solidariedade, insculpido no art. 3º inciso I, e art. 195, caput, da Constituição. Por esse princípio a geração atual custeia a geração passada, e as gerações futuras custearão a geração atual.

Alia-se a este entendimento a interpretação literal dada ao art. 181-B do Regulamento da Previdência Social (RPS), aprovado pelo Decreto 3.048/99:

As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.

Parágrafo único.  O segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste esta intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes da ocorrência do primeiro de um dos seguintes atos:        

I - recebimento do primeiro pagamento do benefício; ou 

II - saque do respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou do Programa de Integração Social. .

O amparo legal à vedação da desaposentação se encontraria no art. 18 § 2º da Lei 8.213/91, segundo o qual o aposentado que permanece em atividade, ou a ela retorna, somente terá direito, se empregado, ao salário-família e a reabilitação profissional.

Já os que defendem o instituto aduzem que o art. 181-B do RPS extrapola o seu poder regulamentar sendo, portanto, ilegal e deve ser declarado como tal pelo Poder Judiciário. Além disso, pelo princípio da contrapartida, não há que se falar em contribuição sem um benefício correspondente, sendo inconstitucional o §2º, do art. 18 da Lei 8.213/91.

5.2. Alcance da desaposentação

Outro aspecto que deve ser considerado é quanto aos regimes de previdência alcançados pela desaposentação. Em tese, tanto aqueles vinculados ao RGPS, quanto aos RPPS e até os militares, podem pleitear a troca de uma aposentadoria por outra mais vantajosa.[22]

No entanto, a falta de um Diploma Legal regulando a matéria deixa em aberto várias questões nas quais se faz necessário uma profunda discussão, tais como: os procedimentos a serem adotados pelos regimes instituidores e de origem; obrigações do desaposentante em relação ao seu regime de origem; valores e forma de compensação entre os regimes; tratamento a ser dado para aposentadorias com e sem a utilização do fator previdenciário; quantidade de vezes em que será possível desaposentar-se e se haverá um prazo mínimo entre um pedido e outro, dentre outras situações.

Outra questão que poderá vir a reboque da desaposentação é a possibilidade de se estender o desfazimento de um benefício para aquisição de outro mais vantajoso a outras espécies, como por exemplo, nos casos de pensão por morte, ou a chamada “despensão”. A despensão é uma “nova modalidade de desfazimento do ato administrativo, em que o titular da pensão para postular o encerramento da aposentadoria originária dessa, para a obtenção de nova aposentadoria que daria ensejo a uma outra pensão mais vantajosa.”[23] Em síntese, seria a utilização, no cálculo da pensão por morte, das contribuições vertidas pelo instituidor desde a sua aposentadoria até antes do seu óbito, onde em vida não foi pleiteada a desaposentação.

Uma vez sendo admitida a desaposentação, é preciso definir quais regimes de previdência poderão ser alcançados por este instituto. Também, em que pese referir-se ao desfazimento de aposentadoria, o princípio do instituto técnico jurídico pode perfeitamente ser aplicado em outros benefícios, motivo pelo qual deve ser objeto de atenção por parte dos estudiosos da matéria previdenciária.

5.3. Restituição dos valores recebidos após a primeira aposentadoria

Situação das mais polêmicas quando se trata da desaposentação é se o desaposentado deve ou não devolver os valores recebidos durante a primeira aposentadoria.

Como já se viu no início desse trabalho, o idealizador do instituto defende a devolução do que for “atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro regime de Previdência Social” [24].

Outros doutrinadores se posicionaram contra a devolução, como é o caso de Caros Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, sob o argumento de que não há ilegalidade no primeiro benefício, não havendo portanto motivo para a sua devolução[25]. Fábio Zambitte Ibrahim defende que se os regimes forem de repartição simples, como é o RGPS e a maioria dos RPPS, não haverá a necessidade de restituição dos valores.[26]

Durante algum tempo a jurisprudência também se dividiu quanto à necessidade de devolução de valores, e em que pese no passado ter havido decisões favoráveis e desfavoráveis, o STJ já pacificou o entendimento em âmbito federal desde 08/05/2013. Caberá ao STF dar a palavra final sobre a questão, que teve repercussão geral reconhecida e está sendo julgada no RE 661256, onde o relator se mostrou favorável a não devolução.

