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Reflexões sobre a Súmula Vinculante n. 53

Reflexões sobre a Súmula Vinculante n. 53

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A Súmula Vinculante n. 53 sedimentou a tese, contrario sensu, de que a Justiça do Trabalho é incompetente para executar as contribuições previdenciárias sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.

Introdução

O presente artigo propõe-se à análise crítica das consequências causadas pelo entendimento consubstanciado na Súmula Vinculante n. 53 do C. Supremo Tribunal Federal (STF), cujo enunciado se encontra assim redigido:

"A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados".

Uma primeira leitura do texto não parece suscitar grande comoção, especialmente por não ter dito muito mais que o próprio inciso VIII do art. 114 da Lei Maior, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, segundo o qual compete à Justiça do Trabalho processar e julgar “a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”. Tal competência, aliás, antes era já prevista pelo §3º do mesmo art. 114, por força da Emenda Constitucional n. 20/1998.

O cerne da controvérsia, contudo, reside na interpretação da locução “decorrentes das sentenças que proferir”. Em apertada síntese, no precedente que deu origem à Súmula Vinculante o STF decidiu que a sentença judicial “que não dispõe sobre o pagamento de salários, mas apenas se limita a reconhecer a existência do vínculo não constitui título executivo judicial no que se refere ao crédito de contribuições previdenciárias” (RE 569056, Relator Ministro Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgamento em 11.9.2008, DJe de 12.12.2008).

Um exemplo pode clarear o cenário. Imagine-se trabalhador que prestou serviço habitual, oneroso e subordinado por cinco anos a determinado empregador, mas nunca viu sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) registrada. Demitido, propõe ação trabalhista, na qual pleiteia o reconhecimento do vínculo empregatício e a condenação do reclamado ao pagamento de verbas trabalhistas decorrentes desse vínculo. Atribui à causa o valor de R$20.000,00. A sentença que sobrevém reconhece o vínculo e condena o reclamado ao recolhimento de FGTS e pagamento de vale-transporte e aviso prévio indenizado, julgando improcedentes os outros pedidos, porque em contestação houve prova, mediante juntada de recibos, do pagamento regular e tempestivo das demais verbas pleiteadas. O Juízo registra que, diante da natureza das verbas, não é devida qualquer contribuição previdenciária. 

A Súmula Vinculante n. 53 manifesta o entendimento de que, nesse caso, as contribuições previdenciárias do empregador, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título (art. 195, I, a, CR) ao reclamante, bem como aquelas devidas pelo empregado (art. 195, II, CR), não podem ser executadas pela Justiça do Trabalho. 

O fundamento principal dessa incompetência seria o fato de que “a sentença de reconhecimento do vínculo, de carga predominantemente declaratória, não comporta execução que origine o seu reconhecimento” (RE 569056, Relator Ministro Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgamento em 11.9.2008, DJe de 12.12.2008).

Nesse julgamento, o Ministro Cezar Peluso resumiu sua anuência ao voto do Relator, aduzindo que a competência da Justiça do Trabalho esbarrava em duas dificuldades, “uma de ordem técnica e outra de ordem prática. A dificuldade de ordem técnica é admitir uma execução sem título executório, isto é, sem sentença condenatória. E a segunda é a dificuldade de ordem prática, para apuração do próprio crédito”. 

A compreensão desse raciocínio, que passa pela abordagem diferenciativa da natureza das sentenças judiciais, bem como as consequências daí resultantes, constituem o objeto da reflexão ora proposta.


1. Natureza da decisão judicial de reconhecimento do vínculo de emprego

De saída, a questão sob exame reclama reflexão sobre a chamada “natureza meramente declaratória” do reconhecimento de vínculo de emprego. A afirmação ampara-se, ao que parece, na classificação das ações, e consequentemente das sentenças, em constitutivas, condenatórias e declaratórias, tal qual proposta por Chiovenda. 

