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Desaverbação de tempo de contribuição excedente após a aposentadoria no serviço público

Desaverbação de tempo de contribuição excedente após a aposentadoria no serviço público

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A multiplicação de requerimentos de desaverbação de tempo excedente por servidores públicos já aposentados por tempo de contribuição (CF, art. 40, §1º, III, "a") merece um exame atento.

Resumo: No serviço público é comum que os segurados recolham contribuições acima do tempo mínimo contributivo nas aposentadorias por tempo de contribuição (art. 40, §1º, III, "a" da CF/88), seja pela exigência cumulativa de idade mínima (65 e 60 anos, para homens e mulheres, respectivamente), seja pelos benefícios financeiros (ex.: gratificações propter laborem e abono de permanência) ou para evitar a ociosidade do afastamento. Este "excesso de contribuição", uma vez considerado formalmente na aposentadoria, somente poderá ser utilizado em outro regime de previdência (RGPS ou RPPS), caso não tenha produzido efeitos na composição pecuniária dos proventos de aposentadoria, situação que será analisada quando for requerida a emissão de certidão de tempo de contribuição - CTC, a qual instrumentaliza o exercício do direito à contagem recíproca do tempo de contribuição (art. 201, §9º da CF). Se tiver produzido efeitos, somente através da desaposentação seria possível o aproveitamento do excesso ou da totalidade do tempo de contribuição em outro regime. Dessa forma, entende-se que em casos excepcionais é possível a "desaverbação" de tempo excedente de contribuição, mesmo após a aposentadoria, quando o excesso não tenha impactado na composição dos proventos.

Palavras-chave: Desaverbação. Tempo de contribuição excedente. Contagem recíproca. Certidão de tempo de contribuição. Portaria MPS 154/08. Desaposentação. Regime próprio de previdência.


1 – INTRODUÇÃO

A aposentadoria dos servidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações é disciplinada diretamente pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu art. 40. Este dispositivo estabelece que o regime de previdência terá caráter contributivo e solidário, devendo ser custeado pela contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

O objeto de estudo do presente artigo centraliza-se nas aposentadorias no serviço público que tenham como requisito algum tempo mínimo de contribuição. Atualmente, a aposentadoria por tempo de contribuição está disciplinada no art. 40, §1º, III, "a" da CF/88, com a redação dada pela EC 20/1998. Posteriormente, a EC 41/2003 promoveu o fim da paridade (critério de reajuste igual ao dos servidores ativos) e da integralidade (proventos iguais a última remuneração). Com o objetivo de reduzir os impactos aos servidores ingressantes antes da EC 20/98 e EC 41/03, foram previstas regras de transição (ex.: art. 6º da EC 41 e art. 3º da EC 47/05), que também trazem como requisito algum tempo mínimo de contribuição.

Com minha experiência prática como gestor público, lotado no Regime Próprio de Previdência (RPPS) do Estado do Piauí, verifiquei a multiplicação de pedidos administrativos de "desaverbação de tempo excedente" por servidores já aposentados por tempo de contribuição (art. 40, §1º, III, "a" da CF/88 ou alguma regra de transição), principalmente por servidores da área da educação e saúde, que comumente exerceram atividade privada antes da admissão ou ainda exercem de forma concomitante ao cargo público efetivo.

A multiplicação de pedidos de desaverbação é incentivada pela Lei de Benefícios do Regime Geral de Previdência - RGPS (Lei 8.213/91), no qual a aposentadoria por idade que tem como requisito somente 180 contribuições mensais (art. 25, II). Ademais, o art. 102, §2º dispõe que a perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos.

Dessa forma, o segurado já aposentado pelo RPPS, com algum "tempo excedente", que possua também tempo de contribuição no RGPS, abaixo do mínimo de 180 contribuições, certamente pretenderá utilizar o "tempo excedente" no serviço público para contagem no RGPS, no intuito de alcançar a aposentadoria por idade com o complemento da das contribuições restantes para concluir a carência.

Estabelecidas as arestas do problema a ser enfrentado no presente artigo, nos tópicos seguintes serão abordados os principais aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais acerca da desaverbação de tempo de contribuição excedente, mesmo após a aposentadoria. Com efeito, o presente artigo objetivará encontrar respostas às seguintes perguntas: a legislação autoriza a transferência do tempo de contribuição excedente no serviço público para o RGPS ou outro RPPS, mesmo após a aposentadoria? E se o tempo excedente produziu efeitos na composição dos proventos de aposentadoria do segurado? A desaverbação de tempo excedente após a aposentadoria pressupõe a desaposentação? Como a situação é abordada pela doutrina e jurisprudência?


2 – Contribuições previdenciárias e tempo de contribuição

2.1 Conceito e natureza jurídica das contribuições previdenciárias

Conforme disposto no art. 149 da Constituição de 1988, a União tem competência legislativa exclusiva para instituir contribuições sociais. Na esteira de Marcelo Barroso Lima Brito de Campos, as contribuições sociais podem ser subdivididas da seguinte forma:

"Seguindo o esquema proposto no item anterior, com base no critério da destinação é que se classificam as contribuições sociais em:

a) contribuições sociais gerais;

b) contribuições sociais de seguridade social;

c) contribuições previdenciárias do RGPS: cota do empregador, empresa e a ela equiparados e cota do trabalhador e demais segurados;

d) contribuições previdenciárias do RPPS: cota do ente público e cota do servidor público, militares, ativo ou inativo e pensionista." (p. 162).

Especificamente acerca das contribuições previdenciárias, Oscar Valente Cardoso conceitua:

As contribuições previdenciárias são espécies de contribuições sociais, com a destinação específica de custear o pagamento dos benefícios previdenciários (sistema atuarial). Há, desse modo, como hipótese de incidência, uma atuação do Poder Público indiretamente vinculada ao contribuinte: por meio do custeio da seguridade social ele terá direito a ações gratuitas da saúde pública e, eventualmente, da assistência social e da previdência social (quando se enquadrar em alguma das hipóteses legais). Essas contribuições financiam o sistema da seguridade social (e não retribuem uma atividade específica e divisível do Estado), pois o contribuinte tem a obrigação de pagá-las, mas não necessariamente irá usufruir algum benefício ou serviço da previdência social (a menos que cumpra os requisitos).

