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Juízo colegiado de primeiro grau para crimes praticados por organizações criminosas: (de)formação processual

Juízo colegiado de primeiro grau para crimes praticados por organizações criminosas: (de)formação processual

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Muitas das vezes, o juiz se sente ameaçado ao julgar processos que envolvem organizações criminosas violentas. De maneira inovadora, uma lei de Alagoas estabeleceu que a vara competente para tais processos seria formada por 5 magistrados.

INTRODUÇÃO

O estudo ora desenvolvido diz respeito à Lei nº. 12.694/2012, analisando, especialmente, a questão processual da possibilidade conferida pelo citado ato normativo da formação do juízo colegiado criminal de 1º grau para processamento e julgamento dos crimes cometidos por organizações criminosas. Busca-se, para tanto, amparo nos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e do juiz natural para a sua análise.

Como será visto em capítulo próprio, a Lei nº. 12.694/2012 se baseou na experiência vivida pelo Estado de Alagoas, por meio do ato normativo estadual nº. 6.807/2007, que previu a possibilidade da formação do juizado colegiado nos crimes praticados por organizações criminosas.

Exatamente pela complexidade do tema, inclusive fazendo uma análise histórica do fenômeno do crime organizado, o presente trabalho monográfico foi dividido em 03 (três) partes.

No primeiro capítulo, será desvendado o contexto histórico e social da criminalidade organizada pelo mundo, bem como no Brasil, o surgimento, o aperfeiçoamento das organizações e as maneiras encontradas pelos países em tentar combater a criminalidade organizada, dando ênfase, no exemplo brasileiro, à evolução legislativa no combate ao crime organizado.

Na sequência, será analisada a Lei nº. 12.694/2012, o conceito de crime organizado e a disciplina do procedimento para formação e atuação do juízo colegiado.

Por fim, o terceiro e último capítulo tratará da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.414, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em face da Lei nº. 6.807/2007 do Estado de Alagoas, bem como uma análise da questão do procedimento da formação do juízo colegiado à luz de Princípios Constitucionais, tais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa e o juiz natural.


1. A CRIMINALIDADE ORGANIZADA

1.1. CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL

Os primeiros registros do surgimento embrionário de uma criminalidade organizada, em que se verifica a existência de uma estrutura com a divisão de tarefas a serem executadas, remontam o longínquo período da Idade Média, mais precisamente no Sul da Itália, quando camponeses, revoltados com a exploração que vinham sofrendo dos senhores feudais e com a falta de perspectiva de uma ascensão social, passaram a depredar as plantações e matar os animais dos donos dos feudos. “Assim os senhores eram obrigados a fazer acordos com a Máfia para garantir 'proteção' e preservar as suas terras.” (TOLENTINO NETO, 2012, p. 51).

De lá para cá, viu-se o aparecimento de outras organizações criminosas espalhadas pelo mundo. Algumas dessas organizações, tão grandes e tão bem estruturadas em suas divisões de tarefas, que despertaram a curiosidade popular e de alguns estudiosos, os quais passaram a investigar o surgimento, o funcionamento, campo de atuação e atividades desenvolvidas. Entre elas, podemos citar recentemente as “Máfias Italianas” com suas ramificações em outros países, como nos Estados Unidos, além de grupos similares como por exemplo, a “Yakusa” no Japão e as “Tríades Chinesas”.

Sem sombra de dúvidas, entre as mais famosas e as mais antigas organizações criminosas estão as “Máfias Italianas” e as suas “famiglias” que eram as responsáveis por comandar os grupamentos de criminosos. É de bom alvitre comentar que “a denominação Máfia ficou consagrada, em 1863, em um tribunal siciliano, e partir desse momento passou a ter uso corrente.” (TOLENTINO NETO, 2012, p. 51)

Na Itália, existiram diversas máfias, cada uma delas comandadas por uma “famiglia” que atuavam em diversos pontos do País, explorando basicamente as mesmas atividades: contrabando, extorsão, tráfico de drogas.

Dentre as máfias mais grandiosas estão a “Cosa Nostra”, que dominava a região da Sicília, a “N'drangheta”, fixada na Calábria, a Camorra, de origem napolitana, e a Sacra Corona Unita, que atua na região da Apúlia, região do Mar Adriático. Os empreendimentos de tais grupos geraram um rápido enriquecimento para os seus membros, com repercussão na vida política italiana. O poder e a ascensão destas máfias também se solidificou na vida pública tanto através da compra de votos, quanto mediante investimento nas campanhas políticas.

Diante das investidas e da crescente atuação das máfias, o Estado Italiano realizou uma série de reformas em seu sistema Penal e Judiciário, como a Lei Anti-Terrorismo, a Lei Anti-Máfia, principalmente a que introduziu a definição de associação mafiosa no art. 416 bis do Código Penal, a Lei l.646/82, chamada Lei Rognoni-La Torre, e deflagrou a conhecida “Operação Mãos Limpas”[1], culminando na prisão, julgamento e condenação de diversos líderes mafiosos.

Em que pese a atuação de Governos no combate às máfias, ainda falta muito para eliminá-las, em razão da enorme capacidade financeira que adquiriu ao longo dos anos e o contato cada vez mais próximo entre os mafiosos com o alto escalão de empresários e políticos.

No Japão, há a figura da Yakuza, organização criminosa composta exclusivamente por homens japoneses e responsável pelo tráfico de drogas ilícitas, principalmente de anfetaminas, conhecidas como “diamantes brancos”, em conjunto com as Tríades Chinesas. Segundo MENDRONI (2012, p. 377):

“atualmente são consumidos no Japão cerca de 700 kg por dia de anfetaminas, por aproximadamente 800.000 pessoas, a maioria delas jovens adolescentes, sendo que a distribuição interna é realizada majoritariamente, cerca de 60%, por imigrantes iranianos. Cocaína e maconha, entretanto, continuam sendo drogas de muito prestígio e muito consumo, também pelos adolescentes”.

Além do tráfico, os membros da Yakuza também atuam nas áreas da prostituição, jogos de azar, lavagem de dinheiro, o que gera rendas extraordinárias aos seus integrantes. Estes têm como características possuírem o corpo quase todo tatuado como uma forma de mostrar aos membros mais antigos a sua capacidade de aguentar a dor e provar o seu comprometimento para o resto da vida com a sua organização, muito embora a prática de tatuar o corpo não seja obrigatória.

No Japão, não há uma política de repressão e combate a Yakuza , pois esta:

“mantém orientações criminosas ideológicas diversas, sendo ultranacionalista e conservadora em questões de políticas estrangeiras, além de fortemente anticomunista. Isto explica o envolvimento de políticos de ultra direita japoneses com a Yakuza. Sendo esta também a ideologia (visão) da Polícia japonesa, constata-se a pouca ação contra a Yakuza, que, em uma espécie de simbiose, atuando 'conjuntamente', conseguem manter baixíssimos os níveis de criminalidade nas ruas do Japão e, em contrapartida, a Polícia japonesa consegue manter um alto nível de publicidade em eficiência. A reciprocidade da Yakuza é, evidentemente, auxiliar a manter os crimes comuns, das ruas, desorganizados, por assim dizer, em baixíssimos índices.” (MENDRONI, 2012, p. 380)

Outra famosa organização criminosa existente são as Tríades Chinesas, cujo apogeu ocorreu no período anterior a abertura econômica da China. Ligada aos ramos ilícitos da exploração da prostituição, do tráfico de anfetaminas, juntamente com a Yakuza, do ópio, da heroína, da falsificação de produtos, logo os seus membros enriqueceram, ganharam projeção nacional e ingressam na vida política do seu País, assessorando políticos.

Tríades chinesas, que tiveram origem no ano de 1644, como movimento popular para expulsar os invasores do império Ming. Com a declaração de Hong Kong como colônia britânica em 1842, seus membros migraram para essa colônia e posteriormente para Taiwan, onde não encontraram dificuldades para incentivar os camponeses para o cultivo da papoula e exploração do ópio [...]. Um século mais tarde, quando foi proibido o comércio do ópio em todas as suas formas, as Tríades passaram a explorar solitariamente o controle do próspero mercado negro da heroína. (SILVA apud ARAS, 2003, p. 01)

Todavia, com o fim da Guerra Civil chinesa, a tomada de poder por Mao Tsé-Tung e a fundação da República Popular da China, as Tríades passaram a ser duramente reprimidas pelo novo governo, a ponto dos seus principais líderes fugirem para Taiwan, Hong Kong e Macau, sendo “a China considerada um País livre das drogas” (MENDRONI, 2012, p. 354).

Apesar de políticas de combate as organizações criminosas, em alguns casos com maior dureza, como na Itália e na China, ainda é forte a atuação delas, inclusive, numa escala que ultrapassa as fronteiras dos seus países de origem, tamanha a força e a organização destes grupos. A globalização econômica possui conexão com a transnacionalização do crime e constitui um desafio às Ordens Jurídicas Nacionais. Daí que:

“Para obter maior eficiência no combate às novas formas de criminalidade e neutralizar a ameaça mundial comum decorrente da expansão da delinquência multinacional e transnacional, os Estados passaram a reformular  inteiramente os esquemas de controle e prevenção dos delitos.” (FARIA, 2008, p. 106)

Mesmo surgindo em locais e em épocas diferentes, estas associações criminosas possuem pontos em comum: controle sobre um território, poder de intimidação física e econômica, influência social e no poder estatal, e prática sistémica de ilícitos.

Isto porque:

Apenas as associações que seguem o modelo mafioso conseguem operar sem limitações de fronteiras. Portanto, e a definição é de minha lavra, são consideradas transnacionais as associações de modelo mafioso que, pelos seus agentes infiltrados ou mediante aliança com outras organizações da mesma natureza, exploram, habitual e permanentemente, lucrativas atividades ilícitas, ou formalmente lícitas (reciclagem de capitais), em países diversos dos da sua origem. (MAIEROVITCH, 1997)

Os seus membros são em sua maioria pessoas que desde cedo conviveram com a deliquência criminal, integrantes de uma parcela esquecida da sociedade, que viram na criminalidade e nas mais variadas atividades ilícitas uma forma de ascender socialmente e conseguir riquezas. Outro aspecto, as organizações criminosas são dotadas de uma estrutura bem definida, em que os recém-ingressos devem obediência aos seus superiores hierárquicos, uma estrutura com hierarquia própria e que no topo dela há um líder, um chefe supremo, os quais todos da facção devem respeito. De tão bem organizadas, verifica-se uma estrutura empresarial nestes bandos.

Ademais, algumas organizações criminosas são caracterizadas pela instituição de uma espécie de código de conduta, com prevalência da “lei do silêncio”, denominada pelas Máfias Italianas de omertà, que os membros devem respeitar, e o descumprimento ou desobediência pode acarretar sanções que variam desde uma advertência até a morte, a depender da gravidade do ato praticado.

Como bem lembra Francisco Tolentino Neto ao comentar sobre uma das penas possíveis a serem aplicadas aos membros da Yakuza:

“um exemplo de norma que garante a obediência à hierarquia e, assim, o bom funcionamento da organização consiste na decepação de um dos dedos da mão do membro que cometer falta grave ou na morte daquele que expõe a organização (TOLENTINO NETO, 2012, p. 53)”

Outro ponto, quem sabe o mais importante, é o poder de variante que estas agremiações possuem. No começo, quando do seu surgimento, ligadas a atividades “menos complexas” e restrita a uma região, as práticas de crimes como extorsão e sequestros, tráfico de drogas, roubos vêm dando lugar a atividades inseridas em diversos ramos de comércio, de prestação de serviços, e outras atividades com um maior grau de sofisticação, em que seus membros se infiltram cada vez mais nas esferas públicas e desenvolvem atividades transnacionais para a obtenção de favores e benefícios diversos, além de por exemplo, tráfico de armas, tráfico de seres humanos e órgãos, tráfico de animais e vegetais, falsificação de produtos, lavagem de capitais, pornografia, corrupção administrativa nas esferas do poder etc.

Com a evolução da humanidade e o desenvolvimento dos meios tecnológicos, verifica-se uma maior especialização dos integrantes, bem como o surgimento de várias outras organizações criminosas, algumas não tão numerosas, mas, graças as facilidades dos meios de comunicação, operam de forma tão bem organizada e estruturada quanto as tradicionais, constituindo uma grave ameaça ao bom funcionamento dos Estados, obrigados a realizarem forças tarefas em escala mundial no combate das organizações criminosas.

1.2. FUNDAMENTOS E MARCO HISTÓRICO NO BRASIL

1.2.1. A criminalidade organizada

Diferentemente do que vimos em outros países, no Brasil não há registros da existência de organizações criminosas com estrutura similar a observada nos demais países. Diante disto, há muita divergência ao tentar fixar um marco histórico do início da criminalidade organizada em nosso País, não havendo um consenso entre os estudiosos acerca do tema. Contudo, há aqueles que citam o cangaço no final do século XIX e início do século XX como o antecedente de uma criminalidade organizada no Brasil, nestes termos:

O antecedente remoto e isolado da criminalidade organizada brasileira é encontrada no cangaço[...]. Seus membros estavam organizados de modo hierárquico e praticavam atividades ilícitas, como saques e extorsões, em diversos estados do Nordeste brasileiro. (SILVA apud SOBRINHO, 2009, p. 29)

Um grupo de homens armados, organizados e liderados por Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido por “Lampião”, que realizavam saques e roubos a ricos fazendeiros do sertão nordestino. Um duro choque de realidade para a grande maioria dos nordestinos, que relacionam a figura de Lampião com a de um herói, alguém que teria lutado contra os desmandos de uma parcela favorecida da sociedade e buscou ajudar os mais necessitados.

De modo mais amplo e visível, a criminalidade passou a melhor organizar-se a partir das décadas de 70 e 80, principalmente nos morros cariocas e nas favelas paulistas. Em comum com os outros exemplos estrangeiros, a criminalidade organizada encontrou nesses locais mais pobres um ambiente fértil para desenvolver as suas atividades ilegais e recrutar os seus membros, uma parcela da sociedade impedida de usufruir os serviços básicos do Estado, em razão da ineficiência da Administração Pública.

Nas prisões cariocas, mais precisamente no Presídio da Ilha Grande, em meados da década de 80, surgiu o chamado Comando Vermelho. Resultado da união de vários grupos criminosos, o Comando Vermelho surgiu com o objetivo de exercer o controle sobre o tráfico de entorpecentes no Rio de Janeiro. Desde o seu começo, passou a fazer as vezes do Estado dentro dos seus domínios, realizando benfeitorias, financiando remédios, construindo obras de interesse coletivo, o que acarretou no respeito dos moradores daquelas localidades e maior facilidade em recrutar novos integrantes.

Em São Paulo, no ano de 1993, surgiu o “Primeiro Comando da Capital (PCC), organizado por detentos recolhidos no presídio de segurança máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, conhecido como ‘Piranhão’” (SILVA apud SOBRINHO, 2009, p.30), possivelmente, a mais famosa das organizações criminosas brasileiras, o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Durante algum período, o PCC foi questionado por alguns estudiosos se realmente constituía uma organização criminosa, pois, além dos ganhos com as atividades ilícitas, principalmente com o tráfico de drogas, eles, supostamente, defendiam melhorias no sistema prisional e direitos dos presidiários.

