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As pedaladas fiscais

As pedaladas fiscais

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Desde os primórdios da concepção de sociedade, entendida como a reunião de humanos em favor ou desfavor de um propósito, o homem se guiou por suas pretensões. Esses estímulos que o impulsionam em suas mais diversas ações cotidianas: andar, comer, respirar, falar, amar, possuir, destruir.  Do confronto dessas forças de natureza individual, em concorrência sobre determinado objeto, surgem os saberes. Esse conhecimento ou ciência, se etimologicamente o preferir, sobre quem, enquanto vencedor da luta de pretensões, possui a razão.

A razão é, assim, observada como a certa medida, como aquilo que se sobressai. Em síntese, o vencedor dita as regras. Desprende-se disso que aquele que age segundo tais saberes, age de acordo com certos poderes. Desses “saberes-poderes” emanarão os princípios basilares das relações sociais. A ética, desta forma, proverá a moralidade do indivíduo inserido em sociedade. O sujeito se formará no dado. A sociedade, então, a cada momento histórico será definida como a dobra de assentamento desses elementos; seja para reafirma-los, seja para reconstituí-los.

A ordenação desses princípios será a fundamentação de validade para as ações sociais. Tudo que é feito em comunidade observará como norte tais constituições de provimento sobre os objetivos últimos do convívio em grupo. O poder ao mesmo tempo em que se dispersa, atravessa os discursos instanciais que circulam em sociedade. Assim surge o Estado, o pressuposto (tácito ou não) representante impessoal de organização social em busca, prática, da paz social. Ou seja, dos assentamentos de desejos sobre os ditames coercitivos dos poderes.

Na sociedade brasileira, esses anseios serão regulados pela atual Constituição Federal (1988), fruto das lutas e debates políticos, que irradiará seus efeitos por toda a ordenação jurídica que lhe deve observância. Pois, para que as necessidades sociais alcancem suas metas, faz-se primordial a consumação prática daquilo que é almejado. 

Dentre as sustentações de fomento do Estado, a Atividade Financeira é a que mais se destaca porque será a sua forma de provimento recursal para a prestação de serviços que lhe são inerentes. Assim, a Administração Pública é, em vias de consequência prática, ou seja, pela proximidade com o cidadão, a responsável por sua efetivação. Para tanto, a Atividade Financeira do Estado se sujeita a princípios que, elem de éticos, são essenciais ao pleno funcionamento da máquina. 

Consoante a isso, a prestação de contas por meio da consagração da accountability, vem refletindo os princípios constitucionais da democracia e da república. Em análise, aquilo que pé do povo, pertence a todos.  Os interesses pessoais não devem se sobrepor aos coletivos. Pelo contrário, as contas da Administração Pública devem se voltar e se validar para a sociedade. Assim como se perfazem seus mecanismos de efetivação, quais sejam, a responsabilidade, a prestação de contas e os sistemas de controle. Percebe-se, pelo dito, a importância da lei de Lei de Responsabilidade Fiscal (nº 101/2000) na fiel observância dos princípios que norteiam a Atividade Financeira do Estado. 

Dos fenômenos financeiros, destaca-se o Orçamento Público que, segundo Pascal (2008), é a “lei que contempla a previsão de receitas e a fixação de despesas, planejando a vida econômica e financeira do Estado, por um certo período”. Sendo assim, o Orçamento caracteriza-se por ser um instrumento de planejamento dinâmico, político, financeiro e técnico para a consumação dos objetivos estatais. Igualmente, guiando-se pela legalidade, universalidade, totalidade, unidade, anualidade, precedência, exclusividade, especificação, não afetação da receita, proibição do estorno de verbas, equilíbrio e programação daquilo que lhe aprouver quanto à despesa e à receita pública. 

