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A efetivação dos princípios da política nacional das relações de consumo e a dignidade do consumidor

A efetivação dos princípios da política nacional das relações de consumo e a dignidade do consumidor

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Os direitos fundamentais também buscam garantir uma vida digna às pessoas diante dos abusos que ocorrerem nas relações de consumo.

RESUMO: O presente estudo busca analisar a Defesa do Consumidor a partir dos princípios protetivos extraídos da Política Nacional das Relações de Consumo e a sua eficácia nas relações entre consumidores e fornecedores, verificando a maneira como se dá a efetivação destes princípios. Para tanto, é necessário examinar a evolução e os contornos que a legislação protetiva do consumidor tomou nos últimos anos. Desta maneira, será indispensável avaliar a importância dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico pátrio, e a sua relação com a defesa do consumidor. Em seguida, aborda-se a atuação do Poder Judiciário e o seu papel na busca pela efetivação dos princípios que protegem o consumidor, de modo que, é relevante compreender a maneira como são classificados os princípios e a sua abrangência. É importante salientar que este estudo se dará em consonância com Alexy, e sua doutrina acerca da teoria dos princípios. Busca-se entender se o método da ponderação é adequado na aplicação dos princípios, e se dessa forma será possível efetivar a dignidade do consumidor.

Palavras-chave: Norma Jurídica. Poder Judiciário. Ponderação.


INTRODUÇÃO

Este estudo pretende analisar o acirrado mercado de consumo no qual o fornecedor detém os instrumentos hábeis a produzir e determinar tendências, e o consumidor é considerado o sujeito vulnerável. Nesta relação poderá haver discrepância, com isso, torna-se importante avaliar os mecanismos que visam harmonizar os interesses de seus participantes.

Ademais, com o avanço das tecnologias e do uso da internet os meios publicitários ganharam força. A grande variedade de produtos e serviços disponíveis no mercado pode levar o consumidor a adquirir produtos ou serviços desnecessários a sua real necessidade. Dessa forma, é preciso investigar quais os meios adequados para que o consumidor evite ser vítima de abusos.

Na busca pela tutela protetiva do consumidor, é importante analisar a sua proteção como um direito fundamental, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 prevê no art. 5º, XXXII a defesa do consumidor no rol dos direitos fundamentais.

Pretende-se ainda, avaliar o respeito à dignidade do consumidor nas relações entre as partes e como se poderá ajustar o relacionamento entre consumidor e fornecedor, de modo a dar um maior equilíbrio a essa relação. Neste contexto, é de grande importância averiguar o papel da Política Nacional das Relações de Consumo, e seu atendimento às necessidades dos consumidores, objetivando a proteção de suas relações econômicas a partir dos princípios que procuram dar efetividade a esses direitos.

Nesse passo, procura-se estabelecer a relação entre os princípios protetivos do consumidor extraída da Política Nacional das Relações de Consumo e a sua efetivação, objetivando-se o respeito à dignidade do consumidor.

Segundo Lima Filho (2015) os direitos fundamentais geralmente são exteriorizados no ordenamento jurídico pátrio através de princípios. Partindo desta premissa, pretende-se verificar a forma como se dá essa exteriorização. Para isto, parte-se da análise do conceito de norma jurídica, verificando as diferenças existentes entre princípios e regras jurídicas.

Por fim, objetiva-se abordar a importância da efetivação desses princípios como forma de efetivar a dignidade do consumidor, avaliando a aplicação dos princípios protetivos do consumidor pelo Poder Judiciário. A análise utilizará o método de aplicação de princípios proposta por Alexy, segundo a sua teoria dos princípios, através do método da ponderação.


METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão de literatura em que foram avaliadas publicações referentes à “Defesa do consumidor e os Direitos Fundamentais”.  Quanto ao tipo de publicação, foram considerados artigos e livros nacionais publicados em língua vernácula, além da legislação e jurisprudência nacional.  O estudo foi realizado na biblioteca setorial e laboratórios de informática e pesquisas da Faculdade Guanambi – FG, localizada na região Centro-Sul baiana a 780 km da capital Salvador-BA.

Os dados foram analisados atendendo aos seguintes critérios: dados de identificação dos autores e dos artigos/livros, o ano de publicação, título e revista/editora. Ademais, utilizou-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e a legislação nacional.


EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR

A vida e o consumo constituem um binômio inseparável. O ato de consumir é uma resposta a um conjunto de processos fisiológicos que garantem a existência da variedade de organismos. O processo de consumir, segundo uma perspectiva biológica, não pode ser considerado de forma isolada, uma vez que se molda a fatores externos pelo próprio ambiente. Consumir, portanto, é um ato de sobrevivência dos seres vivos, sendo o consumo humano mais complexo do que aqueles realizados por outros seres vivos, fazendo do ato de consumir um dos elementos que compõe a própria condição humana (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).