Com a EC 33/01, posteriormente alterada pelo 41/03, passou a estar expressa a competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios para instituírem contribuição previdenciária, cobrada de seus servidores, para o custeio do respectivo regime próprio de previdência social (RPPS), cuja alíquota não poderá ser inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.

Quanto à natureza jurídica, prevalece na doutrina e jurisprudência[1] de forma pacífica que as contribuições previdenciárias têm natureza de tributo, sendo espécie autônoma e distinta de imposto, taxa, contribuição de melhoria e empréstimo compulsória. No campo doutrinário, Sergio Pinto Martins pontua que:

"A contribuição previdenciária seria uma obrigação tributária, uma prestação pecuniária compulsória paga ao ente público, com a finalidade de constituir um fundo para ser utilizado em contingências previstas em lei. Trata-se de uma contribuição social caracterizada pela sua finalidade, isto é, constituir um fundo para o trabalhador utilizá-lo quando ocorrerem certas contingências previstas em lei." (p. 74).

2.2 Tempo de serviço x Tempo de contribuição

Com o advento da EC 20/98, a concessão de aposentadoria passou a estar vinculada ao tempo efetivo de contribuição (CF, art. 40, §9º), vedando-se a contagem fictícia (CF, art. 40, §10). A reforma teve por objetivo o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário. O art. 4° da EC 20/98 assegurou a conversão do “tempo de serviço” já cumprido (antes da EC 20) em “tempo de contribuição”, excluído eventual tempo fictício:

Art. 4º - Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição.

Na forma estabelecida pelo Decreto 3.048/99, que regulamenta a previdência social e a contagem recíproca de contribuições entre regimes diversos, o art. 130, §15 estabelece que:

§ 15.  O tempo de serviço considerado para efeito de aposentadoria e cumprido até 15 de dezembro de 1998 será contado como tempo de contribuição. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).


3 – DIREITO À Contagem recíproca do tempo de contribuição E FORMA DE EXERCÍCIO

3.1 Conceito

No ordenamento jurídico pátrio, coexistem vários regimes de previdência social: o Regime Geral (CF, art. 201), o Regime Próprio dos servidores públicos (CF, art. 40) e o Regime Próprio dos militares (CF, art. 42, §1º e 142, §3º, X). Além disso, um segurado de um dos referidos regimes poderá migrar para um regime de previdência de outro país, bem como no sentido inverso.

Ao longo da vida, um indivíduo poderá ter se vinculado a mais de um regime de previdência, sendo desproporcional e irrazoável impedir a comunicação do tempo de contribuição entre os regimes, de forma que todas as contribuições previdenciárias sejam consideradas no benefício final.

Conforme lições de Kerlly Huback Bragança, a contagem recíproca:

"(...) é o instituto pelo qual se computa o tempo de filiação em regimes de previdência diferentes. Dessa forma, o segurado pode adicionar o tempo de contribuição para o RGPS e àquele prestado à administração pública, e vice-versa, fazendo com que os sistemas públicos de previdência se comuniquem. A necessidade de reciprocidade na contagem de tempo é mais uma prova da universalidade do nosso seguro social. Com efeito, se o segurado de um regime não pudesse aproveitar seu tempo contributivo em outros, esse fato provavelmente impediria que viesse, p. ex., a receber aposentadoria. Imagine-se um segurado que depois de anos de contribuição para o RGPS se filiasse ao regime de previdência dos servidores da União, em virtude de aprovação em concurso público. Não sendo aproveitado seu tempo de contribuição para o RGPS pelo regime da União começaria do zero a contagem de seu tempo, como se nunca houvesse contribuído para a previdência social". (p. 482-483).

Segundo entendimento de Marcelo Barroso Lima Brito de Campos, a contagem recíproca é um direito subjetivo do segurado. Confira-se:

"Contagem recíproca do tempo de contribuição é o direito do segurado da previdência social de computar e somar os seus tempos de contribuição exercidos sob a vinculação dos diversos regimes jurídicos previdenciários básicos". (p. 329).

3.2 Histórico legislativo

A Lei 3.807/60 – Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) - não previa contagem recíproca. Porém, no mesmo ano, a Lei 3.841/60 dispôs sobre a contagem recíproca, para efeito de aposentadoria, do tempo de serviço prestado por funcionários à União, às Autarquias e às Sociedades de Economia Mista

Com a Constituição de 1967 (art. 101, §1º) e EC 01/69 (art. 102, §2º), restou garantida a contagem do tempo de serviço público federal, estadual e municipal para fins de aposentadoria e disponibilidade.

O Decreto-lei 367/68, por sua vez, foi a primeira norma legal a permitir a contagem recíproca de tempo de serviço entre atividade pública e atividade privada, exceto para períodos de exercício de atividades de forma concomitante no setor público e no setor privado. O diploma legal ainda fixou a repartição do ônus financeiro da aposentadoria, de forma proporcional, entre o então Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) e o Tesouro Nacional e as autarquias federais.

Posteriormente, a Lei nº 6.226, de 14 de julho de 1975 dispôs sobre a contagem recíproca de tempo de serviço público federal e de atividade privada, para efeito de aposentadoria.

A Constituição de 1988 foi a primeira a prever a contagem recíproca do tempo de serviço público com o de atividade privada (art. 202, § 2º, na redação original). Após a EC 20/98, a redação do dispositivo foi reproduzida no art. 201, §9º:

§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.

No plano infraconstitucional, o instituto da contagem recíproca vem tratada na Lei 8.213/91 (art. 94 a 99), Decreto 3.048/99 (art. 125 a 135). Na redação original, o art. 95 da Lei 8.213/91 permitia a contagem recíproca, para fins dos benefícios do RGPS, desde que o segurado cumprisse a carência de 36 contribuições mensais. A exigência legal, todavia, foi revogada pela MP 1.891-8/99, reeditada até a MP 2.187-14/2001, restando que não é mais exigido o cumprimento de carência para fins de contagem recíproca. 

3.3 Compensação financeira entre os regimes de previdência

O art. 201, §9º da CF/88 determinou, ainda, que “os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei”. Dessa forma, o constituinte deixou para a legislação ordinária a definição dos critérios de compensação, que somente ocorreu com a Lei 9.796/99.

Ressalte-se que por envolver todos os entes federativos, a referida lei ordinária trataria de norma de abrangência nacional, cuja competência legislativa é da União, com fundamento direto no art. 201, §9º e art. 24, XII, §1º, ambos da CF/88. 

