6. ASPECTOS PRÁTICOS DA DESAPOSENTAÇÃO
6.1. Posição do STJ
Isabella Borges de Araujo lembra que a desaposentação é uma construção doutrinária aperfeiçoada pela jurisprudência.[33] Após muitas divergências em varas federais e nos Tribunais Regionais Federais, o STJ adotou o entendimento de que a desaposentação não só é possível, como opera efeitos ex nunc, ou seja, não há que se falar em restituição de valores recebidos durante a aposentadoria anterior, conforme julgamento do Recurso Especial 1334488 SC 2012/0146387-1:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. 1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria a que pretende abdicar. 2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida para computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação. 3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ. 4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme votos vencidos proferidos no REsp 1.298.391/RS; nos Agravos Regimentais nos REsps 1.321.667/PR, 1.305.351/RS, 1.321.667/PR, 1.323.464/RS, 1.324.193/PR, 1.324.603/RS, 1.325.300/SC, 1.305.738/RS; e no AgRg no AREsp 103.509/PE. 5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por que deve ser afastada a imposição de devolução. 6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (STJ, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 08/05/2013, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO)
Por ter sido julgado sob o rito dos recursos repetitivos, a decisão do STJ vincula as instâncias inferiores, que por sua vez, tenderão a julgar procedentes os novos pedidos de desaposentação.
Além do mais, o STJ entende que o fato da matéria estar sendo julgada no STF não enseja o sobrestamento dos recursos que lá transitam. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INEXISTÊNCIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL JULGADO NOS MOLDES DO ART. 543-C DO CPC - Nº 1.334.488/SC. SÚMULA 83/STJ. 1. A pendência de julgamento no STF de ação em que se discute a constitucionalidade de lei não enseja o sobrestamento dos recursos que tramitam no STJ. (...) 5. A apreciação de suposta violação de preceitos constitucionais não é possível na via especial, nem à guisa de prequestionamento, por ser matéria reservada pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1434372 RS 2014/0031805-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 20/11/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2014)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. RESP 1.334.488/SC. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Consoante jurisprudência do STJ, a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 543-B do CPC, não enseja o sobrestamento dos recursos especiais que tramitam no Superior Tribunal de Justiça. (...) 3. Assentou-se, ainda, que a nova aposentadoria, a ser concedida a contar do ajuizamento da ação, há de computar os salários de contribuição subsequentes à aposentadoria a que se renunciou. 4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1332770 SC 2012/0137530-1, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 17/12/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/02/2014)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESAPOSENTAÇÃO. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante entendimento firmado no julgamento do REsp n. 1.334.488/SC, admite-se a renúncia à aposentadoria por tempo de serviço (desaposentação) objetivando a concessão de novo benefício da mesma natureza (reaposentação), com o cômputo dos salários de contribuição posteriores à aposentadoria anterior, não sendo exigível, nesse caso, a devolução dos valores até então recebidos a título de aposentadoria. (...) 3. O reconhecimento da repercussão geral de determinada questão constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, não impõe o sobrestamento dos recursos especiais em tramitação no Superior Tribunal de Justiça. 4. Não compete ao STJ analisar suposta ofensa a dispositivos constitucionais, mesmo com a finalidade de prequestionamento, a teor do art. 102, III, da Constituição Federal. 5. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1104671 SC 2008/0250181-1, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 04/11/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/11/2014)
Os recursos especiais que estavam sobrestados nos tribunais em virtude da sistemática dos recursos repetitivos voltaram a ser processados, sendo que os que foram interpostos pelo INSS contra a desaposentação, ainda sem decisão nos tribunais, terão seguimento denegado (art. 543-C, 7ª, I do CPC). Já os que tiveram decisão favorável ao INSS nos tribunais, serão novamente por eles examinados a fim de adequarem a sua decisão à do Superior Tribunal de Justiça (art. 543-C, 7ª, II do CPC). [34].
6.2. Situação no STF
Embora já esteja pacificada no STJ a possibilidade de desaposentação sem devolução de valores, quem dará a palavra final sobre o tema será o Supremo Tribunal Federal. O STF está analisando recurso extraordinário abrangendo esse tema, cuja repercussão geral foi reconhecida:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. § 2º do ART. 18 DA LEI 8.213/91. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. UTILIZAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO QUE FUNDAMENTOU A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA ORIGINÁRIA. OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. MATÉRIA EM DISCUSSÃO NO RE 381.367, DA RELATORIA DO MINISTRO MARCO AURÉLIO. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DISCUTIDA. Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva à possibilidade de renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo se serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária para a obtenção de benefício mais vantajoso. (RE 661256 RG, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, julgado em 17/11/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012)
O recurso extraordinário está sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, cujo voto causou surpresa entre aqueles que acompanham há algum tempo a discussão do tema. Até então as questões a serem definidas seriam: a constitucionalidade ou não do instituto; e em sendo constitucional, se haveria a necessidade de devolução dos valores recebidos no primeiro benefício.