Conforme Almeida (2013, p. 8) [...] “todos nós somos consumidores [...] consumimos desde o nascimento e em todos os períodos de nossa existência. Por motivos variados, que vão desde a necessidade da sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo pelo consumo”.

Com a Revolução Industrial a capacidade produtiva do ser humano aumentou de forma significativa. A produção que antes era manual, artesanal, mecânica, ligada ao seio familiar ou a um pequeno grupo de pessoas, a partir dessa revolução, passou a ser em grande massa, em larga escala. A distribuição do que era produzido também sofreu alterações, visto que, antes era o fabricante quem se encarregava de fazê-la, e a partir de certo momento passou a ser realizada em grande escala pelos megaatacadistas, desta maneira, o comerciante e o consumidor passaram a receber os produtos lacrados, sem a menor condição de saber o seu real conteúdo (CAVALIERI FILHO, 2008).

Segundo Grinover & Benjamin (2007, p. 12) “O homem do século XX vive em função de um modelo novo de associativismo: a sociedade de consumo, [...] caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como, pelas dificuldades de acesso á justiça” [...].

No Brasil aplicava-se a legislação do Código Civil às relações de consumo, até a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Com essa interpretação gerou-se grandes problemas para compreensão da própria sociedade. Nas relações contratuais, baseadas no direito civil, existe o pressuposto de que os contratantes encontram-se em pé de igualdade. Era feito um contrato a partir da vontade destes e transmitido a um pedaço de papel. Neste escrito, encontra-se a vontade subjetiva das partes, e como o contrato foi realizado, o pact sunt servanda, ou seja, a vontade das partes deve ser respeitada (NUNES, 2012).

A sociedade de consumo não trouxe apenas benefícios aos seus participantes, em certos casos, piorou a situação do consumidor ao invés de melhorá-la, pois, ele ficou em situação de desequilíbrio diante do fornecedor, não se podendo mais falar-se no poder de barganha entre consumidor e fornecedor. A partir dessa discrepância nas relações de consumo foi necessária a intervenção estatal para tutelar o mercado de consumo de modo a equilibrar a relação entre o consumidor, sujeito vulnerável, e o fornecedor (GRINOVER & BENJAMIN, 2007).

A defesa do consumidor começou a ser discutida nos anos 70 de forma tímida a partir da criação de associações civis e entidades governamentais, com a finalidade de promover esta proteção. No Rio de Janeiro foi criado no ano de 1974 o Conselho de Defesa do Consumidor (Condecon); em Curitiba no ano de 1976 criou-se a Associação de Defesa e Orientação do Consumidor (adoc); em Porto Alegre, no ano de 1976 a Associação de Proteção ao Consumidor (APC); por sua vez em são Paulo através do Decreto 7.890 de 1976 foi criado o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, que tinha em sua estrutura como órgãos centrais: o Conselho Estadual de Proteção ao Consumidor e o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, posteriormente chamado de Procon (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).

A Constituição Federal de 1988 elevou a defesa do consumidor ao status de direito fundamental, conforme o art. 5º, inciso XXXII. Prevendo no art. 170, inciso V, o Direito do Consumidor como um princípio da ordem econômica, dirigindo ao Estado o dever de sistematizar esta proteção em um código, conforme o art. 48 do ADCT (LIMA FILHO, 2015).

No ensinamento de Garcia (2010, p. 03):

A inclusão da defesa do consumidor como direito fundamental na CF vincula o Estado e todos os demais operadores a aplicar e efetivar a defesa deste ente vulnerável, considerado mais fraco na sociedade. É o que chamamos de “força normativa da Constituição”, na expressão de Konrad Hesse, em que a Constituição, ou os direitos nela assegurados, em especial os direitos fundamentais, não são meros programas ou discursos a serem seguidos, mas apresentam força de norma (normas jurídica), passível de ser executada e exigível.


DIREITOS FUNDAMENTAIS

CONCEITO GERAL

Existe dificuldade em definir um conceito sintético e preciso do que seriam os direitos fundamentais, tendo em vista a ampliação e transformação que sofrera ao longo da história. A dificuldade aumenta ao serem empregadas várias expressões para designá-los, entre elas: direitos humanos, direitos do homem, direitos naturais, direitos fundamentais do homem, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos individuais e direitos públicos subjetivos (SILVA, 2005).

Aqui importa diferenciar direitos humanos e direitos fundamentais, por serem mais pertinentes a este estudo. Conforme Novelino (2012) na Constituição Federal de 1988 encontra-se o termo direitos fundamentais, em referência aos direitos humanos consagrados em seu plano interno. Enquanto que, a expressão direitos humanos, faz referência a esses direitos quando previstos em tratados e convenções internacionais, ou seja, no plano internacional.