Numa prova de força e organização, em 2002, o PCC foi o responsável por uma das maiores rebeliões nos presídios paulistas. Em diversas cadeias de São Paulo, presos se rebelaram, comandaram atentados contra policiais e contra prédios da Administração Pública, provocando dias de terror na capital paulista.

“O mais recente de seus ataques parou, em plena segunda-feira, a maior cidade brasileira, São Paulo. Os atentados duraram dias, com o assassinato de policiais, destruição de ônibus, ataques contra bases militares, delegacias e corpo de bombeiros, troca de tiros com a polícia, atentados contra prédios públicos etc. O pânico causado na sociedade paulista foi tamanho que todos os comércios, escritórios etc. fecharam às 15 horas. O terror instalado criou proporções ao nível de o Governo Federal deixar à disposição do Governo Paulista as Forças Armadas.” (TOLENTINO NETO, 2012, p. 55).

Tamanha audácia em seus ataques, reflete como bem estruturado e bem organizado está o PCC. Grupo de criminosos cujas atividades estão ligadas ao tráfico de drogas, de armas, e de outras atividades ilegais, fortemente armados e dotados de um enorme poder aquisitivo decorrente dos seus vultosos negócios ilícitos. Ademais, os ingressos são “educados” a obedecerem normas de condutas que valorizam o companheirismo e a ajuda entre eles. Aquele que de alguma forma colocar em risco o grupo, é punido severamente, muitas das vezes, com a própria vida.

“Em 1996, o Estatuto do PCC foi descoberto pelas autoridades policiais e levado a conhecimento público:

1-Lealdade, respeito e solidariedade acima de tudo ao Partido.

2- A luta pela liberdade, justiça e paz.

3- A união na luta contra as injustiças e a opressão dentro das prisões.

4- A contribuição daqueles que estão em liberdade com os irmãos dentro da prisão, por meio de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate.

5- O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido, para que não haja conflitos internos, porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a irmandade, será excluído e repudiado pelo Partido.

6- Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais contra pessoa de fora. Porque o ideal do Partido está acima dos conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre leal e solidário a todos os seus integrantes para que não venham a sofrer nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos.

7- Aquele que estiver em liberdade,“ bem estruturado”, mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte sem perdão.

8- Os integrantes do Partido têm que dar bons  exemplos a serem seguidos e, por isso, o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.

9- O Partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo e interesse pessoal, mas sim a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse comum de todos, porque somos um por todos e todos por um.

10- Todo o integrante terá que respeitar a ordem e disciplina do Partido. Cada um vai receber de acordo com aquilo que fez merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido.

11- O Primeiro Comando da Capital – PCC – fundado em 1993, numa luta descomunal, incansável contra a opressão e as injustiças do campo de concentração “ Anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté” , tem como lema absoluto “ A Liberdade, a Justiça e a Paz”.

12- O Partido não admite rivalidade interna, disputa de poder na liderança do Comando, pois cada integrante do Comando saberá a função que lhe compete de “acordo” com a sua capacidade para exercício.

13- Temos de permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detencão em 2 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridades mudar a política carcerária, desumana, cheia de injustiça, opressão, tortura e massacres nas prisões.

14- A prioridade do Comando no momento é pressionar o governador do Estado a desativar aquele campo de concentração “Anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté” de onde surgiu (sic) a semente e as raízes do comando por meio de tantas lutas inglórias e tantos sofrimentos atrozes.

15- Partindo do Comando Central do KG do Estado, as diretrizes de ações organizadas e simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado são uma guerra sem trégua, sem fronteiras, até a vitória final.

16- O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando se espalhou por todos os Sistemas Penitenciárias do Estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos consolidaremos a nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho – CV e PCC - iremos revolucionar o país de dentro das prisões e o nosso braça armado será o Terror dos Poderosos, opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangu I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros. Conhecemos a nossa força e a força dos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos. E um povo unido jamais será vencido. Liberdade! Justiça! Paz! O Quartel general do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com o Comando Vermelho- CV. ‘Unidos Venceremos’ - PCC.” (TOLENTINO NETO, 2012, p. 56-57)

Todavia, devemos afastar a idéia de que o crime organizado no Brasil e no mundo é um produto genuíno das classes mais pobres. As organizações criminosas com a sua impressionante capacidade de obter ganhos com atividades ilícitas diversas estão cada vez mais infiltradas no alto escalão da vida pública dos países. E isto também não significa dizer que a criminalidade organizada desceu os morros e se alojou nos postos mais altos do funcionalismo público. Muito pelo contrário! Trata-se de uma parcela da sociedade que em decorrência dos cargos importantes que ocupam, utilizam da sua influência para a prática de atividades ruinosas e lesivas para a sociedade. Crime organizado pode ser cometido por qualquer grupo minimamente estruturado com o objetivo de ganhos ilícitos. “Não é só o indivíduo que mora no morro e sai atirando loucamente pela cidade que abala. A prática de crime de formação de quadrilha por pessoas que usam terno e gravata traz um desassossego ainda maior”[2]

Operação Caixa de Pandora em 2009, desvio de dinheiro arquitetado pelo então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda; Operação Sanguessuga em 2006, responsável por retirar dinheiro dos cofres do Ministério da Saúde; Operação Navalha em 2007, encabeçada pelo empreiteiro Zuleido Veras para conquistar o direito de realizar diversas obras públicas mediante suborno de parlamentares; Operação Satiagraha em 2009, responsável por investigar crimes financeiros supostamente cometidos por Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity; além, é claro, dos casos mais recentes do Mensalão e da Operação Monte Carlo, que acarretou na prisão do bicheiro “Carlinhos Cachoeira”, são exemplos do conjunto de apurações de delitos praticados por organizações criminosas encabeçadas por empresários, políticos, responsáveis por exorbitantes desvios de dinheiros públicos no Brasil. Condutas delitivas tão danosas quanto as  cometidos por integrantes do Comando Vermelho ou pelo PCC, caracterizadas pelo emprego de violência real, principalmente quando o dinheiro público desviado deveria ser destinado as merendas das crianças, a saúde, a educação.

Também é falsa a ideia de que estas organizações criminosas tão diferentes em suas áreas de atuação não se misturam, como se fossem dois campos impenetráveis em que não existe contato entre ambas. Presenciamos uma maior ligação entre elas, em que campanhas políticas são financiadas por associações criminosas para que os seus interesses sejam defendidos, membros da polícia e do Judiciário recebem dádivas para não incomodar as áreas ou as atividades controladas por determinada organização criminosa. E o pior, muitos destes políticos são eleitos a vários cargos do Legislativo e, até, do Executivo.

A reação brasileira ao crime organizado demorou a acontecer, quando as mais variadas atividades ilícitas encontravam-se solidificadas e os seus integrantes já estavam infiltrados na Administração Pública.

Das infrações penais cometidas por grupos de pessoas o legislador penal brasileiro da década de 40 tratou apenas do crime de quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal de 1940[3] e mantido com a reforma penal de 1984, sem antever o fenômeno criminoso estruturado, estável e através do conjunto de condutas delitivas e ações conexas. Em que pese o tratamento jurídico para quadrilha ou bando ser o mesmo, alguns doutrinadores deram definições diferentes para ambos. Segundo ARAÚJO (1977, p. 40):

“O bando se distingue da quadrilha, porque aquele é rural e, geralmente, se forma pela reunião mais ou menos desorganizada de criminosos, cujas atividades criminosas são convergentes. [...] A quadrilha, por outro lado, é urbana e, ainda segundo DEOCLECIANO D'OLIVEIRA, nela há organização e estrutura. A quadrilha possui escalões e o comando é bem definido, nascendo geralmente de um prévio ajuste entre seus principais, sendo que os participantes dos graus inferiores de hierarquia ficam sujeitos a rígida disciplina, submetidos a vigilância permanente, verdadeiros súcubos nas mãos dos chefes, sem que isso importe dizer que a participação destes decorra de coação.

Ainda existem outras distinções e as quais devem ser refutadas para GRECO (2011, p. 809):

“Tem-se tentado, ainda, inutilmente, levar a efeito a distinção entre quadrilha e bando, como se, efetivamente, houvesse alguma diferença substancial entre eles. Por quadrilha, morfologicamente, poderíamos entender a associação de quatro pessoas; bando seria a reunião de pessoas que ultrapassasse o número de quatro. Na verdade, o Código Penal utiliza as expressões como sinônimas.”

Concomitante ao tipo penal de quadrilha e bando trazido pelo Código Penal de 1940, ainda havia a figura da associação secreta, prevista no art. 39 da Lei de Contravenções Penais[4], que abre o capítulo das contravenções contra a paz pública, a qual também não trazia nenhuma disposição em específica para os casos de organizações criminosas.

Somente com a edição da Lei nº. 9.034, em 1995, o País deu sinal de mudança de perspectiva em torno de busca por uma maior efetividade no combate a criminalidade organizada. Entretanto, a nova lei não conseguiu atingir os seus objetivos. Isto porque “ao contrário do primeiro projeto de lei, a nova Lei aprovada foi omissa quanto ao conceito de organização criminosa, definindo sua  incidência normativa a partir verificação da incidência do tipo sobre 'crimes resultantes de quadrilha ou bando'” (TOLENTINO NETO, 2012, p. 58). Complementa SOBRINHO NETO (2009, p. 34-35) que:

“foi afirmado que os crimes praticados pelos integrantes das organizações criminosas, sob a estrita interpretação do art. 1º da Lei 9.034/95, somente seriam os delitos de quadrilha ou bando porque não há definição de crime organizado ou organização criminosa na legislação brasileira. A partir do princípio da taxatividade penal, Luiz Vicente Cernicchiaro afirma que 'não há, no Brasil, crime resultante de organização criminosa!'”. (grifo nosso)

Seguindo o mesmo raciocínio dos doutrinadores, a Suprema Corte confirmou o entendimento de que a Lei nº. 9.034/95 não criou o tipo penal organização criminosa, se limitando apenas em mencionar novos procedimentos operacionais para o combate do crime organizado, algo ainda sem definição, vejamos:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS CONTRA JULGAMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO STJ. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ASSOCIAÇÃO PARA FINS DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE. DENEGAÇÃO. [...]  4. A Lei n° 9.034/95, ao se referir à organização criminosa, não instituiu novo tipo penal, e sim dispôs sobre a possibilidade de utilização de meios operacionais com vistas à prevenção e repressão de ações delitivas praticadas por organizações criminosas, consideradas estas na modalidade do Direito Penal comum (CP, art. 288) ou na modalidade do Direito Penal especial (Lei n° 6.368/76, art. 14, ou atualmente, Lei n° 11.343, art. 35).[...] (HC 90768, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008 EMENT VOL-02328-02 PP-00338 RT v. 97, n. 877, 2008, p. 499-503) (grifo nosso)

Alvo de inúmeras críticas por estabelecer meios e procedimentos investigatórios de um crime que não havia conceituado, a Lei nº. 9.034/95 foi modificada pontualmente pela Lei nº 10.217/2001.

A primeira modificação incidiu sobre o disposto no art. 1º da Lei nº 9.034/95, que estabelecia: “Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando.”

Que por força da Lei nº 10.217/2001 passou a figurar com a seguinte redação:

"Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo."

Restando claro, portanto,  que se o legislador pretendeu diferenciar o delito de bando ou quadrilha do delito de organização criminosa, “mais uma vez, não descreveu (sic) seus limites ou características essenciais para a identificação do que seria uma organização criminosa ou associado criminosa.” (TOLENTINO NETO, 2012, p. 59).

A segunda modificação da Lei nº. 10.217/2001 consistiu no acréscimo de novos procedimentos de investigação para as forças policiais: a) a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos; b) a infiltração por agentes de polícia ou de inteligência.

Por sua vez, a Lei nº. 11.343, de 23 de Agosto de 2006, em seu art. 35, tipificou o delito de associação utilizando o núcleo do delito de quadrilha ou bando: “Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 desta Lei.”                      

Somente mais de dez anos depois da edição da Lei nº. 10.271/2001, foi editada a Lei nº. 12.694, de 24 de Julho de 2012, inseriu pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional o conceito de organização criminosa, a partir Convenção de Palermo[5], da qual o Brasil é signatário e como será visto no tópico 3.2 da presente obra acadêmica.

Registre-se que após a publicação da Lei nº. 12.694/2012, tema deste trabalho acadêmico, outras normas foram editadas para fins de controle e prevenção da criminalidade organizada, entre elas as Leis nºs. 12.720/2012 e a 12.850/2013. A primeira acrescentou o Art. 288-A[6] ao Código Penal, enquanto a segunda passou a utilizar a expressão associação criminosa no lugar de quadrilha e bando, alterando o Art. 288 do Código Penal de 1940 para a seguinte redação: “Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.”[7]

Restando concluir que, substancialmente, o delito de quadrilha ou bando, assume o caráter de organização criminosa quando presentes os elementos previstos no art. 2º, da Lei nº. 12.694/2012, tendo em vista o sentido comum fundado na associação de pessoas. Neste contexto, a organização criminosa passa a receber tratamento diferenciado pelo sistema Judiciário e processual, diante da periculosidade inerente.

 1.2.2. Lei nº. 6.806/07 do Estado de Alagoas

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça[8](CNJ), em 2008 aumentou de 100 para 134 o número de juízes de Direito que correm risco de vida. Entre os magistrados que passaram a acrescentar esta lista figuravam alguns integrantes do Poder Judiciário de Alagoas, Estado tradicional pela ocorrência de crimes de pistolagem e pela desigualdade social, em que boa parte das terras produtivas estão concentradas nas mãos de ricos usineiros, empresários e políticos.

O Conselho Nacional de Justiça, preocupado com a segurança de magistrados face à atuação do crime organizado, aprovou a Recomendação nº 03, de 30 de maio de 2006 do CNJ, in verbis:

RECOMENDAÇÃO Nº 3, 30 DE MAIO DE 2006

Recomenda a especialização de varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas e dá outras providências

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições, tendo em vista o decidido na Sessão de 30 de maio de 2006, e

CONSIDERANDO a necessidade de o Estado combater o crime organizado, mediante a concentração de esforços e de recursos públicos e informações;

CONSIDERANDO a necessidade de resposta judicial ágil e pronta, em relação às medidas especiais de investigação aplicáveis no combate ao crime organizado, nos termos da Lei nº 9.034/95 e da Convenção de Palermo;

CONSIDERANDO que a especialização ao combate ao crime organizado já foi levada a efeito pelo Ministério Público e pelas Forças Policiais;

CONSIDERANDO que a especialização de varas tem se revelado medida salutar, com notável incremento na qualidade e na celeridade da prestação jurisdicional, em especial para o processamento de delitos de maior complexidade, seja quanto ao modus operandi, seja quanto ao número de pessoas envolvidas;

CONSIDERANDO que os Tribunais Regionais Federais possuem autorização legal para especializar varas, de acordo com o disposto nos artigos 11 e 12 da Lei nº 5.010/66, c/c o artigo 11, parágrafo único, da Lei nº 7.727/89 e que os Tribunais de Justiça dos Estados estão também autorizados a especializar varas nos termos da legislação de organização judiciária local, resolve

RECOMENDAR

1. Ao Conselho da Justiça Federal e aos Tribunais Regionais Federais, no que respeita ao Sistema Judiciário Federal, bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados, a especialização de varas criminais, com competência exclusiva ou concorrente, para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas.