Essas espécies de ações, é de se dizer, são, na verdade, desdobramentos da ação de cognição. Nessa esteira, releva a observação de Humberto Theodoro Júnior, no sentido de que:

“Se a ação consiste na aspiração a determinado provimento jurisdicional, a classificação de real relevância para a sistemática científica do direito processual civil deve ser a que leva em conta a espécie e natureza de tutela que se pretende do órgão jurisdicional. Nessa ordem de ideias, temos: a) ação de cognição; b) ação de execução; c) ação cautelar”. (THEODORO JÚNIOR, 2014)

Assim, a ação de cognição terá sua carga de eficácia de acordo com a preponderância da pretensão de direito material. Eis a linha de pensamento de Pontes de Miranda, para quem

“a classificação ganha em valor teórico e prático se formos mais rigorosos e atendermos ao fato de que a ação declaratória não é mais que a ação mais cheia de elemento declarativo do que as outras e que as demais ações, subclasses das ações de cognição, são ações em que o elemento de condenação, de constituição, ou mandamento sobreleva”. (WATANABE, 2012).

Note-se que essa advertência é de extrema relevância. A pretensão é predominante, não exclusiva. A obtenção de certeza jurídica é a pretensão central daquele que ajuíza ação declaratória, o que não significa dizer que esteja terminantemente excluída da sentença a eficácia condenatória. Diz-se que o reconhecimento do vínculo empregatício é objeto de mera declaração do Juízo trabalhista, despida de conteúdo apto a balizar uma execução. Mas por quais razões essa sentença seria exclusivamente declaratória?

A contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos é espécie de tributo. Ordinariamente, não sendo recolhida de forma espontânea seria objeto de autuação e inscrição em dívida ativa, cuja certidão tem natureza legal de título executivo. Ocorre que a Constituição da República autoriza que a sentença trabalhista seja reputada título executivo apto a instrumentalizar a execução de ofício de tais contribuições. 

Pode-se dizer, portanto, retornando ao exemplo colacionado, que o reconhecimento de vínculo de emprego e do pagamento dos salários na época própria tem natureza condenatória no que se refere à obrigação de pagamento das correspondentes contribuições sociais. O fato gerador do tributo – a prestação do trabalho e o respectivo pagamento dos salários – foi reconhecido judicialmente. O tributo decorre dessa sentença, pois por meio dela o Estado-juiz reconheceu formalmente o fato gerador. Logo, a execução ex officio de tais contribuições não pagas na época própria deveria competir ao Juízo do Trabalho, nos próprios autos da reclamação trabalhista, por força do inciso VIII do art. 114 da Lex Magna.

O legislador já havia, inclusive, previsto expressamente que essa era interpretação extraída da Constituição, pois, por meio da Lei nº 11.457, de 2007, deu a seguinte redação ao parágrafo único do art. 876 da CLT:

Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.

Extrai-se, enfim, do ordenamento jurídico vigente, que a sentença judicial que reconhece o vínculo empregatício tem natureza declaratória e condenatória. Declaratória, porque dela deriva a certeza jurídica acerca da existência da relação de emprego. Condenatória, porque, no dizer de Chiovenda, “busca también la posterior actuación de la voluntad de la ley o sea si prepara la ejecución” (1922, p. 204). Em síntese, afirmada a certeza do vínculo, impõe-se ao empregador a obrigação de pagar, consectariamente, as contribuições sociais respectivas. Essa consequência – a condenação ao pagamento das contribuições – decorre da Constituição e da lei, e deve ser, por dever de ofício, inserta pelo magistrado na parte dispositiva da sentença. 

Assim, na esteira das conclusões de Monnerat (2009):

“Não se busca, portanto a execução de um comando declaratório, mas a execução de um comando condenatório decorrente da declaração que pôs fim à lide trabalhista, objeto principal, mas não único do processo que, por força do art. 114, inc. VIII da Constituição Federal, também deve se preocupar com o desfecho tributário inerente a lide principal, condenando o sujeito passivo ao pagamento das contribuições sociais decorrentes da sentença, sempre que verificado o fato gerador e executando-as de ofício, em caso de não ocorrência de recolhimento espontâneo”.

