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Noções sobre falência da pena de prisão no Brasil

Noções sobre falência da pena de prisão no Brasil

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O Brasil agora se proclama revolucionário no que diz respeito às condições de justificação da necessidade de prisão, quase 23 anos depois de ter depositado a Carta de Ratificação do Pacto de San José da Costa Rica.

"O preconceito e as grades da prisão têm muito em comum. Mas o preconceito é pior do que as grades. As grades prendem o corpo, mas não o espírito de quem tem mente aberta. Já o preconceito não prende o corpo, mas tolhe o espírito que acaba sendo a pior das prisões". (Francis Iacona)

A pena de prisão sempre esteve em discussão no Brasil. São correntes a favor e contra, cada uma com seus argumentos próprios do direito à livre expressão, consoante artigo 5º, inciso IV, da Constituição da República de 1988.

Abordaremos de início os aspectos legais da pena, sobretudo, a sua previsão legal.

As penas previstas e proibidas são elencadas no artigo 5º, incisos XLVI e XLVII, da Constituição da República de 1988. As penas previstas são a privação ou restrição da liberdade, perda de bens, pena de multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.

Já as penas proibidas são a de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. O Código Penal, por sua vez, prevê as penas no artigo 32: as penas privativas de liberdade, restritivas de direito e pena de multa.

Na doutrina, os estudiosos costumam citar as teorias Relativas e Absolutas da pena. Estas advogam a tese da retribuição. As Teorias relativas defendem a prevenção. A teoria relativa se fundamenta no critério da prevenção que se biparte em prevenção geral e prevenção especial. Divide-se, ainda, em positiva ou negativa.

 A prevenção geral negativa, também conhecida por prevenção por intimidação, entende que a pena aplicada ao autor da infração tende a refletir junto à sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados à condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticarem qualquer infração penal;

A prevenção geral positiva, também chamada de prevenção integradora, entende que a pena presta-se não à prevenção negativa de delitos, pois seu propósito vai além disso: infundir na consciência geral a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito, promovendo, em última análise, a integração social.   

Na prevenção especial negativa, há a neutralização daquele que praticou a infração penal, neutralização esta que ocorre com a sua segregação no cárcere. A retirada momentânea do agente do convívio social o impede de praticar novas infrações penais, pelo menos junto à sociedade de que foi retirado.

Na prevenção especial positiva, segundo Roxin, tem a pena a missão unicamente de fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos. Denota-se, aqui, o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros.

O nosso Código Penal, em seu artigo 59, parte final, adotou a Teoria mista ou unificadora da pena, com a expressão "conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime".

Muito embora o Brasil tenha adotado, a partir de 1995, a teoria da descarcerização com a edição da lei nº 9.099, com a previsão de penas alternativas para os crimes de menor potencial ofensivo, cuja pena não seja superior a 02 anos, ainda assim, a nossa população carcerária é a 4ª maior do mundo, estando atrás apenas dos EUA, CHINA e RÚSSIA.

Como outra tentativa de diminuir a população carcerária o Brasil recentemente criou as chamadas audiências de custódia, fomentadas pelo CNJ, e cumprindo orientações de Convenções e Tratados internacionais, em que o preso tem direito a uma audiência pessoal com o juiz, em 24 horas, experiência adotada em 24 de fevereiro de 2015, em São Paulo.

Destarte, o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, tendo ratificado a sua intenção por meio do Decreto nº 678/92. Este instrumento internacional contém inúmeras normas de direitos humanos, uma delas é concernente ao direito que o preso possui de uma audiência pessoal com o juiz de direito e também rapidez processual, especificamente, no seu artigo 7º, item 5, que dispõe:

"toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condiciona a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo".

O Brasil também é signatário do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992, que igualmente determina, em seu artigo 9º, item 3:

"Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença".

O Brasil agora se diz revolucionário nesse aspecto quase 23 anos depois de ter depositado a Carta de Ratificação do Pacto de San José da Costa Rica.

No modelo legal atual, o Brasil adotou a prisão como exceção e a liberdade como regra, instituindo-se, aqui, aquilo que se chama de princípio da necessidade da prisão.

Ressalte-se que, na primeira audiência de implantação em São Paulo, foram realizadas 25 audiências, tendo o poder judiciário liberado 17 presos para responderem ao processo em liberdade.

Assim, a pena privativa de liberdade concebida como sendo ressocializadora não cumpre a sua função restauradora. Pelo contrário, ela devolve à sociedade cidadãos mais agressivos e formados na "universidade do crime".

Os países que instituíram a pena de prisão perpétua e de morte não conseguiram diminuir os índices de criminalidade. Na Indonésia, por exemplo, onde se pune com pena de morte o condenado por tráfico ilícito de drogas, não diminuiu a incidência do comércio de drogas.

