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Dimensões da razoabilidade em matéria tributária: o princípio da vedação ao confisco na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Dimensões da razoabilidade em matéria tributária: o princípio da vedação ao confisco na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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O confisco é conceito jurídico aberto e indeterminado, sujeito ao influxo de perspectivas políticas e ideológicas, e cujo conteúdo, por razões de estratégia legislativa, somente é elucidado na prática, à luz das circunstâncias do caso concreto.

RESUMO:O estudo destina-se ao exame do significado conferido ao princípio do não confisco segundo a doutrina jurídica nacional e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Realizou-se pesquisa bibliográfica considerando, dentre outros, as contribuições de Amaro (2010), Alexandre (2009), Beltrão (2014), Duarte (2013) e decisões judiciais da suprema corte brasileira. Inicialmente, a pesquisa revela tratar-se o confisco de conceito jurídico aberto e indeterminado, sujeito ao influxo de perspectivas políticas e ideológicas, e cujo conteúdo, por razões de estratégia legislativa, somente é elucidado na prática, à luz das circunstâncias do caso concreto, na criativa atividade dialética dos tribunais. Discorre sobre a concepção dos tributaristas que entendem haver na proibição do confisco uma especialização dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em matéria tributária e apresenta o conceito prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual há efeito confiscatório quando ocorra a injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, ou o comprometimento, pela insuportabilidade da carga tributária, do exercício do direito a uma existência digna ou da prática de atividade profissional lícita. Ao final, apresentam-se julgados do tribunal constitucional brasileiro que revelam, segundo a interpretação da corte, as dimensões da noção de razoabilidade em matéria tributária, de sorte a definir os contornos do princípio da vedação ao confisco.

Palavras-chave: Confisco. Tributação. Razoabilidade. Supremo Tribunal Federal.[1]

ABSTRACT:The study is intended to examine the meaning given to the principle of non-confiscation in national legal doctrine and in the jurisprudence of the Supreme Court. It was made a literature review considering, among others, the contributions of Amaro (2010), Alexandre (2009), Beltrão (2014), Duarte (2013) and judicial decisions of the Supreme Brazilian court. Initially, the research reveals that the confiscation is an open and undefined legal concept, subject to the influx of political and ideological perspectives, and whose content, for reasons of legislative strategy, is only elucidated in practice in the light of the specific circumstances of the concrete case, in the creative and dialectic activity of the courts. Discusses about the concept of tax law experts who understand the prohibition of confiscation be a specialization of the principles of reasonableness and proportionality in tax matters and presents the prevailing concept in the Supreme Court, according to which the confiscatory effect occurs when there is the unjust appropriation by the State, in whole or in part, of the assets or income of taxpayers, or the commitment, by the intolerability of the tax burden, the exercise of the right to a dignified existence or the practice of lawful professional activity. Finally, it is presented precedents of the Brazilian Constitutional Court  that reveal, according to the interpretation of the court, the dimensions of the notion of reasonableness in tax matters, so as to define the contours of the principle of sealing the confiscation.

Keywords: Confiscation. Taxation. Reasonableness. Brazilian Federal Supreme Court.


1. INTRODUÇÃO

O princípio do não confisco figura no direito tributário brasileiro a partir da previsão constante do art. 150, IV, da Constituição Federal, segundo o qual, dentre outros limites impostos ao poder de tributar do Estado, consta a vedação a “utilizar tributo com efeito de confisco”. (BRASIL, 1988, p. 1) A repercussão prática dessa normativa, porém, é tema sobre o qual se debruça, de há muito, doutrina e jurisprudência no Brasil e no exterior, sendo diversas as perspectivas acerca do que, em termos de ato jurídico do Estado, é apto a caracterizar o proibido “confisco”, havendo teses encapadas pelo Judiciário sob a forma de comandos prescritivos que inibem o poder estatal de tributar e estabelecer obrigações acessórias aos jurisdicionados.