Todavia, conforme Alexandra Rufino (2010), em análise acerca do Controle Interno da Administração Pública Municipal, 

“a legislação brasileira obriga os entes públicos a implantarem seus sistemas de controles como forma de cumprir os ditames legais e atender aos anseios da comunidade e que diversas são as espécies disponibilizadas para o atingimento dessas metas. A análise da prática, no entanto, demonstrou uma realidade distante da exigida. A efetivação dessa implementação não é fácil e ainda não está consolidada entre os dirigentes políticos a real função de controle [...]”. 

Conquanto, isso não é de fácil constatação apenas em âmbito municipal. Atualmente, o Tribunal de Contas da União chegou a igual entendimento quanto às medidas eleitorais propagadas e geridas pela Administração Publica do governo popularmente conhecido por “PT”, qual seja, a gestão de Dilma Rousseff e Luis Inácio como presidentes da república brasileira. Neste sentido, Felix de Guattari, apresentando o fracasso na tentativa de revolução de esquerda na França, em visita ao Brasil, entrevistou Luis Inácio, parecendo prever por meio das perguntas feitas o futuro do país antes mesmo da eleição dos candidatos “petistas”. 

Em síntese, o processo denominado de “pedaladas fiscais” é assim conhecido por uma transformação das contas deficitárias públicas em eminências pardas. Os repasses, legalmente estabelecidos, eram retidos para rarefação da dívida ativa do Tesouro nacional,desta forma, artificializando as despesas e diluindo as contas aos desígnios eleitorais. Assim, antes de refletir a realidade, realizando a arrecadação de receitas e o empenho em igual proporção de despesas, o Orçamento Público era a virtualização da boa-imagem. Os programas midiaticamente exacerbados conluiam para empenhos exorbitantes de despesas sem a possibilidade de receitas para seu consequente pagamento. 

Por isso, em detrimento da sociedade, a atual gestão presidencial anseia tão desesperadamente pela instituição de novos impostos e redução de gastos, pois, com isso, almeja tentar consertar o erro de planejamento em sua administração orçamentária. Se aquilo que é programado para a sociedade não atinge suas metas por desvios individuais, a supressão em cadeia de todos é seu resultado. Isso é notório na alta dos preços dos produtos, rebaixamento do Brasil frente a outras soberanias et cetera. Deficiências, essas, que se sanariam apenas com a prudente administração da verdade. 

Tanto quando as bases da ética, as da política tendem, nesse jogo incessante de forças, a desaguarem em nossa realidade. O poder, num regresso ao infinito, advém exclusivamente do povo, da conjunção, do plural, pois não há poder sozinho. É a consciência crítica disso que liberta. O poder não é somente de um grupo que domina, ele é microfísico e circula em fluxos de instâncias. Bem assim também são as formas de controle de gestão em um Estado Democrático de Direito, funcionam interna e externamente. 

Deleuze (2010) assevera a diferença entre a história das revoluções e os devires minoritários. Não é porque, historicamente, toda revolução tenda ao fracasso (lê-se a ascensão de grandes líderes da promessa advindos da revolução) que isso impeça as pessoas de devirem revolucionárias.  Enquanto existirem humanos em sentido humanitário que percebam a pluralidade das vidas, haverá não só auditores dos Tribunais de Contas que conhecem a importância de princípios éticos, mas haverá ainda humanidade que constrói a vida na prática. 


Referências 

DELEUZE, Gilles. Conversações. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 1996.

FOUCAULT, Michel. As verdades e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2002.

GLOBO.COM. Entenda as 'pedaladas fiscais' e o que o TCU avalia nas contas do governo. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/06/entenda-pedaladas-fiscais-e-o-que-o-tcu-avalia-nas-contas-do-governo.html>. Acesso em: 15 jan. 2016.

GUATTARI, Félix. Lula: entrevista. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. 

PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito Financeiro e controle externo. 6 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

RUFINO, Alexandra Cronemberger. Controle interno no Município. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3127, 23 jan. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20913>. Acesso em: 16 jan. 2016.


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