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Aspectos gerais da organização internacional do desporto

Aspectos gerais da organização internacional do desporto

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Apresentam-se as organizações internacionais desportivas, o contexto do seu surgimento e o direito que delas se forma e se reflete no âmbito interno do país.

Sumário: 1) As Ordens jurídicas transnacionais; 2) Surgimento das Primeiras Organizações Internacionais do Desporto; 3) Conceituação Jurídica das Organizações Internacionais Desportivas 4) Direito Desportivo Internacional;  5) Comitê Olímpico Internacional (COI); 6) Comitês Olímpicos Nacionais (CONS) e o COB; 7) Federações esportivas internacionais; 8) Agência Mundial Antidoping; 9) Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) ou Corte Arbitral do Esporte (CAS);10) Lex Sportiva e Lex Olympica e o ordenamento jurídico brasileiro.


1) As Ordens jurídicas transnacionais

A configuração da sociedade contemporânea é fruto de um processo constante de universalização das relações nos mais diversos sistemas sociais, que se acentuou a partir do final do século XX culminou com a chamada globalização.

Apesar dessa intensificação que ensejou o conceito globalização, esse não é um fenômeno recente e sua história moderna remonta à época das grandes navegações e ao desenvolvimento do capitalismo do século XVI em diante.

Assim, esse fenômeno, longe de ser algo inédito na história, está intimamente ligado a complexidade das relações estabelecidas pelo capitalismo e as consequentes transformações ocorridas a partir do crescimento do fluxo de riquezas com o comércio e em escala mundial.

A ideia de uma sociedade mais integrada faz emergir metáforas que tentam simbolizar a nova configuração mundial e seus avanços tecnológicos do século XX que desterritorializaram as diversas relações sociais. Uma dessas metáforas é a representação da sociedade moderna como uma aldeia global.

O conceito de aldeia global é cuidadosamente retratado por Octavio Ianni [1]:

A aldeia global está sendo desenhada, tecida, colorida, sonorizada e movimentada por todo um complexo de elementos díspares, convergentes e contraditórios, antigos e renovados, novos e desconhecidos. Formam redes de signos, símbolos e linguagens, envolvendo publicações e emissões, ondas e telecomunicações. Compreendem as relações, os processos e as estruturas de dominação política e e de apropriação econômica que se desenvolvem além de toda e qualquer fronteira, desterritorializando coisas, gentes e ideias, realidades e imaginários.

A globalização econômica é sem dúvida a fonte e um dos principais elementos na diferenciação da sociedade, pela transformação dos sistemas sociais. No entanto, mais que um processo unicamente orientado pelos mercados ou pela economia. Decorre também de transformações científicas, culturais, tecnológicas, militares, logísticas, desportivas, ambientais, da reorganização geopolítica do cenário global e, ainda que de forma mais restrita, das transformações na política e no direito[2].

Com base nas idéias de Niklas Luhmann, Marcelo Neves se refere a essa sociedade contemporânea como multicêntrica e policontextural, em que cada uma das autodescrições sociais, apenas pode ser observada e estudada em conjunto com essa nova sociedade[3].

Essa nova configuração da sociedade mundial se caracteriza pelo crescimento de poderes transnacionais, dos quais emanam ordens jurídicas construídas por redes de atores ou organizações privadas, com regras próprias de conduta e mecanismos específicos de sanção para o caso de infringência. Algumas ganharam densidade e importância, como a Lex Mercatoria[4], Lex Digitalis[5], Lex Sportiva[6], entre outras, incidindo nas lacunas ou sobre os ordenamentos estatais na resolução de conflitos.

As questões que se colocam hoje na sociedade moderna apresentam transversalidade tanto sobre esses diversos sistemas da sociedade, surgidos a partir da intensificação do processo de globalização ocorrido no final do século XX, como nas novas ordens jurídicas que se fortaleceram e desenharam um cenário jurídico pluralista, no qual coexistem as ordens jurídicas dos Estados nacionais e ordens jurídicas transnacionais.

Como observa Marcelo Neves:

O fato é que, mais recentemente, com a maior integração da sociedade mundial, esses problemas tornaram-se insuscetíveis de serem tratados por uma única ordem jurídica estatal no âmbito do respectivo território.

Cada vez mais, problemas de direitos humanos ou fundamentais e de controle e limitação do poder tornam-se concomitantes relevantes para mais de uma ordem jurídica, muitas vezes não estatais, que são chamadas ou instadas a oferecer respostas para sua solução.[7]

De todos esses fenômenos sociais o esporte talvez seja o que mais tenha capacidade de relativizar as fronteiras nacionais, razão pela qual a estruturação da atividade desportiva em nível internacional demandou a criação de entidades internacionais, estabelecendo diretivas e uniformizando normas e regras referentes aos mais diversos aspectos de sua prática amadora ou profissional.

A sinergia social e universalidade do desporto é contemplada pelo festejado jurista brasileiro e desportivo Prof. Álvaro Melo Filho[8]:

(...) a) a ONU reúne 176 nações, enquanto a FIFA congrega 200 paises; b) as roupas desportivas (trainings, tênis, e etc.) estão incorporados ao modus vivendi da sociedade atual, daí proclamar-se o desporto como um “meio de civilização”; c) o espaço ocupado pelo desporto na imprensa escrita, falada e televisada é abundante em qualidade e quantidade, por ser uma temática de primeira magnitude; d) a copa do mundo da França é assistida por 41 bilhões de telespectadores e o futebol gera empregos diretos indiretos para 450 milhões de pessoas com um movimento financeiro anual de 250 bilhões de dólares; e) a progressiva mercantilização do desporto fá-lo corresponder, presentemente, a 2,8% do comércio mundial...”