Registre-se ainda, por oportuno, que a natureza da sentença sequer serve de empecilho à execução das contribuições previdenciárias. Ainda que se entenda, na linha da doutrina tradicional, que a sentença que reconhece o vínculo empregatício é meramente declaratória, a conclusão a que se chega é a mesma acima exposta. O art. 114, VIII da Constituição determina a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir, sem fazer qualquer distinção quanto à carga de eficácia da sentença. É nessa linha que Sérgio Pinto MARTINS (2004, p. 35) se posiciona:

“Decorre da sentença proferida pela Justiça do Trabalho, que tem natureza declaratória, cobrar a contribuição previdenciária, nos casos em que há reconhecimento de vínculo de período anterior ao registro. Se a empresa não reconhecia o vínculo, não pagou a contribuição previdenciária. Mesmo não havendo determinação do pagamento de remuneração, a sentença declaratória gera direito a contribuição previdenciária, se houver reconhecimento de vínculo em período anterior ao registro”. 

Não foi essa, contudo, a decisão a que chegou o STF. A solução encontrada inclinou-se pela incompetência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições sociais relativas ao período de vínculo reconhecido em sentença. Ocorre que esse entendimento ocasiona problemas variados, sendo de se destacar a irracionalidade gerada no sistema estatal de arrecadação tributária e o desequilíbrio atuarial, pois, como se verá, a sentença trabalhista fundamentada em prova material terá valor probante de início de prova material para fins previdenciários, viabilizando a concessão de benefício sem contrapartida do empregador e do segurado. 


2. Irracionalidade da atuação estatal

A Administração Pública de qualquer dos Poderes dos entes federativos deve obediência ao princípio da eficiência, inserto na Lei Maior por obra da Emenda Constitucional n. 19/1998, que implementou a chamada reforma administrativa do Estado brasileiro. Para Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2014), a eficiência administrativa, entendida

“como a melhor realização possível da gestão dos interesses públicos, posta em termos de plena satisfação dos administrados com os menores custos para a sociedade, ela se apresenta, simultaneamente, como um atributo técnico da administração, como uma exigência ética a ser atendida, no sentido weberiano de resultados, e, coroando a relação, como uma característica jurídica exigível, de boa administração dos interesses públicos”.

O reconhecimento da incompetência da Justiça do Trabalho nas hipóteses ora discutidas, sob esse prisma, choca-se com referido princípio constitucional explícito, na medida em que se provoca, por duas vezes, a atuação do Estado-juiz a fim de se obter o mesmo resultado que poderia ser alcançado com a atuação exclusiva do juiz trabalhista. 

Com efeito, as contribuições sociais que incidem sobre os salários relativos ao período de vínculo reconhecido em Juízo não serão executadas. Além disso, a sentença trabalhista que reconhece o vínculo não será reputada título executivo para tal finalidade. A alternativa, então, será a seguinte: a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (§3º do art. 131 da CR), após ser cientificada da decisão, deverá inscrever os débitos em dívida ativa e propor ação de execução na Justiça Federal. Fica claro, então, que a máquina estatal será movimentada com uma nova ação judicial, perante Juízo que ainda não tomou conhecimento dos fatos, onerando sobremaneira os Cofres Públicos. 

Acreça-se, outrossim, exemplo que denota ainda maior desprestígio ao mencionado princípio da eficiência. Imagine-se sentença trabalhista que reconhece vínculo empregatício e condena o reclamado ao pagamento de algumas verbas salariais relativas a esse período de vínculo mas, em relação a outras, julga o pleito improcedente por haver prova de pagamento na época própria. Em relação aos títulos executados na sentença, a Justiça do Trabalho executará as contribuições sociais correlatas, com a participação do órgão competente da Procuradoria-Geral Federal (Portaria Conjunta PGFN/PGF n. 433/2007). Já em relação aos títulos não incluídos na condenação trabalhista, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional deverá promover a inscrição dos débitos previdenciários em dívida ativa e propor a ação de execução na Justiça Federal. As contribuições sociais decorrentes dos salários pagos de referência a um só contrato de trabalho, entre o mesmo empregador e o mesmo empregado, serão executadas parte na Justiça do Trabalho e parte na Justiça Federal, em cada uma delas com representação de órgãos distintos da Advocacia-Geral da União!