Fábio Zambitte Ibrahim explica o que vem a ser “regime de origem” e “regime instituidor” para a Lei 9.796/99:

"A compensação, nos termos do art. 22 da Lei nº 9.796/99, é feita entre o regime de origem (aquele ao qual o segurado ou servidor público esteve vinculado sem que dele receba aposentadoria ou tenha gerado pensão para seus dependentes) e o regime instituidor (aquele responsável pela concessão e pagamento de benefício de aposentadoria ou pensão dela decorrente a segurado ou servidor público ou a seus dependentes com cômputo de tempo de contribuição no âmbito do regime de origem). (p. 126)”

De forma didática, o autor esclarece o mecanismo da compensação financeira da seguinte forma:

Por exemplo, segurado do RGPS que é aprovado em concurso público para cargo de provimento efetivo na União - o regime de origem é o RGPS, que deverá, quando da concessão do benefício pelo RPPS federal, ressarcir a este parte do benefício pago, mensalmente, com base na proporção de tempo de contribuição entre um e outro. Se, como servidor, aposentou-se com 35 anos de contribuição, sendo que 10 anos eram do RGPS, este regime terá de ressarcir ao RPPS federal, mensalmente, 10/35 do valor de seu benefício." (p. 126).

3.4 Forma de exercício do direito à contagem recíproca: emissão da Certidão de Tempo de Contribuição - CTC

Sobre o exercício do direito de contagem recíproca, Marcelo Barroso Lima Brito de Campos pontua que:

"O exercício dessa contagem depende da emissão da Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) pelo regime de origem e averbação desse tempo no regime que irá instituir o benefício. A matéria é tratada pela Portaria MPS 154/2008, que disciplina os procedimentos sobre a emissão de CTC pelos RPPS". (p. 329).

Com efeito, o interessado em transferir o tempo de contribuição de um regime para outro (ex.: RGPS para RPPS) deverá requerer na entidade de origem a emissão de um documento oficial – a CTC – que comprove o tempo contribuído (ou de serviço, se antes da EC 20/98). De posse da CTC, deverá apresentar ao gestor do regime previdenciário pretendido, para que seja averbada.

A emissão de CTC é disciplinada pelo Decreto federal 3.048/99 (art. 130) e Portaria MPS 154/2008, que regulam os procedimentos e condições para emissão de CTC, seja pelo RGPS (Decreto 3.048/99) ou RPPS (Portaria MPS 154/2008).

Em relação aos regimes de previdência dos servidores, a Portaria MPS 154/2008 estabelece as informações que deverão constar obrigatoriamente na CTC, com base no levantamento do tempo de contribuição para o RPPS à vista dos assentamentos funcionais do servidor:

 Art. 6º Após as providências de que trata o art. 5º e observado, quando for o caso, o art. 10 desta Portaria, a unidade gestora do RPPS ou o órgão de origem do servidor deverá emitir a CTC sem rasuras, constando, obrigatoriamente, no mínimo:

 I - órgão expedidor;

II - nome do servidor, matrícula, RG, CPF, sexo, data de nascimento, filiação, PIS ou PASEP, cargo efetivo, lotação, data de admissão e data de exoneração ou demissão;

III - período de contribuição ao RPPS, de data a data, compreendido na certidão;

IV - fonte de informação;

V - discriminação da frequência durante o período abrangido pela certidão, indicadas as alterações existentes, tais como faltas, licenças, suspensões e outras ocorrências;

VI - soma do tempo líquido;

VII - declaração expressa do servidor responsável pela certidão indicando o tempo líquido de efetiva contribuição em dias, ou anos, meses e dias;

VIII - assinatura do responsável pela emissão da certidão e do dirigente do órgão expedidor;

IX - indicação da lei que assegure ao servidor aposentadorias voluntárias por idade e por tempo de contribuição e idade, aposentadorias por invalidez e compulsória e pensão por morte, com aproveitamento de tempo de contribuição prestado em atividade vinculada ao RGPS ou a outro RPPS;

X - documento anexo contendo informação dos valores das remunerações de contribuição, por competência, a serem utilizados no cálculo dos proventos da aposentadoria; e

XI - homologação da unidade gestora do RPPS, no caso da certidão ser emitida por outro órgão da administração do ente federativo.

No que tange aos condicionamentos, os dispositivos da Portaria MPS 154/2008 mais relevantes para o objeto do presente estudo são dois:

Art. 11. São vedadas:

(...)

II - a emissão de CTC para período que já tiver sido utilizado para a concessão de aposentadoria, em qualquer regime de previdência social;

(...)

Art. 12. A CTC só poderá ser emitida para ex-servidor.

 § 1º Na hipótese de vinculação do servidor ao RGPS por força de lei do ente federativo, poderá ser emitida a CTC relativamente ao período de vinculação ao RPPS mesmo que o servidor não esteja exonerado ou demitido do cargo efetivo na data do pedido.

§ 2º No caso de acumulação lícita de cargos efetivos no mesmo ente federativo, só poderá ser emitida CTC relativamente ao tempo de contribuição no cargo do qual o servidor se exonerou ou foi demitido.

Dessa forma, a Portaria 154/08 só permite a emissão de CTC para ex-servidor (art. 12) e, no caso de acumulação lícita, somente após a exoneração ou demissão de um cargo (art. 12, §2º). Acerca do art. 12, Marcelo Barroso Lima Brito de Campos afirma que a norma ofendeu o princípio da legalidade e direito de petição e certidão:

"O art. 12 da Portaria MPS 154/08 só permite que a CTC seja emitida para ex-servidor. Portanto, exige-se que o servidor se desvincule da unidade federada como condição para ter acesso à CTC. Se o servidor ocupar cargos acumuláveis, a CTC só pode ser expedida em relação àquele em que houve a cessação do vínculo ativo (art. 12, §2º, Portaria MPS 154/08).

Convém lembrar que essa exigência é feita pela Portaria 154/08, sem fundamento legal. Portanto, a restrição constante da portaria inova a ordem jurídica em ofensa ao princípio da legalidade. Não bastasse isso, fere o direito à petição e à certidão, consubstanciados nos incs. XXXIII e XXXIV do art. 5º da Constituição de 1988:" (p. 332)

Quanto ao impedimento de emissão de CTC para período já utilizado para fins de aposentadoria em outro regime, a previsão decorre diretamente do art. 96, III, da Lei 8.213/91, in verbis:

Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

(...)