No mesmo sentido, Oliveira (2012) infere que os direitos de proteção aos seres humanos eram denominados de direitos do homem, e posteriormente ao serem inseridos nas Constituições dos Estados, passaram a ser chamados de direitos fundamentais. Já a expressão direitos humanos passou a ser utilizada após serem previstos em tratados internacionais.

Bulos (2014, p. 525) infere que:

Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive.

Segundo Alexy (2014), os direitos humanos são definidos em cinco características, quais sejam: (1) a universalidade (todos os seres humanos, nesta qualidade, são portadores ou possuidores destes direitos); (2) são fundamentais (os direitos humanos não protegem todas as condições imagináveis do bem-estar, mas apenas os interesses e as necessidades fundamentais); (3) a abstração (refere-se ao objeto dos direitos humanos, por exemplo, todos possuem um direito á saúde, entretanto, o que isso significa em um caso concreto pode ocorrer uma longa disputa); (4) caráter moral (a validade dos direitos humanos consiste no fato de poderem ser justificados moralmente. Essa validade consiste na fundamentabilidade do seu caráter moral. O que fundamenta a existência dos direitos humanos é a sua própria existência); (5) a prioridade (os direitos humanos não podem ter sua força invalidada por normas “jurídico-positivas”; sendo também, o padrão com o qual se medirá a interpretação do que está positivado).

Conforme Nino (2011, p. 44):

Na medida em que os direitos humanos são invocados por proposições justificatórias, os juízos legais podem expressar direitos humanos somente se constituírem uma subclasse de juízos morais. Se a lei for tomada no sentido descritivo, ela não é capaz de gerar direitos humanos. [...] O que importa aqui é o caráter moral dos direitos humanos, o fato de se originarem direta ou indiretamente de princípios morais (princípios cuja validade, recordemos, não depende de sua formulação ou aceitação por qualquer autoridade, os quais são gerais, universais e supervenientes e têm primazia perante outros princípios práticos, exceto quando estes também possuem caráter moral).

O avanço alcançado pelo direito constitucional na atualidade é fruto da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e de que a Constituição é o local onde devam estar previstas normas que assegurem essa proteção. Em paralelo a isso se tem o reconhecimento da constituição como norma máxima do ordenamento jurídico e que os valores mais importantes da existência humana, devam estar resguardados nessa norma suprema, que possui força vinculativa máxima (BRANCO, 2014).

Os direitos fundamentais não surgiram ao mesmo tempo, e sim, em períodos distintos, segundo a demanda de cada época. A consagração e a progressividade nos textos constitucionais deu origem às chamadas gerações de direitos fundamentais. Entretanto, uma geração não exclui a outra, sendo que, atualmente, a doutrina tem optado pelo termo dimensão (NOVELINO, 2012).

Conforme Bonavides (2004, p. 563-564) os de primeira geração:

[...] são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente [...] Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.

Quanto aos de segunda geração, estes dominaram o século XX da mesma forma que os da primeira geração. Nessa classificação entram os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos. Nasceram ligados ao princípio da igualdade, do qual não podem ser separados, pois, do contrario, seria o mesmo que desmembrá-los (BONAVIDES, 2004).

Já os da terceira geração são os direitos de fraternidade ou solidariedade, abrangendo a paz universal e o meio ambiente equilibrado, dentre outros direitos difusos e coletivos. Neste caso, são protegidas pessoas determinadas e indeterminadas. Foram realçados após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (1945) e com a internacionalização dos direitos humanos (OLIVEIRA, 2011).

No mesmo sentido, Garcia (2010, p. 22), aduz que: [...] “no final do século XX, período marcado por profundas mudanças na comunidade internacional e na sociedade [...], com a finalidade de tutelar o próprio gênio humano, surgiram os direitos considerados transindividuais, direitos de pessoas consideradas coletivamente” [...].

A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, que aliás, correspondem á derradeira fase de institucionalização do Estado social. São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência (BONAVIDES, 2004, p. 571)

Os direitos fundamentais ainda possuem como características: a historicidade (são históricos como qualquer direito); a inalienabilidade (são direitos intrasferíveis e inegociáveis); a imprescritibilidade (são direitos que nunca deixam de ser exigíveis); e a irrenunciabilidade (não se pode renunciar aos direitos fundamentais, pode-se até deixar de exercê-los, mas nunca poderão ser renunciados) (SILVA, 2005).

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Na Constituição Federal de 1988, tem-se que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana, conforme o art. 1º, inciso III. Segundo o art. 170 da carta magna assegura-se que toda ação econômica tem por finalidade garantir a todos uma existência digna. Essa dignidade é um atributo que pertence a todos os indivíduos, é inerente à condição humana não influindo nisso qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, etc. (RAMOS, 2014).