Neste estudo, examina-se o conteúdo jurídico do princípio da vedação ao confisco segundo a doutrina jurídica brasileira e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados e de artigos científicos divulgados em meio eletrônico.

O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como Amaro (2010), Alexandre (2009), Beltrão (2014), Duarte (2013) e decisões judiciais da suprema corte brasileira, obtidas no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal na Internet. A par das perspectivas doutrinárias sobre a matéria, apresentam-se julgados que favorecem a compreensão dos contornos do princípio do não confisco segundo a ótica do tribunal constitucional pátrio.  


2. CONCEITO DE CONFISCO: PERSPECTIVA LEXICOGRÁFICA E SENTIDO TÉCNICO-JURÍDICO

O termo “confisco” designa, literalmente, segundo os léxicos da língua portuguesa, o resultado da conduta descrita como “apreender em proveito do Fisco”, o qual, por sua vez, corresponde ao erário ou tesouro público ou, ainda, é sinônimo do conjunto de órgãos da Administração Pública incumbidos da arrecadação ou fiscalização de tributos. (FERREIRA, 2013, p. 187) A definição é acolhida pela doutrina jurídico-tributária, conforme ilustra a perspectiva de Luciano Amaro, para quem confiscar “é tomar para o Fisco, desapossar alguém de seus bens em proveito do Estado.” (AMARO, 2010, p. 167).

A vedação ao confisco imposta pelo texto constitucional ao Estado brasileiro, contudo, não corresponde, por óbvio, à absoluta negação a qualquer expropriação para a satisfação do crédito tributário. O inadimplemento de tributos devidos pode dar ensejo à aplicação de multa, juros e correção monetária, cujo montante legalmente alcançado exija, por exemplo, para a quitação da dívida, a alienação de bens de propriedade do devedor em hasta pública, no âmbito de regular processo judicial de execução fiscal. Se assim não fosse, na prática, restaria negado ao Estado o poder de tributar, na medida em que bastaria ao responsável deixar de pagar o tributo, já que, ao final, a soma dos valores atrasados, ainda que abstraídos a multa e os juros de mora, importariam em valor que acabaria por exigir a perda patrimonial, causadora, nessa perspectiva, de suposto “confisco”. É evidente que uma tal interpretação sequer admite ser seriamente cogitada, na medida em que situação do tipo não se sustentaria, por estimular o inadimplemento generalizado da obrigação tributária, cuja satisfação é indispensável à execução das atividades do Estado, dentre outros, nos campos da infraestrutura, fomento, educação, saúde e segurança públicas, necessárias, por sua vez, à manutenção da vida em sociedade.[2]

Logo, parece claro, sem que necessário seja sequer recorrer a prospecções de maior vulto, que a vedação ao confisco não impede a materialização do sentido literal dessa expressão, a saber, a apreensão de bens em favor do Estado para a satisfação dos interesses da administração tributária, desde que a cobrança se funde em tributo instituído de forma regular e legítima. Qual é o sentido, então, da normativa que veda a tributação confiscatória?

Irapuã Beltrão (2014, p. 106) entende que o princípio da vedação ao confisco tem duas finalidades primordiais, sendo a primeira reforçar a regra segundo a qual o tributo não pode ser utilizado como sanção por ato ilícito, prevista, dentre outros dispositivos, no art. 3º do CTN, e a segunda, evitar que sejam estabelecidos tributos em demasia, impedindo a onerosidade não razoável ou a tributação excessiva, pelo que constituiria um limite ao volume da exação. No dizer do autor, enquanto a anterioridade é um princípio de “não surpresa”, “o não confisco é um princípio de ‘não excesso’ e de proteção a esse contribuinte, especialmente na sua renda e no seu patrimônio.” (BELTRÃO, 2014, p. 106)

Ciro Verner Paula Nunes (2014, p. 1), de igual forma, compreende que o princípio veda a instalação de um quadro de taxação “extorsiva” ou desproporcional, que importe uma absorção total ou parcial do patrimônio privado pela pessoa jurídica do Estado sem a correspondente indenização. Segundo o autor,