III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;

(...)

Como se percebe, as normas legais e infralegais expostas acima, que regulam o exercício do direito constitucional de contagem recíproca, criam uma série de obstáculos ao servidor que pretende transferir seu tempo de contribuição de um vínculo previdenciário para outro, inclusive nos casos de acumulação lícita de cargos, empregos ou funções públicas. Os reflexos jurídicos mais relevantes serão abordados no tópico seguinte.


4 – É POSSÍVEL desaverbação de tempo de contribuição excedente após a aposentadoria?

4.1 Conceitos de averbação/desaverbação

A pessoa ao longo da vida pode exercer atividade privada e pública, intercaladamente ou concomitantemente, quando permitido pela CF/88, logo contará com períodos contributivos para regimes diversos.

Nesse contexto, imagine-se uma pessoa que, ao ingressar no serviço público de determinado ente federativo, já tenha exercido atividade privada (contribuiu ao RGPS) e atividade pública em outro ente federativo ou mesmo em cargo diferente no mesmo ente público (contribuiu a um RPPS). Para acrescentar o tempo anterior (privado ou público) ao novo vínculo, deverá realizar um pedido administrativo de averbação, requisito indispensável para produzir os efeitos jurídicos e financeiros na nova atividade pública.

Em que consiste a averbação de tempo de serviço/contribuição? Marcelo Barroso Lima Brito de Campos responde:

"Averbação de tempo de contribuição, para fins do regime próprio de previdência social dos servidores públicos, é o ato administrativo pelo qual a Administração Pública reconhece, a pedido ou de ofício, período de contribuição do servidor realizado em atividade laboral diversa do cargo em que se dará o registro do tempo." (p. 335).

A desaverbação, por sua vez, nas palavras do autor supracitado, consiste em "(...) ato administrativo pelo qual a Administração Pública cancela, de ofício ou a pedido, o registro do tempo de contribuição do servidor perante o RPPS." (p. 335).

4.2 Tempo excedente de contribuição

No que toca ao tempo de contribuição excedente, convém recordar que a aposentadoria voluntária pode ser: (i) por idade ou (ii) por tempo de contribuição. Segundo o ordenamento atual, a aposentadoria por tempo de contribuição no serviço público e privado, em regra, exige 35 anos de contribuição para homem e 30 anos para mulher, com a redução de 5 anos para professores que comprovem atividade exclusiva de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

No serviço público é comum que os segurados ultrapassem o tempo mínimo contributivo nas aposentadorias por tempo de contribuição (art. 40, §1º, III, "a" da CF/88), seja pela exigência cumulativa de idade mínima (65 e 60 anos, para homens e mulheres, respectivamente), seja pelos benefícios financeiros (ex.: gratificações propter laborem e abono de permanência) ou para evitar a ociosidade do afastamento.

Portanto, ao requerer a aposentadoria no serviço público, o RPPS acaba considerando a totalidade do tempo de contribuição, englobando as frações de tempo de contribuição que excedem o requisito temporal mínimo previsto na CF/88. Esse período é chamado de tempo "excedente" de contribuição.

4.3 Aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais acerca do tempo excedente de contribuição

A Lei 6.226/1975, que regula a contagem recíproca de tempo de serviço público federal e de atividade privada, para efeito de aposentadoria dispõe em seu art. 5º, parágrafo único, in verbis:

Art. 5º A aposentadoria por tempo de serviço, com o aproveitamento da contagem recíproca, autorizada por esta Lei, somente será concedida ao funcionário público federal ou ao segurado do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que contar ou venha a completar 35 (trinta e cinco) anos de serviço, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal, de redução para 30 (trinta) anos de serviço, se mulher ou Juiz, e para 25 (vinte e cinco) anos, se ex-combatente.

Parágrafo único. Se a soma dos tempos de serviço ultrapassar os limites previstos neste artigo, o excesso não será considerado para qualquer efeito.

A Lei 8.213/91, por sua vez, fixou em seu art. 98, que permanece com sua redação original desde a publicação do diploma legal, que:

Art. 98. Quando a soma dos tempos de serviço ultrapassar 30 (trinta) anos, se do sexo feminino, e 35 (trinta e cinco) anos, se do sexo masculino, o excesso não será considerado para qualquer efeito.

Portanto, pela literalidade dos dispositivos legais, o excesso não será considerado para qualquer efeito. Utilizando interpretação ampliativa desta norma, o INSS tem negado o pedido de emissão de CTC para o tempo excedente. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de forma acertada, restringe a interpretação do art. 98, veja:

Aposentadoria. Regime Geral de Previdência Social/estatutário. Contagem recíproca. Excesso de tempo. Aproveitamento no cálculo. Art. 98 da Lei nº 8.213/91. Interpretação favorável ao segurado. 1. Eventual excesso de tempo que restar após contagem recíproca para a concessão de aposentadoria no regime estatutário pode ser considerado, como na hipótese, para efeito de aposentadoria por tempo de serviço no Regime Geral de Previdência Social. 2. Recurso especial provido em parte. (REsp 674.708/RS, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2007, DJ 17/12/2007, p. 353)

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SEGURADO JÁ APOSENTADO NO SERVIÇO PÚBLICO COM UTILIZAÇÃO DA CONTAGEM RECÍPROCA. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA JUNTO AO RGPS. TEMPO NÃO UTILIZADO NO INSTITUTO DA CONTAGEM RECÍPROCA. FRACIONAMENTO DE PERÍODO. POSSIBILIDADE. ART. 98 DA LEI N.º 8.213/91. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. (...) 2. O art. 98 da Lei n.º 8.213/91 deve ser interpretado restritivamente, dentro da sua objetividade jurídica. A vedação contida em referido dispositivo surge com vistas à reafirmar a revogação da norma inserida na Lei n.º 5.890/73, que permitia o acréscimo de percentual a quem ultrapassasse o tempo de serviço máximo, bem como para impedir a utilização do tempo excedente para qualquer efeito no âmbito da aposentadoria concedida. 3. É permitido ao INSS emitir certidão de tempo de serviço para período fracionado, possibilitando ao segurado da Previdência Social levar para o regime de previdência próprio dos servidores públicos apenas o montante de tempo de serviço que lhe seja necessário para obtenção do benefício almejado naquele regime. Tal período, uma vez considerado no outro regime, não será mais contado para qualquer efeito no RGPS. O tempo não utilizado, entretanto, valerá para efeitos previdenciários junto à Previdência Social. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 687.479/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26/04/2005, DJ 30/05/2005, p. 410)

Com razão o STJ, pois a interpretação sistemática da legislação previdenciária, afasta a aplicação integral do art. 98 da Lei 8.213/91, que reproduziu a previsão do art. 5º, p. único, da Lei 6.226/1975.