2. Para os fins desta recomendação, sugere-se:

a) a adoção do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15 de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, ou seja, considerando o "grupo criminoso organizado" aquele estruturado, de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

b) o processamento, perante a vara criminal especializada, dos crimes previstos no item 1, qualquer que seja o meio, modo ou local de execução, inclusive as ações e incidentes relativos a seqüestro e apreensão de bens, direitos ou valores, pedidos de restituição de coisas apreendidas, busca e apreensão, hipoteca legal e quaisquer outras medidas assecuratórias, bem como todas as medidas relacionadas com a repressão penal de que tratam os itens 1 e 2, inclusive medidas cautelares antecipatórias ou preparatórias.

b.1) se forem vários os atos conexos de execução, ou se não for possível identificar o local ou a data do início dos atos de execução, que qualquer deles seja considerado para a fixação da competência; e quando os atos de execução forem praticados em mais de um Estado, que seja competente a vara criminal especializada que primeiro tiver conhecimento dos fatos.

c) que a especialização se dê, preferencialmente, pela transformação das varas, em especial aquelas com competência para processar e julgar crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, quando existentes.

d) que os Tribunais fixem a competência territorial das varas especializadas.

d.1) que, na Justiça Federal, a competência referida no item anterior tenha preferencialmente abrangência coincidente com os limites territoriais de uma seção judiciária.

e) que as varas especializadas em crime organizado contem com mais de um juiz, bem como com estrutura material e de pessoal especializado compatível com sua atividade, garantindo-se aos magistrados e servidores segurança e proteção para o exercício de suas atribuições.

f) sempre que necessário, a mudança de sede da vara criminal especializada e a movimentação de pessoal, de modo a melhor atender a seus propósitos.

g) sejam deprecados ou delegados a qualquer juízo os atos de instrução ou execução sempre que isso não importe prejuízo ao sigilo, à celeridade ou à eficácia das diligências, podendo, em caso contrário, o juiz, na área de sua jurisdição, presidir as diligências necessárias, ou, quando fora dela, deprecá-las a outro juiz de vara criminal especializada.

h) que os inquéritos policiais e procedimentos em andamento, bem como seus apensos ou anexos, de competência das varas criminais especializadas, sejam a elas redistribuídos, observando-se as cautelas de sigilo, ampla defesa e devido processo legal.

i) que os inquéritos policiais e outros procedimentos em tramitação nas varas especializadas, relativos a outros delitos, sejam redistribuídos às demais varas criminais não especializadas.

j) que as ações penais não sejam redistribuídas.

k) possam os Tribunais solicitar o apoio do Conselho Nacional de Justiça para a consecução da finalidade indicada na presente recomendação.

3. Publique-se e encaminhe-se cópia desta Recomendação ao Conselho da Justiça Federal, aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça dos Estados.

Ministra Ellen Gracie NorthfleetPresidente

Seguindo a mencionada Recomendação do CNJ, o Estado de Alagoas fez publicar em 26 de Março de 2007 no Diário Oficial do Estado de Alagoas a Lei nº. 6.807/07, a qual criava em Maceió a 17ª Vara Criminal, com a competência exclusiva para processar e julgar delitos cometidos por organizações criminosas, senão vejamos sua transcrição na íntegra:

LEI Nº 6.806, DE 22 DE MARÇO DE 2007. 

CRIA, NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL, A 17ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL, COM COMPETÊNCIA EXCLUSIVA PARA PROCESSAR E JULGAR DELITOS PRATICADOS POR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS (CRIME ORGANIZADO) DENTRO DO TERRITÓRIO ALAGOANO E ADOTA PROVIDÊNCIAS CORRELATAS. 

O GOVERNADOR DO ESTADO DE ALAGOAS Faço saber que o Poder Legislativo Estadual decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 

Art. 1º Fica criada a 17 a Vara Criminal da Capital, com competência exclusiva para processar e julgar os delitos envolvendo atividades de organizações criminosas (Crime Organizado) e jurisdição em todo território alagoano.  

Parágrafo único. As atividades jurisdicionais desempenhadas pela 17ª Vara Criminal da Capital compreendem aquelas que sejam anteriores ou concomitantes à instrução prévia, as da instrução processual e as de julgamento dos acusados por crime organizado. 

Art. 2º A 17ª Vara Criminal da Capital terá titularidade coletiva, sendo composta por cinco Juízes de Direito, todos indicados e nomeados pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, com aprovação do Pleno, para um período de dois (02) anos, podendo, a critério do Tribunal, ser renovado.  

Art. 3º Em caso de impedimento, suspeição, férias ou qualquer afastamento de um ou mais titulares da 17ª Vara Criminal da Capital, o Presidente do Tribunal designará substituto, ouvido o Pleno.  

Art. 4º Os cinco (05) Juízes da 17ª Vara Criminal da Capital, após deliberação prévia da maioria, decidirão em conjunto todos os atos judiciais de competência da Vara.  

 Parágrafo único . Os atos processuais urgentes, quer anteriores ou concomitantes à instrução prévia, quer os da instrução processual, poderão ser assinados por qualquer um dos juízes, e, os demais, por pelo menos três deles.   

Art. 5º Todos os inquéritos e processos em trâmite relativos aos feitos de competência da 17 a Vara Criminal da Capital observarão, com especial atenção, as cautelas de sigilo, o princípio do devido processo legal e a garantia da ampla defesa, vedando-se aos servidores lotados na Vara a divulgação de informações oriundas de processo ou inquérito policial, respeitado o que disciplina a Lei Federal nº 8.906, de 5 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.  

Parágrafo único. O dever de sigilo obriga também às autoridades administrativas, policiais e servidores de qualquer dos Poderes.    

Art. 6º À Assessoria Militar do Tribunal de Justiça incumbirá disponibilizar militares para segurança e proteção dos juízes e servidores atuantes na Vara, sem prejuízo de requisição ao Executivo.  

Art. 7º Podem ser delegados a qualquer outro juízo os atos de instrução ou execução sempre que isso não importe prejuízo ao sigilo, à celeridade ou à eficácia das diligências.  

Art. 8º O Pleno do Tribunal de Justiça, ouvidos os juízes componentes da 17ª Vara Criminal da Capital, poderá modificar temporariamente, entendendo necessário, a sede do juízo especial, bem como remanejar os servidores nele lotados, de modo a atender, devidamente, aos propósitos da Vara.   

Art. 9º Para os efeitos da competência estabelecida no artigo 1º desta Lei, considera-se crime organizado, desde que cometido por mais de dois agentes, estabelecida a divisão de tarefas, ainda que incipiente, com perpetração caracterizada pela vinculação com os poderes constituídos, ou por posição de mando de um agente sobre os demais (hierarquia), praticados através do uso da violência física ou psíquica, fraude, extorsão, com resultados que traduzem significante impacto junto à comunidade local ou regional, nacional ou internacional:    

I – os crimes de especial gravidade, ou seja, todos aqueles cominados com pena mínima em abstrato igual ou superior a quatro anos de reclusão; 

II - o constrangimento ilegal (art. 146, parágrafos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 2.848, de 31 de dezembro de 1940 – Código Penal); 

III - a ameaça  (art. 147 e o seqüestro  do art. 148, § 1º, itens I, II, III e IV, todos do Decreto-Lei nº 2.848/40 – Código Penal – e alterações posteriores); 

IV - o tráfico de pessoas (artigos 231 e 231-A do Decreto-Lei nº 2.848/40 – Código Penal – e alterações posteriores);  

V - os crimes contra a administração pública previstos no Título XI, Capítulos, I, II, III e IV do Decreto-Lei nº 2.848/40 – Código Penal, e alterações posteriores, independente de pena mínima;  

VI - os delitos tipificados nos artigos 237, 238, 239 e/ou parágrafo único, 241, 242, 243 e 244-A, § 1º, da Lei nº 8.069, de 16 de julho de 1990, e alterações posteriores, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, independente de pena mínima;  

VII - os crimes contra a ordem tributária previstos na Lei nº 8.137, de 28 de dezembro de 1990, independente de pena mínima;  

VIII - os delitos definidos pela Lei nº 8.666, de 22 de junho de 1993, e alterações posteriores, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências, independente de pena mínima;  

IX - os crimes definidos na Lei nº 9.434, de 05 de fevereiro de 1997, e alterações posteriores, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências, independente de pena mínima; e 

X - os crimes contra a fauna definidos nos artigos 33 e 35, os crimes contra a flora definidos nos artigos 38, 39, 40 e 41, caput , o crime de poluição definido no art. 54 e sua combinação com o parágrafo 2º, incisos I, II, III, IV e V, e o parágrafo terceiro, todos da Lei nº 9.605, de 13 de fevereiro de 1998, e alterações posteriores, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.   

Parágrafo único. Consideram-se ainda como crime organizado aqueles atos praticados por organizações criminosas, não se observando as características trazidas no caput deste artigo: 

I - referidos na Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado Transnacional, de 15 de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), conforme o item 2, a, da Recomendação nº 3, de 30 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Justiça; e 

II - conexos por relação teleológica ou conseqüencial aos previstos nos incisos do caput deste artigo, consideradas as condições estabelecidas nele e no inciso anterior.  

Art. 10. Também para os efeitos da competência estabelecida no artigo 1º, considera-se organização criminosa: 

I - o grupo de mais de duas pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas que possua uma hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial, que compreende a divisão do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e da intimidação, tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela, a imposição da lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção de território; e 

II - aquela estruturada de três ou mais pessoas, ainda que seus membros não tenham funções formalmente definidas, existente há certo tempo e agindo concertadamente com a finalidade de cometer os crimes referidos nos incisos do caput do art. 9º desta Lei, ou crimes enunciados na Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado Transnacional (v.g. Corrupção, Lavagem de Dinheiro, Obstrução à Justiça), com intenção de obter, direta ou indiretamente, benefício econômico, material ou político.  

Art. 11.  A 17 a Vara Criminal da Capital contará com um sistema de protocolo autônomo integrado ao Sistema de Automação do Judiciário (SAJ). 

§ 1º Os Inquéritos Policiais, representações e quaisquer feitos que versem sobre atividades de organizações criminosas (crime organizado) serão remetidos diretamente para a Secretaria da 17ª Vara Criminal da Capital, não se distribuindo mediante Protocolo Geral.  

§ 2º Toda e qualquer medida preparatória para investigação policial, ou medidas de urgência anteriores ou concomitantes à investigação prévia procedida pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, deverão ser encaminhadas ao Protocolo da 17 a Vara Criminal da Capital, desde que versem ou haja indicativos da existência de qualquer dos delitos e das condições reportadas nos artigos 9º e 10 desta Lei.   

§ 3º Depois de decidirem os casos urgentes, os magistrados titulares da Vara, entendendo que a matéria pertinente não se enquadra na competência definida nesta Lei, remeterão os autos para a Distribuição que os enviará ao juízo competente.  

Art. 12. Qualquer juiz poderá solicitar, nos casos em que esteja sendo ameaçado no desempenho de suas atividades jurisdicionais, o apoio da 17 a Vara Criminal da Capital, cujos membros assinarão, em conjunto com aquele, os atos processuais que possuam relação com a ameaça. 

Art. 13. Os Inquéritos Policiais e procedimentos prévios em andamento relativos à competência disposta nesta Lei, bem como seus apensos ou anexos, deverão ser redistribuídos à 17 a Vara Criminal da Capital.  

Parágrafo único.  A Corregedoria Geral de Justiça velará pela estrita obediência ao disposto no caput .  

Art. 14. As ações penais já em andamento não poderão, em nenhuma hipótese, ser redistribuídas.  

Art. 15.  Aos Juízes integrantes da 17 a Vara é devida a vantagem reportada no artigo 185, III, da Lei nº 6.564, de 05 de janeiro de 2005 – Código de Organização Judiciária do Estado de Alagoas. 

Art. 16. O Anexo I da Lei nº 6.797, de 10 de janeiro de 2007, passa a viger com o acréscimo de três novos cargos de Analista Judiciário.     

Art. 17. Na estrutura das Varas  Criminais da Capital (3 a Entrância), Anexo I da Lei nº 6.564/05,  fica acrescida a 17 a Vara Criminal com a competência atribuída por esta Lei.  

Art. 18. As despesas resultantes da execução desta Lei correrão por conta das dotações consignadas ao Poder Judiciário no Orçamento do Estado.  

Art. 19. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.  

PALÁCIO REPÚBLICA DOS PALMARES , em Maceió, 22 de março de 2007, 190º da Emancipação Política e 119 da República.

TEOTONIO VILELA FILHO Governador 

Este texto não substitui o publicado no DOE de 26.03.2007. )

De maneira inovadora, a Lei Alagoana estabeleceu em seu Art. 2º que a 17ª Vara Criminal da Capital não seria formada apenas por um magistrado, mas por cinco:

Art. 2º A 17ª Vara Criminal da Capital terá titularidade coletiva, sendo composta por cinco Juízes de Direito, todos indicados e nomeados pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, com aprovação do Pleno, para um período de dois (02) anos, podendo, a critério do Tribunal, ser renovado.  

Assim, o juízo de titularidade coletiva constituiu mais um mecanismo para garantir a integridade/segurança pessoal dos magistrados, objetivando o exercício independente da magistratura, servindo de instrumento de combate ao crime organizado, na medida em que diminui a carga psicológica que pesa sobre um magistrado incumbido do julgamento de tais crimes, permitindo a adoção de medidas mais efetivas.

Muitas das vezes, o juiz de Direito se sente pressionado, ameaçado, em perigo ao julgar processos que envolvem organizações criminosas, associações fortemente organizadas, com um poderio financeiro, cujos integrantes estão notabilizados pelos atos de violência empregados. Tudo isto, são fatores que podem influenciar um regular andamento judicial e viciar o processo.

A segurança do magistrados, do demais operadores do Direito, e seus familiares constitui aspecto relevante no Estado Democrático de Direito, portanto, posto que compõe a pedra de toque do funcionamento do Sistema Judiciário, ao lado da sua efetividade.

Sendo assim, ficou determinada a criação deste Juízo com vários magistrados atuando conjuntamente, com o estabelecimento de um colegiado em 1º grau, semelhante ao que ocorre nos Órgãos Colegiados de 2º Grau, em que a decisão é resultante de um conjunto de manifestação dos seus integrantes.

Art. 4º - Os cinco (05) Juízes da 17ª Vara Criminal da Capital, após deliberação prévia da maioria, decidirão em conjunto todos os atos judiciais de competência da Vara.

Parágrafo único. Os atos processuais urgentes, quer anteriores ou concomitantes à instrução prévia, quer os da instrução processual, poderão ser assinados por qualquer um dos juízes, e, os demais, por pelo menos três deles.  

Acontece que diante da resistência natural do ser humano ao novo, ou pelo conteúdo das inovações, a Lei Alagoana nº. 6.807/07 foi alvo de inúmeros questionamentos, chegando o caso a Corte Suprema do Brasil através da Ação Direta de Inconstitucionalidade tombada sob o nº. 4.414, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sob a alegação que a figura do colegiado constituía uma ofensa ao Princípio do Juiz Natural e acarretava a criação de um Tribunal de Exceção com a especialização de uma Vara.