O princípio da vedação ao confisco é um limite constitucional ao poder de tributar do Estado, previsto no art. 150, inciso IV, da Constituição da República. Este princípio decorre da proteção constitucional ao direito de propriedade, elencada no art. 5º da Carta Magna, pois impede que essa norma seja desrespeita pelo Estado através da imposição de tributos excessivos, caracterizando, assim, o confisco por via indireta. Embora difícil definir o seu conceito, devido às divergências doutrinárias e jurisprudenciais, pode-se entender por confisco o ato do poder público de decretação de apreensão, adjudicação ou perda de bens pertencentes ao contribuinte, sem a contrapartida de justa indenização. Destarte, tributo com efeito confiscatório é aquele que pela sua taxação extorsiva corresponde a uma verdadeira absorção, no todo ou em parte, do patrimônio do indivíduo pelo Estado, sem a correspondente indenização ao contribuinte. (NUNES, 2014, p. 1)

Para Luciano Amaro (2010, p. 168), por sua vez, “o que se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada”. Consoante o autor, o princípio atua em conjunto com o da capacidade contributiva, que também visa a preservar o patrimônio do particular. Além da necessidade de os tributos serem instituídos em atenção à capacidade econômica do contribuinte, apresentando, sempre que possível, caráter pessoal, e sendo graduados segundo o potencial financeiro dos jurisdicionados, deve o Estado atentar para não suprimir o patrimônio individual, o que se efetua, sobretudo, em atenção ao direito de propriedade, verdadeiro apanágio dos Estados liberais ocidentais, de base capitalista. (AMARO, 2010, p. 168)

Francisco Leite Duarte (2013, p. 224), na mesma linha, afirma que se trata de princípio decorrente da tutela da propriedade, que é resguardada pela constituição. Desde que atendida a respectiva função social, tem o particular o direito de uso, gozo e disposição dos bens integrantes de seu patrimônio, que não pode ser alvo de ataque injustificado pelo Estado (DUARTE, 2013, p. 224). Nessa perspectiva, a vedação ao confisco seria a norma que impede o ente governamental de valer-se da lei tributária como instrumento para a supressão ou redução do patrimônio particular. Em palavras do autor:

Embora a vedação ao confisco já encontre respaldo nos meandros do direito de propriedade e seja manifestação do princípio da capacidade contributiva, houve por bem o constituinte colocá-lo direta e expressamente no texto da Lei Maior, precisamente dentre as vedações ao poder de tributar, em seu art. 150, IV, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco. Observe-se que a vedação é de se utilizar o tributo com efeito de confisco, porque o tributo, em sim mesmo, jamais se pode confundir com o confisco, por definição mesmo. Da mesma forma, não se deve confundir a proibição de tributação confiscatória com a pena de perdimento de bens, uma vez que o tributo não se constitui sanção de ato ilícito, enquanto o perdimento se enquadra no conceito de penalidades, tendo sido recepcionado pelo art. 5º, XLVI, b [da Constituição Federal]. (DUARTE, 2013, p. 224-225)

Logo, não é o “confisco”, em seu sentido original e linguístico, consistente na apreensão de bens particulares em proveito do Fisco, o que é proibido pela norma constitucional, mas, tão somente, a instituição de tributo “com efeito de confisco” (BRASIL, 1988, p. 1). A perda de bens, tanto sob a forma de penalidade quanto em resultado da cobrança judicial de débitos tributários regularmente instituídos, não obstante configure “confisco” no sentido lexicográfico, permanece legítima e amparada pela ordem jurídica, vez que o tributo, em si, desde que atendendo a certos requisitos, terá sido instituído em boa-fé estatal, com a devida finalidade arrecadatória ou extrafiscal, e não com o proibido intuito confiscatório.