Ora, a total desconsideração do tempo excedente seria incompatível com as normas legais que regulam a composição dos proventos, as quais consideram a integralidade do tempo de contribuição do segurado, tais como: a utilização da média aritmética dos maiores salários de contribuição/remunerações correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo (RGPS: 29 da Lei 8.213/91 e RPPS: art. 1º da Lei 10.887/04); a previsão do fator previdenciário a partir da Lei 9.876/1999; mais recentemente está em vigor também a regra 85/95 da Lei 13.185/15, que acrescentou o art. 29-C à Lei 8.213/91, trazendo uma alternativa ao segurado, que opte por não utilizar o fato previdenciário.

No mesmo sentido, Frederico Amado também critica a aplicação pura e simples do art. 98, da Lei 8.213/91 para impedir o exercício do direito à contagem recíproca de contribuição:

"Para a Procuradoria Federal Especializada do INSS, 'este artigo encontra-se derrogado pelo §7º do Art. 29, acrescentado pela Lei 9.876, de 26/11/99, que, ao dispor sobre o fator previdenciário, determina que seja considerado todo o período de contribuição do segurado, inclusive o que ultrapassar 30 e 35 anos de contribuição, respectivamente, para mulheres e homens'."

"Entende-se que o artigo 98, da Lei 8.213/91, carece de fundamento constitucional de validade, pois afronta de maneira irrazoável o artigo 201, §9º, da Lei Maior, limitando indevidamente a contagem recíproca do tempo de contribuição, pois não permite que o período contributivo excedente seja computado em outro regime previdenciário." (p. 544-545).

Ressalte-se que o Decreto 3.048/99 (RPS), que regulamenta o RGPS, autoriza a contagem de eventual tempo de contribuição posterior a aposentadoria, conforme art. 125, § 3º: "É permitida a emissão de certidão de tempo de contribuição para períodos de contribuição posteriores à data da aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social.". Acerca do dispositivo, Frederico Amado pontua:

Inclusive, o próprio Regulamento da Previdência Social o despreza, ao dispor que 'é permitida a emissão de certidão de tempo de contribuição para períodos de contribuição posteriores à data da aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social' (art. 125, §3º)." (p. 545)

De forma didática, Kerlly Huback Bragança contextualiza a aplicação do art. 125, §3º do RPS:

"Também é permitida a emissão de certidão de tempo de contribuição para períodos de contribuição posteriores à data da aposentadoria no RGPS (art. 125, §3º, RPS). Com isso, pense na hipótese de uma trabalhadora ter se aposentado por tempo de contribuição aos 50 anos de idade. Embora aposentada, continuou a trabalhar e a contribuir para o RGPS, no que fez por mais cinco anos, quando foi aprovada em concurso público federal. Aos 70 anos de idade, foi compulsoriamente aposentada pela União (art. 40, §1º, II, CF). Poderá contar com os cinco de contribuição para o RGPS? Sim. Somará os 15 anos de contribuição para o RPPS da União com os cinco para o RGPS e se aposentará com proventos proporcionais, na razão de 20/30." (pag. 490).

4.4 A desaverbação de tempo excedente após a aposentadoria configura desaposentação?

Primeiramente, cumpre frisar o conceito de desaposentação. Representando a melhor doutrina, Fábio Zambitte Ibrahim apresenta o seguinte conceito:

"A desaposentação é definida como a reversão da aposentadoria obtida no Regime Geral de Previdência Social, ou mesmo em Regimes Próprios de Previdência de Servidores Públicos, com o objetivo exclusivo de possibilitar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário." (pag. 728).

No que tange ao impacto no equilíbrio financeiro e atuarial, Fábio Zambitte Ibrahim sustenta que a desaposentação não o comprometerá:

"A desaposentação não prejudica o equilíbrio atuarial do sistema, pois as cotizações posteriores à aquisição do benefício são atuarialmente imprevistas, não sendo levadas em consideração para a fixação dos requisitos de elegibilidade do benefício. Se o segurado continua vertendo contribuições após a obtenção do benefício, não há igualmente vedação atuarial à sua revisão, obedecendo-se assim as premissas jurídicas e atuarias a que se deve submeter a hermenêutica previdenciária." (pag. 729).

Como se sabe a desaposentação é reiteradamente negada administrativamente pelo INSS e pelos órgãos gestores dos RPPS, em especial por afetar a segurança jurídica (ato jurídico perfeito) e o equilíbrio financeiro e atuarial do respectivo fundo previdenciário, estando a questão pendente de solução definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, aguardando-se a conclusão do julgamento do Recurso Extraordinário nº 661.256.

Segundo a jurisprudência pacífica do STJ, intérprete último da legislação infraconstitucional, a aposentadoria configura direito patrimonial disponível, portanto passível de renúncia pelo seu beneficiário, independentemente de devolução de valores percebidos (REsp. 1.334.488/SC, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73).

Porém, qual a razão do questionamento do presente tópico? Qual o envolvimento dos dois institutos: desaposentação x desaverbação de tempo excedente? A resposta encontra-se no art. 96, III da Lei 8.213/91 e art. 11, II da Portaria MPS 154/2008, já expostos linhas acima, vamos recordá-los:

"Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

(...)

III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro;"

"Art. 11. São vedadas:

(...)

II - a emissão de CTC para período que já tiver sido utilizado para a concessão de aposentadoria, em qualquer regime de previdência social;"

Acerca da aplicação em concreto dos dispositivos, convém destacar três situações:

(i) uma em que o segurado já aposentado pretende retirar a totalidade do tempo de contribuição de um regime e levar para outro regime;

(ii) uma intermediária em que o segurado pretende a desaverbação somente do tempo de contribuição excedente, porém que foi computado para a composição dos proventos, ou seja, sua retirada afetaria o valor do benefício; e

(iii) uma em que o tempo a ser retirado é excedente de contribuição, e que não produziu nenhum efeito jurídico e financeiro.