Acontece que o Supremo Tribunal Federal, no que se refere a formação do colegiado, declarou que a Lei do Estado de Alagoas é constitucional, derrubando o mito da impossibilidade da existência do Juízo colegiado em 1º grau[9].

1.3. JUÍZO MONOCRÁTICO X JUÍZO COLEGIADO.

No estudo do campo da Jurisdição[10], os doutrinadores acharam por bem realizar divisões para racionalizar a prestação da Justiça. Uma das várias ramificações elaboradas consiste na divisão entre o que seja juízo monocrático e juízo colegiado.

Para Maria Helena Diniz (1998, p.13), juízo colegiado “é aquele em que a função de julgar se exerce conjuntamente, por três ou mais membros integrantes do Judiciário”, enquanto juízo monocrático (Id. Ibid. p, 16) é “o juízo singular ou de primeiro grau de jurisdição, no qual funciona um só juiz.”

O próprio significado das palavras já induz o que seja juízo monocrático e juízo colegiado. Mono de apenas um, no singular, e colegiado de coletivo, mais de um. Logicamente, deverá ser o número mínimo de três julgadores para que não haja empate.

Todavia, tal definição de juízo monocrático contém imprecisão e poderá conduzir a equívoco.

Ao comentar que juízo monocrático é “de primeiro grau de jurisdição” nos remete a falsa ideia de que todo juízo de primeiro grau deverá ser singular, aspecto central do questionamento realizado pela OAB ao ajuizar a Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei Alagoana.

De bem verdade, o primeiro grau de jurisdição é composto quase que exclusivamente por juízos monocráticos, porém a regra não é absoluta. Temos a Justiça Militar, a qual, em seu primeiro grau de jurisdição, é composta por um juiz de Direito e por oficiais das Forças Armadas ou das Forças Auxiliares – a Polícia Militar, um nítido exemplo de juízo colegiado no primeiro grau. As turmas recursais, nada mais são do que um juízo colegiado composto por magistrados de 1º grau de jurisdição. O tribunal do júri, em que há um juiz de direito presidindo os trabalhos, mas quem realmente julga são os sete juízes de fato – o Conselho de Sentença, a população julgando os seus pares.

Não fosse somente isto, não há nenhum regramento no Ordenamento Jurídico que proíba a formação de um juízo colegiado no primeiro grau de jurisdição ou que prescreva sua composição monocrática.

Todavia, no Sistema Constitucional Brasileiro, a instituição de juízo colegiado no primeiro grau de jurisdição constitui não apenas aspecto de procedimento e de organização judiciária inerente à União, que também legisla para o Distrito Federal, e a cada Estado da Federação, mas, principalmente, matéria de ordem processual.

1.4. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTRUTURA JUDICIÁRIA DO BRASIL.

Disciplinado nos Arts. 92 a 126 da Constituição Federal, a estrutura Judiciária do Brasil pode ser comparada a de uma escala, cujo ápice está o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do Poder Judiciário, guardião da Constituição Federal e responsável por analisar questões de cunho constitucional.

Abaixo do STF estão os Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar) e juntamente com o STF podem ser considerados órgãos de convergência. Isto porque:

“cada uma das Justiças especiais da União (Trabalhista, Eleitoral e Militar, acrescente-se), tem por cúpula o seu próprio Tribunal Superior, que é o responsável pela última decisão nas causas de competência dessa Justiça – ressalvado o controle de constitucionalidade a quem cabe ao Supremo Tribunal Federal. Quanto às causas processadas na Justiça Federal ou nas locais, em matéria infraconstitucional a convergência conduz ao Superior Tribunal de Justiça, que é um dos Tribunais Superiores da União embora não integre justiça alguma; em matéria constitucional, convergem diretamente ao Supremo Tribunal Federal. Todos os Tribunais Superiores convergem unicamente ao Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo da Justiça brasileira e responsável final pelo controle de constitucionalidade das leis, atos normativos e decisões judiciais” (DINAMARCO apud LENZA, 2010, p. 576)

Abaixo dos Tribunais Superiores, estão os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e os Tribunais Regionais Federais, os quais são compostos pelos desembargadores e os julgamentos realizados por colegiado. Também chamados de Juízo de 2º grau, sendo que uma de suas funções é revisar os atos, as decisões dos juízes de primeiro grau.

Por fim, na base da escala, há a figura do Juiz, Órgão ou Unidade indivisível, e via de regra, responsável pelo contato inicial com uma demanda judicial.

Dentre os órgãos acima mencionados, como uma maneira de facilitar a atividade jurisdicional, cada um possui o seu campo de atuação, seja delimitado por uma competência material, seja por uma territorial.

As Justiças Federal, do Trabalho, Militar e Eleitoral, além dos Juizados Especiais Federais[11]atuam somente no âmbito federal, enquanto os Tribunais de Justiça dos 26 Estados brasileiro, mais o Distrito Federal, bem como os Juizados Especiais Estaduais[12] possuem atividade jurisdicional de âmbito estadual ou distrital.

Referente ao assunto com que cada um trata, os juízos especiais se distinguem dos comuns por tratarem de matérias específicas. Por exemplo, a Justiça do Trabalho é um juízo especial por somente tratar das demandas judiciais que envolvam relações de emprego. Assim como a Justiça do Trabalho, a Militar e a Eleitoral também podem ser considerados juízos especiais. Por exclusão, os juízos comuns, os Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e os juízes de Direito ficam com aqueles residuais, não afetos a outros Órgãos Judiciários, responsáveis pela maioria das demandas judiciais em nosso País.

A instituição de juízo colegiado de primeiro grau nasceu com um duplo objetivo: instrumento para a proteção pessoal dos magistrado e ao mesmo tempo instrumento para o enfrentamento da criminalidade organizada em suas múltiplas facetas.

1.5. ENFRENTAMENTO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA ATRAVÉS DA CRIAÇÃO DO JUÍZO COLEGIADO CRIMINAL DE 1ª GRAU.

Na Itália, um Estado tradicional na defesa dos direitos individuais, “foi instituída a figura dos ‘Juízes sem Rosto’, prevista no Código Anti-Máfia Italiano”(FUX,2012), em  que, segundo GOMES (2012), o “Juiz sem rosto é o juiz cujo nome não é divulgado, cujo rosto não é conhecido, cuja formação técnica é ignorada. Do juiz sem rosto nada se sabe, salvo que dizem que é juiz” Ressalte-se que um dos motivos para o surgimento desta figura consiste justamente na proteção pessoal aos magistrados, assim como almeja a Lei nº. 12.694/2012 com a formação do colegiado, em razão da série de atentados sofridos por eles, “como as figuras de Giovanni Falcone e Paolo Borsalino, assassinados pela Cosa Nostra há mais de 20 anos”(FUX, 2012).

Esta experiência não ficou restrita à Itália e outros países passaram a adotar este sistema. “Sabe-se que o 'juiz sem rosto' se instalou efetivamente na Colômbia e no Peru, recentemente, por meio do Decreto nº 2.700 de 1991 e do Decreto-Lei nº 25.475 de 1992 – respectivamente –.4” (SILVA apud DA ROSA, CONOLLY, 2013, p. 06).

Com a publicação da Lei nº. 12.694/2012, o Brasil deu um passo muito importante para o combate ao crime organizado, se não o mais importante. A Lei brasileira também partiu da necessidade de conferir proteção pessoal aos magistrados e aos seus familiares. Como consequência desta medida, buscou-se um mecanismo para melhor desenvolvimento da atividade jurisdicional, objetivando uma resposta estatal mais eficaz contra as organizações criminosas.

No entanto, diferentemente das citadas leis estrangeiras, em que o julgador não é identificado, o novo modelo de enfrentamento das organizações criminosasdo pelo Poder Judiciário ocorrerá doravante através da formação do colegiado criminal de 1º grau, conforme autorizado pela Lei nº. 12.694/2012. Mas será um modelo em tese pautado na observância dos princípios e dos valores do ordenamento jurídico brasileiro? No qual estejam respeitados direitos e garantias fundamentais? Pois, afinal de contas, embora venha atuar uma pluralidade de julgadores, todos devidamente identificados, é importante perquirir o respeito por outros aspectos processuais inerentes à atividade jurisdicional e principalmente pelo respeito à defesa do réu.


2. O JUÍZO COLEGIADO CRIMINAL TOGADO DE 1º GRAU

A instituição do Juízo Colegiado Criminal Togado de 1º grau constitui uma inovação bastante peculiar introduzida pelo Legislador Processual. É preciso aferir sua compatibilidade com o Ordenamento Constitucional, repleto de diversos princípios processuais cuja finalidade é informar e garantir os chamados direitos fundamentais presentes na nossa Carta Magna.

E aqui cabe salientar a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais:

Como salientado, a contemporaneidade dos direitos humanos é marcada justamente por sua positivação internacional, o que possibilita a conversão, em obrigações jurídicas, de pretensões e interesses fundados na formulação jusnatural da dignidade humana. (…)

Mesmo assim necessária a menção à já tradicional distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, de que faz exemplo a lição de Oscar Vilhena Vieira, para quem a estes designam “o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente reconhecidos por uma ordem constitucional.

A respeito, professa Fábio Konder Comparato, ao tratar da obrigatoriedade dos  direitos fundamentais: “É aí que se põe a distinção, elaborada pela doutrina jurídica germânica, entre direitos humanos e direitos fundamentais (Grundrechte). Estes últimos são os direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional: são os direitos humanos positivados nas Constituições, nas lei, nos tratados internacionais.

Daí por que muitos autores – e mesmo a Constituição Federal de 1988 – empregam “direitos fundamentais” em lugar de “direitos humanos”, sendo certo que ambas as denominações, embora referentes a um conjunto de direitos com conteúdos semelhantes, designam universos distintos. (WEIS, 2010, p. 23-24)

2.1 EXAME DA LEI Nº. 12.694/2012

A partir do momento em que a nova Lei nº. 12.694/2012 confere a possibilidade de formação de um colegiado criminal para os casos de crimes cometidos por organizações criminosas e o próprio delito que o caracteriza, dá-se um passo importante para repressão das suas atividades ilícitas. Um passo que não é a solução para todos os problemas, mas é um meio que, se bem trabalhado, poderá produzir resultados proveitosos.

Como bem lembram TÁVORA e ALENCAR (2013, p. 269):

“providência similar já era adotada no âmbito do Ministério Público. Por ato do Procurador Geral de Justiça, eram designados outros membros para atuarem em conjunto em casos específicos, subscrevendo atos de atribuição ministerial, a exemplo de denúncias contra pessoas acusadas de delitos de maior gravidade ou em face da qualidade do agente, com o mesmo objetivo de tornar impessoal a atuação do Estado.”

A instituição do Juízo do Colegiado Criminal de 1º grau tem sua origem vinculada à proteção dos Magistrados. A pluralidade de juízes faz diminuir os riscos de retaliação em face de decisões que venham afetar réus com manifesto poder econômico, político ou social.

Ademais, os Códigos Penal e Processual Penal permaneceram por longo período sem atualização e desprovidos de instrumentos eficientes para repressão da criminalidade organizada, que evoluiu, diversificou e sofisticou o seu modus operandi.

Como bem assevera:

“já não são suficientes somente os métodos de investigação previstos no Código de Processo Penal de 1942 e, até que não seja revisto, mister a edição de leis especiais que possam suplementar as suas lacunas” (MENDRONI, 2012, p.7)

Mesmo que originada a partir da preocupação em garantir a incolumidade física dos magistrados, a Lei nº. 12.694/2012 trouxe importantes mudanças no âmbito penal e processual penal, cabendo transcrevê-la na íntegra, com destaque dos aspectos principais: 

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

III - sentença;

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;

V - concessão de liberdade condicional;

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

§ 1o O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.

§ 2o O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.

§ 3o A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado.

§ 4o As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

§ 5o A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.

§ 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

§ 7o Os tribunais, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados para o seu funcionamento.

Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Art. 3o Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:

I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais;

II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes;

III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.

Art. 4o O art. 91 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o e 2o:

“Art. 91. ........................................................................

§ 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.

§ 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.” (NR)

Art. 5o O Decreto-Lei no  3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 144-A:

“Art. 144-A. O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.

§ 1o O leilão far-se-á preferencialmente por meio eletrônico.

§ 2o Os bens deverão ser vendidos pelo valor fixado na avaliação judicial ou por valor maior. Não alcançado o valor estipulado pela administração judicial, será realizado novo leilão, em até 10 (dez) dias contados da realização do primeiro, podendo os bens ser alienados por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do estipulado na avaliação judicial.

§ 3o O produto da alienação ficará depositado em conta vinculada ao juízo até a decisão final do processo, procedendo-se à sua conversão em renda para a União, Estado ou Distrito Federal, no caso de condenação, ou, no caso de absolvição, à sua devolução ao acusado.

§ 4o Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de pagamento, o juízo determinará a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial.

§ 5o No caso da alienação de veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário.

§ 6o O valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do dia, provada por certidão ou publicação no órgão oficial.

§ 7o (VETADO).”

Art. 6o O art. 115 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar acrescido do seguinte § 7o:

“Art. 115. .....................................................................

..............................................................................................

§ 7º Excepcionalmente, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos, na forma de regulamento a ser emitido, conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e pelo Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN.” (NR)

Art. 7o O art. 6o da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XI:

“Art. 6o .........................................................................

..............................................................................................

XI- os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. ......................................................................................” (NR)

Art. 8o A Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7o-A:

“Art. 7º-A. As armas de fogo utilizadas pelos servidores das instituições descritas no inciso XI do art. 6o serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em serviço, devendo estas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em nome da instituição.

§ 1o A autorização para o porte de arma de fogo de que trata este artigo independe do pagamento de taxa.

§ 2o O presidente do tribunal ou o chefe do Ministério Público designará os servidores de seus quadros pessoais no exercício de funções de segurança que poderão portar arma de fogo, respeitado o limite máximo de 50% (cinquenta por cento) do número de servidores que exerçam funções de segurança.

§ 3o O porte de arma pelos servidores das instituições de que trata este artigo fica condicionado à apresentação de documentação comprobatória do preenchimento dos requisitos constantes do art. 4o desta Lei, bem como à formação funcional em estabelecimentos de ensino de atividade policial e à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei.

§ 4o A listagem dos servidores das instituições de que trata este artigo deverá ser atualizada semestralmente no Sinarm.

§ 5o As instituições de que trata este artigo são obrigadas a registrar ocorrência policial e a comunicar à Polícia Federal eventual perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de armas de fogo, acessórios e munições que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de ocorrido o fato.”

Art. 9o Diante de situação de risco, decorrente do exercício da função, das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público e de seus familiares, o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal.

§ 1o A proteção pessoal será prestada de acordo com a avaliação realizada pela polícia judiciária e após a comunicação à autoridade judicial ou ao membro do Ministério Público, conforme o caso:

I - pela própria polícia judiciária;

II - pelos órgãos de segurança institucional;

III - por outras forças policiais;

IV - de forma conjunta pelos citados nos incisos I, II e III.

§ 2o Será prestada proteção pessoal imediata nos casos urgentes, sem prejuízo da adequação da medida, segundo a avaliação a que se referem o caput e o § 1o deste artigo.