3. O CONFISCO COMO CONCEITO JURÍDICO ABERTO E INDETERMINADO. A TENSÃO ENTRE A TRIBUTAÇÃO E TUTELA CONSTITUCIONAL DA PROPRIEDADE PRIVADA E A DEPENDÊNCIA HERMENÊUTICA DO PRINCÍPIO INSTRUMENTAL DA RAZOABILIDADE

O exato ponto em que a tributação deixa de ser legítima para violar a proibição do confisco – vale dizer, os atributos ou resultados que fazem com que a exação seja reputada “com efeito de confisco” (BRASIL, 1988, p. 1) –  é o problema que busca a doutrina jurídico-tributária solucionar – e para o qual não há uma resposta taxativa. Ricardo Alexandre chega a afirmar que o conceito jurídico de confisco “é indeterminado, sujeito a um alto grau de subjetividade e varia muito de acordo com as concepções político-filosóficas do intérprete.” (ALEXANDRE, 2009, p. 140) Tal ocorre porque a norma da vedação ao confisco tem sido compreendida como a manifestação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade em matéria tributária, consoante propugnado pelo mesmo autor, quando afirma:

O princípio da vedação ao confisco também poderia ser denominado de princípio da razoabilidade ou proporcionalidade da carga tributária. A ideia subjacente é que o legislador, ao se utilizar do poder de tributar que a constituição lhe confere, deve fazê-lo de forma razoável e moderada, sem que a tributação tenha por efeito impedir o exercício de atividades lícitas pelo contribuinte, dificultar o suprimento de suas necessidades vitais básicas ou comprometer seu direito a uma existência digna. (ALEXANDRE, 2009, p. 140)

Ricardo Lobo Torres corrobora esse entendimento. Ao afirmar que o principio do não confisco constitui uma imunidade tributária da “parcela mínima necessária à sobrevivência da propriedade privada”, declara que, inexistindo possibilidade prévia de se fixar os limites quantitativos para a cobrança não confiscatória, a definição concreta de confisco há de pautar-se pela razoabilidade, a qual é aferida à luz das peculiaridades do caso concreto. (TORRES, 1993, p. 56) O eminente tributarista Sacha Calmon, no mesmo sentido, afirma que o princípio do não confisco deve ser entendido “como um preceito que determina a razoabilidade na tributação”, na medida em que tem sido utilizado para estipular patamares de exação tidos como suportáveis, de acordo com a cultura e condições de cada povo em particular. (CALMON, 2004, p. 39)

Inocêncio Mártires Coelho, de seu turno, doutrina que, qual emanação do imemorial direito de propriedade, o principio constitucional da proibição de tributos confiscatórios, para o seu pleno entendimento, convoca a incidência de outra limitação ao poder de tributar – a da capacidade econômica do contribuinte, estabelecida no art. 145, § 1º, da Constituição Federal, bem como a incidência dos multidimensionais princípios do Estado Democrático de Direito e da proporcionalidade ou razoabilidade. (COELHO, 2007, p. 1346-1347)

Irapuã Beltrão (2013, p. 106), de igual forma, aduz que a proibição do confisco impõe um corte ao poder de tributar, mas que “o limite dessa vedação é dado pelos conceitos de razoabilidade e proporcionalidade”. Segundo o autor, tal patamar não se pode aferir de forma objetiva, devendo ser norteado por uma “lógica de razoabilidade e proporcionalidade no caso concreto em que se pondera”, não se podendo afirmar um número absoluto aplicável a todos os tributos ou contribuintes indistintamente. (BELTRÃO, 2013, p. 106)  

Destarte, à evidência, trata-se de conceito jurídico aberto ou indeterminado (DUARTE, 2013, p. 225), cujo significado somente pode ser alcançado na prática, que permite a progressiva e democrática construção do direito pela atividade dialética dos tribunais. Nesse contexto, o conteúdo da norma jurídica há de ser fixado na forma dos precedentes judiciais, os quais, considerando as circunstâncias e especificidades dos diferentes casos concretos, delinearão os contornos do princípio, identificando hipóteses que violem o preceito e elucidando situações que, não obstante pareçam importar quebra da norma, conformam-se à ordem jurídica.