Acerca da situação nº 1, inequivocamente haverá a necessidade de desaposentação para emissão de CTC do período contributivo utilizado para concessão de aposentadoria. Com efeito, o segurado aposentado deverá renunciar a aposentadoria em curso, para somente assim poder requerer a emissão de CTC para contagem em outro regime de previdência.

Interessante a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região na Apelação 2003.61.83.006793-2, que entendeu pela impossibilidade de desaposentação para fins de contagem recíproca. Confira-se a ementa do julgado:

PREVIDENCIÁRIO - DESAPOSENTAÇÃO PARA FINS DE CONTAGEM RECÍPROCA NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS - IMPOSSIBILIDADE - ART. 196, III, DA LEI 8.213/91 - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - LEI 9.796/99 - IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA ENTRE REGIMES. 1. É expressamente proibido pelo ordenamento jurídico o cômputo, em outro regime, do tempo de serviço/contribuição utilizado para a concessão do benefício ao qual pretende renunciar. 2. A renúncia existiria se o autor não pretendesse utilizar, no regime próprio, o tempo de serviço computado no RGPS para a concessão da aposentadoria proporcional. 3. A ausência de previsão legal reflete, precisamente, a proibição e não a permissão de contagem do tempo requerida pelo autor. 4. O aproveitamento do tempo de serviço/contribuição relativo ao período de filiação no Regime Geral de Previdência Social para fins de contagem recíproca no Regime Próprio dos Servidores Públicos pressupõe que o regime de origem (RGPS) ainda não tenha concedido e pago benefício utilizando o mesmo período que se pretende agora computar. 5. O apelado aposentou-se por tempo de serviço, no Regime Geral de Previdência Social, em 19-02-1992, tendo computado 34 anos e 04 meses. Posteriormente, aprovado em concurso público, foi nomeado em 30-12-1993 para o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional. Recebe os proventos da aposentadoria concedida pelo RGPS há aproximadamente 19 (dezenove) anos, e agora, prestes a ser alcançado pela idade que o levará à aposentadoria compulsória no Regime Próprio, pretende "renunciar" àquele benefício para, por meio da contagem recíproca, aposentar-se com proventos integrais. 6. O regime de origem já concedeu o benefício e pagou os respectivos proventos durante 19 anos. Não poderá compensar o Regime Próprio porque já concedeu a cobertura previdenciária requerida à época pelo autor. 7. A ser atendida a pretensão do autor, o Regime Geral de Previdência Social restará duplamente onerado: pagou os proventos e deverá, ainda, compensar financeiramente o Regime Próprio, onde agora pretende se aposentar. 8. Apelação e remessa oficial providas para julgar improcedente o pedido. (TRF-3 - AC: 2003.61.83.006793-2, Nona Turma, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, Data de Julgamento: 14/03/2011)

No entanto, o STJ modificou a decisão acima do TRF da 3ª Região, reafirmando a possibilidade de renúncia a aposentaria concedida, inclusive para fins de aproveitamento do tempo de contribuição (por meio de CTC) em regime previdenciário diverso, entendendo que não haveria prejuízo ao INSS (regime de origem), pois não se trata de cumulação de benefícios, mas tão somente do fim de uma e início de outra aposentadoria. Eis o teor do julgado:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC, NÃO CARACTERIZAÇÃO. DIREITO DE RENÚNCIA AO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO. EFEITOS EX NUNC. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. CONTAGEM RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO ENTRE OS REGIMES PREVIDENCIÁRIOS. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DA AUTARQUIA. OBSERVÂNCIA AINDA DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.334.488/SC. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E NESSA PARTE PROVIDO. (...) 2. Cinge-se a tese recursal no reconhecimento do direito à renúncia do benefício aposentadoria por tempo de serviço para fins de expedição de certidão de tempo para contagem recíproca junto ao regime próprio da União. 3. O recorrente aposentou-se por tempo de serviço, no Regime Geral de Previdência Social, em 19/2/1992, tendo computado 34 anos e 4 meses. Posteriormente, aprovado em concurso público, foi nomeado em 30/12/1993 para o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional, hoje transformado no cargo de Auditor da Receita Federal do Brasil. Recebeu proventos do Regime Geral por 19 (dezenove) anos; está próximo de alcançar a aposentadoria compulsória no Regime Próprio. 4. A jurisprudência do STJ que se firmou no âmbito da Terceira Seção, ao interpretar a legislação em comento, é no sentido de que a abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição. Estando cancelada a aposentadoria no regime geral, tem a pessoa o direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada. Não se cogita a cumulação de benefícios, mas o fim de uma aposentadoria e o consequente início de outra. 5. O STJ decidiu, em sede de representativo da controvérsia, ser possível renunciar à aposentadoria, objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário em que se encontra o segurado. Recurso Especial Repetitivo 1.334.488/SC. 6. Em observância da jurisprudência que vem se firmando no âmbito do STJ e também pela força vinculante do acórdão proferido em representativo da controvérsia, impõe-se o julgamento de procedência. 7. Recurso especial conhecido em parte e nessa parte provido, restabelecendo a sentença de primeiro grau. (REsp 1401755/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 29/04/2014).

No voto do Ministro Campbell Marques no julgamento do REsp 1401755/SP acima, foi citada a doutrina de Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior, que interpretam o art. 96, III da Lei 8.213/91 de forma restritiva, considerando válida a vedação apenas enquanto o benefício estiver sendo usufruído. Uma vez renunciada a aposentadoria, nada impede o direito a contagem de tempo recíproca. Sobre o art. 96, os referidos autores destacam que:

"No terceiro inciso o preceito normativo pretende impedir que o tempo já considerado para um benefício seja novamente empregado.

As questões a serem investigadas aqui fundamentalmente serão duas:

a) se essa vedação seria capaz de impedir a contagem do tempo de serviço pertinente a benefício já concedido, quando o segurado pretende dele abdicar;

b) em sendo admitida essa abdicação, se o tempo anteriormente empregado poderá ser utilizado no mesmo regime ou apenas em regimes diversos.

O benefício previdenciário é uma posição jurídico-subjetiva patrimonial de natureza pública, de cunho disponível.

No nosso entendimento, a vedação contida no preceito deve ser entendida como referente apenas ao tempo empregado em benefício ativo, pois, se o segurado abdica de benefício mantido pelo sistema, a proibição deixaria de existir" (p. 330-332).