§ 3o A prestação de proteção pessoal será comunicada ao Conselho Nacional de Justiça ou ao Conselho Nacional do Ministério Público, conforme o caso.

§ 4o Verificado o descumprimento dos procedimentos de segurança definidos pela polícia judiciária, esta encaminhará relatório ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ ou ao Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP.

Art. 10. Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.

Brasília, 24 de julho de 2012; 191o da Independência e 124o da República.

(grifo nosso)

Pela primeira vez, no âmbito penal, o ordenamento pátrio introduziu uma definição acerca de organização, de forma que tornou dispensável recorrer a fontes normativas externas, tratados internacionais, para tal definição. No campo processual, sem dúvidas, a mudança mais importante consiste na possibilidade de o magistrado deliberar pela formação de um juízo colegiado criminal e materializar sua atuação. Situação importante, porém não inédita, uma vez que a Lei Alagoana já havia previsto a formação do colegiado, consoante noticiado no tópico 2.2.2 desta obra.

A faculdade não é somente estendida à fase de conhecimento do processo, mas também, durante a fase policial, para os casos em que é prevista a cláusula ou princípio de reserva de jurisdição[13], ou seja nas hipóteses em que a atividade de investigação fica condicionada à preservação e desbloqueio em face de direitos e garantias fundamentais, por exemplo, para um pedido de interceptação telefônica, decretação de prisão temporária, e na fase de execução da pena, progressão ou regime da pena.

A recente Lei Federal nº 12.694/2012 autorizou o magistrado decidir conjuntamente com os seus pares como será instrumentalizada a composição do colegiado, estabelecendo critérios impessoais e objetivos para a escolha dos juízes, para fins de assegurar a observância do Princípio do Juiz Natural.

Outro importante aspecto, de cunho processual, constou do art. 5º da Lei mencionada, a qual modificou o Código de Processo Penal e acrescentou o art. 144-A, para tratar da alienação antecipada de bens das organizações criminosas, da decretação da perda do produto ou do proveito do crime quando estes não forem encontrados ou se localizarem no exterior, além de medidas de segurança aos Magistrados e Membros do Ministério Público.

Em que pese o importante passo dado no efetivo combate a criminalidade organizada, somente a criação de uma lei conceituando o que seja organização criminosa e determinando certas medidas não significará a solução de todos os problemas. É preciso, antes de mais nada, treinar os serventuários do Poder Judiciário, equipar e manter uma rede interligada de informações entre as forças de repressão e combate ao crime organizado, não reduzir os esforços contra as organizações criminosas a mera atividade legislativa.

2.1.1 Conceito de Organizações Criminosas

Conforme visto em capítulo anterior, o legislador brasileiro demorou muito a se preocupar com o fenômeno da organização criminosa e os seus reflexos negativos na sociedade. Para a punição dos atos realizados pelas organizações criminosas:

“em suma, igualou crime organizado com o delito de quadrilha ou bando, solução inaceitável, pois os dados necessários para a caracterização de uma organização criminosa não se esgotam nos elementos que tipificam a quadrilha ou bando. Salientou Luiz Flávio Gomes que o legislador deu ao crime organizado 'o mínimo, que é o de quadrilha ou bando, e deixou por conta do intérprete a tarefa de fixar os restantes contornos da organização criminosa'”. (FERNANDES, 2009, p. 14) (grifo nosso)

Solução inaceitável por se tratar de medida irracional quando se utiliza os mesmos patamares de fixação de pena para membros do crime organizado, muito mais sofisticado e responsável por atividades mais danosas para a sociedade, e agentes que se reúnam eventualmente para o cometimento de crimes de menor ofensividade aos bens jurídicos de que os praticados pelas organizações criminosas.

Após tentativas frustradas de conceituação de crime organizado por meio das Leis nºs. 9.034/95 e 10.217/2001, a solução encontrada pelo ordenamento jurídico brasileiro foi a conceituação estabelecida pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo.

Ratificada no Brasil através do Decreto Legislativo nº. 231/2003 e inserida em nosso sistema jurídico por mediante o Decreto nº. 5.015/2004, a Convenção de Palermo trouxe em seu art. 2º a definição de organização criminosa como:

Art. 2º – “Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) Grupo criminoso organizado - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.”

Ocorre, mesmo que ratificada por Decreto Legislativo, uma parte respeitável da doutrina entendia a não aplicação do conceito de crime organizado da Convenção de Palermo em decorrência da impossibilidade de Decreto Legislativo instituir crime.

Com relação a Convenção de Palermo, é importante considerar o posicionamento de alguns autores no sentindo da sua impossibilidade para definir crimes e penas no direito interno, pois como tratado internacional centrípeto (relações no plano interno ou regional) exigiria lei discutida e aprovada pelo nosso parlamento; a mencionada convenção trataria apenas da criminalidade organizada internacional, não detendo o ius puniendi para estabelecer tipos penais e sanções no Direito Penal brasileiro. Ademais, no Estado Democrático de Direito, a legalidade penal exigiria um prévio debate parlamentar e não apenas um referendo de um texto internacional. Assim, não poderia ter validade o crime e a pena não discutidos e estabelecidos pelo nosso parlamento, apenas referendado pela Convenção, sem qualquer debate ou possibilidade de alteração do seu conteúdo. (LEVORIN, 2009, p. 34)

Deixando o tema ainda mais tormentoso, a jurisprudência pátria não firmou um entendimento pacífico acerca da aceitação ou não do conceito de crime organizado trazido pela Convenção de Palermo, horas decidindo contra, horas decidindo a favor, nestes termos:

“Identificação de uma Organização Criminosa, nos moldes do Art. 1º da Lei n. 9.034/95, com redação dada pela Lei n. 10.217/01, com a tipificação do Art. 288 do CP e Decreto Legislativo 231/03, que ratificou a Convenção de Palermo” (STJ, Rel. Min. Eliana Calmom, Ap. 460-RO, j. 6-6-2007, Corte Especial).

“Capitulação da conduta do inc. VII do art. 1º da Lei n. 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito de configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1º da Lei n. 9.034/95, com redação dada pela Lei n. 10.217/2001, c.c. Decreto Legislativo n. 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. (STJ, HC 777771, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 30-5-2008).

PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DEFINIDO NA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL (CONVENÇÃO DE PALERMO). DECRETO LEGISLATIVO Nº 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. INÉPCIA DA DENÚNCIA.

1. O conceito jurídico da expressão organização criminosa ficou estabelecida em nosso ordenamento jurídico com o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo). Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 2. Nos termos do art. 2, "a", da referida Convenção, o conceito de organização criminosa ficou definido como sendo o "grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material". (STJ. HC 138.058-RJ. Rel. Min. Haroldo Rodrigues [Desembargador convocado do TJ-CE], 6ª Turma julgado em 22/3/2011, Dje 23/5/2011)(grifo nosso)

E ainda:

EMENTA

HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ELEVADA QUANTIDADE DE COCAÍNA. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06.

1. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente seja primário, portador de bons antecedentes, não integre organização criminosa nem se dedique a tais atividades.

2. A sentença afastou a incidência da benesse pretendida sob o fundamento de que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciaram o envolvimento do paciente em organização criminosa.

3. A elevada quantidade de droga apreendida, a saber, quase um quilo de cocaína, distribuída em 83 cápsulas, ingeridas pelo paciente, o qual estava prestes a embarcar para a Holanda, é circunstância que impede o reconhecimento da modalidade privilegiada do crime.

4. De se ver, que a mens legis da causa de diminuição de pena seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa da vivenciada nos autos, dada a apreensão de expressiva quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo.

5. Ordem denegada.

 (STJ. HABEAS CORPUS Nº 189.979 - SP (2010/0206492-4). Rel. Min. OG FERNANDES, 6ª Turma, unânime, julgado em 03/02/2011,  DJe: 21/02/2011)

No julgamento do Habeas Corpus (HC) nº. 96.007, o Min. Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal afirmou que:

“não é demasia salientar que, mesmo versasse a Convenção as balizas referentes à pena, não se poderia, repito, sem lei em sentindo formal e material como exigido pela Constituição Federal, cogitar-se a tipologia a ser observada no Brasil. A introdução da Convenção ocorreu por meio de simples decreto!”

Seguindo esta linha de raciocínio, comentou Luiz Flávio Gomes (GOMES apud LEVORIN, 2009, p. 35) que “a definição de crime organizado contida na Convenção de Palermo é muito ampla, genérica, e viola a garantia da taxatividade (ou de certeza), que é uma das garantias emanadas do princípio da legalidade.”

Portanto, para os que defendiam a tese da não aceitação do conceito de crime organizado trazido pela Convenção de Palermo, alegavam que decreto legislativo não poderia estabelecer tipo penal, a isto apenas caberia a lei em sentido formal e material como implica o Princípio da Legalidade.

Esta discordância entre os julgadores e os doutrinadores causava uma insegurança jurídica, pois ao não se saber se determinada conduta estava ou não tipificada pelo ordenamento pátrio, julgamentos/decisões diferentes poderiam ser tomadas para casos similares, dependendo unicamente da convicção e corrente de entendimento a ser seguida pelo julgador do caso concreto, incertezas que acarretam uma grave ofensa a direitos e garantias individuas, especialmente quando se lida com a liberdade do indivíduo.

Colocando fim neste celeuma, a Lei nº. 12.694/2012 finalmente trouxe o conceito de crime organizado no Direito brasileiro e o definiu em seu art. 2º do seguinte modo:

Art. 2º  Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. 

Posteriormente, com a edição da Lei Federal nº 12.850/2013, o elemento normativo  objetivo sofreu restrição:

Art. 1o. Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1o. Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Mais uma vez o legislador optou pela edição de norma de caráter interpretativo, deixando de tipificar o delito de organização criminosa. E assim, inevitavelmente, surgiram dúvidas quanto a aplicação do conceito de organização criminosa trazido pelas Leis nºs. 12.694/2012 e 12.850/2013, e o novo tipo penal “Associação Criminosa”, continuidade normativa típica de “Quadrilha ou Bando”, previstos na nova redação do art. 288 do Código Penal, conferida pelo primeiro diploma legal.

Além da superveniente diferença referente ao número de integrantes mínimos, inicialmente 3 (três) ou mais pessoas, e depois, 4 (quatro) ou mais pessoas, é possível observar outras características que servem para distinguir o conceito de organização criminosa e associação.         

O primeiro deles, e possivelmente o mais difícil de verificar na prática, é que organização criminosa possui uma estrutura organizada, divisão de tarefas entre os integrantes, enquanto na associação isto não se verifica, evidenciada pela simples reunião de pessoas. Como visto no tópico 2.1 da presente obra, não é em vão que os grupos são conhecidos como organizados, já que, de tão bem estruturados, uma organização empresarial é verificada. Tal característica não poderia passar despercebida pelo legislador. Diferente da “associação criminosa (art. 288 do CP) que é menos sofisticada, bastando três pessoas, não exigindo estrutura ordenada, nem divisão de tarefas, como também prescinde de um líder” (COUTINHO FILHO, 2013).  Nesta esteira, exemplifica MENDRONI (2012, p. 11):

“quatro pessoas se reúnem e combinam assaltar bancos. Acertam dia, local e horário em que se encontrarão para o assalto. Decidem funções de vigilância e execução entre eles e parte. Executam o crime em agência bancária eleita às vésperas. Repetem a operação em dias quaisquer subsequentes. Formaram bando ou quadrilha. Se, ao contrário, as pessoas reunidas planejam – de forma organizada – os assaltos, buscando informações privilegiadas preliminares – como mais dinheiro em caixa, a sua localização na agência, a estrutura da vigilância e dos alarmes, planejar rotas de fuga, infiltrar agentes de segurança, neutralizar as câmeras filmadoras internas etc. - esse grupo poderá ser caracterizado como uma organização criminosa voltada para a prática de roubos a bancos. Enquanto na primeira inexiste prévia organização para a prática, e os integrantes executam as suas ações de forma improvisada ou desorganizada, na segunda sempre haverá mínima atividade organizacional prévia de forma a tornar os resultados mais seguros. (grifo nosso)

Outra diferença marcante entre as duas espécies é que os membros de uma organização criminosa se reúnem com a finalidade de obter vantagens de qualquer tipo, seja ela de cunho patrimonial ou não. “Assim, pela definição legal, a organização criminosa pode ter outras finalidades que não apenas econômicas, como por exemplo, sexuais, segregacionistas, religiosas, políticas, entre outras.” (CAVALCANTE, 2012). Isto é, a vantagem pode ser indireta das condutas ilícitas. Já as ações dos membros de uma associação são caracterizadas unicamente pelo cometimento de crimes, pouco importando se houve ou não algum tipo de vantagem. A finalidade é cometer crimes, como nos mostra GRECO (2011, p. 810): “ Para a configuração do crime do art. 288 do Código Penal não se exige a efetiva prática dos crimes de quadrilha. O elemento subjetivo do tipo é a associação 'para o fim de cometer crimes' [...]”

Outra diferença, esta de caráter objetivo, consiste no número de crimes passíveis a serem praticados pela organização criminosa e pela associação. Por definição legal, somente para a prática dos crimes com pena máxima igual ou superior a quatro anos poderá se aplicar o conceito de organização criminosa ou para aqueles crimes cometidos de caráter transnacional, ou seja, aqueles que se iniciem ou que terminem em outro País. Referente aos crimes praticados por associações criminosas, não há esta distinção, todo e qualquer crime previsto no ordenamento nacional é passível de enquadramento no tipo penal das associações criminosas.

Percebe-se que o legislador, ao disciplinar o tema organização criminosa, procurou utilizar conceito de modo a evitar a banalização a ponto de que qualquer delito praticado através do concurso de agentes pudesse ser enquadrado como uma atividade de organização criminosa.[14] 

Antes de tudo, vale ressaltar, que é algo de extrema dificuldade conceituar o que vem a ser crime organizado, não existindo uma definição que possa ser considerada certa ou errada e passível de ser empregada em todas as legislações. Muito desta dificuldade é decorrente da facilidade de adaptação dos grupos organizados para manterem sua estrutura operacional com capacidade para empregar em atividades lícitas o produto auferido com a prática delitiva com o objetivo de gerar mais riquezas e poder para seus membros, além do espaço geográfico em que se desenvolveram.

Sendo assim, se por um lado a Lei nº. 12.694/2012 e a Lei nº 12.850/2013 restringiram os contornos da definição de crimes organizado, ao ressaltar os traços de uma atividade estruturadamente, por outro lado, andou por bem em não querer elencar expressamente quais os tipos de crimes praticados por tais organizações. As organizações criminosas evoluíram ao longo do tempo, alcançaram novos métodos para a prática das suas atividades ilícitas e a seletividade quanto aos crimes por elas praticadas, poderiam engessar o Estado de Direito no seu combate e repressão. 

