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Entendendo a desaposentação à luz dos seus aspectos polêmicos e práticos

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02/08/2016 às 14:48
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5. ASPECTOS POLÊMICOS DA DESAPOSENTAÇÃO

5.1. Ausência de previsão legal e vedação regulamentar

Polêmica acerca do tema é a questão de inexistir previsão legal para que a Administração conceda a desaposentação. A tese defendida pelos que lhe são contrários é de que a aposentadoria é instituto de direito público, portanto, está sujeita ao princípio da legalidade, qual seja, a Administração só pode fazer o que lhe é permitido por lei, nos termos do art. 37, caput da Constituição.

De fato, não existe previsão legal autorizando a desaposentação. Por outro lado, também não existe expressa vedação legal ao instituto. E é nisto que os seus defensores fundamentam seu argumento: ao particular é permitido realizar tudo o que não é vedado por lei, conforme artigo 5º, inciso II da Constituição.

Há entendimentos no sentido de as contribuições vertidas pós-jubilação são obrigatórias, nos termos do art. 11, § 3º da Lei 8.213/91, em face do princípio da solidariedade, insculpido no art. 3º inciso I, e art. 195, caput, da Constituição. Por esse princípio a geração atual custeia a geração passada, e as gerações futuras custearão a geração atual.

Alia-se a este entendimento a interpretação literal dada ao art. 181-B do Regulamento da Previdência Social (RPS), aprovado pelo Decreto 3.048/99:

As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.

Parágrafo único.  O segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste esta intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes da ocorrência do primeiro de um dos seguintes atos:        

I - recebimento do primeiro pagamento do benefício; ou 

II - saque do respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou do Programa de Integração Social. .

O amparo legal à vedação da desaposentação se encontraria no art. 18 § 2º da Lei 8.213/91, segundo o qual o aposentado que permanece em atividade, ou a ela retorna, somente terá direito, se empregado, ao salário-família e a reabilitação profissional.

Já os que defendem o instituto aduzem que o art. 181-B do RPS extrapola o seu poder regulamentar sendo, portanto, ilegal e deve ser declarado como tal pelo Poder Judiciário. Além disso, pelo princípio da contrapartida, não há que se falar em contribuição sem um benefício correspondente, sendo inconstitucional o §2º, do art. 18 da Lei 8.213/91.

5.2. Alcance da desaposentação

Outro aspecto que deve ser considerado é quanto aos regimes de previdência alcançados pela desaposentação. Em tese, tanto aqueles vinculados ao RGPS, quanto aos RPPS e até os militares, podem pleitear a troca de uma aposentadoria por outra mais vantajosa.[22]

No entanto, a falta de um Diploma Legal regulando a matéria deixa em aberto várias questões nas quais se faz necessário uma profunda discussão, tais como: os procedimentos a serem adotados pelos regimes instituidores e de origem; obrigações do desaposentante em relação ao seu regime de origem; valores e forma de compensação entre os regimes; tratamento a ser dado para aposentadorias com e sem a utilização do fator previdenciário; quantidade de vezes em que será possível desaposentar-se e se haverá um prazo mínimo entre um pedido e outro, dentre outras situações.

Outra questão que poderá vir a reboque da desaposentação é a possibilidade de se estender o desfazimento de um benefício para aquisição de outro mais vantajoso a outras espécies, como por exemplo, nos casos de pensão por morte, ou a chamada “despensão”. A despensão é uma “nova modalidade de desfazimento do ato administrativo, em que o titular da pensão para postular o encerramento da aposentadoria originária dessa, para a obtenção de nova aposentadoria que daria ensejo a uma outra pensão mais vantajosa.”[23] Em síntese, seria a utilização, no cálculo da pensão por morte, das contribuições vertidas pelo instituidor desde a sua aposentadoria até antes do seu óbito, onde em vida não foi pleiteada a desaposentação.

Uma vez sendo admitida a desaposentação, é preciso definir quais regimes de previdência poderão ser alcançados por este instituto. Também, em que pese referir-se ao desfazimento de aposentadoria, o princípio do instituto técnico jurídico pode perfeitamente ser aplicado em outros benefícios, motivo pelo qual deve ser objeto de atenção por parte dos estudiosos da matéria previdenciária.

5.3. Restituição dos valores recebidos após a primeira aposentadoria

Situação das mais polêmicas quando se trata da desaposentação é se o desaposentado deve ou não devolver os valores recebidos durante a primeira aposentadoria.

Como já se viu no início desse trabalho, o idealizador do instituto defende a devolução do que for “atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro regime de Previdência Social” [24].