5.4. Ato Jurídico Perfeito

Alega-se ainda que a desaposentação afrontaria o ato jurídico perfeito, previsto no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição, causando insegurança jurídica. Os que são contra a desaposentação questionam a possibilidade de um segurado desfazer por vontade própria um ato administrativo regular, legal e legitimamente consumado[27]. Segundo eles, o segurado quando requereu a aposentadoria avaliou sua conveniência, não podendo mais desistir do benefício, ainda que menos vantajoso.

Por outro lado a jurisprudência e a doutrina majoritárias são no sentido de que , “o ato de concessão de beneficio previdenciário, uma vez efetivado nos termos da lei, é intangível. Porém, esta eficácia, por força do ato jurídico perfeito, não se dirige ao segurado e, sim, à Administração, que não pode, por ato administrativo ou normativo, alterar a substância do direito assegurado.” [28]

Nesse mesmo sentido: “É um direito patrimonial que ao segurado é disponível, subjetivo e privado, porém em relação à administração, por força do ato jurídico perfeito é obrigação de caráter público que não pode ser alterada” [29]. Também “o ato jurídico perfeito é uma proteção do cidadão e não do órgão gestor. (...) Quem sustenta o ato jurídico perfeito como oposição à desaposentação esquece-se de que de longa data o INSS defere o benefício, encaminha valores iniciais à rede bancária e ali permanecem até o segurado os receber, com o que estaria aperfeiçoado o ato de concessão. Ora, caso o segurado rejeite o benefício, muitas vezes por conta do seu nível, o que se tem é desaposentação, sem que tivesse havido qualquer contestação do ato praticado pela Administração.” [30]

Dessa forma, esta enfraquecida tese do desrespeito ao ato jurídico perfeito, quase vem não sendo mais adotada nas mais recentes decisões judiciais.

5.5. Imprescritibilidade do direito à desaposentação

Os que se opõem ao instituto da desaposentação alegam tratar-se de uma revisão de benefício, e como tal, submeter-se-ia ao prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91:

Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)       

A questão já foi pacificada pelo STF, como se segue:

EMENTA: RECURSO EXTRAODINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. 1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário. 3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição. 4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 626489, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014)

Nos termos do art. 69 da lei 8.212/91, as revisões podem ser realizadas em caso de: erro administrativo; ilegalidade de ato praticado pelo segurado ou pela Administração; aplicação equivocada de alguma Lei ou ato normativo; necessidade de correção valores na renda mensal; aplicação de índices incorretos tanto para atualização de salários de contribuição quanto para reajuste da renda mensal; inclusão/exclusão de períodos não considerados como tempo de contribuição, dentre outros[31].

 No entanto, em que pese tenha uma natureza revisional quando operada dentro do RGPS, já que elementos usados para a concessão do primeiro benefício também serão usados com a devida atualização no benefício posterior, a desaposentação não pode ser considerada revisão, eis que não há qualquer um dos seus requisitos ensejadores, acima citados. Pressupõe-se um benefício corretamente deferido, sem vícios, não se aplicando o referido prazo decadencial.

Portanto, a imprescritibilidade do direito à desaposentação possibilita que o aposentado possa requerer a qualquer tempo um novo benefício utilizando-se de contribuições posteriores, conforme assevera o idealizador do instituto: “O direito ao benefício (desaposentação) é imprescritível, querendo-se dizer que a qualquer momento o seu titular pode solicitá-lo. (...) Da mesma forma, não há termo para o pedido de desaposentação; a qualquer momento, o titular desse direito instruirá o pedido. Por isso descabe a invocação do art. 103 do PBPS.[32]”


6. ASPECTOS PRÁTICOS DA DESAPOSENTAÇÃO

6.1. Posição do STJ

Isabella Borges de Araujo lembra que a desaposentação é uma construção doutrinária aperfeiçoada pela jurisprudência.[33] Após muitas divergências em varas federais e nos Tribunais Regionais Federais, o STJ adotou o entendimento de que a desaposentação não só é possível, como opera efeitos ex nunc, ou seja, não há que se falar em restituição de valores recebidos durante a aposentadoria anterior, conforme julgamento do  Recurso Especial 1334488 SC 2012/0146387-1:

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. 1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar. 2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação. 3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ. 4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp 1.298.391/RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667/PR, 1.305.351/RS, 1.321.667/PR, 1.323.464/RS, 1.324.193/PR, 1.324.603/RS, 1.325.300/SC, 1.305.738/RS; e no AgRg no AREsp 103.509/PE. 5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução. 6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (STJ, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 08/05/2013, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO)

Por ter sido julgado sob o rito dos recursos repetitivos, a decisão do STJ vincula as instâncias inferiores, que por sua vez, tenderão a julgar procedentes os novos pedidos de desaposentação.