Outra vez, concluindo com os ensinamentos de MENDRONI (2012, p.19):

“Na verdade, não se pode definir com absoluta exatidão o que seja organização criminosa através de conceitos estritos ou mesmo de exemplos de condutas criminosas, como sugerido. Isso porque não se pode engessar este conceito, restringindo-o esta ou àquela infração penal, pois elas, as organizações criminosas, detêm incrível poder de variante. Elas podem alternar as suas atividades criminosas, buscando aquela atividade que se torne mais lucrativa, para tentar escapar da persecução criminal ou para acompanhar a evolução mundial tecnológica e com tal rapidez, que, quando o legislador pretender alterar a Lei para amoldá-la a realidade – aos anseios da sociedade -, já estará alguns anos em atraso. E assim ocorrerá sucessivamente. Daí resultou uma definição em tipo aberto na Lei nº. 12.694/2012, para que a situação jurídica seja submetida ao crivo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que deverão interpretá-la a ponto de decidirem sobre a sua configuração.”

2.2. ESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA E PROCEDIMENTAL DO JUÍZO COLEGIADO CRIMINAL TOGADO DE 1º GRAU

Além da importante inovação ao permitir a formação do juízo colegiado de 1º grau nos crimes praticados por organizações criminosas, a Lei nº. 12.694/2012 se preocupou também em  disciplinar como deverá ser a estruturação orgânica e procedimental destes juízos, não deixando a cargo dos Estados e dos seus respectivos Tribunais de Justiça estabelecer como deveria ser esta implementação.

Logo em seu art. 1º e incisos, a nova lei menciona alguns atos processuais em que será permito ao magistrado instaurar o colegiado, vejamos:

Art. 1o Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

III - sentença;

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;

V - concessão de liberdade condicional;

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

Os incisos do art. 1º elencam algumas hipóteses permissivas dos atos jurisdicionais de competência do Órgão Colegiado. No entanto, não se trata de um rol taxativo, ou seja, outros atos não elencados no artigo também poderão ser passíveis de atuação do colegiado. Tal conclusão pode ser retirada da própria letra de lei ao informar que “o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente”, embora forneça exemplos daqueles mais relevantes, segundo a conclusão defendida pelo juiz federal Márcio André Lopes Cavalcante:

“O colegiado de juízes poderá ser instaurado em qualquer tipo de processo ou procedimento relacionado com crimes praticados por organizações criminosas, seja antes, durante, ou mesmo depois da ação penal.

Em outras palavras, o colegiado pode ser instaurado antes de proposta a denúncia, durante a ação penal ou mesmo na fase de execução.

Exemplo de instauração antes da ação penal: colegiado para que seja decidido um pedido de interceptação telefônica requerido no bojo do inquérito policial.

Exemplo de instauração durante a ação penal: colegiado para a prolação da sentença.

Exemplo de instauração após a ação penal: colegiado para decidir quanto à regressão de regime prisional.

O colegiado pode ser instaurado para atuar no processo principal (ação penal) ou em processo incidente (ex: decidir incidente de falsidade). (CAVALCANTE, 2012, p. 02)

No art. 1º, §1º, estão os motivos ensejadores ao magistrado instaurar o órgão colegiado:

Art. 1º, § 1o O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.

Para que o colegiado seja instaurado, será necessário que o magistrado invoque e demonstre as circunstâncias ou motivos reais de risco a sua integridade física, que pode ser estendida aos seus familiares. Respeitando o Princípio das Decisões Motivadas, insculpida no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal[15], obriga o juiz de 1º grau a fundamentar a sua decisão de formar o juízo colegiado.

Apesar da Lei exigir que a decisão de instauração seja fundamentada, não se pode impor ao magistrado que apresente fatos cabais ou efetivas provas de que há risco à sua integridade física, considerando que ainda não se está julgando os agentes envolvidos na suposta organização criminosa.

Ex: se o processo refere-se a um grupo de extermínio acusado da prática de vários homicídios, inclusive de autoridades, ainda que não tenha havido uma ameaça real à integridade física do magistrado, este, diante das circunstâncias que envolvem tais investigados/acusados, poderá concluir que há risco pessoal na condução singular do processo e, então, decidir pela instauração do colegiado. (CAVALCANTE, 2012)

Continua no §2º, art. 1º que:

O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.

Quanto a este dispositivo, registre-se a utilização de critérios objetivos, impessoais e apriorísticos estabelecidos pela Lei, respeitando o Princípio do Juiz Natural, ao informar que os outros juízes serão escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau. Logo, não é necessário que o magistrado seja da mesma comarca, podendo ser de circunscrição diversa, como uma forma de viabilizar a formação do colegiado. Limitar ao sorteio magistrados da mesma comarca, inviabilizaria a própria Lei, já que na maioria das comarcas pelos rincões do Brasil, não há 03 (três) juízes atuando. Como veremos adiante no tópico 4.1 deste trabalho acadêmico, ao examinarmos a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.414, de relatoria do Min. Luiz Fux, o leading case que emergiu da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.414, de relatoria do Min. Luiz Fux, que examinou a Lei Alagoana nº. 6.806/2007), estava prevista a convocação de juízes por critérios meramente pessoais para compor o órgão colegiado, pois quem escolhia os magistrados a se juntarem ao juiz da causa e formarem o Colegiado era o Presidente do Tribunal de Justiça Alagoano, motivo pelo qual, neste ponto, a referida lei estadual foi considerada inconstitucional:

O princípio do Juiz natural obsta qualquer escolha do juiz ou colegiado a que as causas são confiadas, de modo a se afastar o perigo de prejudiciais condicionamentos dos processos através da designação hierárquica dos magistrados competentes para apreciá-los (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: RT, 2006. p. 545), devendo-se condicionar a nomeação do juiz substituto, nos casos de afastamento do titular, por designação do Presidente do Tribunal de Justiça, à observância de critérios impessoais, objetivos e apriorísticos. Doutrina (LLOBREGAT, José Garberí. Constitución y Derecho Procesal ? Los fundamentos constitucionales del Derecho Procesal. Navarra: Civitas/Thomson Reuters, 2009. p. 65-66). (FUX, 2011)

Justamente para viabilizar a formação do colegiado, permite no art. 1º, §5º, a audiência via eletrônica, cabendo aos Tribunais de Justiça regulamentar como estas reuniões /sessões deverão ser feitas, art. 1º, §7º.

Diferente da Lei Nacional em estudo, a Lei nº 6.806/2007 de Alagoas previa um colegiado composto por 05 (cinco) juízes, os quais estes seriam escolhidos por ato do Presidente do Tribunal de Justiça do respectivo Estado entre todos os magistrados de piso, independente de estarem exercendo ou não a competência criminal. O ato discricionário de escolher quais os magistrados deveriam compor o colegiado por meio de critérios subjetivos, inclusive com repercussão financeira para os escolhidos[16][17], configura uma grave violação ao Princípio da Impessoalidade, que serve de orientação para a Administração Pública.

Outro importante ponto de estruturação orgânica e procedimental do Juízo Colegiado Criminal Togado de 1º Grau está disposto no art. 1º, §3º, que limita o colegiado à prática de ato determinado, não podendo a sua formação se estender para ato que não foi previsto em decisão, senão vejamos: Art. 1º, §3º - A Competência do colegiado limita-se para o ato ao qual foi convocado.

Como comentado no caput do art. 1º e incisos, o juiz terá discricionariedade para decidir em quais atos decidirá pela formação do colegiado, sendo aconselhado a instaurá-lo quando do acontecimento de determinados acontecimentos processuais. Todavia, esta faculdade conferida ao julgador da causa deverá ser mantida somente para aquele ato em que ele decidiu pela formação do colegiado criminal. Por exemplo, caso o juiz decida por instaurar o colegiado para analisar um pedido de uma prisão preventiva, o colegiado não poderá ser mantido até a prolação da sentença. Por ventura, no caso hipotético, o magistrado achar por bem julgar o processo criminal em colegiado, ele deverá, novamente, fundamentar a sua decisão a partir de motivos e circunstâncias reais e não simplesmente manter o colegiado desde a decisão que decreta ou não a prisão preventiva até o julgamento da causa.

Desse modo, na decisão do magistrado que determinar a instauração deverá ser mencionado expressamente o(s) ato(s) para o(s) qual(is) o colegiado foi convocado. Importante esclarecer que a lei não determina que o colegiado seja instaurado para a prática de apenas um ato processual. Assim, é possível que o colegiado seja convocado para a prática de uma série de atos referentes a um único processo. (CAVALCANTE, 2012)

Um dos pontos mais questionáveis da Lei nº. 12.694/2012 está estampado no art. 1º, §§ 4º e 6º, em que dispõe sobre a limitação da publicidade dos atos processuais, senão vejamos:

§ 4o As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

§ 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

As normas tiveram por objetivo garantir a efetividade da Lei na repressão ao crime organizado. A Lei nº. 12.694/2012 foi criada com o objetivo principal de proteger os magistrados e por consequência representar nova forma de combate ao crime organizado. Sendo a publicidade um fator de risco para integridade física do magistrado, existirá um desvio na finalidade da Lei, afinal de contas, na prática o magistrado continuará desprotegido. Mesma lógica se aplica as decisões do colegiado, já que o voto divergente especificará, individualizará o magistrado e a sua decisão para o caso em concreto, sendo um fator de risco para o mesmo.

Outra questão importante que emerge da disciplina legal respeita à proibição de que, na publicação das decisões, haja referência a eventual voto divergente de qualquer dos membros do colegiado (art. 1.º, § 6.º, 2.ª parte). A partir desta regra, conclui-se que a decisão externada pelo órgão julgador será apenas aquela que representar o entendimento da maioria dos juízes, muito embora, repita-se, deva estar firmada por todos os integrantes, inclusive pelo autor do voto divergente. Com este regramento, mais uma vez objetivou o legislador impedir a influência de organizações criminosas sobre os membros do colegiado, evitando que se tornem alvo de ameaças  ou de pressões de qualquer natureza.  (AVENA, 2012, p.11)

A Lei nº. 12.694/2012 trouxe importantes inovações de aspectos material e processual a fim de, primeiramente, garantir uma maior proteção aos magistrados nos procedimentos que envolvam organizações criminosas e viabilizar um novo modelo de instrumento para o combate ao crime organizado. Leis que buscam a proteção de juízes, promotores de justiça, advogados, serventuários da Justiça serão sempre bem vindas, uma maneira de tornar o Judiciário mais independente. No entanto, esta independência deve respeitar as garantias e os direitos mínimos ao cidadão, principalmente quando se trata de réu em um processo penal. Por mais que se busque proteger os juízes, esta proteção não deve desrespeitar Princípios consagrados no Processo Penal, como o devido Processo Legal, Ampla Defesa, Contraditório.


3. IMPLICAÇÕES PROCESSUAIS DOS JUIZOS COLEGIADOS CRIMINAIS 

3.1. CONTEXTO INSTITUCIONAL DIANTE DO LEADING CASE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (LEI Nº. 6.806/07 DO ESTADO DE ALAGOAS E A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº. 4.414).

Por intermédio da Lei Estadual nº. 6.806, de 26 de Março de 2007, o Estado de Alagoas criou a 17ª Vara Criminal da Capital, que previa a formação do juízo colegiado criminal de 1º grau para os crimes praticados por organizações criminosas, seguindo a Recomendação nº. 03 do CNJ, de 30 de Maio de 2006, que consiste na criação de varas especializadas, como já abordado no item 1.2.2 deste trabalho.

Diante de tamanha inovação, o mencionado ato normativo estadual foi alvo de inúmeros questionamentos quanto a sua constitucionalidade, chegando o caso até o Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.414, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados – CFOAB.

Dentre os vários pontos impugnados, estava que a formação de um colegiado criminal de 1º grau usurparia a função da União em legislar sobre matéria processual, matéria de competência privativa da União, conforme art. 22, inciso I, da Constituição Federal[18], além de ser uma afronta aos princípios do juiz natural, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, senão vejamos:            

A rigor, tais dispositivos são inconstitucionais por evidente afronta ao art. 22, I, da Constituição Federal, ao legislar sobre direito material penal e processual penal (vício formal), bem como afronta material e direta aos princípios da legalidade (art. 5º, II) e do juiz natural (art. 5º, LIII). (CFOAB, 2010, p. 07)

 “A regra em tela, portanto, viola não só o art. 22, I, como também os incisos LIV e LV, do art. 5º, da Carta Maior, pois priva as partes do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.” (CFOAB, 2010, p.30)

“Com efeito, a criação de titularidade colegiada em primeira instância fere não apenas o princípio do juiz natural – art. 5º, LIII – como, também, desrespeita a garantia da inamovibilidade dos magistrados, previstas no art. 95, II, da Carta da República.” (CFOAB, 2010, p.28).

Por consequência destes questionamentos, alegou-se que a instituição do colegiado criminal de 1º grau criaria a figura do “juiz sem rosto”, figura “cujo nome não é divulgado, cujo rosto não é conhecido, cuja formação técnica é ignorada. Do juiz sem rosto nada se sabe, salvo que dizem que é juiz” (GOMES, 2012), nestes termos:

“Cria-se com a lei a figura do juiz sem rosto, pois é composta por cinco magistrados que agem coletivamente e sem se identificar (artigos 2º e 4º). Só se sabe que agem por maioria dos votos que também são coletados sigilosamente.” (CFOAB, 2010, p. 24)

Em contrapartida, a Associação dos Magistrados do Brasil – AMB participou como amicus curiae na Ação de Direta de Inconstitucionalidade, defendendo a formação do juízo colegiado criminal de 1º grau, até porque a:

“ocorrência de decisões colegiadas não é um procedimento inédito em primeiro grau de jurisdição. 61. Com efeito, o art. 125, § 4º, da CF, dispõe que a Justiça Militar estadual, será constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e “pelos Conselhos de Justiça”. 62. A despeito desse dado, histórico e legal, na hipótese prevista na lei alagoana, os magistrados reúnem-se para deliberar, mas a fundamentação de suas decisões estará contida nos autos, como ocorre em qualquer processo judicial. A pluralidade existe apenas como forma de proteção contra insurgências violentas de criminosos ao magistrado. 63. Os juízes assinam as decisões de forma coletiva, quando podem ser verificadas e identificadas suas assinaturas individualizadas, uma ao lado da outra, observando-se, assim, o devido processo legal, já que a partir da decisão fundamentada poderá a parte inconformada dela recorrer. (AMB, 2011, p. 20-21)

Pondo fim a este impasse, em 31 de Maio de 2012, o Supremo Tribunal Federal, no que se refere a formação do juízo colegiado criminal de 1º grau, através do voto do relator da ADI nº. 4.414, Ministro Luiz Fux, declarou a constitucionalidade do citado dispositivo, alegando que a composição de um colegiado no primeiro grau não se trata de tema processual, porém de organização judiciária, matéria concorrente dos Estados e tampouco a formação do colegiado fere os princípios do juiz natural, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, neste ponto:

A composição do órgão jurisdicional se insere na competência legislativa concorrente para versar sobre procedimentos em matéria processual, mercê da caracterização do procedimento como a exteriorização da relação jurídica em desenvolvimento, a englobar o modo de produção dos atos decisórios do Estado-juiz, se com a chancela de um ou de vários magistrados (Machado Guimarães. Estudos de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro - São Paulo: Jurídica e Universitária, 1969. p. 68). 6. A independência do juiz nos casos relativos a organizações criminosas, injunção constitucional, na forma do art. 5º, XXXVII e LIII, da CRFB, não está adequadamente preservada pela legislação federal, constituindo lacuna a ser preenchida pelos Estados-membros, no exercício da competência prevista no art. 24, § 3º, da Carta Magna. (FUX, 2012, p. 5)