Quanto à situação nº 2, proposta anteriormente, em que o tempo de contribuição excedente teria produzido efeitos, também haverá a necessidade de desaposentação para emissão de CTC do período contributivo utilizado para concessão de aposentadoria, sendo situação equivalente a situação nº1.

O tempo excedente produzirá efeitos jurídicos e financeiros na maioria das situações, notadamente nos casos de: (i) aposentadoria por tempo de contribuição, quando ocorrer pela média das remunerações (art. 40, §1º, III, "a" c/c o art. 1º da Lei 10.887/04); (ii) recebimento de abono de permanência (salvo devolução dos valores); (iii) promoção/progressão na carreira durante o tempo excedente, quando a aposentadoria for por alguma das regras de transição (EC 20, 41 e 47), haja vista os reflexos diretos da promoção/progressão na última remuneração. Esta é a posição da jurisprudência, confira:

INATIVIDADE - PRETENSÃO À DESAVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA UTILIZAÇÃO NA APOSENTADORIA PELO INSS -INADMISSIBILIDADE. 1. O prazo pretendido já foi utilizado para a percepção de outros benefícios, no cargo anterior, como adicional, quinquênios, adicional de tempo de serviço, além de outras vantagens pecuniárias resultantes de evolução funcional. 2. Impossibilidade de exclusão de lapso temporal, o que poderia afetar toda a situação funcional da interessada, com efeitos retroativos. 3. Legalidade do ato administrativo. 4. Sentença que julgou improcedente a ação, mantida. 5. Recurso de apelação, desprovido (Apelação nº 1015933-80.2013.8.26.0053 / Comarca: São Paulo / Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Público / Data do julgamento: 18/08/2014)

Por fim, a situação n°3 é aquela em que o tempo excedente não ensejou reflexos financeiros na composição dos proventos. Embora de difícil ocorrência prática, é plenamente possível a emissão de CTC nesse caso, pela simples razão da não utilização do tempo excedente para a composição pecuniária dos proventos de aposentadoria, não incidindo a vedação do art. 96, III da Lei 8.213/91. É a posição que prevalece no âmbito jurisprudencial:

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO INATIVO. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.  MAGISTÉRIO. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO EXCEDENTE E DESAVERBAÇAO. APROVEITAMENTO DO TEMPO EXCEDENTE PARA FINS DE APOSENTADORIA JUNTO AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. Considerando que a lei não veda a possibilidade de cômputo de tempo de serviço excedente para fins de concessão de outro benefício em regime diverso, o que se proíbe, expressamente, é a contagem do mesmo tempo de serviço ou de contribuição para obtenção de duas aposentadorias (art. 96, III, da Lei nº 8.213/91), relevando, ademais, a insuficiência da prova apresentada pelo Estado de que todo o tempo de sobra foi utilizado para fins de composição dos proventos, a procedência do pedido era mesmo de rigor, não merecendo reforma a sentença. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJ-RS - AC: 70054849971 RS, Relator: Eduardo Uhlein, Data de Julgamento: 17/09/2014, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/10/2014)

Aposentadoria. Regime Geral de Previdência Social/estatutário. Contagem recíproca. Excesso de tempo. Aproveitamento no cálculo. Art. 98 da Lei nº 8.213/91. Interpretação favorável ao segurado. 1. Eventual excesso de tempo que restar após contagem recíproca para a concessão de aposentadoria no regime estatutário pode ser considerado, como na hipótese, para efeito de aposentadoria por tempo de serviço no Regime Geral de Previdência Social. 2. Recurso especial provido em parte. (REsp 674.708/RS, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2007, DJ 17/12/2007, p. 353)

Esta situação de tempo excedente "ocioso" ocorrerá, regra geral, nos casos de aposentadoria por alguma das regras de transição (EC 20, 41 e 47), que garantem integralidade e paridade, nas quais o requisito mínimo de contribuições seja superado pelo tempo efetivo de contribuições do servidor. Isso porque as regras de transição asseguram a aposentadoria com proventos equivalentes à última remuneração (e não pela média), ou seja, se o segurado homem que se aposenta no cargo "X" com exatos 35 anos de contribuição receberá o mesmo provento do segurado que se aposentar no cargo "X" com 42 anos de contribuição. Logo, este segurado que contou com 42 anos não utilizou os 7 anos a mais de contribuição para composição dos proventos.

Agora imagine que o segurado acima que contou com 42 anos de contribuição tenha progredido da classe 2 para a classe 3 dentro do cargo "X" durante o tempo excedente, com exatos 37 anos de contribuição. Nesse caso, depois de aposentado no cargo "X", classe 3, com 42 anos de contribuição (pelo art. 3º da EC 47/05, por exemplo), só poderá retirar o tempo excedente a partir da classe 3 (de 37 a 42 anos de contribuição, portanto), pois se retirasse o tempo entre 35 e 37 anos de contribuição, teria efeitos financeiros na composição dos proventos, pois deveria regredir aos proventos correspondentes ao cargo "X", classe 2 (e não mais classe 3).

4.5 Nas situações excepcionais em que é possível a emissão de CTC para tempo excedente, o segurado poderá escolher o intervalo no qual será retirado o excesso?

Conforme análise da Portaria MPS 154, somente é permitida a emissão de CTC para ex-servidor (art. 12), ou seja, somente após finalizado o vínculo funcional-previdenciário com determinado ente público. Portanto, o servidor na ativa não poderá emitir CTC para período contributivo no próprio cargo em curso, de modo a não afetar a evolução funcional do servidor efetivo. Esta é a posição do TJSP:

SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PEB II. Pretensão a expedição de certidão de tempo de contribuição, do período de 21.03.1983 a 15.05.1995, para averbação de tempo junto à Prefeitura Municipal de São Paulo. "Desaverbação". Inviabilidade. O tempo de serviço decorre do exercício e está ligado ao cargo respectivo; produziu e continua produzindo efeitos no cargo atual, o que impede a pretendida 'desaverbação'. Sentença de procedência modificada. Ordem denegada. Recurso e reexame necessário providos. (TJ-SP - APL: 00203361220138260053 SP 0020336-12.2013.8.26.0053, Relator: Paulo Galizia, Data de Julgamento: 04/08/2014, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/08/2014)

Por oportuno, vale destacar trecho do voto do Desembargador Torres de Carvalho na Apelação Cível nº. 0013107-06.2010 (julgado em 22.10.2012), cujos fundamentos enriquecem o debate, ipsis litteris:

