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A reforma trabalhista como reação ao ativismo do TST

A reforma trabalhista como reação ao ativismo do TST

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Evidenciamos como o contexto de instabilidade do TST tornou-se um entrave para segurança jurídica, ocasionando uma reação do Congresso Nacional ao dar ensejo à reforma trabalhista.

RESUMO: A segurança jurídica é uma garantia do Estado de Direito, objetivando assegurar a estabilidade das relações jurídicas já consolidadas frente à crescente evolução do direito, tendo em vista sua complexidade e modificações no âmbito legislativo e jurisprudencial. Diante desse contexto, a reforma trabalhista é uma reação ao ativismo do TST, que modificou uma variedade de precedentes, criando e estendendo direitos aos trabalhadores, sem que houvesse qualquer alteração na legislação, ocasionando uma reação do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Ademais, durante o desenvolvimento desse artigo, objetivei evidenciar além do cenário que deu ensejo à criação da reforma trabalhista, os principais pontos que foram modificados e os que permanecem estáveis, ilustrando também os argumentos de quem é a favor e contra a reforma e as Súmulas do TST que foram atingidas.  

Palavras-chave: Ativismo. Reforma trabalhista. Segurança Jurídica. Súmulas. TST.


1 INTRODUÇÃO  

O termo “ativismo judicial” faz menção à atividade judicial de que derivam decisões menos inspiradas nos elementos intrassistemáticos do Direito, estando muito mais pautadas em convicções políticas ou pessoais dos magistrados. A partir dessa concepção, novos direitos estão sendo criados pelas cortes contemporâneas, recaindo na insegurança jurídica, tendo em vista que os juízes podem restringir direitos já alcançados anteriormente sem ter qualquer respaldo nas leis. (FELICIANO, 2017)

A Constituição Federal de 1988 autoriza uma atuação criativa dos magistrados, tendo em vista que o juiz ao trabalhar com as normas, acaba por reproduzi-las, aplica-las e realiza-las em um novo contexto, sendo o devido processo legal um mecanismo essencial que irá servir para observar valores e interesses não protegidos pelo legislador, podendo adentrar no sistema jurídico e sendo fiel à segurança jurídica. Todavia, o ativismo judicial do TST perpassa essa concepção, pois não se trata de uma colaboração entre os três poderes.  (FELICIANO, 2017)

Diante desse contexto, a reforma trabalhista surge como uma reação expressa ao ativismo do TST, evidenciando de fato uma redução de direitos e a destruição do sistema que vigorou no país desde a Consolidação das Leis Trabalhistas. Dessa forma, o Direito do Trabalho que até então estava pautado no princípio da proteção, passa a afastar a concepção de Estado enquanto figura responsável por assegurar à proteção ao trabalhador. Assim, estabelece maiores garantias às empresas, como a revogação do princípio da proteção, imposição de custas judiciais ao trabalhador que faltar à audiência, multa ao litigante de má-fé, limitação do conceito de grupo econômico, entre outros pontos. (DIEESE, 2017)

O surgimento da reforma trabalhista dividiu opiniões, juristas se posicionaram a favor e contra, objetivando elencar argumentos para defenderem suas concepções. Dentro dessa conjuntura, temas como a dificuldade de acesso à justiça do trabalho, restrição acerca da atuação da justiça do trabalho, extinção do entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a ultratividade dos instrumentos normativos, as Súmulas que serão atingidas, entre outras matérias, estão sendo objeto de debates no cenário jurídico brasileiro. Dessa forma, o presente artigo objetivo esclarecer e explorar alguns desses pontos, bem como evidenciar o “porquê” da reforma ter sido alvo constante de críticas. (DIESSE, 2017)


2 As Súmulas do TST que serão atingidas pela reforma trabalhista  

Decerto, o princípio da proteção é considerado o princípios dos princípios do Direito do Trabalho. Dessa forma, a sua essência está pautada pelas ideias do in dubio pro operário, da regra da norma mais favorável e da condição mais benéfica. Assim, ao analisar o caso concreto, a interpretação mais adequada de determinada norma será aquela que mais favoreça ao empregado. Além disso, no caso concreto deve ser utilizada a norma que atribua direitos mais vantajosos ao empregado, mesmo que seja uma norma de grau inferior. Por fim, na aplicação da condição mais benéfica, entende-se que prevalece aquela condição mais vantajosa desde que esteja prevista no contrato de trabalho ou decorrente da própria execução do trabalho. (JUNIOR, 2014)