Em consequência à consagração da dignidade da pessoa humana de maneira expressa no texto constitucional, tem-se o reconhecimento de que a pessoa deve constituir o objetivo supremo da ordem jurídica, devendo haver uma presunção a favor do ser humano em uma relação entre o indivíduo e o Estado (NOVELINO, 2012).

Segundo Nunes (2012), embora alguns doutrinadores entendam que o princípio da isonomia é a principal garantia constitucional, ele entende ser a dignidade da pessoa humana o principal direito constitucional garantido na Constituição Federal de 1988, sendo a dignidade o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional.

A utilização da dignidade da pessoa humana na jurisprudência brasileira pode se dar de quatro maneiras. A primeira forma consiste na fundamentação da criação de novos diretos, é a chamada eficácia positiva do princípio da dignidade da pessoa humana. O segundo modo é realizado pela forma de interpretação adequada das características que compõe determinado direito. A terceira forma de utilização consiste em criar limites à atuação do Estado, é chamada de eficácia negativa da dignidade da pessoa humana. Por fim, a quarta forma consiste na fundamentação do juízo de ponderação e escolha da prevalência de um direito em face de outro (RAMOS, 2014).

Apesar de possuir um grande apelo moral e espiritual, existe um vazio na definição do que seria a dignidade da pessoa humana. Sendo muito invocada pelas partes em litígios quando em jogo questões moralmente controvertidas. Deste modo é necessário que se faça um esforço doutrinário para caracterizar a sua natureza jurídica e a extensão de seu conteúdo (BARROSO, 2013).

Nesse sentido, Ramos (2014, p. 77) entende que: [...] “uso abusivo e retórico da “dignidade humana” pode banalizar esse conceito, dificultando a aferição da racionalidade da tomada de decisão pelo Poder Judiciário em especial no que tange ao juízo de ponderação entre direitos em colisão”.

Com isso, Barroso (2013) assevera que a dignidade da pessoa humana possui valor fundamental, trata-se de um princípio jurídico com status constitucional fazendo parte dos direitos fundamentais. Os princípios constitucionais desempenham diversos papeis no sistema jurídico, dentre deles, pode-se citar dois: o de fonte direta de direito e deveres, quando extraem regras que serão aplicadas em situações concretas; e o papel interpretativo, que será o alcance e o sentido que a dignidade da pessoa humana demonstra sobre os direitos constitucionais.


OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS

De acordo com Lima Filho (2015), os direitos fundamentais geralmente se exteriorizam no ordenamento jurídico através de princípios. Nesse passo, essa exteriorização será analisada através da teoria dos princípios de Alexy.

A principal distinção entre regras e princípios, consiste no fato de que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado dentro do maior alcance possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Os princípios são “mandamentos de otimização”, isso significa dizer que eles possuem como caraterística a possibilidade de serem satisfeitos em graus variados e que a sua satisfação não depende apenas das possibilidades fáticas, mas também, das possibilidades jurídicas (ALEXY, 2008).

As regras são normas que serão sempre satisfeitas ou não. Isso significa dizer que se uma regra é valida, deve-se seguir exatamente o comando que ela possui, nem mais nem menos. As regras possuem determinações no âmbito do que é fática e juridicamente possível. Portanto, a distinção entre princípios e regras é qualitativa e não uma distinção de grau. Toda norma é considerada uma regra ou um princípio (ALEXY, 2008).

No ensinamento de Barroso (2013), modernamente a constituição brasileira passou a ser interpretada como um sistema aberto de princípios e regras permeável a valores jurídicos suprapositivos, sendo que, os ideais de justiça e a busca pela realização dos direitos fundamentais exercem seu papel central. Na atualidade, prevalece o entendimento de que o sistema jurídico ideal é concebido através de uma distribuição equilibrada entre princípios e regras. 

O CONFLITO ENTRE REGRAS E A COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS

O conflito entre regras apenas poderá ser resolvido se for introduzida entre elas uma cláusula de exceção para eliminar esse conflito, caso contrário, uma das regras deverá ser declarada inválida. Os conflitos entre regras ocorrem na dimensão de sua validade. Para ser resolvida uma colisão entre princípios é necessário que um ceda ao outro, o que ocorre é que um dos princípios possui precedência ao outro em determinadas condições. Aqui, não há que ser declarada a invalidade de um princípio, nem tampouco, existe uma cláusula de exceção como no conflito entre regras. O que ocorre é que os princípios em determinados casos concretos possuem pesos diferentes, com isso, o de com maior peso terá precedência ao outro. A colisão entre princípios não está na dimensão da validade, tendo em vista que só princípios válidos podem colidir, na verdade ocorrem na dimensão do peso (ALEXY, 2008).