Veja-se ementa de acórdão do C. TST que leva à conclusão acima exposta sobre a necessidade de bifurcação da execução das contribuições sociais em casos tais:

RECURSO DE REVISTA. (…) 2 - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS RELATIVAS AO PAGAMENTO DE SALÁRIO DO PERÍODO CONTRATUAL RECONHECIDO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Não se inclui na competência da Justiça do Trabalho a execução das contribuições previdenciárias decorrentes do vínculo de emprego reconhecido em juízo, isto é, das verbas já pagas no curso da relação de emprego reconhecido e que não foram objeto da condenação. No caso, como a decisão que reconheceu o vínculo empregatício entre as partes não é meramente declaratória, mas também condenatória, pois condenou a reclamada ao pagamento das verbas inadimplidas no curso do contrato de trabalho, conclui-se que a Justiça do Trabalho possui competência apenas para a execução das contribuições previdenciárias decorrentes da parte condenatória da sentença, que corresponde ao título executivo que efetivamente se executa. Assim, o entendimento do Tribunal Regional, no sentido de que a Justiça do Trabalho teria competência para executar as contribuições previdenciárias relativas ao pagamento dos salários de todo o período contratual reconhecido, colide com a Súmula 368, I, do TST. Recurso de revista conhecido e provido (…). (TST - RR: 606002720085110017, Relator: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 25/03/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/03/2015)


3. Desequilíbrio atuarial

Como se sabe, a Previdência Social brasileira organiza-se sob a forma de regime geral de caráter contributivo (art. 201 da CR/88). Isso significa, grosso modo, que aqueles que contribuem para o sistema de Previdência têm a garantia de cobertura, mormente mediante o recebimento de prestações pecuniárias, diante da ocorrência de alguma das contingências previamente determinadas pelo ordenamento jurídico.

Todavia, para que esse sistema funcione adequadamente e seja sustentável, deve ele ser balizado pelo princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, de extração constitucional. Como explica Levi Rodrigues Vaz:

“Para que a Previdência Social Brasileira seja sólida, no presente e no futuro, e para que deixe de onerar a economia e cooperar com o aumento da desigualdade social existente no país, deve ser estruturada conforme o Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial instituído constitucionalmente.

O equilíbrio financeiro refere-se à equivalência entre o montante total arrecadado das contribuições previdenciárias e o montante total gasto em benefícios previdenciários em determinado exercício financeiro. O equilíbrio atuarial considera os custos para manter determinado benefício e os valores arrecadados através das contribuições do empregado e do empregador, sobre o rendimento do trabalho, para manter esse mesmo benefício” (VAZ, 2009).

Dito isso, já se vislumbra o outro problema gerado pela interpretação sedimentada na Súmula Vinculante n. 53. A sentença trabalhista que reconhece o vínculo de emprego terá, no mais das vezes, o condão de servir de início de prova material para fins de concessão de benefício previdenciário, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias. 

A Turma Nacional de Uniformização (TNU) dos Juizados Especiais Federal editou, ainda em 2006, a Súmula n. 31, no sentido de que a “anotação na CTPS decorrente de sentença trabalhista homologatória constitui início de prova material para fins previdenciários”.

A jurisprudência dominante, no entanto, tem exigido que, ao menos, a sentença proferida pelo Juízo Trabalhista tenha se lastreado em provas do efetivo exercício da atividade laborativa. Esse entendimento busca minimizar a ocorrência de conluios para fraudar a Previdência, como nos casos em que o empregador concorda em admitir fictícia prestação de serviço para que o suposto empregado se beneficie da cobertura previdenciária. Note-se:

“O STJ, por seu turno, vem admitindo que a sentença proferida pela Justiça do Trabalho é suficiente para o reconhecimento da atividade laboral, quando lastreada em provas da ocorrência da relação de emprego, mesmo quando o INSS não tenha participado do processo de conhecimento, especialmente quando há execução das contribuições incidentes sobre os salários de contribuição. Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 147.454/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 15.05.2012”. (CASTRO, LAZZARI, 2015).