Segundo o Ministro Luiz Fux, a criação de um juízo colegiado não está reservada a matéria processual, de competência privativa legislativa da União, mas, sim, sobre procedimentos em matéria processual, de competência concorrente dos entes da União, como reza o art. 24, XI, da Constituição Federal[19], sendo assim:

De imprescindível análise, no ponto, o art. 24, XI, da Constituição, segundo o qual “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: procedimentos em matéria processual”. Assim, mister apreciar se a composição do órgão jurisdicional se insere na competência legislativa concorrente para versar sobre procedimentos em matéria processual. Carnelutti bem observou que o juízo é o único dos sujeitos processuais que não só deve contar com clara definição legal, como também surge da lei – partes nascuntur, iudices fiunt. O citado jurista italiano definiu o órgão jurisdicional como o complexo (universitas) dos homens, a cuja colaboração a lei confia o exercício da função judiciária para a composição de uma mesma lide (Sistema di Diritto Processuale Civile. Padova: CEDAM, 1936. p. 516 e 518). Mas essa definição legal das características do juízo seria matéria de processo ou de procedimento? A Constituição não trouxe elementos para diferenciar as duas espécies. (FUX, 2012, p. 59-60)

Em verdade,quando se diz que uma norma está criando um órgão jurisdicional colegiado, na verdade o que se extrai é que determinados atos processuais serão praticados, exteriorizados, mediante a chancela de mais de um magistrado. Incide, na hipótese, a competência concorrente prevista no art. 24, XI, da Constituição. Estabelecido que essa é uma questão procedimental, o art. 24 da Carta Magna dispõe que, nas matérias de competência concorrente,reserva-se à União a edição de normas gerais – o Estado, portanto, só pode legislar sobre o assunto na omissão do ente federal. (FUX, 2012, p. 61)

Quanto a distinção entre tema processual e procedimental, temos por processo o “método de exercício de jurisdição, idealizado pelo legislador por  normas processuais” (KLIPPEL; BASTOS, 2011, p. 181), enquanto por procedimento é a “materialização, a corporificação em atos concatenados do conteúdo que se busca realizar, sendo o aspecto visível e tangível do processo” (Ib idem, p. 183)

Além disto, o Ministro Relator ressaltou a importância do colegiado como um fator de independência judicial, propiciando um julgamento justo e livre de qualquer interferência externa, senão vejamos:

CRIAÇÃO DE ÓRGÃO COLEGIADO EM PRIMEIRO GRAU POR MEIO DE LEI ESTADUAL. APLICABILIDADE DO ART. 24, XI, DA CARTA MAGNA, QUE PREVÊ A COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE PROCEDIMENTOS EM MATÉRIA PROCESSUAL. COLEGIALIDADE COMO FATOR DE REFORÇO DA INDEPENDÊNCIA JUDICIAL. OMISSÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL PARA SUPRIR A LACUNA (ART. 24, § 3º, CRFB). CONSTITUCIONALIDADE DE TODOS OS DISPOSITIVOS QUE FAZEM REFERÊNCIA À VARA ESPECIALIZADA COMO ÓRGÃO COLEGIADO. (FUX, 2012, p. 2) (grifo nosso)         

Sem dúvidas, a decisão do Supremo Tribunal Federal, em declarar constitucional a formação de um juízo criminal colegiado de 1º grau para os crimes praticados por organizações criminosas, criou um precedente favorável para a elaboração da Lei nº. 12.694/12, objeto de estudo do presente trabalho acadêmico.

Todavia, quanto ao conteúdo, as Leis Estadual e Nacional possuem algumas diferenças que as distinguem. Enquanto na primeira já há uma descrição prévia da competência da vara que julgará os crimes praticados pelas organizações criminosas, a 17ª Vara Criminal da Capital, previsto no art. 1º da Lei nº. 6.806/07 do Estado de Alagoas, vara que será formada obrigatoriamente por um colegiado composto por cinco juízes de Direito, a Lei nº. 12.694/12 informa que qualquer vara criminal será competente para julgar os crimes praticados por organizações criminosas, conferindo uma discricionariedade ao magistrado quanto à formação ou não de um juízo colegiado, que será composto por três juízes, e para os atos que acredita serem necessários.

Outra fundamental diferença consiste no modo como os juízes serão escolhidos para compor o colegiado. Em Alagoas, a Lei nº. 6.806/07 conferiu ao Presidente do Tribunal de Justiça Local o poder de nomear quais os magistrados formariam o colegiado, não levando em consideração nenhum critério apriorístico, objetivo, violando a garantia constitucional de inamovibilidade dos juízes, sendo alvo de questionamentos pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados e declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Com relação à Lei nº. 12.694/12, o seu art. 1º, § 2º estabelece um sorteio eletrônico entre os juízes criminais de primeiro grau de jurisdição, trazendo um critério objetivo como o defendido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº. 4.414.

3.2. (DE)FORMAÇÃO PROCESSUAL             

Antes de iniciar a análise da Lei nº. 12.694/2012 a luz dos Princípios Consitucionais, se faz necessário uma breve definição para o que sejam Princípios.

O renomado José Cretella Jr., citado por Sérgio Pinto Martins, assim definiu o que são princípios: “Princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência.” (CRETELLA Jr. apud Pinto, 2013, p. 390)

Toda ciência repousa em verdades quase que absolutas, as quais servem para orientar e informar em qual direção deverá seguir uma pesquisa, um projeto, um estudo. No ramo jurídico, não poderia ser diferente. O edifício do Direito está construído em bases fortes e sólidas dos Princípios Jurídicos, a essência das normas jurídicas.

Além de orientar e informar, também servem para inspirar preceitos legais, por isso são amplos e gerais para facilitar a sua aplicação no caso em concreto.                       

Carlos Maximiliano há muito comenta da importância dos Princípios para o mundo jurídico:

“Saredo e Salvat parecem, pois, escudados em boa doutrina quando adiantam que os princípios gerais invocáveis nas cátedras e pretórios, em qualquer controvérsia, encontram-se em última análise, pelo menos em germe, em potência, latentes, entre os preceitos fundamentais do Direito Público, em espírito da Constituição.” (MAXIMILLIANO, 1994) (Grifo Nosso)

Um dispositivo legal não pode fugir às verdades quase que absolutas que sustentam o ordenamento jurídico, os Princípios Jurídicos. Estes preceitos fundamentais nos ajudam numa melhor aplicação e compreensão das normas jurídicas, conferindo uma maior dinâmica ao Direito para poder acompanhar as transformações sociais. Além disto, servem de garantia para a sociedade, protegendo-a e evitando que normas abusivas sejam inseridas no mundo jurídico e, se mesmo assim entrar em vigor, permite a sua retirada imediata do ordenamento jurídico.

Após definir um conceito para o que são princípios, passemos a analisar a Lei nº. 12.694/2012 e os seus juízos colegiados com os Princípios do Juiz Natural, do Devido Processo Legal e da Ampla Defesa e do Contraditório.

3.2.1. Princípio do Devido Processo Legal

O devido processo legal é denominação proveniente da expressão inglesa due process of law. A noção deste princípio surgiu como cláusula de proteção contra a tirania, que remonta ao Édito de Conrado II, no qual se encontra por escrita a idéia de que até o imperador deveria se submeter às leis.

Já a sua primeira menção em Carta Magna foi a de João Sem Terra, no ano de 1215, quando se reportou à law of the land, sem, contudo, ter se referido especificamente à dicção devido processo legal.

   Previsto na Constituição da República em seu artigo 5°, incisos LIV e LV, é denominado de princípio mãe, sendo o gênero, dele defluindo todos os outros princípios.

Pode-se dizer sem medo que já faz muito tempo que o princípio do devido processo legal se encontra no centro do nosso sistema processual. Ele é a verdadeira e própria essência do processo, em todas as suas manifestações. O processo legítimo, justo, equilibrado, é o devido processo legal. Daí que todas as irregularidades do processo que conspurcam esse equilíbrio, essa justeza intrínseca, violam o princípio do devido processo legal. (RAMOS, 2007)

O due process of law é uma garantia constitucionalmente prevista em benefício de todos os cidadãos, assegurando tanto o exercício do direito de acesso à justiça como o desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas. É uma forma de repelir a onipotência e a arbitrariedade do Estado, que detém o monopólio da jurisdição.

“A necessidade de concretização da promessa constitucional de efetividade da jurisdição não autoriza a desconsideração de outros princípios constitucionais igualmente aplicáveis ao processo, como é o caso do devido processo legal, o qual, dirigido especialmente ao Estado enquanto responsável pela atividade jurisdicional, impõe subordinação a procedimento especificado em lei”. (NERY apud Fioreze, p. 70)

Ainda nesta linha:

“Parte da doutrina o entende como o ‘princípio síntese’ ou ‘princípio de encerramento’ de todos os valores ou concepções do que se entende como um processo justo e adequado, isto é, como representativo suficiente de todos os demais indicados pela própria Constituição Federal”. (BUENO, 2007, p. 107)

Então, o devido processo legal significa o processo cujo procedimento e cujas consequências tenham sido previstas em lei e que estejam em sintonia com os valores constitucionais. Por meio do princípio do devido processo legal, é exigido um processo razoável à luz dos direitos e garantias fundamentais.

Como pode se observar, o principio em epígrafe é uma cláusula geral, isto é, uma norma composta por termos vagos e abertos cujo conteúdo normativo é indeterminado. Ressalta-se que o Devido Processo Legal se aplica a qualquer processo. Há o devido processo legal jurisdicional, o administrativo, legislativo e até o negocial.

Importante se faz destacar que o Princípio do Devido Processo Legal tem duas dimensões. A primeira é a formal, ligada ao devido processo legal processual, o qual deve-se respeitar as garantias formais do processo (motivação, juiz natural, contraditório, etc). A última é a substancial (material), ou seja, o processo resulta numa decisão justa, razoável, equilibrada. O devido processo substancial impõe a proporcionalidade das decisões; é dele que se extrai o Princípio da Proporcionalidade (torna possível a justiça do caso concreto, flexibilizando a rigidez das disposições normativas abstratas).

Corroborando com os entendimentos acima, temos que:

“devido processo legal não indica somente a tutela processual, como à primeira vista possa parecer. Tem sentido genérico e sua caracterização se dá de forma bipartida, pois há o substantive due process of law e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio em seu aspecto material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio do processo judicial ou administrativo.” (NERY JR., 2000, p.36)

Sendo assim, temos que o devido processo legal inspira uma segurança aos participantes do sistema jurídico, especialmente para aqueles que se encontram na situação de réu, seja em um processo criminal, civil ou administrativo, pois, a partir da existência de uma previsão legal de quais os procedimentos deverão ser adotados no curso de um processo, fortalecerá o seu direito sagrado à defesa e ao contraditório.

Quando a Lei nº. 12.694/2012, logo em seu art. 1º, estabelece que “o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual”, cabendo a faculdade de formação do colegiado exclusivamente ao magistrado e para o ato que bem entender, em que pese a lei falar quando houver riscos a pessoa do magistrado, verifica-se uma afronta ao princípio do devido processo legal.

Isto porque,  não há um dispositivo pré-estabelecido com critérios objetivos para a formação de um colegiado, mas, sim, um mecanismo conferido ao magistrado para decidir ou não pelo julgamento por um colégio de magistrados, os quais os motivos para a sua formação serão íntimos, pessoais do julgador.

Além do mais, poderá causar uma enorme insegurança jurídica ao ordenamento diante da incerteza ao réu se o seu processo será julgado por um juízo monocrático ou por um colegiado, situação que influi bastante em sua defesa, podendo casos similares serem julgados de formas diferentes, isto é, uns pelo juízo monocrático, outros pelo colegiado.

Neste sentido, temos que o Código de Processo Penal ordena expressamente que o magistrado que instruir o feito, deverá prolatar a sentença[20]. No entanto, e se colegiado seja formado apenas para a prolação da sentença, como ficarão os magistrados convocados unicamente para esta etapa processual? Afinal de contas, eles não tiveram um contato direto com as provas do processo, com o interrogatório, eles poderão também prolatar uma sentença? Estará desrespeitando o próprio princípio do devido processo legal, pois contraria expressa disposição do Código de Processo Penal.

Não fosse somente isto, a noção de risco, de perigo, em muitos casos, é uma concepção subjetiva, que varia de pessoa para pessoa, trazendo para o assunto em específico, de magistrado para magistrado, sendo que para uns determinado fato ensejará a formação do colegiado, quando para outros, a ocorrência do mesmo fato não significará nada.   

Sem dúvidas, a inovação contida na Lei nº. 12.694/2012, ao permitir a formação de juízo colegiado para os crimes que envolvam organizações criminosas, é digna de aplausos e, como já visto anteriormente no presente trabalho de conclusão de curso, é uma forma de fortalecer a independência do Judiciário na medida que assegura uma maior proteção ao julgador. Todavia, seria muito melhor se a lei dispusesse objetivamente quando ou em quais momentos devessem existir a formação de um colegiado e não deixando a mercê de critérios pessoais do magistrado.

3.2.2. Princípio do Juiz Natural/Proibição do Tribunal de Exceção

O princípio do Juiz Natural e Proibição do Tribunal de Exceção está intimamente ligado a isonomia e a imparcialidade, no sentido que todos devem receber o mesmo tratamento dos órgãos jurisdicionais. “A imparcialidade do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram no princípio do juiz natural uma de suas garantias indispensáveis”(MORAES, 1997. p. 86.)

Considerado um dos princípios fundamentais do direito judiciário contemporâneo, nasce vinculado ao pensamento iluminista, nascente da revolução francesa. “Em função dela, como se sabe, foram suprimidas as justiças senhoriais e todos passaram a ser submetidos aos mesmos tribunais.” (COUTINHO, 2008, p.168). Justiças senhoriais que eram uma espécie de foro privilegiado a que tinham direito os nobres considerados, conhecidas pelas concessões de privilégios nos seus julgamentos.

Dessa forma, nunca mais deixou de ser matéria tratada nos textos constitucionais verdadeiramente democráticos, guardando seu lugar, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e figurando expressamente na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, 1).

Atualmente, está previsto no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal, senão vejamos:                  

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

Como visto, os incisos XXXVII e LIII, da vigente Constituição da República brasileira, consagram o princípio do juiz natural, na medida asseguram a todas pessoas conhecerem previamente daquele que a julgará no processo em que seja parte, revestindo tal juiz em jurisdição competente para a matéria específica do caso.

Nesse sentido, o Constitucionalista Alexandre de Moraes evoca que:

 O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a não só proibir a criação de Tribunais ou juízos de exceção, como também exigir respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência do órgão julgador'. (MORAES, 2002, p. 304).

Fortificando o conceito do referido princípio, avançando além da simples proibição de tribunais de exceção, o Prof. Machado Júnior, pratica que “o princípio do juiz natural colima assegurar a todo cidadão o direito de ser julgado por juiz constitucionalmente competente, imparcial por natureza, pré-constituído por lei, para o pleno desempenho da função jurisdicional” (MACHADO, 2006)

Complementando os ensinamentos, o Princípio do juiz natural:

consiste os dispositivos constitucionais na determinação de que os litígios devam ser processados e julgados por órgão judicial previamente estabelecidos, criado regularmente por lei. Daí se destacam dois elementos indisponíveis: a anterioridade e a legalidade da criação do órgão judicial. (CARVALHO, 1998.p.60.)