No Brasil, não há possibilidade jurídica de adotarmos qualquer que seja a pena, seja de morte ou prisão perpétua, em função das cláusulas pétreas da Constituição que proíbe a sua criação. Somente com uma nova Carta Magna, se for o caso, poderíamos criar a pena de morte ou a prisão perpétua, por força da vontade de um novo Poder Constituinte originário.

O que se vê hoje no Brasil são estabelecimentos penais que ofendem as mais comezinhas normas de execução penal, criadas pela Lei nº 7.210/84, notadamente, no tocante ao espaço celular, separação de condenados e outros, dando lugar à eclosão de motins e rebeliões, e consequentemente a fugas intermináveis.

Afirma-se com todas as letras que a pena de prisão não ressocializa e nem reintegra o preso à sociedade. Ao contrário, ela embrutece, avilta e devolve à sociedade criminosos violentos e agressivos.

No tocante à criação de penas de prisão perpétua, o professor Beccaria, em sua obra Dos Delitos e das Penas, já assinalou que não é a extensão da pena que serve de contenção ao criminoso, ou superego da Escola Psicanalítica, mas a sua certeza e efetividade.

Quanto à pena de morte, propõe-se sua ampla discussão em sociedade, lembrando-se que o atual modelo de estado democrático de direito, NÃO autoriza criação por questões de ordem legal e religiosa. E também porque o Brasil não possui, nos dias hodiernos, a necessária maturidade para a sua imediata instituição.

Torna-se imperioso, a meu sentir, resgatar o Brasil das chagas perniciosas da corrupção contagiante, gerenciadas pelo Primeiro Comando de Subtração do Erário Público - PCSEP, de gestores genocidas, cleptocráticos e canalhocratas por convicção, para depois prepará-lo em torno de discussões de transcendente necessidade.

A título exemplificativo, morrem, no Brasil, todos os dias 160 pessoas assassinadas em conflitos armados por disputas de poder de espaço e prestígio sujo, em especial, nas organizações criminosas pelo comércio do tráfico ilícito de drogas.

Segundo pesquisa divulgada dia 25 de janeiro de 2016, pelo Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, uma ONG mexicana, o Brasil piora seu ranking e tem 21 das 50 cidades mais violentas do mundo, sendo Fortaleza a cidade mais violenta do Brasil e a 27ª do mundo, em número de homicídios, com 60,77 eventos por 100 mil habitantes.

Somente no estado de Minas Gerais, onde prosperam o desmando e o amadorismo ignóbil, em face de um falso diagnóstico ideológico, no mês de janeiro de 2016, foram registrados 369 homicídios dolosos consumados e 466 tentativas de homicídios.

É certo que a plena resolução somente destes homicídios registrados no mês de janeiro, desde a apuração até a sentença penal condenatória, com trânsito em julgado, deve demorar algo em torno de 50 anos. Se isso não for a própria impunidade, então não se sabe explicar a semântica da verdadeira acepção da impunidade.  

Ainda em Minas Gerais, governo que atualmente não deve ser referência positiva para nenhum outro, ainda existem mais de 60 mil presos recolhidos no sistema prisional, em condição de superlotação, além de 63.797 pessoas com mandados de prisões em aberto. São dados assustadores e que preocupam toda a sociedade brasileira.

Nem mesmo a audiência de custódia, política de pensamento esquerdopata criada para soltar presos, mas com fundo garantista, consegue amenizar tamanha crise prisional.

Assim, acredita-se que o garantismo penal deve ser a ideia da pena no Brasil atual, mesmo porque a pena deve ser TÃO SOMENTE a necessária para reprovar a conduta do autor e prevenir o crime.

Por derradeiro, conclui-se que a pena privativa de liberdade no Brasil é executada, unicamente, com a finalidade de neutralizar, temporariamente, a ação dos delinquentes, confinando-os, hermeticamente, e, assim, impedi-los de voltarem a cometer delitos, diretamente, pelo menos no ambiente de onde foram retirados.

Concretamente, em razão de um estado fracassado, exangue, hemorrágico, desmoralizado, onde tudo está perdido, nada impedirá que os criminosos continuem, efetivamente, no comando das ações criminosas, mesmo do interior dos presídios.


Autor

  • Jeferson Botelho Pereira

    Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

    Autor do livro <em>Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: atividade sindical complexa e ameaça transnacional</em> (JH Mizuno). Participação nos livros: "Lei 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia", "Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS 236/2012", e "Atividade Policial" (coord. Prof. Rogério Greco), da Impetus. Articulista em Revistas Jurídicas.

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PEREIRA, Jeferson Botelho. Noções sobre falência da pena de prisão no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4613, 17 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46433. Acesso em: 18 abr. 2024.