Além do mais, o STJ entende que o fato da matéria estar sendo julgada no STF não enseja o sobrestamento dos recursos que lá transitam. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INEXISTÊNCIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL JULGADO NOS MOLDES DO ART. 543-C DO CPC - Nº 1.334.488/SC. SÚMULA 83/STJ. 1. A pendência de julgamento no STF de ação em que se discute a constitucionalidade de lei não enseja o sobrestamento dos recursos que tramitam no STJ. (...) 5. A apreciação de suposta violação de preceitos constitucionais não é possível na via especial, nem à guisa de prequestionamento, por ser matéria reservada pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1434372 RS 2014/0031805-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 20/11/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2014)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. RESP 1.334.488/SC. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Consoante jurisprudência do STJ, a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 543-B do CPC, não enseja o sobrestamento dos recursos especiais que tramitam no Superior Tribunal de Justiça. (...) 3. Assentou-se, ainda, que a nova aposentadoria, a ser concedida a contar do ajuizamento da ação, há de computar os salários de contribuição subsequentes à aposentadoria a que se renunciou. 4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1332770 SC 2012/0137530-1, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 17/12/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/02/2014)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESAPOSENTAÇÃO. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante entendimento firmado no julgamento do REsp n. 1.334.488/SC, admite-se a renúncia à aposentadoria por tempo de serviço (desaposentação) objetivando a concessão de novo benefício da mesma natureza (reaposentação), com o cômputo dos salários de contribuição posteriores à aposentadoria anterior, não sendo exigível, nesse caso, a devolução dos valores até então recebidos a título de aposentadoria. (...) 3. O reconhecimento da repercussão geral de determinada questão constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, não impõe o sobrestamento dos recursos especiais em tramitação no Superior Tribunal de Justiça. 4. Não compete ao STJ analisar suposta ofensa a dispositivos constitucionais, mesmo com a finalidade de prequestionamento, a teor do art. 102, III, da Constituição Federal. 5. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1104671 SC 2008/0250181-1, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 04/11/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/11/2014)

Os recursos especiais que estavam sobrestados nos tribunais em virtude da sistemática dos recursos repetitivos voltaram a ser processados, sendo que os que foram interpostos pelo INSS contra a desaposentação, ainda sem decisão nos tribunais, terão seguimento denegado (art. 543-C, 7ª, I do CPC). Já os que tiveram decisão favorável ao INSS nos tribunais, serão novamente por eles examinados a fim de adequarem a sua decisão à do Superior Tribunal de Justiça (art. 543-C, 7ª, II do CPC). [34].

6.2. Situação no STF

Embora já esteja pacificada no STJ a possibilidade de desaposentação sem devolução de valores, quem dará a palavra final sobre o tema será o Supremo Tribunal Federal. O STF está analisando recurso extraordinário abrangendo esse tema, cuja repercussão geral foi reconhecida:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. § 2º do ART. 18 DA LEI 8.213/91. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. UTILIZAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO QUE FUNDAMENTOU A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA ORIGINÁRIA. OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. MATÉRIA EM DISCUSSÃO NO RE 381.367, DA RELATORIA DO MINISTRO MARCO AURÉLIO. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DISCUTIDA. Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva à possibilidade de renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo se serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária para a obtenção de benefício mais vantajoso. (RE 661256 RG, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, julgado em 17/11/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012)

O recurso extraordinário está sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, cujo voto causou surpresa entre aqueles que acompanham há algum tempo a discussão do tema. Até então as questões a serem definidas seriam: a constitucionalidade ou não do instituto; e em sendo constitucional, se haveria a necessidade de devolução dos valores recebidos no primeiro benefício.

No seu voto o ministro, em síntese, assentou as seguintes teses na resolução da questão:

a) possibilidade da desaposentação, utilizando-se as contribuições obrigatórias efetuadas em razão de atividade laboral realizada após a primeira aposentadoria;

b) serão considerados os valores já recebidos, com o objetivo de preservar a uniformidade atuarial, relacionada à isonomia e à justiça entre gerações, sem no entanto ser necessária a sua devolução;

c) “congelamento” da idade e expectativa de vida usados no fator previdenciário da primeira aposentadoria, no cálculo dos novos proventos;

d) produção dos efeitos da decisão a partir de 180 dias contados da publicação do acórdão, salvo edição de ato normativo para disciplinar a matéria de modo diferente.