2) Surgimento das Primeiras Organizações Internacionais do Desporto

Relata-se que o movimento desportivo organizado despontou após o período de recessão da Idade Média, na sociedade inglesa do século XVIII, quando, segundo Gabriel Real Ferrer, a Inglaterra viu surgir inúmeras associações e agremiações destinadas à prática das mais variadas modalidades, com a fundação dos primeiros clubes como o Jockey Club, criado em 1750, e o Club de Golf de San Andres, em 1754[9], numa tendência que se difundiu rápida e correspondentemente nos demais países europeus, num primeiro momento e, após, nos Estados sul-americanos.

Entre 1800 e 1900 foram constituídas as primeiras federações desportivas, de caráter nacional, como a Football Association (1863), a Bycyclist’s Union (1878) e a Amateur Boxing Association (1884), a fim de de disciplinar, organizar e estruturar os campeonatos desportivos dessas modalidades já existentes.[10]

A internacionalização das regras e procedimentos na prática profissional do desporto por atletas, entidades de prática e entidades nacionais de administração do desporto, só ocorreu com o surgimento das Federações Internacionais de cada uma das respectivas modalidades.

Afirma-se que a organização da primeira federação internacional esportiva surgiu em 1885 na modalidade de ciclismo, com a fundação da Union Ciclyste Internationale, responsável por uniformizar as diretrizes internacionais desse esporte, tanto para os atletas que recorriam às disputas em países vizinhos, pela incipiência do esporte em seus próprios países, como para disciplinar as provas que atravessavam territórios de vários países de pequena extensão territorial.

Em 1894 foi criado o Comitê Olímpico Internacional - COI, idealizado por Pierre de Coubertin, restaurando os Jogos Olímpicos após terem sido realizados na Grécia Antiga há aproximadamente 15 séculos antes.

Posteriormente, mais exatamente em 21 de maio de 1904, foi fundada na França a Fédération Internationale de Football Association - FIFA, conhecida entidade que regula a prática do Futebol no mundo, inicialmente, nessa fundação, tendo como filiados apenas a França, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Suécia, Espanha e Suíça. Hoje essa entidade conta com 204 membros, número inclusive superior ao dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU).

Muitas outras federações internacionais se formaram no período compreendido entre o fim do século XIX e o início do século XX, como a Fedération Internationale de Natacion Amateur – FINA, em 1908, a International Amateur Athletic Federation - IAAF. em 1913 e a Fedération Internationale de Basketball Amateur - FIBA, em 1933, entre outras, conforme José Manuel Meirim, “sedimentando uma ordem jurídica desportiva, de formação espontânea, assente na vontade associativa privada, sem interferência dos poderes públicos” [11]


3) Conceituação Jurídica das Organizações Internacionais Desportivas

As quase 40 (quarenta) federações internacionais são sediadas na Suíça, de modo que tais organizações são em sua maioria, por natureza, associações jurídicas de direito privado constituídas e regidas pelo direito civil suíço, desenvolvendo, todavia, suas atividades para além da limitada extensão territorial dos cantões.

De acordo com Ferrer, “Na terminologia do Direito Internacional, as instituições esportivas de nível supraestatal são consideradas, pois, organizações ‘não governamentais’ ”[12]. Sem adentrar na grande polêmica que envolve esse conceito, nos circunscreveremos às sociedades internacionais compostas de cidadãos de diferentes Estados, que para a consecução de seus fins não recorrem à atividade dos governantes e agentes estatais, mas antes, imbuídas de base solidaria, especial e exclusiva, superam e rejeitam as restrições e intervenções dos governantes e agentes nacionais, conferindo a si mesmo autonomia, governança e agentes próprios.

Grande parte da doutrina sustenta que organização esportiva, para ser reconhecida como um sujeito de jure no direito internacional, deve possuir personalidade jurídica internacional, formalidade de que não se tem notícia até o momento. Contudo, algumas entidades esportivas de caráter internacional, preenchem uma série de requisitos exigidos pela doutrina: (I) atuam no plano internacional, protagonizando relações com atores reconhecidos, como os Estados e Organizações Interestatais; (II) possuem alguma forma de aceitação da comunidade, por intermédio da concessão de direitos e da outorga de deveres perante o direito internacional.

Indiscutivelmente, o Comitê Olímpico Internacional - COI, a World Anti-Doping Agency - WADA e muitas federações desportivas internacionais se encaixam nesse conceito. O COI por exemplo, em relação ao pré-requisito de atuação como protagonista, celebra contratos vinculativos com os países que são selecionados para sediar os Jogos Olímpicos e outros jogos esportivos. Da mesma forma, esse procedimento ocorre com as Federações Internacionais na hipótese da celebração de torneios mundiais ou continentais de determinada modalidade. Exemplo bem presente é a realização da Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil.

Também a WADA mantém relações estreitas de cooperação com Estados e com a União Europeia, entre outras organizações, no combate ao doping no esporte, preocupação não apenas desportiva, pois assume também caráter de política pública de saúde.

Outro exemplo é o status consultivo conferido a organizações não governamentais pelo artigo 71 da Carta das Nações Unidas[13], referendada por Resoluções do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Contexto em que a UNESCO convidou a WADA a participar da Conferência de Paris como “organização consultiva” na Convenção Internacional contra o Doping no Esporte (2005), sendo o COI e várias outras federações internacionais convidadas a integraram a conferência como “observadoras”.