O que irá determinar a medida como se dará o cumprimento de um princípio em relação a outro colidente é a ponderação. Ela é a forma de aplicação específica do princípio. A definição do caráter dos princípios é a sua conexão com a máxima da proporcionalidade, trata-se de uma conexão estreita. A máxima da proporcionalidade possui três máximas parciais, quais sejam: a máxima da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Se os direitos fundamentais possuem caráter de princípio, logo a máxima da proporcionalidade vale na aplicação dos direitos fundamentais. O centro da construção dos princípios consiste na conexão necessária entre direitos fundamentais e a proporcionalidade (ALEXY, 2014).

De acordo com Alexy (2014, p. 142):

A ideia fundamental da otimização em relação às possibilidades jurídicas, ou seja, o exame da proporcionalidade, pode ser formulada em uma regra que pode ser denominada “lei da ponderação”.  Ela reza: Quanto maior o grau de descumprimento de ou interferência em um princípio, maior deve ser a importância do cumprimento do outro princípio.  A lei da ponderação mostra que a ponderação pode ser dividida em três passos ou níveis. No primeiro nível trata-se do grau de descumprimento de ou de interferência em um princípio. A ele se segue, no próximo nível, a identificação da importância do cumprimento do princípio oposto. Finalmente, no terceiro nível, identifica-se se a importância do cumprimento do princípio oposto justifica o descumprimento do outro princípio ou a interferência nele.

A ponderação consiste em uma técnica de decisão jurídica, a ser aplicada em casos difíceis, nos quais a subsunção se mostrou ineficaz. Isso ocorre devido ao fato de existirem normas de mesma hierarquia indicando soluções distintas. Tornou-se comum nos últimos tempos a utilização da ponderação pela jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal (BARROSO, 20013).

Conforme Lima Filho (2015) [...] “ao magistrado compete, ao aplicar a norma abstratamente prevista pelo legislador, ponderar qual é o melhor ajustamento desta norma ao caso concreto”.

POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

É no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor que se encontra a Política Nacional das Relações de Consumo, que possui como objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, a saúde e segurança, visando proteger os interesses econômicos e a melhoria da qualidade de vida dos consumidores. Objetiva-se ainda a transparência e a harmonia das relações de consumo observando seus princípios regedores (BRASIL, 1990).

Através dessa política nacional, procura-se a implantação de um sistema jurídico único e uniforme, através de normas de ordem pública e interesse social, de aplicação imprescindível na busca da tutela dos interesses dos consumidores. A instrução instrumentalizada no art. 4º do CDC está ligada aos ditames da ordem econômica, art. 170 da constituição Federal de 1988, bem como da proteção dos direitos e garantias fundamentais, conforme o art. 5º da carta magna, os quais visam alcançar a harmonia daqueles que integram o mercado de consumo (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).

O Código de Defesa do Consumidor foi a lei mais revolucionária do século XX, pelas inúmeras inovações que introduziu no ordenamento jurídico pátrio. Apesar de destinada às relações de consumo, o CDC influenciou todo o sistema jurídico brasileiro, tanto a doutrina quanto a jurisprudência mudou profundamente após a sua vigência. O CDC adotou uma técnica legislativa avançada que se baseou em princípios e cláusulas gerais, permitindo assim, ser considerado como uma lei principiológica (CAVALIERI FILHO, 2008).

Segundo Garcia (2010, p. 21), o Código de Defesa do Consumidor:

[...] constitui norma principiológica (normas que veiculam valores, estabelecem os fins a serem alcançados, ao contrário das regras que estipulam hipóteses do tipo preceito/sanção), contemplando cláusulas gerais (técnica legislativa na qual são utilizados conceitos jurídicos a serem preenchidas pelos magistrados quando da análise de um caso concreto, v.g., boa-fé objetiva, função social do contrato etc.).

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DO CONSUMIDOR

A dignidade da pessoa humana já foi abordada neste trabalho como um dos fundamentos da Constituição Federal de 1988, sendo ainda, considerada o principal princípio do ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, “A dignidade da pessoa humana — e do consumidor — [...] ilumina todos os demais princípios e normas [...] dentro do sistema constitucional soberano brasileiro. A dignidade garantida no caput do art. 4ºda Lei n. 8.078/90 está, assim, ligada diretamente àquela maior” [...] (NUNES, 2012).