"Não é correto dizer que apenas o funcionário tem interesse no tempo de serviço e que, por ser 'seu', pode usá-lo como melhor lhe aprouver. O tempo de serviço decorre do exercício e está ligado ao cargo respectivo; produziu e continua produzindo efeitos no cargo atual, o que impede a pretendida 'desaverbação' para computá-lo junto ao INSS. Por conta desse tempo o impetrante recebeu adicionais, é favorecido em concursos internos, obtém promoções, teve precedência na escolha de classes a cada ano e não há como restituir os benefícios passados e já recebidos. Há uma incompatibilidade lógica entre o exercício do cargo e a inexistência (em decorrência da 'desaverbação') do tempo de serviço a ele ligado e uma impossibilidade prática e jurídica de eliminar os efeitos já produzidos. É por isso que o Estado, corretamente, não procede à 'desaverbação' de tempo passado; certifica apenas o tempo de serviço a partir do momento em que cessado o vínculo com o Estado, em que o tempo já produziu todos os efeitos que podia ter produzido e desvinculou-se, pela cessação, do cargo em que o interessado teve exercício. O tempo de serviço em curso, que produziu e continua produzindo efeitos no cargo atual, não pode ser 'desaverbado' como pretende o impetrante, pois impossível a eliminação dos efeitos já produzidos. O tempo de serviço se vincula ao cargo exercido e, enquanto perdurar o exercício, não pode ser dele desvinculado. ”

No exemplo dado no tópico anterior, em que o segurado precisava de 35 anos de contribuição, mas se aposentou com 42 anos, os 7 anos excedentes (sem efeitos financeiros) poderão ser transferidos pela contagem recíproca para outro regime de previdência. Porém, os 7 anos podem ser retirados de qualquer intervalo dentro dos 42 anos de contribuição do segurado? Ou só podem ser retirados do final, ou seja, a partir do que superar os 35 anos?

A melhor resposta é a aquela em que os 7 anos só podem ser retirados da parte final, ou seja, somente a partir do dia que superar o tempo mínimo de contribuição (no lapso de 35 a 42 anos). Por somente ser possível a emissão de CTC na situação nº 3 (vide tópico 4.3), em que a aposentadoria é por meio de regras de transição que asseguram a integralidade (proventos iguais a última remuneração), todo o período funcional anterior ao implemento do requisito temporal mínimo de contribuição (antes dos 35 anos) estará afetado à aposentadoria, não podendo ser suprimido sem que tenha efeitos jurídico-financeiros na composição dos proventos.


5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme exposto, as contribuições previdenciárias têm natureza tributária, sendo compulsório o dever de pagamento pelo servidor público titular de cargo efetivo em pessoa jurídica de direito público. Além disso, o sistema previdenciário público tem caráter solidário, no qual as contribuições recolhidas pelo ente federativo integram um fundo de previdência gerido por um regime próprio de previdência (RPPS).

Dessa forma, embora para o STJ o direito individual a benefício previdenciário (ex.: aposentadoria) tenha natureza de direito patrimonial disponível, suscetível de renúncia após a concessão do benefício, independente de devolução dos valores recebidos, o certo é que o tempo de contribuição é indisponível, sendo irrenunciável e insuscetível de restituição, vez que compõe o correspondente fundo de previdência, patrimônio de todos os segurados presentes e futuros.

O que a CF/88 assegura, por meio do art. 201, §9º, é o direito à contagem recíproca do tempo de contribuição entre regimes de previdência diversos. Logo, o segurado poderá retirar o tempo de contribuição de um regime para levar a outro regime, sempre através da emissão de CTC, nos termos do Decreto 3.048/99 e Portaria MPS 154/08.

A transferência do tempo de contribuição entre regimes diversos somente é possível caso não esteja produzindo efeitos em benefício previdenciário, ou seja, desde que ainda não tenha sido utilizado para fins de aposentadoria. Se qualquer parcela do tempo de contribuição estiver sendo utilizado (com impacto no cálculo dos proventos), este estará impedido de retirada para fins de contagem recíproca. Somente através da “desafetação” ou “desvinculação” deste tempo contributivo aos proventos, é que seria possível a emissão de CTC. E esta desafetação só é possível por meio da desaposentação (renúncia para concessão de outro benefício), cujo procedimento é chancelado pelo STJ.

Dessa forma, especificamente nos casos de aposentadoria por tempo de contribuição, em que haja um tempo excedente, reconhece-se a possiblidade de desaverbação deste tempo de contribuição que superar o limite mínimo exigido, mas somente quando estiver “ocioso”, “desvinculado”, “desafetado” ao cálculo dos proventos de aposentadoria. Como visto, são restritas as hipóteses de ociosidade do tempo excedente, limitadas aos casos de aposentadoria pelas regras de transição (que não tem por base a média de remunerações), cuja retirada do tempo não impactem na composição dos proventos.

Se o tempo excedente impactar no cálculo, somente com a desaposentação e reaposentação sem o cômputo do tempo excedente (nesse caso o valor dos proventos serão reduzidos), poderia ser desafetado o tempo excedente, de modo a ser utilizado para fins de contagem recíproca.


REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 8ª Edição, revista, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodivm, 2016.

BRAGANÇA, Kerlly Huback. Direito previdenciário - 7ª edição, vol. I (Parte Introdutória e Legislação de Benefícios, Doutrina, jurisprudência e exercícios). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos. 6ª Edição. Curitiba: Juruá, 2015.

CARDOSO, Oscar Valente. Contribuições sociais: natureza jurídica e aspectos controvertidos. Ieprev, Belo Horizonte, ano 04, n. 205, 11 abr. 2011. Disponível em: <http://www.ieprev.com.br/conteudo/viewcat.aspx?c=23907>. Acesso em: julho de 2016.

ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 11ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, páginas 330 a 332.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 29ª Edição. São Paulo: Atlas, 2010.


Notas

[1] Conforme se extrai da Súmula Vinculante nº 8 do STF e da ementa do RE 556664, julgado em sede de repercussão geral: “(...). As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes. (...)” (Relator:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2008).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Antônio Ítalo Ribeiro. Desaverbação de tempo de contribuição excedente após a aposentadoria no serviço público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4774, 27 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50879. Acesso em: 24 abr. 2024.