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RPPS: as quatro fases do cálculo da aposentadoria no serviço público

RPPS: as quatro fases do cálculo da aposentadoria no serviço público

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Partindo de um aparente romantismo de conto de fadas, o artigo apresenta quatro fases cronológicas do cálculo da aposentadoria dos servidores públicos.

Há muito, muito tempo atrás, existia uma longínqua monarquia encravada em terras férteis, onde do chão brotavam frondosas árvores e dos rios águas límpidas e puras. O rei, um monarca muito bondoso, tratava seus servos com dignidade e respeito. Após anos de serviços palacianos, os servos “recolhiam-se aos seus aposentos” com todos os títulos auferidos durante sua vida a serviço do rei. Eram tempos prósperos e felizes.

Com o passar dos anos, entretanto, o monarca percebeu que a forma de aposentadoria de seus servos lhe custava muitas coroas. Ele passou a acreditar piamente que seus servos tinham um regime de privilégios e que isto contribuía seriamente para o desequilíbrio das finanças reais, esquecendo-se que ele próprio era responsável por boa parte do elevado e irresponsável gasto das riquezas do reino.

Por esta razão, o rei, aconselhado pelo perverso ministro da coroa e finanças, decidiu aumentar impostos e editar decretos reais que, ao longo dos anos, passaram a retirar direitos e títulos antes garantidos aos servos. Foram criados cálculos esdrúxulos e amarras legais que passaram a limitar o valor das aposentadorias.

O rei, agora um déspota, perdulário e impopular, impiedosamente decretou que os seus fiéis servos passariam a se aposentar na vala comum dos súditos. A partir destas providências, a vida dos servos deixou de ser feliz e segura, e o reino se abateu por tempos de incertezas, desconfiança e escuridão. E, apesar destas duras medidas, o reino continuou empobrecendo. Recolher-se aos aposentos, destarte, passou a ser um momento delicado e indesejado pelos servos.                        

Guardadas as devidas proporções entre a estória acima contada e o Brasil nos últimos 27 anos, uma característica em comum não pode deixar de ser apontada: trata-se da sucessiva edição, nos últimos anos, de emendas constitucionais com o objetivo de se conquistar o tão necessário equilíbrio financeiro e atuarial para os RPPS, nem que, para isto, tenham que ser tomadas duras medidas, como a extinção de direitos do servidor público no momento da aposentadoria.   

Com estas considerações introdutórias, ainda que apresentadas como um aparente romantismo de conto de fadas, abre-se caminho para a breve apresentação das quatro fases cronológicas do cálculo da aposentadoria dos servos, digo, dos servidores públicos no ordenamento jurídico pátrio. Vamos a elas:

1ª Fase – Da Constituição Federal de 1988 até a Emenda Constitucional nº 20/98:

Nesta primeira fase, o servidor se aposentava com direito à integralidade e paridade. Isto é, levava para a aposentadoria o valor de sua última remuneração no cargo efetivo, sem qualquer relação com o seu histórico contributivo e tinha direito a reajustes na mesma data e índice dos reajustes na remuneração dos servidores em atividade.

Também nesta época o valor dos proventos de aposentadoria não estava limitado ao valor da remuneração do servidor no cargo efetivo. Ou seja, era possível o servidor levar para a aposentadoria parcelas que, em regra, não pertenciam à sua remuneração. Ele podia, por exemplo, incorporar aos proventos gratificações pelo exercício de cargos em comissão ou função de confiança, nos termos da norma autorizadora à época.

Nesta época, não havia vedação para se conceder ao servidor, no momento de sua aposentadoria, vantagens que majoravam o valor dos proventos, como a mudança de nível/classe, adicionais de inatividade etc. Permitia-se, portanto, a agregação de parcelas e valores que ajudavam os proventos a superar o valor da remuneração do servidor no cargo efetivo.

Esta, sem sombra de dúvidas, foi a melhor fase para o servidor. Entretanto, era péssima para o RPPS que, para manter estes direitos, precisava gastar muito. Os RPPSs estavam em total desequilíbrio financeiro e atuarial. Por isso, a situação necessitava de urgente reforma.  