Interessante ilustrar a sua aplicação no seguinte julgado:

DIREITO DO CONSUMIDOR. CLÍNICA DE EXAME OCUPACIONAL. TEMPO DE ESPERA. CONSUMIDORA AGUARDOU ATENDIMENTO POR APROXIMADAMENTE TRÊS HORAS. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA CONSUMIDORA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. [...] NO CASO CONCRETO, O TEMPO DE ESPERA SUPEROU QUALQUER SITUAÇÃO DE NORMALIDADE, CONFIGURANDO VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA CONSUMIDORA. 3. O QUANTUM A SER FIXADO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS DEVERÁ OBSERVAR AS SEGUINTES FINALIDADES: COMPENSATÓRIA, PUNITIVA E PREVENTIVA, ALÉM DO GRAU DE CULPA DO AGENTE, DO POTENCIAL ECONÔMICO E CARACTERÍSTICAS PESSOAIS, A REPERCUSSÃO DO FATO NO MEIO SOCIAL E A NATUREZA DO DIREITO VIOLADO, OBEDECIDOS OS CRITÉRIOS DA EQUIDADE, PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 4. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. (TJ-DF - ACJ: 20130910094440 DF 0009444-10.2013.8.07.0009, Relator: EDI MARIA COUTINHO BIZZI, Data de Julgamento: 26/11/2013, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 23/01/2014, 1054p).

PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE

O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor está previsto no inciso I, do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. O consumidor é considerado a parte mais fraca no mercado de consumo, visto que, o fornecedor detém os meios necessários para o controle desse mercado. Ele é quem irá ditar a quantidade da produção, fixar valor do que vai produzir. A tutela da vulnerabilidade do consumidor tem por objetivo equilibrar a relação econômica entre este e o fornecedor, conferindo-lhe instrumentos para se defender (FILOMENO, 2007).

O Direito do Consumidor encontra fundamento na vulnerabilidade. Esta é um elemento informador da Política Nacional das Relações de Consumo. Ela visa estabelecer igualdade entre consumidores e fornecedores que fazem parte dos elementos da relação de consumo. O consumidor é tido como vulnerável, pois não detêm o controle do processo de produção, distribuição e comercialização, participa apenas do consumo (CAVALIERI FILHO, 2008).

Importante destacar a distinção entre os termos, vulnerabilidade e hipossuficiência. A vulnerabilidade justifica a existência da defesa do consumidor, é uma característica de todos que se enquadram na condição de consumidor, ou seja, é dizer que os todos os consumidores são vulneráveis. Já a hipossuficiência se dá de duas maneiras: hipossuficiência econômica, quando o consumidor é tido como pobre; ou processual, quando possui dificuldade na produção de provas em juízo (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).

Espécies de vulnerabilidade

É encontrado na doutrina três espécies de vulnerabilidade do consumidor, que podem ser das seguintes maneiras:

Conforme Nunes (2012), a vulnerabilidade técnica está relacionada aos meios de produção que é de monopólio do fornecedor. Não diz respeito apenas à técnica de produção, mas também, ao aspecto de controle das decisões do que será produzido e posto à venda no mercado de consumo. O consumidor, parte fraca dessa relação, fica condicionado ao que o fornecedor produzir.

Segundo Cavalieri Filho (2008), a vulnerabilidade fática decorre da discrepância entre a capacidade econômica do consumidor e fornecedor. O consumidor é a parte mais fraca dessa relação, já o fornecedor, possui os mecanismos de produção e o consequente poder econômico. O status social leva o consumidor à necessidade de consumidor, pois o mercado de consumo vende ilusões e necessidades irreais. Fazendo com que este caia na tentação de estar sempre consumindo, colocando-o em uma cadeia viciosa levando ao endividamento e consequente negativação do nome.

A vulnerabilidade jurídica está relacionada à carência de informação do consumidor a respeito de seus direitos e a quem reclamar por eventual conflito, dificuldades de chegar ao judiciário e a longa demora de tramitação dos processos judiciais. Essa vulnerabilidade garante ao consumidor um processo célere. Sendo que esta poderá ocorrer na fase extrajudicial, na fase pré-processual e até mesmo depois de terminado o processo (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).

Nesse passo, importante conferir o seguinte julgado:

CHEQUES - VINCULAÇÃO A NEGÓCIO QUE NÃO SE REALIZA - DIREITO DE DEVOLUÇÃO - RESPEITO AO PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR - SENTENÇA REFORMADA. 1. ASSINANDO CONSUMIDOR CONTRATO DE FINANCIAMENTO, QUE ESTÁ DIRETAMENTE LIGADO À COMPRA QUE FAZ, DANDO CHEQUES PARA PAGAMENTO DAS PARCELAS MENSAIS A QUE SE OBRIGA EM RAZÃO DO CONTRATO, E SE NÃO RECEBE ELE AS MERCADORIAS FINANCIADAS, NÃO PODE ELE SER OBRIGADO A QUITAR AS PRESTAÇÕES, NÃO SÓ EM OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA UTILIDADE DO CONTRATO, COMO, AINDA, EM RECONHECIMENTO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR. [...] (TJ-DF - ACJ: 20020110349929 DF , Relator: LUCIANO VASCONCELLOS, Data de Julgamento: 02/10/2002, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 13/11/2002, 134p).

PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO

O inciso II, do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor prevê que o Estado deve agir no sentido de proteger efetivamente o consumidor. É dever do Estado instituir órgãos de públicos de proteção e defesa do consumidor e incentivar a criação de associações que visem protegê-lo. A ação do Estado no mercado de consumo visa a sua regulação, intervindo quando necessário, conduzindo a proteção efetiva do consumidor e cuidando do funcionamento dos produtos e serviços oferecidos pelo fornecedor no mercado de consumo (FILOMENO, 2007).

Segundo Giancoli & Araújo Júnior (2012) o Estado pode intervir no mercado de consumo, defendendo os interesses do consumidor, garantindo-lhe acesso aos produtos e serviços essenciais e zelando pela sua qualidade. A ação do Estado pode ser verificada por intermédio de Procons, do Ministério Público, da Secretaria de Direito Econômico e do incentivo à criação de entidades civis de proteção ao consumidor.

PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

A necessidade do respeito à boa-fé objetiva é extraída do inciso III, do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. Os contratantes, consumidor e fornecedor, devem se respeitar praticando uma conduta de lealdade na relação contratual, baseando-se na confiança de ambas as partes para que o contrato possa ser executado da melhor maneira possível. A boa-fé objetiva é obtida através de comportamentos éticos relacionados a um dever de conduta. Devendo esta ser observada em todas as fases do contrato, ou seja, na fase pré-contratual, durante a execução do contrato e após a sua extinção (GARCIA, 2010).

PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA

Este princípio tem previsão no caput do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. Dentre os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo está à observância da transparência (BRASIL, 1990).

Conforme Giancoli & Araújo Júnior (2012), o princípio da transparência significa a clareza e precisão da informação, devendo a relação estabelecida no mercado de consumo ser feita de forma clara, tendo absoluta transparência entre as partes. O fornecedor tem o dever de informar tendo zelo pela quantidade e qualidade das informações prestadas ao consumidor, cuidando da segurança dos produtos e serviços que põe no mercado de consumo. Já o consumidor tem o direito a ser informado de forma adequada sobre o que vai consumir.

PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA

Ainda que, não se esteja expresso no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, este princípio encontra-se, no entanto, espalhado por vários artigos do diploma consumerista. O legislador preocupou-se em criar novos mecanismos para facilitar o acesso dos consumidores à justiça como meio de defesa dos seus direitos (GARCIA, 2010).

Alvim apud Gondim (2011) assevera que a “necessidade de conferir efetividade ao processo e facilitação do acesso à justiça exigiu que se fortalecesse a posição do consumidor [...] com a criação de mecanismos de ordem processual que realmente representassem a desobstrução do acesso à Justiça” [...].


O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

Toda norma jurídica tem por objetivo a produção de algum efeito jurídico. A consequência disso é a eficácia jurídica, ou seja, a pretensão de atuar sobre a realidade é característica das normas jurídicas. Quando os efeitos dessas normas se consumam, ou seja, a ocorrência entre o dever-ser normativo e o ser da realidade, isso é a chamada efetividade da norma. O não cumprimento da norma jurídica equivale a não realização dos efeitos que esta norma possui, sendo passível de sansão judicial. Tanto o Poder Público, quanto o particular, quando lesados em algum direito, podem exigir o cumprimento judicial das normas que tutelam seus interesses. Modernamente, entende-se que não apenas as regras, mas também, os princípios possuem eficácia jurídica. Em decorrência do princípio instrumental da unidade da Constituição não existe hierarquia jurídica entre regras e princípios constitucionais (BARROSO, 2013).

Para Nunes (2012, p. 49), “na Constituição existem normas mais relevantes que outras. Essas, mais importantes, são as que veiculam princípios, verdadeiras diretrizes do ordenamento jurídico”.

Na lição de Barroso (2013, p. 312):

Tradicionalmente, a doutrina analisa os atos jurídicos em geral, e os atos normativos em particular, em três planos distintos: o da existência (ou vigência), o da validade e o da eficácia. As anotações que se seguem têm por objeto um quarto plano, que por longo tempo fora negligenciado: o da efetividade ou eficácia social da norma. [...] Efetividade, em suma, significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

Ao incluir a defesa do consumidor como um direito fundamental na Constituição Federal de 1988, foi veiculado ao Estado e a todos os operadores do direito a aplicar e efetivar essa defesa, tendo em vista, que o consumidor é o sujeito vulnerável considerado mais fraco na sociedade. Atualmente, os direitos fundamentais também são aplicados nas relações privadas devendo ser observados os princípios constitucionais nas relações inter partes. É a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, diferente da eficácia vertical em que se devem observar os direitos fundamentais nas relações entre o Estado e o indivíduo (GARCIA, 2010).