Segundo Barroso, que convocou especialistas em ciências atuariais para ajudá-lo a fazer o voto, com esse sistema, a segunda aposentadoria aumentará a em média 24,7% em relação à primeira.

Já os Ministros Teori Zavaski e Dias Tofoli votaram pela impossibilidade da desaposentação, por ausência de previsão legal. O processo hoje se encontra aguardando pauta, após pedido de vista [35].

No caso de recursos extraordinários já interpostos, provavelmente estarão sobrestados nos TRFs, devido ao reconhecimento da repercussão geral do tema. Porém, mesmo com eventual recurso extraordinário sobrestado o processo poderá ser devolvido aos Relatores para adequarem o seu julgamento compatibilizando-o com o posicionamento do STJ, que inclusive entende que a repercussão geral não implica em sobrestamento dos processos[36].

Na prática é possível ajuizar a ação de desaposentação até o julgamento definitivo do RE, sendo muito importante um prévio cálculo para se verificar a sua viabilidade. Para fazer o cálculo da desaposentação e ver se vale a pena ajuizar a ação são necessários os seguintes documentos:  Cópia da Carteira de Trabalho, onde conste o (s) contrato (s) de trabalho após a aposentadoria;  Carta de concessão da aposentadoria; extrato do CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais) e/ou Relação dos Salários de Contribuição, onde constará qual a base de recolhimento do segurado, nos casos onde não constarem no CNIS.


7. CONCLUSÃO

Instituto técnico jurídico idealizado em 1987 por Wladimir Novaes Martinez, a desaposentação evoluiu e hoje é o meio pelo qual o Judiciário concede o direito ao aposentado que continua contribuindo após a aposentadoria, aproveitar tais contribuições para a concessão de novo benefício mais vantajoso.

A doutrina e a jurisprudência contribuíram para que o tema fosse amplamente difundido, transformando-o numa “luz no fim do túnel” para aqueles que pretendem melhorar o valor do seu benefício.

Muitos fatores contribuíram também para o fortalecimento e a disseminação da desaposentação como: piores meses para o requerimento de aposentadoria, o fim do Abono de Permanência em Serviço e do Pecúlio, o advento da Emenda Constitucional nº 20/98 que acabou com a aposentadoria proporcional, a instituição do Fator Previdenciário, a notória posição do INSS em não reconhecê-la e fim do limite de idade para ingresso no serviço público.

Polêmicas entre defensores e críticos do instituto travaram-se a cerca da ausência de previsão legal para sua aplicação, da irrenunciabilidade da aposentadoria, sobre em quais regimes previdenciários seria possível a sua aplicação, se é ou não devida a restituição dos valores recebidos, se afrontaria o ato jurídico perfeito e se incide prescrição.

Em que pese o STJ já ter pacificado a sua jurisprudência no sentido da possibilidade da desaposentação sem a devolução de valores em Recurso Especial julgado sob o rito dos recursos repetitivos, a discussão sobre o tema ainda permanecerá. O julgamento do Recurso Extraordinário nº 661256 pelo Supremo Tribunal Federal, cuja repercussão geral do tema foi reconhecida, está em andamento e o seu resultado ainda está em aberto.

Sendo assim, é possível ajuizar a ação de desaposentação até o julgamento definitivo da questão pelo STF, porém se faz de suma importância prévio cálculo em cada caso concreto para se verificar a sua viabilidade.


REFERÊNCIAS

PEREIRA DE CASTRO, Carlos Alberto; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2000. 

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação. Rio: Impetus, 2005.

__________. Curso de direito previdenciário. 7ª Ed. Rio de janeiro: Impetus, 2007.

CORREIA, Marcos Orione Gonçalves. Despensão:mais que um neologismo uma realidade. In:RPS, São Paulo, LTr, n.347, out.2009.

MARCELO, Fernando Vieira. Desaposentação: manual teórico e prático para o encorajamento em enfrentar a Matéria. Leme: J. H. Mizuno, 2012.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2014.

BEIRÃO, Gustavo. Ação de desaposentação: quanto antes ajuizar, melhor. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4058, 11 ago. 2014. Disponível em:  http://jus.com.br/artigos/30115. Acesso em: 27 nov. 2014.