Não significa isso, contudo, que seja de todo impossível formular, em tese, proposições jurídico-normativas relativas ao princípio. É claro, por exemplo, que se mostrariam indubitavelmente confiscatórios os tributos que absorvessem todo o valor da propriedade, que aniquilassem a empresa ou impedissem o exercício de atividade lícita e moral. (BELTRÃO, 2013, p. 106) Da mesma forma, dificilmente alguém consideraria confiscatória a alíquota de 1% sobre o valor venal do imóvel para fins de IPTU, ao passo que todos entenderiam haver violação ao princípio caso o mesmo percentual fosse fixado em 80%, fato que ilustra a facilidade em adotar-se um posicionamento, em se tratando da aplicabilidade de conceitos jurídicos indeterminados, quando se está diante de situações extremas. (DUARTE, 2013, p. 226) Idêntica situação não ocorre, porém, na zona cinzenta que forma o meio termo, a exigir inegável esforço hermenêutico por parte do aplicador, que terá, por vezes, de arbitrar o sentido do princípio em inegável atividade de criação da norma jurídica, a ser sustentada pelo encadeamento lógico dos argumentos no discurso e validada pelo critério da autoridade, indispensável à decidibilidade de conflitos em um Estado de Direito. Nesse sentido, coloca Luciano Amaro que:

Algumas situações são expressivas na caracterização de confisco; por exemplo, imposto que absorvesse toda a renda do contribuinte sem dúvida seria confiscatório; do mesmo modo, o tributo que tomasse parcela substancial do patrimônio do indivíduo. Mas qual seria o percentual a partir de que o imposto passa a ser confiscatório? Isso não está dito na Constituição. Haverá hipóteses, por outro lado, em que uma tributação severa se justifica, por razões de política fiscal (como se dá com os tributos de fins extrafiscais). O princípio da vedação de tributo confiscatório não é um preceito matemático; é um critério informador da atividade do legislador e é, além disso, preceito dirigido ao intérprete e ao julgador, que, à vista das características da situação concreta, verificarão se determinado tributo invade ou não o território do confisco. (AMARO, 2010, p. 168)

4. A VEDAÇÃO AO CONFISCO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio do não confisco assume contornos bem definidos como norma de limitação constitucional ao poder de tributar. Uma primeira e importante decisão conceitua o vedado confisco como a “injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional”, consignando, ainda, que “a identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária” e não tendo em vista apenas um tributo específico. (BRASIL, 1999, p. 1) O caráter confiscatório deve ser apreciado considerada toda a tributação incidente sobre o patrimônio particular em um período estabelecido, cabendo ao Judiciário verificar a capacidade de que dispõe o contribuinte para suportar a incidência de todos os tributos que deverá pagar à mesma pessoa política que os houver instituído à luz do montante de sua riqueza ou capital. É o que se depreende do seguinte excerto do acórdão proferido na ADI n.º 2.010, de 30 de setembro de 1999, in verbis:

A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de a Corte examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição. Precedente: ADI 1.075-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (o Relator ficou vencido, no precedente mencionado, por entender que o exame do efeito confiscatório do tributo depende da apreciação individual de cada caso concreto). - A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte - considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) - para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo - resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal - afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. (BRASIL, 1999, p. 1)