Essa exigência, diga-se, já era objeto de preocupação do C. STJ antes mesmo da edição da Súmula n. 31 da TNU:

“A sentença trabalhista será admitida como início de prova material, apta a comprovar o tempo de serviço, caso ela tenha sido fundada em elementos que evidenciem o labor exercido na função e o período alegado pelo trabalhador na ação previdenciária. Precedentes das Turma que compõem a Terceira Seção” (EREsp 616.242/RN, 3ª Seção, Rel. Min.ª Laurita Vaz, DJ 24/10/2005)

Aqui, em verdade, somam-se a um só tempo o apontado problema da irracionalidade da atuação estatal e o desequilíbrio financeiro e atuarial. Isso porque o tempo de serviço afirmado no processo trabalhista será aproveitado para fins de concessão de benefício previdenciário, v.g. aposentadoria por tempo de contribuição. Contudo, não se exigirá prova do recolhimento das correspondentes contribuições previdenciárias, sob o argumento de que a responsabilidade pelo pagamento era do empregador. Assim, o benefício previdenciário começará a ser pago sem contrapartida, gerando desequilíbrio financeiro e atuarial. 

Além disso, como vimos, nada será cobrado do empregador nos autos do processo trabalhista, sob alegação de incompetência da Justiça do Trabalho. Eis o teor da Súmula Vinculante n. 53. Só com nova ação executiva, diante da Justiça Federal comum, é que o Estado poderá exercer a pretensão de recebimento de tais valores, e muitas vezes sem sucesso. O benefício previdenciário continuará sendo pago sem que, para tanto, tenham sido considerados previamente os seus custos e sem que tenham sido arrecadadas as contribuições do empregado e do empregador, sobre o rendimento do trabalho, para mantê-lo.


Conclusão

A análise empreendida, inobstante não tenha a pretensão de esgotamento dessa árdua questão, permite que se extraiam algumas conclusões, a seguir registradas topicamente para melhor sintetização:

a) a Súmula Vinculante n. 53 sedimentou a tese, contrario sensu, de que a Justiça do Trabalho é incompetente para executar as contribuições previdenciárias sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido;

b) os fundamentos que levaram à edição do entendimento vinculante não se sustentam juridicamente, se considerarmos que a sentença judicial que reconhece o vínculo empregatício tem natureza declaratória e condenatória. Ainda que desconsiderado o debate sobre a natureza da sentença, a competência para a execução das contribuições previdenciárias incidentes sobre os salários pagos decorre diretamente do inciso VIII do art. 114 da Constituição da República;

c) o texto sumulado gera problemas jurídicos e práticos. De um lado, leva à violação do princípio constitucional da eficiência administrativa (art. 37, CR), na medida em que exige a provocação, por duas vezes, da atuação do Estado-juiz a fim de se obter o mesmo resultado que poderia ser alcançado com a atuação exclusiva do juiz trabalhista. De outro, provoca desequilíbrio financeiro e atuarial, pois abre as portas para o pagamento de benefícios previdenciários sem contrapartida pecuniária;

d) a melhor solução para os problemas suscitados seria o cancelamento da Súmula Vinculante n. 53, retomando-se o entendimento de que a própria Justiça do Trabalho tem competência para executar as contribuições previdenciárias sobre os salários pagos durante o período de vínculo empregatício reconhecido, como, aliás, já havia sido previsto pelo Poder Legislativo, ao regulamentar o inciso VIII do art. 114 da Lei Maior com a edição da Lei nº 11.457, de 2007, que deu nova redação ao parágrafo único do art. 876 da CLT.


Referências

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

CHIOVENDA, José. Principios de Derecho Procesal Civil. Trad. espanõla de la tercera edición italiana: profesor José Casáis y Santaló. Madrid: Editorial Reus, 1922. 

MARTINS, Sérgio Pinto. Execução da contribuição previdenciária na justiça do trabalho. 2 ed. São Paulo: Atlas 2004, p.35.

MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias incidentes sobre os salários pagos durante o período de vínculo reconhecido em suas decisões. Revista da AGU. Ano VIII, nº 19, Jan./mar. 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

VAZ, Levi Rodrigues. O princípio do equilíbrio financeiro e atuarial no sistema previdenciário brasileiro. Revista Direitos Fundamentais e Democracia. V. 6, ISSN 1982-0496, 2009.

WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, George Resende Rumiatto de Lima. Reflexões sobre a Súmula Vinculante n. 53. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4631, 6 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46210. Acesso em: 26 abr. 2024.