Dessarte, imperioso concluir que o princípio do Juiz Natural em verdade deriva de uma consequência lógica de dois outros princípios constitucionais: isonomia e devido processo legal, posto que sua incidência implica a vedação completa de afastamento do Juiz da causa e de nomeação aleatória ou a dedo de julgadores.

Neste ponto, a Lei nº. 12.694/2012 viola o Princípio do Juiz Natural. Não por permitir um juízo colegiado criminal de 1º grau, até porque todos os magistrados convocados a formar o colegiado estão pré-constituídos por lei e por estarem identificados quando forem chamados, mas por, mais uma vez, não trazer critérios objetivos acerca da formação do colegiado, por permitir que casos similares, ou até idênticos, sejam julgados de maneiras diferentes, quando em um é julgador por apenas um juiz e quando por outro é julgado pelo colegiado, ferindo a isonomia e o devido processo legal, como visto em tópico anterior.

3.2.3. Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório

Considerado como uma das garantias fundamentais, o Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório está materializado no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal[21]. Em que pese estarem ligadas de forma embrionária, o conceito de ampla defesa e de contraditório são distintos.

Segundo Nestor Távora e Rosmar Alencar, contraditório é:

traduzido no binômio ciência e participação, e de respaldo constitucional (art. 5º, inc. LV da CF), impõe que às partes deve ser dada a possibilidade de influir no convencimento do magistrado, oportunizando-se a participação e manifestação sobre os atos que constituem a evolução processual. (ALENCAR; TÁVORA, 2009, p. 51)

Portanto, podemos extrair que contraditório é o direito conferido às partes de manifestação, a fim de tentar convencer a decisão do juiz. Seguindo esta linha de entendimento, temos:

O princípio do contraditório significa que cada ato praticado durante o processo seja resultante da participação ativa das partes. Origina-se no brocardo audiatur et altera pars. A aplicação do princípio, assim, não requer meramente que cada ato seja comunicado e cientificado às partes. Relevante é que o juiz, antes de proferir cada decisão, ouça as partes, dando-lhes igual oportunidade para que se manifestem, apresentando argumentos e contra-argumentos. (MOUGENOT, 2011, p. 73-74)

Sendo assim, além das partes terem o direito a manifestação no curso do procedimento, é dever do magistrado garantir a participação das partes, só devendo suprimi-las em casos excepcionais, “tal como no caso das medidas urgentes – verbi gratia -, a decretação da prisão preventiva, as medidas assecuratórias, etc. - em que o pronunciamento judicial se dará inaudita altera pars, sob pena de prejuízo a própria efetividade do processo.” (MOUGENOT, 2011, p. 74)

Enquanto que ampla defesa é algo mais amplo, é o direito conferido aos litigantes de se valerem por todos os meios lícitos de provas admitidos no Direito, solicitarem perícias, documentos na posse de terceiros, por exemplo. O Princípio da Ampla Defesa “traduz a liberdade inerente ao indivíduo (no âmbito do Estado Democrático) de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas.” (PORTANOVA apud CARVALHO, 2002)

Defesa que pode ser exercida de maneira técnica ou por autodefesa.

 A defesa técnica é aquela exercida em nome do acusado por advogado habilitado, constituído ou nomeado, e garante a paridade de armas no processo diante da acusação, que, em regra, é exercida por um órgão do Ministério Público. A defesa técnica é indisponível. (MOUGENOT, 2011, p. 75).

Já por autodefesa, como o próprio nome já nos informa é a “realizada pelo próprio imputado.” (ALENCAR; TÁVORA, 2009, p. 51)

Vale salientar que com a não indicação de advogado pelo réu, será obrigatória a nomeação de um defensor por parte do magistrado, sob pena de nulidade absoluta, conforme ordena o Código de Processo Penal[22]. Ainda assim, a mera habilitação ou nomeação de advogado por si só, no tocante ao processo penal, não satisfaz o requisito indispensável da defesa técnica. É necessária a efetiva participação do defensor, sob a possibilidade de uma nulidade absoluta, de acordo com a súmula nº. 523 do STF[23].

Ao réu, não deve ser permitido ser pego de surpresa, principalmente em um processo penal. A faculdade conferida ao magistrado para a formação ou não de um colegiado, para o ato processual que achar necessário, constitui uma ofensa ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório, pois se trata de uma decisão suprema do julgador, a qual somente o seu consciente será consultado, não conferindo os meios e os recursos necessários para o exercício da ampla defesa e do contraditório, consubstanciando em violação a garantia fundamental.


CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho monográfico foi realizar uma análise dos aspectos processuais da Lei nº. 12.694/2012, que possibilita a formação do juízo colegiado de 1º grau pelo magistrado nos crimes cometidos por organizações criminosas e nos atos processuais que julgar mais necessários, desde que presentes motivos e circunstâncias que acarretem riscos à integridade física do julgador.

Inicialmente, foram pesquisados elementos históricos, a fim de conhecer o processo de surgimento, de aperfeiçoamento de algumas das mais tradicionais organizações criminosas pelo mundo, como a Máfia na Itália, a Yakuza no Japão e a Tríade na China, bem como entender como estes países buscaram combater estas organizações criminosas. 

Percebemos que a história do Brasil referente a organizações criminosas é recente, mais precisamente no final da década de 70 e início de 80, com o surgimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente. Até então, não havia qualquer menção legislativa em nosso ordenamento jurídico que pudesse disciplinar o tema, valendo o Poder Judiciário da figura de quadrilha ou bando.

A resposta às organizações criminosas em nosso País se deu de maneira tardia e, no seu começo, de maneira inadequada. Primeiramente, com a promulgação da Lei nº. 9.034/95, que buscou disciplinar o tema, sem, contudo, conceituar o que era organização criminosa. Após, por meio da Lei nº. 10.217/01, que revogou vários dispositivos da Lei nº. 9.034/95, que trouxe meios procedimentais à repressão ao crime organizado, porém, mais uma vez, não definiu o que seria crime organizado.

Diante da falta de habilidade do legislador brasileiro em lidar com o tema, não restou outra alternativa ao nosso Poder Judiciário a não ser em recorrer aos tratados internacionais, mais especificamente à Convenção de Palermo, que trazia a definição do que seria organização criminosa.

Mesmo assim, a aplicação encontrou resistência de vozes importantes do cenário jurídico brasileiro, como a do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, que, em sede de julgamento do HC 96.007, defendeu que o conceito de crime organizado da Convenção de Palermo não deveria ser aplicado em nosso país, haja vista ter sido introduzido em nosso ordenamento jurídico por mero decreto, ferindo o Princípio da Reserva Legal.

Usurpando a competência da União em legislar sobre matéria penal, o Estado de Alagoas, através da Lei nº. 6.807/2007, conceituou o que seria organização criminosa e previu a formação de um juízo colegiado criminal de 1º grau para os crimes cometidos por ela, como uma forma de proteção para os seus juízes de Direito, acarretando na impetração pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.414.

Após inúmeras controvérsias, no que tange a formação do juízo colegiado criminal de 1º grau, o STF decidiu por sua constitucionalidade e que tal procedimento não violaria os Princípios do Devido Processo Legal, da Ampla Defesa e do Contraditório, do Juiz Natural, como alegado pelo CFOAB em peça inicial.

Com o “aval concedido pelo STF”, a inovação alagoana virou uma realidade nacional, quando da publicação da Lei nº. 12.694/2012. Segundo o mencionado dispositivo legal, aos juízes são permitidos a formação do juízo colegiado criminal de 1º grau nos crimes praticados por organizações criminosas, quando as circunstâncias ou os fatos acarretem um risco à pessoa do juiz, sendo uma maneira de buscar a sua proteção e consequentemente reforçar a independência do Judiciário.

Em que pese o reconhecimento da importância da inovação da Lei nº. 12.694/2012 como uma forma de reforçar o Poder Judiciário, torná-lo mais independente,  a faculdade conferida aos magistrados para a formação do colegiado se baseiam exclusivamente em critérios pessoais, do inconsciente do julgador.

Ademais, a Lei poderá acarretar uma insegurança jurídica a partir do momento em que cabe ao magistrados selecionar quais os processos ou quais os atos processuais deverão ser julgados por colegiado, afinal de contas a sensação de ameaça em muitos casos será subjetiva, fatos que para uns acarretarão riscos, para outros poderão não acarretar.

Não fosse somente isto, ao conceder a permissão para o magistrado quais os atos processuais deverão ser tomados por um colegiado, também estamos diante de uma violação ao Princípio do Devido Processo Legal e por consequência aos Princípios da Ampla Defesa e Contraditório e do Juiz Natural.

Ao Princípio do Devido Processo Legal porque todos os procedimentos de um processo devem ser previamente definidos com o objetivo de evitar surpresas ao réu e favorecer o seu direito de defesa. A partir do momento em que não há uma expressa previsão legal de caráter objetivo, citando quais atos devem ser tomados por colegiado, há uma violação do Princípio do Devido Processo Legal por o réu não conhecer quais etapas serão realizadas, além do que a ofensa ao Princípio do Juiz Natural, já que em casos similares, ou até mesmo idênticos, réus diferentes poderão ser julgados por um juízo monocrático ou por um colegiado.

Em síntese, com as razões delineadas neste trabalho monográfico, acredita-se na importância da inovação da formação do juízo colegiado criminal de 1º grau contida pela Lei nº. 12.694/2012, todavia defendendo que os procedimentos sejam para todos, que existam normas pautadas em critérios objetivos para delimitar quais as fases processuais serão decididas por um órgão colegiado, especificar quais as etapas deverão transcorrer sob  os olhares atentos de um colegiado, de forma a preservar a isonomia, o devido processo legal, a ampla defesa e contraditório e o juiz natural.


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Notas

[1]    Art. 399, §2º  - O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

[2]    Art. 5º, inciso LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

[3]    Art. 396-A, §2º – Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias. (grifo nosso)

[4]    No processo penal, a falta de defesa técnica constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

[5]    Vale lembrar que o conceito de Organização Criminosa foi empregado na Lei nº 9.613/98, sobre o combate à lavagem de dinheiro, art. 1º, §4º; na Lei n. 10.792/2003, que introduziu na Lei das Execuções Penais de 1984, o Regime Disciplinar Diferenciado, RDD, art. 52; e na Lei n. 11.343/2006, que trata combate ao tráfico de entorpecentes, art. 33, §4º.

[6]    Art. 93, IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

[7]          Art. 15 da Lei nº. 6.806/2007 de Alagoas- Aos Juízes integrantes da 17a Vara é devida a vantagem reportada no artigo 185, III, da Lei nº 6.564, de 05 de janeiro de 2005 – Código de Organização Judiciária do Estado de Alagoas.

[8]          Art. 185 da Lei nº. 6.564/2005 de Alagoas -Além dos subsídios, os Magistrados farão jus às seguintes vantagens pecuniárias:

                ...

                III - representação em virtude do exercício de cargo ou função temporários, inclusive como auxiliar da Presidência do Tribunal, ou da Corregedoria Geral da Justiça, ou membro de Turma Recursal, ou da Turma de Uniformização, correspondente a 10% (dez por cento) do seu subsídio

[9]    Art. 22 - Compete privativamente a União legislar sobre:

      I- direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (grifo nosso)

[10]    Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

      (...)

      XI- procedimentos em matérias processual.

[11]   Criados pela Lei nº. 10.259/2001 e com competência para julgar, processar e conciliar as causas de competência da Justiça Federal de infrações penais de menor potencial ofensivo ou aquelas que não ultrapassem o valor de 60 salários mínimos.

[12]  Idealizados pela Lei nº. 9.099/95 para julgar, processar e conciliar as causas de competência da Justiça Estadual de infrações penais de menor potencial ofensivo ou aquelas que não ultrapassem o valor de 40 salários mínimos. A sua criação foi uma tentativa de  desatolar o sistema judiciário brasileiro abarrotado de processos e tem como marca a simplicidade dos atos processuais, a celeridade com que um processo é conduzido. A sua experiência bem sucedida acarretou na criação dos Juizados Especiais Federais em 2001.

[13]             “A idéia de reserva de jurisdição implica a reserva de juiz relativamente a determinados assuntos. Em sentido rigoroso, reserva de juiz significa que em determinadas matérias cabe ao juiz não apenas a última palavra mas também a primeira palavra. É o que se passa, desde logo, no domínio tradicional das penas restritivas da liberdade e das penas de natureza criminal na sua globalidade. Os tribunais são os guardiões da liberdade e das penas de natureza criminal e daí a consagração do princípio nulla poena sine judicio...” (CANOTILHO apud CARVALHO, 2004, p. 5). E ainda: ”(...) O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais". A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. (...)" STF, MS 23452 / RJ, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Julgamento:  16/09/1999.

[14]    Operação Mãos Limpas foi uma investigação judicial de grande porte ocorrida na Itália durante a década de 90 e que culminou na expedição de 2.993 mandados de prisão, 6.059 pessoas foram investigadas, incluindo 872 empresários e 438 parlamentares, dos quais quarto haviam sido primeiros-ministros, segundo dados extraídos do site Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3os_Limpas ). Ainda, em retaliação às prisões deflagradas, 24 membros do Poder Judiciário Italiano, entre eles juízes e promotores, foram assassinados.

[15]    Frase proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa no julgamento do chamado Mensalão, conjunto de delitos apurados através da Ação Penal (AP) 470, ao defender a configuração da organização criminosa para os integrantes do que é considerado pela imprensa o maior caso de corrupção já desvendado no Brasil.

[16]    Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.

[17]    Art. 39: Participar de reunião de mais de cinco pessoas, que se reúnam periodicamente, sob o compromisso de ocultar à autoridade a existência, objetivo, organização ou administração da associação.

[18]    Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231/2003 e ratificada com o Decreto nº 5.015/2004.

[19]    Art. 288-A - Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código.

[20]    Outrossim, cabe assinalar que de forma contraditória, a Lei nº 12.850/2013, estabeleceu no seu art. 1º, §1º  conceito de organização criminosa, para fim processual, diverso de associação criminosa, de caráter penal, decorrente da inserção com o texto do seu art. 24, senão vejamos:

        Art. 1o. Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

         § 1o. Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

         Art. 24.  O art. 288 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

         “Associação Criminosa

         Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

         Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

          Parágrafo único.  A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.”

[21]    Os dados foram coletados do endereço eletrônico do próprio Conselho Nacional de Justiça (http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/15566-aumenta-numero-de-juizes-ameacados-no-pais).

[22]    Julgamento realizado nos dias 30 e 31 de maio de 2012.

[23]  Segundo CHIOVENDA (2000, p.9) “pode-se definir jurisdição como campo do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, de atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.”


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Informações sobre o texto

A presente obra foi escrita para o Trabalho de Conclusão de Curso - TCC do curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe, a fim de se obter a Graduação do mencionado curso.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELOY, Rafael. Juízo colegiado de primeiro grau para crimes praticados por organizações criminosas: (de)formação processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4442, 30 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41676. Acesso em: 19 abr. 2024.