Tais exemplos demonstram indícios de existência de personalidade jurídica dessas organizações e, ainda que se cogite a ausência de certas formalidades, o Direito Desportivo é regulado na conformidade de princípios internacionais codificados, entendendo-se como disciplina desportiva à feição de uma pirâmide, com processos específicos que projetam a substância e eficiência de sua organização e funcionamento[14].


4) Direito Desportivo Internacional

Quando o esporte passou a ser disputado diversos países e continentes simultaneamente, ou nas competições internacionai realizadas em um mesmo país, se tornou imprescindível o surgimento de entidades globalizadas para tutelar e determinar as regras gerais de uma modalidade, como inicialmente nas provas de ciclismo (países), de rally (continentes) e nos campeonatos mundiais de basquetebol, vôleibol e futebol, realizados em um mesmo país com atletas do mundo todo.

Nesse contexto e espírito, surgiram ao redor do mundo entidades como a FIFA, que conta com 209 associadas associações-membro, a Federação Internacional de Basquete (FIBA) com 213 associados e a Federação Internacional de Voleibol (FIVB) que possui 220 associações nacionais filiadas, números esses superiores aos de associados à Organização das Nações Unidas (ONU), o que faz exsurgir necessário nessas disputas internacionais além das regras da modalidade, disposições quanto à filiação, responsabilidades e direitos, disciplinas e regras de transferência, para atletas, técnicos e demais profissionais de uma modalidade, para que esses atores do desporto possam exercer sua função fora de seus países de origem, representando outras equipes.

Hernán J. Ferrari defende a existência de uma “Ordem Jurídica Desportivo Internacional” como ramo do Direito Desportivo que estabeleça o âmbito de validade territorial, pessoal e temporal das normas nacionais, submetendo-as a um campo material específico de regulação, bem como qual a legislação aplicável às relações jurídico desportivas internacionais [15].

Esse ordenamento desportivo internacional possui inclusive princípios internacionais que dão supedâneo de sua organização legal, classificados por Rafael Teixeira Ramos[16] em nove: universalidade, comunhão, não discriminação desportiva, autonomia desportiva internacional, unidade (unicidade), especificidade, ética desportiva, solidariedade e inafastabilidade da justiça desportiva dos institutos desportivos internacionais privados.

O Princípio da Universalidade propõe a acessibilidade do desporto a todos, como direito do homem, que possibilite sua prática a todo e qualquer indivíduo, conforme preconiza a Carta Olímpica nas regras e textos adotados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), assim como a Carta Internacional da Educação Física e do Esporte da UNESCO[17] de 1978

O Princípio da Comunhão se traduz em instrumento de harmonização de pensamentos e ações entre pessoas, comunidades e nações, fomentando a paz entre os povos por meio do esporte que, segundo Nelson Mandela em seu livro “Invictus”, “tem o poder de mudar o mundo (...) de inspirar, (...) de unir pessoas que têm pouco em comum. É mais poderoso que os governos para derrubar barreiras raciais”. [18]

O Princípio da Não discriminação, ou da igualdade desportiva, como manifestação do princípio da isonomia, pilar de qualquer Estado Democrático de Direito, presente em quase todos os diplomas constitucionais modernos, consta positivado nos Estatutos da FIFA, por exemplo, sendo fundamental para assegurar que não haja nenhum tipo de discriminação racial, política, econômica e ideológica, de forma a assegurar a Unidade desse sistema, baseado na autonomia da vontade dos seus membros, para além de sua jurisdição, pois se todos são iguais perante a Lei, quanto mais disputando alguma modalidade desportiva.

O Princípio da Autonomia desportiva internacional é considerado por alguns o alicerce maior do Ordenamento Jurídico Desportivo Internacional, pois garante auto-organização, autoadministração e a edição de regras próprias às entidades internacionais de administração do desporto, através de seus estatutos. Assim os sujeitos e agentes do Direito Desportivo se legitimam em razão da própria vontade. Os clubes pelo ato de vontade de seus associados, as Federações pela vontade dos clubes e ligas, as Confederações pela vontade das Federações e a Federação Internacional pela vontade das Associações Nacionais.

Dessa forma, o Direito Desportivo sujeita apenas aqueles que se submetem por sua livre vontade às normas das entidades desportivas constantes, por exemplo, da Carta Olímpica do COI e dos Estatutos das Federações Internacionais. Por isso o regulamento desportivo internacional de iniciativa das entidades internacionais, representam um coletivo transnacional livre de interferência estatal, possuindo, inclusive, órgãos judicantes com regras de organização e funcionamento próprias.

O Princípio da Unicidade é responsável por garantir a unidade ao Ordenamento Jurídico Desportivo Internacional, zelando pela segurança jurídica e política do sistema, que se orienta pelo reconhecimento de apenas uma entidade capaz de organizar e representar em cada nível hierárquico organizacional o desporto de um país, uniformizando regras e proibindo associações concorrentes, a fim de possibilitar a organização de competições com padrões únicos e internacionais.

Da unicidade decorre o princípio da Especificidade, que acentua a singularidade e características do fenômeno desportivo pela peculiaridade de suas regras, relações e aplicabilidade, que são universais, dinâmicas, versáteis e imprevisíveis.