Outros doutrinadores se posicionaram contra a devolução, como é o caso de Caros Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, sob o argumento de que não há ilegalidade no primeiro benefício, não havendo portanto motivo para a sua devolução[25]. Fábio Zambitte Ibrahim defende que se os regimes forem de repartição simples, como é o RGPS e a maioria dos RPPS, não haverá a necessidade de restituição dos valores.[26]

Durante algum tempo a jurisprudência também se dividiu quanto à necessidade de devolução de valores, e em que pese no passado ter havido decisões favoráveis e desfavoráveis, o STJ já pacificou o entendimento em âmbito federal desde 08/05/2013. Caberá ao STF dar a palavra final sobre a questão, que teve repercussão geral reconhecida e está sendo julgada no RE 661256, onde o relator se mostrou favorável a não devolução.

5.4. Ato Jurídico Perfeito

Alega-se ainda que a desaposentação afrontaria o ato jurídico perfeito, previsto no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição, causando insegurança jurídica. Os que são contra a desaposentação questionam a possibilidade de um segurado desfazer por vontade própria um ato administrativo regular, legal e legitimamente consumado[27]. Segundo eles, o segurado quando requereu a aposentadoria avaliou sua conveniência, não podendo mais desistir do benefício, ainda que menos vantajoso.

Por outro lado a jurisprudência e a doutrina majoritárias são no sentido de que , “o ato de concessão de beneficio previdenciário, uma vez efetivado nos termos da lei, é intangível. Porém, esta eficácia, por força do ato jurídico perfeito, não se dirige ao segurado e, sim, à Administração, que não pode, por ato administrativo ou normativo, alterar a substância do direito assegurado.” [28]

Nesse mesmo sentido: “É um direito patrimonial que ao segurado é disponível, subjetivo e privado, porém em relação à administração, por força do ato jurídico perfeito é obrigação de caráter público que não pode ser alterada” [29]. Também “o ato jurídico perfeito é uma proteção do cidadão e não do órgão gestor. (...) Quem sustenta o ato jurídico perfeito como oposição à desaposentação esquece-se de que de longa data o INSS defere o benefício, encaminha valores iniciais à rede bancária e ali permanecem até o segurado os receber, com o que estaria aperfeiçoado o ato de concessão. Ora, caso o segurado rejeite o benefício, muitas vezes por conta do seu nível, o que se tem é desaposentação, sem que tivesse havido qualquer contestação do ato praticado pela Administração.” [30]

Dessa forma, esta enfraquecida tese do desrespeito ao ato jurídico perfeito, quase vem não sendo mais adotada nas mais recentes decisões judiciais.

5.5. Imprescritibilidade do direito à desaposentação

Os que se opõem ao instituto da desaposentação alegam tratar-se de uma revisão de benefício, e como tal, submeter-se-ia ao prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91:

Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)       

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A questão já foi pacificada pelo STF, como se segue:

EMENTA: RECURSO EXTRAODINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. 1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário. 3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição. 4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 626489, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014)

Nos termos do art. 69 da lei 8.212/91, as revisões podem ser realizadas em caso de: erro administrativo; ilegalidade de ato praticado pelo segurado ou pela Administração; aplicação equivocada de alguma Lei ou ato normativo; necessidade de correção valores na renda mensal; aplicação de índices incorretos tanto para atualização de salários de contribuição quanto para reajuste da renda mensal; inclusão/exclusão de períodos não considerados como tempo de contribuição, dentre outros[31].

 No entanto, em que pese tenha uma natureza revisional quando operada dentro do RGPS, já que elementos usados para a concessão do primeiro benefício também serão usados com a devida atualização no benefício posterior, a desaposentação não pode ser considerada revisão, eis que não há qualquer um dos seus requisitos ensejadores, acima citados. Pressupõe-se um benefício corretamente deferido, sem vícios, não se aplicando o referido prazo decadencial.

Portanto, a imprescritibilidade do direito à desaposentação possibilita que o aposentado possa requerer a qualquer tempo um novo benefício utilizando-se de contribuições posteriores, conforme assevera o idealizador do instituto: “O direito ao benefício (desaposentação) é imprescritível, querendo-se dizer que a qualquer momento o seu titular pode solicitá-lo. (...) Da mesma forma, não há termo para o pedido de desaposentação; a qualquer momento, o titular desse direito instruirá o pedido. Por isso descabe a invocação do art. 103 do PBPS.[32]”

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Sobre o autor
Gustavo Beirão

Advogado, servidor do INSS (Analista), professor de cursos preparatórios e de pós-graduação, especialista em Direito Previdenciário, membro da Comissão de Seguridade Social da OAB-DF e do Instituto Brasiliense de Direito Previdenciário (IBDPrev).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEIRÃO, Gustavo. Entendendo a desaposentação à luz dos seus aspectos polêmicos e práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4780, 2 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35284. Acesso em: 25 abr. 2024.

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