___________. Ação de desaposentação: quanto antes ajuizar, melhor. Disponível em: http://gustavoba.jusbrasil.com.br/artigos/126614804/acao-de-desaposentacao-quanto-antes-ajuizar-melhor. Acesso em: 13 dez. 2014.

ARAUJO, Gustavo Beirão. A revisão judicial de aposentadorias por tempo de contribuição concedidas no regime geral de previdência social, sob a ótica da segurança jurídica. Trabalho de conclusão de curso apresentado à Coordenação de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me Rafael Amorim de Amorim. Brasília, 2013.

ARAUJO, Isabella Borges de. A desaposentação no direito brasileiro. In: RPS, São Paulo, LTr, n. 317/341.


Notas

[1] http://www.agora.uol.com.br/grana/2014/10/1526382-123-mil-tem-acao-de-troca-de-aposentadoria-na-justica.shtml

[2] Martinez, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2014.p.32.

[3] idem

[4] ibidem

[5] Martinez, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2014.p.33.

[6] idem

[7] Martinez, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 28.

[8] Martinez, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 36, 37.

[9] Proc.nº 002.392/81-0, relator José Antônio B. de Macedo

[10] Martinez, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 42.

[11] Editora Ltr, 6ª Ed, São Paulo, 2014.p.47

[12] Martinez, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 2014.p. 52

[13] Manual de direito previdenciário. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 44

[14] Desaposentação. Rio de Janeiro: Impetus, 2005

[15] Curso de direito previdenciário. 7ª Ed. Rio de janeiro: Impetus, 2007.p. 564-565.

[16] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 93.

[17]BEIRÃO, Gustavo. Ação de desaposentação: quanto antes ajuizar, melhor. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4058, 11 ago. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30115>. Acesso em: 27 nov. 2014.

[18] idem.

[19]BEIRÃO, Gustavo. Ação de desaposentação: quanto antes ajuizar, melhor. Disponível em: http://gustavoba.jusbrasil.com.br/artigos/126614804/acao-de-desaposentacao-quanto-antes-ajuizar-melhor. Acesso em: 13 dez. 2014.

[20] BEIRÃO, Gustavo. Ação de desaposentação: quanto antes ajuizar, melhor. Disponível em: http://gustavoba.jusbrasil.com.br/artigos/126614804/acao-de-desaposentacao-quanto-antes-ajuizar-melhor. Acesso em: 13 dez. 2014.

[21] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 94.

[22] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 63

[23]CORREIA, Marcos Orione Gonçalves. Despensão:mais que um neologismos uma realidade. In:RPS, São Paulo, LTr, n.347, p. 347-912,out.2009

[24] Desaposentação. Editora Ltr, 6ª Ed, São Paulo, 2014. p.47.

[25] Manual de Direito Previdenciário. 4ª Ed.São Paulo: LTr, 2000.p.459

[26] Desaposentação. Rio de Janeiro:Impetus, 2005.p.61

[27] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 244.

[28]AC 2001.39.00.007.008-0/PA, Rel. Desembargador Federal Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, Publicação: 27-09/2004, DJ p.19.

[29]MARCELO, Fernando Vieira. Desaposentação: manual teórico e prático para o encorajamento em enfrentar a Matéria. Leme: J. H. Mizuno, 2012. p. 32.

[30]MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 170.

[31] ARAUJO, Gustavo Beirão. A revisão judicial de aposentadorias por tempo de contribuição concedidas no regime geral de previdência social, sob a ótica da segurança jurídica. Trabalho de conclusão de curso apresentado à Coordenação de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me Rafael Amorim de Amorim. Brasília, 2013.

[32] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 60.

[33] A desaposentação no direito brasileiro. In: RPS, São Paulo, LTr, n. 317/341.

[34]BEIRÃO, Gustavo. Ação de desaposentação: quanto antes ajuizar, melhor. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4058, 11 ago. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30115>. Acesso em: 27 nov. 2014.

[35] http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4157562

[36] BEIRÃO, Gustavo. Ação de desaposentação: quanto antes ajuizar, melhor. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4058, 11 ago. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30115>. Acesso em: 27 nov. 2014.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEIRÃO, Gustavo. Entendendo a desaposentação à luz dos seus aspectos polêmicos e práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4780, 2 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35284. Acesso em: 19 abr. 2024.