A Ética desportiva é princípio que deflui das primeiras reflexões de Pierre de Coubertin no século XIX, sobre a defesa de um conjunto de princípios e valores que se consubstanciam no "Espírito Olímpico", como recomendação a ser vivida pelos atletas, sob juramento olímpico e que se traduzem em comportamentos elevados como a amizade, convívio, interajuda, respeito mútuo, ética na derrota e na vitória. Esse princípio de ética desportiva previne e combate a violência, corrupção, manipulação dos resultados e da saúde dos atletas, que ameaçam a dignidade humana na prática do desporto.

O princípio da solidariedade reflete a forma de integração e auxílio no desenvolvimento do desporto. Verdadeiro paradigma é o “Jogo da Paz”, realizado em agosto de 2004, entre a seleção brasileira e a seleção haitiana em Porto Príncipe, em um Haiti que apesar de devastado pela guerra civil, deixou de lado a rivalidade e as armas para acompanhar a partida e permitir a população ver seus ídolos do futebol.

Outro exemplo é o mecanismo de solidariedade presente no Regulamento de Transferências da FIFA, que garante uma percentagem nos valores das transferências de atletas, aos clubes que tenham contribuído para sua educação e formação, a título de auxílio financeiro aos clubes formadores de atletas.

Por fim o princípio da Inafastabilidade da justiça desportiva, fomentar o respeito a jurisdição supraestatal dos institutos desportivos internacionais privados , nas arbitragens ou tribunais desportivos como meio para a solução de conflitos específicos, desestimulando a intervenção da justiça comum na resolução das lides desportivas, tanto de âmbito nacional quanto internacional. Nesse sentido é que o Estatuto da FIFA prevê o reconhecimento pelos seus membros do Tribunal Arbitral do Esporte como tribunal independente, e os proíbe de ingressar com recurso na justiça ordinária.


5) Comitê Olímpico Internacional (COI)

O COI é uma organização não governamental, constituída sob a forma de associação, com sede em Lausanne, na Suíça (Capital Olímpica), regido pela Carta Olímpica e por um conjunto de regras para organização dos Jogos Olímpicos e impulsionamento do Movimento Olímpico.

A Carta Olímpica, como uma espécie de estatuto propositivo, estabelece o papel do COI de fomentador do movimento olímpico. Dentre esses papeis verifica-se o encorajamento e apoio para uma série de atividades e posturas, como a ética, boa governança e espírito de fair play no desporto, banindo a violência e apoiando medidas de proteção da saúde dos atletas e, neste espírito, orientando a educação dos jovens pelo desporto. Encorajar e apoiar a organização, o desenvolvimento e a coordenação do desporto e das competições desportivas, assegurando a celebração regular dos Jogos Olímpicos.

Noutro aspecto cabe ao COI, ainda segundo a carta olímpica, o papel fundamental na cooperação com as organizações e autoridades públicas e privadas, a fim de colocar o desporto ao serviço da humanidade e de promover assim a paz, reforçando a unidade do Movimento Olímpico e protegendo a independência e autonomia do desporto.

Nesse mister cabe ao COI agir contra qualquer forma de discriminação que afete o Movimento Olímpico, promovendo a inclusão das mulheres em todas as estruturas do desporto e ainda lutar contra a dopagem no desporto, em como se opor ao abuso político ou comercial do desporto e dos atletas.

Assim, a Carta Olímpica (CO) além de servir de Estatuto para o COI, traz um conjunto de princípios para a organização das Olimpíadas e do Movimento Olímpico. Originalmente redigida pelo Barão Pierre de Coubertin, em 1894, a carta olímpica teve diversas alterações, que a modernizaram e adequaram à realidade dos anos.

Com natureza constitucional, a carta olímpica traz em seus principais propósitos, os princípios fundamentais e os valores essenciais do olimpismo, os direitos e obrigações recíprocos entre o COI, Federações Internacionais e os Comitês Nacionais Olímpicos, as obrigações dos comitês organizadores dos jogos olímpicos

Os membros do COI são pessoas individuais e seu número de membros não pode exceder um total de 115. Cada membro é eleito por um período de 8 (oito) anos, podendo ser reeleito por um ou vários períodos iguais. A assembleia geral dos membros do COI é denominada Sessão, sendo seu órgão supremo e as suas decisões definitivas, e junto com ela completam os órgãos do COI a Comissão Executiva e o Presidente.

Além de outras funções, a Sessão pode alterar e modificar a Carta Olímpica. Cada membro dispõe de um voto e o quorum requerido é de metade mais um dos membros do COI. Suas decisões são adotadas pela maioria dos votos expressos, e apenas por dois terços dos votos ela poderá modificar os princípios fundamentais do olimpismo e as Regras da Carta Olímpica.

A Comissão Executiva do COI é constituída pelo Presidente, quatro Vice-Presidentes e dez outros membros, eleitos pela Sessão. Podem ainda ser criadas comissões de aconselhamento da Sessão, Comissão Executiva ou Presidência, como a Comissão de Atletas, de Ética, de Nomeações, de Solidariedade Olímpica, Avaliação das Cidades Candidatas, Coordenação dos jogos Olímpicos, Médica, entre outras.


6) Comitês Olímpicos Nacionais (CONS) e o COB.

A Carta Olímpica prevê a criação dos Comitês Olímpicos Nacionais (CONs), cuja missão é “desenvolver, promover e proteger o Movimento Olímpico nos seus respectivos países, em conformidade com a Carta Olímpica”.