2ª FASE - Da Emenda Constitucional nº 20/98 até a Emenda Constitucional nº 41/03:

E a segunda fase teve início com o advento da EC nº 20/98, que manteve o direito à integralidade e paridade. Os servidores, portanto, conseguiram manter o direito de se aposentar levando o valor de sua última remuneração no cargo efetivo e reajustes na mesma data e índice dos reajustes na remuneração dos servidores em atividade. A EC nº 20/98 não mexeu e não extinguiu esses direitos.

Entretanto, a partir da EC nº 20/98, com a nova redação emprestada ao §2º, do art. 40, da CF/88 o valor dos proventos de aposentadoria não mais poderia exceder (ultrapassar) o valor da remuneração do servidor no cargo efetivo. O texto constitucional reformado criou o primeiro limitador nos proventos de aposentadorias do servidor.

A partir daqui a boa vida do servidor na inatividade sofreu um revés, pois não mais seria possível a incorporação de vantagens não inerentes à sua remuneração no cargo efetivo e que ajudavam a majorar o valor da aposentadoria, encarecendo-a.

Mas, a reforma até aqui ocorrida não foi suficiente para solucionar o problema do desequilíbrio financeiro e atuarial pelo qual passavam os RPPSs. Na verdade, a reforma foi considerada muito discreta e pouco contribuiu para o ajuste das contas públicas. Era preciso fazer mais, era preciso, na visão do Estado, extinguir mais direitos. Então, Deus fez o homem e o homem fez a EC nº 41/03.

3ª FASE - Da Emenda Constitucional nº 41/03 até a Lei nº 12.618/12:

A partir desta terceira fase, com a edição da EC nº 41/03, os servidores sofreram, de fato, o primeiro grande revés em relação ao cálculo de suas aposentadorias: extinguiu-se o direito à integralidade, extinguiu-se o direito à paridade e manteve-se o limitador dos proventos ao valor da remuneração do cargo efetivo.

O que valia agora, para fins de apuração dos proventos de aposentadoria, era o histórico contributivo do servidor e não mais sua última e atual remuneração no cargo efetivo.

No lugar da integralidade, criou-se o novo critério de cálculo pela média aritmética simples, cujo resultado é limitado à remuneração do servidor no cargo efetivo.

Assim, nesta nova metodologia de cálculo, se o resultado da média for inferior à remuneração do cargo efetivo, hipótese mais comum, considera-se o resultado da média como o valor dos proventos. Se o resultado da média, entretanto, for superior à remuneração do cargo efetivo, hipótese mais rara, considera-se o resultado da remuneração do cargo efetivo como o valor dos proventos a ser concedido na aposentadoria. Ou seja, é sempre o que for pior para o servidor.

Nesta fase, a paridade deu lugar ao reajuste na forma da lei. Não mais na mesma data e no mesmo índice de correção da remuneração dos servidores em atividade.

Entretanto, inobstante as relevantes alterações ocorridas nos critérios de cálculo das aposentadorias nesta fase, ainda era necessário fazer mais. O Estado precisava tomar medidas mais contundentes. Diante disto, a União, depois seguida por diversos entes federados, editou, no âmbito de seu funcionalismo público, a Lei nº 12.618/12, dando vida à previdência complementar do servidor, cuja previsão estava insculpida nos §§§ 14, 15 e 16, do art. 40, da CF/88.

4ª FASE - Da Lei nº 12.618/12 aos dias atuais:

A quarta e atual fase na evolução do cálculo da aposentadoria no RPPS refere-se à criação da previdência complementar dos servidores públicos, cujas diretrizes, no âmbito do serviço público federal, estão estabelecidas na Lei nº 12.618/12. Embora muitos entes federados já tenham criado sua previdência complementar, tomaremos como parâmetro o modelo federal para as considerações deste trabalho.

E, nesta parte do trabalho, por não ser objeto de nosso estudo, não abordaremos a alíquota de contribuição complementar incidente sobre a parte que exceder o teto do RGPS. Nosso foco é o que se limita ao referido teto.

Pois bem, a Lei 12.618/12, atendendo ao mandamento constitucional insculpido no § 14, do art. 40, da CF/88, criou aquele que podemos considerar o mais rigoroso limitador dos proventos de aposentadoria: a limitação ao teto do RGPS, sobretudo no serviço público federal, onde diversas categorias percebem remuneração superior a este teto.