Partindo dessa premissa, o STF já se manifestou diversas vezes pela inconstitucionalidade da cobrança de tributos por violação ao princípio do não confisco. No próprio julgamento da ADI n.º 2.010, restou decidido, por exemplo, que a criação de alíquota progressiva de contribuição previdenciária para os servidores públicos federais ativos, que atingiria, para os rendimentos mais elevados, o patamar de 25%, apresentaria caráter confiscatório, uma vez que tais rendimentos já estavam sujeitos à alíquota de 27,5% de imposto de renda, devido à mesma pessoa política, que, no caso, era a União. (BRASIL, 1999, p. 1) Note-se, pois, que foi aplicada, no caso, a tese segundo a qual o efeito confiscatório deve ser apreciado em relação à totalidade da carga tributária devida ao mesmo ente federativo, e não tendo em vista, exclusivamente, a alíquota do tributo impugnado. No caso, a incidência dos dois tributos obrigaria a determinados servidores entregar à União quase metade de seus rendimentos mensais, o que é inegavelmente confiscatório. Caso se considerasse exclusivamente a alíquota da contribuição previdenciária, contudo, o índice não importaria confisco, por entender-se, ordinariamente, que a tributação de 1/4 dos rendimentos não viola os limites do razoável.

Em outra oportunidade, o tribunal decidiu que a fixação de patamar mínimo de duas vezes o valor do tributo devido para a multa a ser aplicada em caso de inadimplemento da obrigação tributária ataca o princípio do não confisco. Na hipótese, cuidou-se de ação direta movida em face do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, tendo o STF, nos autos da ADI n.º 551/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgada em 24 de outubro de 2002, entendido que “a desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte”. (ALEXANDRE, 2009, p. 141)

De outra feita, fixou o Supremo que a cobrança antecipada de tributo por fato gerador presumido, como no caso do ICMS, não viola o princípio do não confisco. (BRASIL, 2002, p. 1) Segundo o tribunal, a regra, que encontra amparo no texto do art. 150, § 7º, da CF/88,[3] introduzido pela EC n.º 3/1993, não importa em arrecadação confiscatória na medida em que, no preço passado do industrial para o varejista é embutido unicamente o imposto previsto pela saída da mercadoria de seu estabelecimento, não se podendo falar em cumulatividade. Presentes os requisitos da substituição tributária (legalidade e tipicidade, com regulamentação da matéria por lei complementar), não restaria presente situação de confisco, vez que, na venda da mercadoria ao consumidor final, o substituto reembolsa-se do valor pago antecipadamente, e, caso não ocorra o fato gerador presumido, há a garantia de restituição imediata e preferencial do imposto pago. (BRASIL, 2002, p. 1)

Ainda em outro julgamento, entendeu o STF que, em se tratando de taxa, deve haver uma relação de razoável equivalência entre o valor cobrado pelo Estado e o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte. Por se tratar de tributo vinculado ao usufruto efetivo ou potencial de serviço público ou ao exercício do poder de polícia, não pode haver desproporção entre o custo da atividade realizada e o valor exigido do contribuinte, sob pena de materializar-se tributação irrazoável, caracterizadora, pois, de infringência à vedação do confisco. É o que se extrai de parte da ementa da ADI n.º 2.551 MC-QO/MG, também da relatoria do Min. Celso de Mello, julgada pelo tribunal pleno em 2 de abril de 2003:

TAXA: CORRESPONDÊNCIA ENTRE O VALOR EXIGIDO E O CUSTO DA ATIVIDADE ESTATAL. - A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei. - Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da Constituição da República. Jurisprudência. Doutrina. TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. - O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. - A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado. (BRASIL, 2003, p. 1)

Por fim, cumpre ressaltar já estar assentado no Supremo, de há muito, que não caracteriza confisco a pena de perdimento de bens imposta pela legislação tributária ao contribuinte que não efetue o pagamento do tributo na forma e prazo previstos em ato normativo. No caso, objeto do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 173.689-6/DF, o requerente instava acerca da suposta violação ao art. 150, IV, da CF em face da relutância da União em promover a regularização fiscal de veículo importado, apreendido pela autoridade aduaneira que, ademais, aplicou a pena de perdimento de bens. Entendeu-se que não há o vedado confisco quando a excussão patrimonial decorre da entrada de bens, no território nacional, sem obediência às normas legais concernentes à importação, as quais, por expressa disposição legal, levam à perda do bem. (BRASIL, 1996, p. 1)