No caso do Brasil, estabeleceu-se o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que foi fundado em 1914 e iniciou suas atividades em 1935. O COB, assim como os outros CONs, tem o papel de promover os princípios e valores fundamentais do Olimpismo no país, assegurar a observância da Carta Olímpica, incentivar o desenvolvimento do desporto de alto rendimento e do desporto para todos, auxiliar na formação de gestores desportivos (organização de cursos), adotar medidas contra a discriminação e violência no desporto e adotar e aplicar o Código Mundial Antidoping.

Compete ao COB, entre outras funções, representar exclusivamente o Brasil nos Jogos Olímpicos e nas competições multidesportivas regionais, continentais ou mundiais patrocinadas pelo COI. Cabe ainda ao COB ele reconhecer uma entidade de administração do desporto de determinada modalidade e instituí-la como um de seus membros, desde que essa entidade exerça uma atividade desportiva específica, esteja filiada a uma federação internacional e adote os preceitos da Carta Olímpica.

O COB deve ter como membros os membros do COI no Brasil e todas as federações nacionais, filiadas nas federações internacionais que regem as modalidades desportivas, incluídas no programa dos Jogos Olímpicos (ou seus representantes) e representantes eleitos dos atletas que tenham participado nos Jogos Olímpicos.

O comitê nacional, em consonância com o art. 16 da Lei Pelé, é pessoa jurídica de direito privado, tem organização e funcionamento autônomos e suas competências são definidas em seu estatuto, não podem sofrer a interferência estatal, ainda que recebam recursos públicos.

Na estrutura associativa olímpica, os atletas são registrados ou inscritos por um clube que se vincula a uma entidade regional/estadual de administração do desporto ou, no caso de um atleta individual, este pode se associar diretamente à entidade regional/estadual de administração do desporto (um exemplo é o praticante de atletismo que pode se associar diretamente uma federação estadual da modalidade).

A federação regional/estadual, por sua vez, está filiada a uma Confederação (amplitude nacional). Essa Confederação, se filiada à federação internacional de modalidade olímpica, participará da composição do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

O COB é reconhecido pelo COI, devendo seguir todas as suas regras, assim como federações internacionais também podem ter reconhecimento do COI.


7) Federações esportivas internacionais

Organizações internacionais não governamentais que administram um ou mais esportes no plano mundial, possuindo independência e autonomia para administrar esses esportes.

São responsáveis pela edição das regras dos jogos, pela regulamentação das transferências de jogadores, organização das competições profissionais, regulamentação e fiscalização do desporto, bem como das associações nacionais, entre outros temas relacionados à sua modalidade.

Para que uma federação seja reconhecida pelo COI, esta deve seguir os preceitos da Carta Olímpica, principalmente quanto à adoção do Código Mundial Antidoping.

Em 2013, o COI reconheceu, por exemplo, a Federação Internacional de Futebol Americano (International Federation of American Football “ IFAF). Assim, poderá haver uma votação a respeito da adição de futebol americano para os Jogos Olímpicos em 2017 e o esporte ser incluído nos Jogos Olímpicos de Verão de 2024.

As federações podem formular propostas ao COI relativas à Carta Olímpica e ao Movimento Olímpico, colaborar na preparação dos Congressos Olímpicos e ser convidadas a participar das atividades das suas comissões do COI.

Cumpre as federações estabelecer e aplicar as regras da modalidade, assegurar o desenvolvimento das modalidades em todo o mundo, contribuir para que os objetivos da Carta Olímpica sejam alcançados (por meio do Olimpismo e da educação Olímpica), emitir opiniões a respeito das cidades/locais candidatos à organização dos Jogos Olímpicos, quanto aos aspetos técnicos e de infraestruturas para a respectiva modalidade, estabelecer os critérios de admissão às competições dos Jogos Olímpicos em conformidade com a Carta Olímpica e submetê-los a aprovação do COI, responsabilizar-se pelo controle e direção técnica das suas modalidades, proporcionar assistência técnica na aplicação prática dos programas da solidariedade olímpica.

As federações internacionais estabelecem as regras gerais que devem ser seguidas pelas entidades vinculadas a ela, continental e nacionalmente.

As entidades continentais, respeitando as normas das federações internacionais, podem editar normas que deverão ser seguidas pelas entidades nacionais e regionais vinculadas.

Seguindo o mesmo raciocínio, as entidades nacionais podem editar regras a serem seguidas pelas entidades regionais.


8) Agência Mundial Antidoping

A World Anti-Doping Agency (WADA) é uma organização independente, criada após a Primeira Conferência Mundial sobre Doping no Esporte em (Lausanne, Suíça, 1999), hoje com sede em Montreal, Canadá.

A agência tem o objetivo de promover, coordenar e monitorar a luta contra o doping no esporte e seu principal instrumento é o Código Mundial Antidoping (CMAD), aprovado na Conferência Mundial sobre Doping em 2003 e implementado antes da abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas de 2004, o qual fornece estrutura para as políticas antidoping, regras e regulamentos dentro de organizações desportivas e entre as autoridades públicas.

O CMAD e o Programa Mundial Antidoping objetiva proteger o direito dos atletas de praticar o esporte livre da dopagem, promovendo a saúde e a igualdade entre atletas e, também, garantir a harmonia e a coordenação entre os programas antidoping de nível nacional e internacional, no que diz respeito à detecção, e a prevenção do doping.

Todos os anos a Agência divulga uma lista atualizada de substâncias proibidas para utilização, e a Carta Olímpica reputa como obrigatório a todo o Movimento Olímpico o reconhecimento do CMAD.


9) Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) ou Corte Arbitral do Esporte (CAS)

Trata-se de corte arbitral criada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), com sede em Lausanne, Suíça e com outros dois postos permanentes em Sydney, Austrália e Nova Iorque, Estados Unidos. Seu objetivo é solucionar questões relacionadas direta ou indiretamente com o esporte e podem levar o caso ao seu conhecimento clubes, atletas e federações.

O TAS-CAS foi criado em 1984, diante da necessidade de foro para resolver os conflitos esportivos mundiais e das vantagens da criação de um tribunal próprio para o tema. Inicialmente subordinado ao COI, que custeava suas despesas e indicava seus árbitros.

Em razão de uma sentença do Tribunal Federal Suíço em 15 de março de 1993, que apreciava o Caso Gundel[19], no qual foi contestada as condições de imparcialidade e independência necessárias para poder arbitrar a questão desportiva que lhe havia sido submetida, foi reconhecida a independência do TAS com relação à Federação Equestre Internacional (FEI), mas as ressalvas quanto a esta independência frente às possíveis questões envolvendo o COI, importou na criação do International Council of Arbitration for Sport (ICAS), que atualmente administra e financia o TAS

O TAS-CAS é composto por uma Divisão Arbitral Ordinária que soluciona disputas submetidas pelo procedimento ordinário, uma Divisão Arbitral de Apelação, que soluciona disputas relativas às decisões das federações, associações, comitês e outras entidades esportivas, sendo também constituída de um painel de 03 (três) árbitros escolhidos pelas partes.

Dispõe o tribunal de um presidente, o mesmo presidente do ICAS, e de um mínimo de 150 (cento e cinquenta) árbitros, de 37 (trinta e sete) países, especialistas em arbitragem e direito desportivo, que são indicados pelo ICAS.

As federações internacionais adotam a arbitragem vinculada ao TAS-CAS como meio de solucionar os conflitos, pelas souções mais rápidas, adequadas e econômicas, evitando que os litígios sejam apresentados à justiça ordinária (comum).

As federações internacionais também podem prever o TAS-CAS como órgão recursal das decisões de seus órgãos jurídicos, disciplinares, das confederações.

A FIFA  adotou o TAS-CAS em seu estatuto (art. 66) para intermediar disputas entre membros e como único tribunal de apelação para suas decisões finais, assim como a FIBA, que também prevê o TAS-CAS como última instância no art. 178 de seu estatuto, e a FIVB entre outras federações esportivas internacionais.

A World Anti-Doping Agency – WADA, também previu, na questão de doping, que os casos envolvendo evento internacional ou atleta de nível internacional, poderá haver apelação da decisão para o TAS-CAS.


10) Lex Sportiva e Lex Olympica e o ordenamento jurídico brasileiro

O COI e as federações internacionais, administrando suas modalidades, em razão de sua independência e autonomia, passaram a estabelecer e aplicar as regras próprias, criando uma verdadeira legislação transnacional, aplicável além das fronteiras de onde foram estabelecidas e englobando diversas nações.

O número de casos levados ao conhecimento e decisões proferidas pelo TAS-CAS e ao tribunais de Justiça desportiva, também acabou por criar regras próprias na aplicação das normas pelos julgadores.

Desse conjunto de normas emanadas pelas entidades internacionais e decisões dos tribunais desportivos, surgiu a denominada Lex Sportiva, uma espécie de norma global atinente ao direito desportivo e com princípios legais únicos.

Álvaro Melo Filho, explicita

(...)a noção de lex sportiva vincula-se a uma ordem jurídica desportiva autônoma, constituída não somente dos regulamentos autônomos das federações desportivas nacionais, em geral harmonizadas com a legislação desportiva estatal onde têm sua sede, às regras oriundas das Federações Internacionais e, ainda às sentenças e decisões promanadas dos tribunais de justiça desportiva e cortes arbitrais desportivas.[20]

Além da Lex Sportiva destaca-se ainda a Lex Olympica, que nada mais é que a Lei do Movimento Olímpico, encontrada na Carta Olímpica e dirigida a todos que por vontade própria fazem parte desse movimento. Ambas tratam o desporto como algo global ou transnacional, necessário ao desenvolvimento de regras peculiares que se aplicassem a todos os países, independentemente de seus sistemas políticos, jurídicos e outros aspectos organizacionais, sem que isso implicasse em afronta à soberania.

Ordenamento jurídico nacional, há previsão de recepção das normas esportivas de caráter internacional sem que isso implique em qualquer interferência à sua soberania, não sendo o Direito emanado pelo Estado mitigado ou renunciado face às normativas transnacionais de Direito Desportivo, em face do artigo 217 da Constituição (incs. I e §§ 1º e 2º) e da expressa previsão constante da Lei Pelé (Lei n. 9.615/98, art. 1º, § 1º), estabelecer que:

“Art. 1º O desporto brasileiro abrange práticas formais e não formais e obedece às normas gerais desta Lei, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito.

§1º A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.”

Assim a prática desportiva de cada modalidade é regulada por normas internacionais e pelas regras impostas por cada Federação Internacional e aplicadas no Brasil, mediante o aceite das entidades nacionais de administração do desporto (CBF, CBV, CBB e outras) e também pelas entidades regionais (Federação Paulista de Futebol FPF, Federação Paulista de Volleyball “ FPV, Federação Paulista de Basketball “ FPB e outras).