No seu voto o ministro, em síntese, assentou as seguintes teses na resolução da questão:
a) possibilidade da desaposentação, utilizando-se as contribuições obrigatórias efetuadas em razão de atividade laboral realizada após a primeira aposentadoria;
b) serão considerados os valores já recebidos, com o objetivo de preservar a uniformidade atuarial, relacionada à isonomia e à justiça entre gerações, sem no entanto ser necessária a sua devolução;
c) “congelamento” da idade e expectativa de vida usados no fator previdenciário da primeira aposentadoria, no cálculo dos novos proventos;
d) produção dos efeitos da decisão a partir de 180 dias contados da publicação do acórdão, salvo edição de ato normativo para disciplinar a matéria de modo diferente.
Segundo Barroso, que convocou especialistas em ciências atuariais para ajudá-lo a fazer o voto, com esse sistema, a segunda aposentadoria aumentará a em média 24,7% em relação à primeira.
Já os Ministros Teori Zavaski e Dias Tofoli votaram pela impossibilidade da desaposentação, por ausência de previsão legal. O processo hoje se encontra aguardando pauta, após pedido de vista [35].
No caso de recursos extraordinários já interpostos, provavelmente estarão sobrestados nos TRFs, devido ao reconhecimento da repercussão geral do tema. Porém, mesmo com eventual recurso extraordinário sobrestado o processo poderá ser devolvido aos Relatores para adequarem o seu julgamento compatibilizando-o com o posicionamento do STJ, que inclusive entende que a repercussão geral não implica em sobrestamento dos processos[36].
Na prática é possível ajuizar a ação de desaposentação até o julgamento definitivo do RE, sendo muito importante um prévio cálculo para se verificar a sua viabilidade. Para fazer o cálculo da desaposentação e ver se vale a pena ajuizar a ação são necessários os seguintes documentos: Cópia da Carteira de Trabalho, onde conste o (s) contrato (s) de trabalho após a aposentadoria; Carta de concessão da aposentadoria; extrato do CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais) e/ou Relação dos Salários de Contribuição, onde constará qual a base de recolhimento do segurado, nos casos onde não constarem no CNIS.
7. CONCLUSÃO
Instituto técnico jurídico idealizado em 1987 por Wladimir Novaes Martinez, a desaposentação evoluiu e hoje é o meio pelo qual o Judiciário concede o direito ao aposentado que continua contribuindo após a aposentadoria, aproveitar tais contribuições para a concessão de novo benefício mais vantajoso.
A doutrina e a jurisprudência contribuíram para que o tema fosse amplamente difundido, transformando-o numa “luz no fim do túnel” para aqueles que pretendem melhorar o valor do seu benefício.
Muitos fatores contribuíram também para o fortalecimento e a disseminação da desaposentação como: piores meses para o requerimento de aposentadoria, o fim do Abono de Permanência em Serviço e do Pecúlio, o advento da Emenda Constitucional nº 20/98 que acabou com a aposentadoria proporcional, a instituição do Fator Previdenciário, a notória posição do INSS em não reconhecê-la e fim do limite de idade para ingresso no serviço público.
Polêmicas entre defensores e críticos do instituto travaram-se a cerca da ausência de previsão legal para sua aplicação, da irrenunciabilidade da aposentadoria, sobre em quais regimes previdenciários seria possível a sua aplicação, se é ou não devida a restituição dos valores recebidos, se afrontaria o ato jurídico perfeito e se incide prescrição.
Em que pese o STJ já ter pacificado a sua jurisprudência no sentido da possibilidade da desaposentação sem a devolução de valores em Recurso Especial julgado sob o rito dos recursos repetitivos, a discussão sobre o tema ainda permanecerá. O julgamento do Recurso Extraordinário nº 661256 pelo Supremo Tribunal Federal, cuja repercussão geral do tema foi reconhecida, está em andamento e o seu resultado ainda está em aberto.
Sendo assim, é possível ajuizar a ação de desaposentação até o julgamento definitivo da questão pelo STF, porém se faz de suma importância prévio cálculo em cada caso concreto para se verificar a sua viabilidade.