5. CONCLUSÃO

O princípio do não confisco ou da vedação à tributação confiscatória decorre da previsão constante do art. 150, IV, da Constituição Federal, segundo o qual é vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios utilizar tributo “com efeito de confisco”. A cláusula não encerra uma proibição genérica a toda e qualquer apreensão de bens em proveito da administração pública, o que inviabilizaria a cobrança judicial de débitos fiscais ou, ainda, a aplicação de penalidades administrativas por infringência de obrigações tributárias principais ou acessórias. Cuida-se, em vez disso, de princípio destinado ao legislador, que resta proibido de impor tributação excessiva ou irrazoável, que importe na injusta absorção do patrimônio particular, na aniquilação da empresa ou no impedimento do exercício de atividade lícita. É compreendido pela doutrina como a repercussão dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no plano tributário.

Precisamente por isso, o conceito jurídico de confisco mostra-se aberto e indeterminado, demandando elucidação à luz das circunstâncias e especificidades do caso concreto, quando, ainda, sujeita-se ao inevitável influxo das perspectivas ideológicas do intérprete. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem-se por violada a norma que veda o confisco quando presente a injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita. Para o STF, a identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária e não tendo em vista apenas um tributo específico.

Nesse sentido, já entendeu o STF que: a) alíquota progressiva de contribuição previdenciária para servidores públicos federais ativos no patamar de 25% apresentaria caráter confiscatório, uma vez que os mesmos rendimentos já estão sujeitos ao índice de 27,5% de imposto de renda, de modo que o valor final, pela sistemática de cálculo do tributo proposto, chegaria ao comprometimento de quase 50% da renda mensal do servidor público em favor de uma mesma pessoa política, que, no caso, era a União; b) patamar mínimo de duas vezes o valor do tributo devido para a multa a ser aplicada em caso de inadimplemento da obrigação tributária ataca o princípio do não confisco; c) cobrança antecipada de tributo por fato gerador presumido, como no caso do ICMS, não viola o princípio do não confisco, vez que na venda da mercadoria ao consumidor final o substituto reembolsa-se do valor pago antecipadamente, e, caso não ocorra o fato gerador presumido, há a garantia de restituição imediata e preferencial do imposto pago; d) em se tratando de taxa, viola o princípio do não confisco a ausência de uma relação de razoável equivalência entre o valor cobrado pelo Estado e o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte; e) não caracteriza confisco a pena de perdimento de bens imposta pela legislação tributária ao contribuinte que não efetue o pagamento do tributo na forma e condições previstas no ato normativo.


NOTAS

[1] Lista de siglas e abreviaturas: ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade; CF – Constituição Federal; CTN – Código Tributário Nacional; EC – Emenda Constitucional; IPTU – Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana; ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços; MC – Medida Cautelar; Min. – Ministro; QO – Questão de Ordem; Rel. – Relator; STF – Supremo Tribunal Federal.

[2] Os limites jurídicos à cobrança do crédito tributário são os mesmos existentes para a execução judicial destinada à satisfação de dívidas pecuniárias de outra natureza, quais sejam, aqueles que importem o resguardo do mínimo existencial, que traduz o sentido do princípio constitucional da dignidade humana, do que são exemplos as regras que estabelecem as impenhorabilidades, tais como as do salário, da quantia mantida em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos, do seguro de vida e do imóvel qualificado como bem de família legal ou convencional (LIMA JÚNIOR, 2013, p. 70-71).

[3] BRASIL, 1988, p. 1: “Art. 150. (...) § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)”


REFERÊNCIAS

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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.


Autor

  • Cláudio Ricardo Silva Lima Júnior

    Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - dupla diplomação. Ex-Assessor da Justiça Federal de Primeira Instância na 5ª Região. Ex-Assessor do Ministério Público Federal na 1ª Região. Atualmente, é Oficial de Justiça do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

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