O ordenamento jurídico brasileiro, portanto, determina a recepção de normas internacionais desportivas por meio da Lei Geral sobre Desportos. A recepção de legislação internacional por força de lei ordinária, ainda que não tenha havido deliberação do Congresso Nacional, já ocorreu reconheceu o Senado, no caso, a Lei n. 11.638, de 2007, alterou a legislação societária e determinou que “As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (...) deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários.”

Também no caso da contabilidade governamental, a Portaria n. 184, de 2008, do Ministro da Fazenda, “Dispõe sobre as diretrizes a serem observadas no setor público (pelos entes públicos) quanto aos procedimentos, às práticas, à elaboração e à divulgação das demonstrações contábeis, de forma a torná-los convergentes com as Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público.”

Esclarece ainda Álvaro Melo Filho:

A lex sportiva internationalis promanada da FIFA, FIBA, FIVA, FIA etc., torna-se inarredável e prevalecente, em algumas hipóteses, sem comprometer ou infirmar a soberania do país, pois em uma sociedade globalizada, o desporto como direitos humanos, ecologia, comunicação, espaço aéreo, por exemplo, são matérias que refogem a uma normatização exclusivamente nacional. Vale dizer, a autonomia desportiva dos órgãos diretivos internacionais ignora fronteiras, pois suas regras e estrutura são universais, o que determinou a mondialization du sport.[21]

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de Recurso Especial que envolveu a possibilidade de responsabilização civil da entidade responsável pela organização da competição esportiva mediante o erro manifesto de arbitragem, sem o dolo do árbitro, reconheceu a aplicação da normativa internacional emanada pela FIFA quanto à arbitragem no território nacional, como é possível verificar na ementa desse julgamento:

ESTATUTO DO TORCEDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PÊNALTI NÃO MARCADO. COMPENSA- ÇÃO POR ALEGADOS DANOS MORAIS DECORRENTES DE ERRO DE ARBITRAGEM GROSSEIRO, NÃO INTENCIONAL, AINDA QUE COM O CONDÃO DE INFLUIR NO RESULTADO DO JOGO. MANIFESTO DESCABIMENTO. ERROS “DE FATO” DE ARBITRAGEM, SEM DOLO, NÃO SÃO VEDADOS PELO ESTATUTO DO TORCEDOR, A PAR DE SER INVENCÍVEL A SUA OCORRÊNCIA. NÃO HÁ COGITAR EM DANOS MORAIS A TORCEDOR PELO RESULTADO INDESEJADO DA PARTIDA. DANO MORAL. PARA SUA CARACTERIZAÇÃO É IMPRESCINDÍVEL A CONSTATAÇÃO DE LESÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE, NÃO SE CONFUNDINDO COM MERO DISSABOR PELO RESULTADO DE JOGO, SITUAÇÃO INERENTE À PAIXÃO FUTEBOLÍSTICA.

1. O art. 3º do Estatuto do Torcedor estabelece que se equiparam a fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor “ para todos os efeitos legais“, a entidade responsável pela organização da competição, bem como aquele órgão de prática desportiva detentora do mando de jogo. Todavia, para se cogitar em responsabilidade civil, é necessária a constatação da materialização do dano e do nexo de causalidade.

2. “Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corres- ponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros”. (REsp 967623/RJ, rela. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16.4.2009, DJe 29.6.2009)

3. É sabido que a Fifa tem vedado a utilização de recursos tecnológicos, por isso que o árbitro de futebol, para a própria fluidez da partida e manutenção de sua autoridade em jogo, tem a delicada missão de decidir prontamente, valendo-se apenas de sua acuidade visual e da colaboração dos árbitros auxiliares.

4. O art. 30 da Lei n. 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), atento à realidade das coisas, não veda o erro de fato não intencional do árbitro, pois prescreve ser direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões. Destarte, não há falar em ocorrência de ato ilícito.

5. A derrota de time de futebol, ainda que atribuída a erro “de fato” ou “de direito” da arbitragem, é dissabor que também não tem o condão de causar mágoa duradoura a ponto de interferir intensamente no bem-estar do torcedor, sendo recorrente em todas as modalidades de esporte que contam com equipes competitivas. Nessa esteira, consoante vem reconhecendo doutrina e jurisprudência, mero dissabor, aborrecimento, contratempo, mágoa “ inerentes à vida em sociedade “, ou excesso de sensibilidade por aquele que afirma dano moral, são insuficientes à caracterização do abalo, tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão a direito da personalidade daquele que se diz ofendido.

6. De fato, por não se verificar a ocorrência de dano a direito da personalidade ou cabal demonstração do nexo de causalidade, ainda que se trate de relação equiparada a de consumo, é descabido falar em compensação por danos morais. Ademais, não se pode cogitar de inadimplemento contratual, pois não há legítima expectativa “ amparada pelo direito “ de que o espetáculo esportivo possa transcorrer sem que ocorra erro de arbitragem, ainda que grosseiro e em marcação que hipoteticamente possa alterar o resultado do jogo.

7. Recurso especial não provido

(STJ. Recurso Especial N. 1.296.944 - RJ (2011/0291739-0). 4a Turma. Min. rel. Luis Felipe Salomão. Data do julgamento: 7.5.2013.)

Portanto, normas editadas por uma Federação Internacional, entidade continental ou pelo COI aplicam-se obrigatoriamente à comunidade desportiva e a todos os entes desportivos brasileiros que lhe sejam filiados/associados, sem que isso implique em afronta à soberania nacional, já que a legislação pátria prevê expressamente sua recepção.