A Lei nº 12.619/12 alterou a redação da Lei nº 10.887/04, estabelecendo em seu art. 4º, inciso II, “a” e “b”, que a alíquota de contribuição do servidor público federal incidirá sobre a parcela da base de contribuição que não exceder ao limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, atualmente no valor de R$ 4.663,75, em se tratando de servidor que:

a) tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do regime de previdência complementar e tenha optado por aderir a este regime; ou

b) que tiver ingressado no serviço público a partir da data da publicação do ato de instituição do regime de previdência complementar, independentemente de adesão ao regime.

Destarte, a partir do ato de instituição da previdência complementar no serviço público federal, tanto os servidores que tiverem ingressado antes, mas optado por aderir ao novel regime, quanto os que tiverem ingressado após, independente da adesão, só precisarão contribuir até o teto do RGPS. Acima disso, só se aderirem à alíquota complementar, cujos detalhes e cálculo não são objeto deste trabalho. Aliás, a partir da Lei 13.183/15, no que pese a eventual inconstitucionalidade, a inscrição para quem percebe acima do teto do RGPS passou a ser automática.    

Por sua vez, o art. 3º da Lei nº 12.618/12 estabelece que se aplica o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de previdência da União, observado o disposto na Lei nº 10.887/04 aos servidores federais que tiverem ingressado no serviço público:

a) a partir do início da vigência do regime de previdência complementar, independentemente de sua adesão ao plano de benefícios; e

b) até a data anterior ao início da vigência do regime de previdência complementar, e nele tenham permanecido sem perda do vínculo efetivo, e que exerçam a opção prevista no § 16, do art. 40, da Constituição Federal.

Aqui, a partir do início da vigência do regime de previdência complementar no serviço público federal, tanto os servidores que tiverem ingressado antes e optado por aderir ao novel regime, quanto os que tiverem ingressado após, independente da adesão, terão seus proventos limitados ao teto do RGPS.

Estes, portanto, são os parâmetros atuais de contribuição e teto de benefícios no RPPS da União.

Pouco importa se o servidor percebe remuneração acima do teto do RGPS. Se isso ocorrer, ele contribuirá somente até o teto. E, exatamente por isso, ele receberá proventos também limitados ao teto do RGPS. De outro modo, se ele percebe remuneração inferior ao teto do RGPS, evidentemente, contribuirá com valor inferior ao teto e não precisará se preocupar com este limitador no cálculo dos proventos.

Mas, antes de aplicarmos o teto do RGPS, não nos esqueçamos de que o caput do art. 3º da Lei nº 12.618/12 manda que observemos primeiro o que estabelece a Lei nº 10.887/04, isto é, que façamos primeiro o cálculo da média aritmética simples, para só depois aferirmos a necessidade da efetiva aplicação do teto do RGPS.

Explicando melhor, na previdência complementar da União, deve-se primeiro proceder ao cálculo da média. E, como dito na terceira fase, a regra é que: a) se o resultado da média for inferior à remuneração do cargo efetivo, considera-se o resultado da média como o valor dos proventos; b) se o resultado da média for superior à remuneração do cargo efetivo, considera-se o resultado da remuneração do cargo efetivo como o valor dos proventos.

Aqui, observe-se que: se tanto o resultado da média quanto a remuneração do servidor forem inferiores ao teto do RGPS, não há que se falar em aplicação do teto, pois os valores são inferiores. Isto é, serão aplicados apenas os critérios esposados no parágrafo anterior de apuração da média.

Entretanto, se tanto o resultado da média quanto a remuneração do servidor forem superiores ao teto do RGPS, aí sim, teremos que aplicar, como limitador, o teto do RGPS, atualmente no valor de R$ 4.663,75.

Destarte, o servidor que estiver inserido no regime de previdência complementar da União, se perceber remuneração acima do teto do RGPS, terá seus proventos calculados pela média e, se o resultado for ainda superior ao teto do RGPS, será limitado a este. Caso queira se aposentar com um patamar remuneratório parecido com o que percebe em atividade, deverá aderir à alíquota complementar.

Percebam, em conclusão, o quanto o cálculo dos proventos de aposentadoria vem mudando ao longo de cada fase, de cada reforma, e deixando o momento de “recolher-se aos aposentos” cada vez mais delicado e indesejado.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERTÃO, Alex. RPPS: as quatro fases do cálculo da aposentadoria no serviço público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4615, 19 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44898. Acesso em: 20 abr. 2024.