Segundo Lima Filho (2015), [...] “deve-se destacar a importância do papel do Poder Judiciário que distante do processo político majoritário e detentor de outros mecanismos de legitimação, [...] tem o dever de promover os valores constitucionais inclusive, em relação à efetivação dos direitos das minorias”.

Nesse passo, é de grande importância a efetivação dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo como meio de se efetivar a dignidade do consumidor.  Como exposto, os direitos fundamentais também são aplicáveis às relações entre particulares. Sendo o consumidor sujeito vulnerável da relação de consumo, necessita que a sua proteção seja realizada de maneira mais eficaz como forma de garantir o equilíbrio nas suas relações com o fornecedor. O CDC constitui norma de ordem pública, devendo ser respeitada entre as partes.

Segundo Barroso (2013), as normas jurídicas de ordem privada prescrevem condutas, criam direitos e atribuem faculdades, entretanto, permite a autonomia da vontade das partes para afastar a sua aplicação. Enquanto que as normas de ordem pública são criadas em razão do interesse público protegendo pessoas que estão no lado mais fraco da relação jurídica, essas normas não podem ser derrogadas pela vontade das partes.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta pesquisa bibliográfica, foi possível verificar os instrumentos que tutelam a defesa do consumidor e a necessidade de dar maior importância à sua proteção, com o intuito de equilibrar a sua relação com o fornecedor. Verificou-se que o consumidor é considerado vulnerável no mercado de consumo, sendo dever do Estado intervir de forma a harmonizar essa relação. O consumidor muitas vezes adquire produtos ou serviços atraído pelas tendências lançadas nos meios publicitários pela forte influência do marketing. Entretanto, quando se depara com abusos, se vê distante na busca por solução diante das dificuldades que enfrente, seja de conhecimento ou da demora oriunda da grande demanda processual.

Os direitos fundamentais buscam garantir uma vida digna às pessoas diante dos abusos que ocorrerem nas relações consumeristas. O respeito à dignidade da pessoa humana  do consumidor necessita ser efetivada. Dar cumprimento às normas, em essencial aos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo que buscam dar proteção ao consumidor, é um objetivo a ser alcançado. Os direitos fundamentais são aplicáveis, também, nas relações entre particulares, é o que a doutrina chama de eficácia horizontal desses direitos. Sendo que, na busca pela sua efetivação destaca-se o papel do Poder Judiciário. Foi possível verificar que o método da ponderação, oriunda da teoria de Alexy, possui mecanismos capazes de realizar essa pretensão. Nesse passo, o Poder Judiciário poderá se valer deste método na busca pela efetivação da dignidade do consumidor, sem cometer o arbítrio. Como visto, a dignidade da pessoa humana é um atributo inerente a todas as pessoas, sendo necessária a concretização desse valor fundamental.


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THE IMPLEMENTATION OF THE PRINCIPLES OF THE NATIONAL POLICY OF CONSUMER RELATION AND THE CONSUMER DIGNITY

ABSTRACT: This study aims to analyze the Consumer Protection based on the protective principles from the National Policy of Consumer Relation and its effectiveness of the relationship between consumers and suppliers, verifying the way of how to effect these principles. Therefore, it is necessary to examine the evolution and the path that the consumer protection legislation has taken in the past few years. In this manner, it is essential to evaluate the importance of the fundamental rights in the Brazilian legal system, and its relationship with the consumer protection. Then, it is assessed the performance of the judiciary and its role in pursuing the execution of the principles that protect the consumer, so it is important to understand how the principles are classified and their scope. It is interesting to mention that this study is in agreement with Alexy and his teachings about the principle theory. The aim is to understand whether the weighting method is suitable for the application of the principles, and whether it is possible to ensure the consumer dignity.

Key words: Judiciary. Law Norm. Weighting.


Autores

  • Eujecio Coutrim Lima Filho

    Delegado de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais. Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Estado da Bahia (UFBA, BA). Graduado em Direito pelo IESUS (BA). Professor de Direito Processual Penal na UNIFG (BA) e na FAVENORTE (MG). Professor nos cursos de pós-graduação da UNIFG/UNIGRAD (BA) e da ACADEPOL (MG). Ex-Advogado. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de obras jurídicas. Colunista do Canal Ciências Criminais.

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  • Romério Araújo

    Advogado. Assessor Jurídico na Câmara Municipal de Guanambi/BA. Pós-graduando em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá. Graduado em Direito pela Faculdade Guanambi/BA.

    Textos publicados pelo autor

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Eujecio Coutrim; ARAÚJO, Romério. A efetivação dos princípios da política nacional das relações de consumo e a dignidade do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4520, 16 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44482. Acesso em: 25 abr. 2024.