Conclusões

A configuração da sociedade mundial que aludimos no início deste artigo, pródiga de ordens jurídicas com regras próprias de conduta e mecanismos específicos de sanção para o caso de infringência, emanadas por redes de atores ou organizações privadas, legitima a existência de uma Lex Sportiva típica de um novo ramo jurídico que desponta dentre as espécies dos chamados “novos direitos”, que é o Direito Desportivo.

Como os demais ramos como o Direito Ambiental, o Direito do Consumidor e o Biodireito, o Direito Desportivo se firma na delimitação de seu regime jurídico, com vasta regulamentação das pessoas físicas e jurídicas que direta ou indiretamente se relacionam com o desporto.

A organização internacional do desporto, constituída por instituições esportivas de nível supraestatal, tidas como organizações não governamentais, reconhecidas como sujeito de jure no direito internacional, propiciou a formação de uma Ordem Jurídica Desportivo Internacional, cuja tipicidade se verifica nos princípios internacionais que dão supedâneo de sua organização legal.

De todos o Princípio da Autonomia desportiva internacional é notadamente o maior alicerce do Ordenamento Jurídico Desportivo Internacional, pois garante auto-organização, autoadministração e a edição de regras próprias às entidades internacionais de administração do desporto.

Essa autonomia desportiva foi recepcionada como princípio contido no art. 217, I, de nossa Carta Magna, internalizando o dever de respeitar e observar “a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto à sua organização e funcionamento” pelo Estado e pela sociedade, seja na criação legislativa, sej na aplicação do direito desportivo pelos tribunais brasileiros.


BibliogRafia

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Notas

[1] IANNI, Octavio. Teorias da Globalização,15ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2008, p. 125

[2] VARELLA. Marcelo D.: Internacionalização do Direito internacional, globalização e complexidade. 2012. 606 f. Tese (Livre-Docência em Direito Internacional)-Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 40 a 49.

Disponível em: https://www.uniceub.br/media/186548/MVarella.pdf, Acesso em 18/08/2015

[3] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 23.

[4] Representada pelo surgimento de instituições como Câmara de Comércio Internacional (CCI), o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (Unidroit).

[5] Cuja regulação se verifica na Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN).

[6] Cuja expressão foi mencionada pela primeira vez no Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) em 2008.

[7] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 119

[8] MELO FILHO, Álvaro. Comentários à Lei n.9615/98 – Ed. Brasília Jurídica, pp. 11-12

[9] FERRER, Gabriel Real. Derecho Público del Deporte. Madrid: Civitas, 1991, p. 262.

[10] MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 32.

[11] MEIRIM, José Manuel. O Desporto nos Tribunais. Lisboa: Centro de Estudo e Formação Desportiva, 2001, p. 112.

[12] FERRER, Gabriel Real. Ob, cit, p. 175.

[13] “Artigo 71. O Conselho Econômico e Social poderá entrar nos entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais, encarregadas de questões que estiverem dentro da sua própria competência. Tais entendimentos poderão ser feitos com organizações internacionais e, quando for o caso, com organizações nacionais, depois de efetuadas consultas com o Membro das Nações Unidas no caso.”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm. Acesso em 12/08/2014.

[14] PERRY, Valed. Introdução ao Direito Desportivo, Revista Brasileira de Direito Desportivo n. 1. 1º. Semestre de 2.002. Editora OAB. São Paulo. Pág. 20

[15] FERRARI, Hernán J. Ordem jurídico desportivo internacional. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo, n. 8, p.132, jul./dez. 2005.

[16] RAMOS, Rafael Teixeira. Principiologia do direito desportivo internacional. In: BEM, Leonardo Schmitt de; RAMOS, Rafael Teixeira. Direito desportivo “ tributo a Marcílio Krieger. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 94.

[17] UNESCO. Carta Internacional da Educação Física e do Esporte. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0021/002164/216489por. pdf> Acesso em: 16 ago.2014.

[18] CARLIN, John. Conquistando o inimigo “ Nelson Mandela e o jogo que uniu a África do Sul. Rio de Janeiro: Sextante, 2009. p. 12.

[19] Referente a um cavaleiro chamado Elmar Gundel que havia sido suspenso pela Federação Equestre Internacional (FEI) pelo período de 3 meses em virtude do resultado de exame antidoping realizado em seu cavalo. Gundel recorreu então ao TAS que acabou reduzindo a suspensão para 1 mês, e ainda contestou perante o a validade da decisão arbitral.

[20] MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo. IOB Thomson, 2006. p 27-28

[21] MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p 32.


Autor

  • José Tadeu Rodrigues Penteado

    Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1985), especialista em Direito do Estado pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e Mestre em Direito Desportivo pela PUC-SP. Advogado Público, Analista de Gestão em Metrologia e Qualidade do Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo, desde 1987, atualmente é professor das Faculdades Integradas Rio Branco.Experiência de 30 anos na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo, Tributário e Processo Civil.

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Informações sobre o texto

O texto exsurge das pesquisas efetuadas no Núcleo de Direito Desportivo, do programa de Mestrado e Doutorado em Direito Desportivo do Brasil, coordenado pelos Profs. Nelson Luiz Pinto e Paulo Sergio Feuz, ambos da PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENTEADO, José Tadeu Rodrigues. Aspectos gerais da organização internacional do desporto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4630, 5 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47046. Acesso em: 20 abr. 2024.