Consoante a esses pontos, a reforma trabalhista cancela de forma indiret oito Súmulas favoráveis ao trabalhador. Dessa maneira, a Súmula 372 do TST que versa sobre a incorporação ao salário de gratificação, após dez anos de pagamento, com a reforma será suspensa. Além de atingir outras Súmulas, como a 90, as chamadas horas it itinere hoje devidas pelas empresas deixam de existir. (BAETA, 2017; AGUIAR, 2017)

Ademais, outra mudança é a possibilidade da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, prevista no artigo 59-B do projeto, ser estabelecida mediante acordo individual e para qualquer setor. Atualmente a Súmula 444 admite a utilização dessas jornadas mediante acordo em convecção coletiva. Outra Súmula que também foi atingida é a 436, a reforma autoriza o intervalo intrajornada para repouso e alimentação de até 30 minutos por meio de acordo coletivo. (BAETA, 2017; AGUIAR, 2017)

Também ocorre que a reforma trabalhista extingue o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a ultratividade dos instrumentos normativos de trabalho (Súmula 277), anteriormente a Súmula ao ser publicada em 2012, estabelecia a possibilidade de incorporação das normas determinadas em convecção ao contrato individual de trabalho após o período de vigência de dois anos. Uma parcela dos juristas entendia que a aplicação da Súmula seria uma forma de burlar a lei, pois há uma previsão de dois anos, ainda causando às empresas uma responsabilidade extra, tendo em vista que muitas vezes foi aplicada por um período específico, outra parte observava como direito adquirido. (RODRIGUES, 2017)

Entretanto, a reforma estabelece no §3° do art.614 que “não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.”, trazendo ampla discussão acerca do tema. Ademais, ainda não é possível ter certeza acerca das consequências da nova legislando, todavia, isso pode ocasionar uma maior abertura para a valorização das negociações coletivas, principalmente em pequenas empresas, tendo em vista que poucos faziam, pois é notório que iriam adquirir responsabilidades que só poderiam ser novamente modificadas com novas negociações. (RODRIGUES, 2017) 


3 O ativismo do TST como influenciador da reforma trabalhista 

Decerto, a segurança jurídica não pode ser analisada apenas como uma garantia abstrata do direito de exigibilidade e suas hipóteses de sanção, mas é essencial observar se os meios coercitivos do Estado sejam suficientes para que haja a aplicação da norma substantiva. Assim, os princípios da segurança e da certeza jurídica são inerentes ao Estado de Direito e apresentam como base o conceito de estabilidade e previsibilidade. (CASALI, 20??)

Ives Gandra Martins (2017) afirmou que a reforma trabalhista é uma reação ao ativismo do TST que entre 2011 e 2012 o referido tribunal alterou cerca de 24 precedentes para criar e estender direitos aos trabalhadores, sem que houvesse mudança na lei. Tal fato fez com que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal reagissem, sendo a reforma trabalhista uma reação do Congresso e a diminuição da jurisdição da corte trabalhista uma reação do STF. Ademais, o ativismo judicial do TST amplia os direitos trabalhistas fazendo com que eles sejam maiores do que na legislação, assim, esse excesso protecionista criou insegurança jurídica e deu ensejo à reforma trabalhista.

Consoante a esses pontos, há um grande ativismo do Judiciário em todas as instâncias, desnorteando o empresariado, que não sabe qual será a decisão do magistrado, afetando eventuais investimentos e empregabilidade. Atualmente, a vontade das partes é desconsiderada, devido ao grande protecionismo na figura do empregado. Além disso, a reforma cria parâmetros objetivos que irão ajudas nas decisões da Justiça do Trabalho. Por essa razão, o ativismo do Judiciário consiste em uma postura que objetiva promover direitos e garantias fundamentais, interferindo em outras esferas do poder, principalmente o legislativo.

Tendo em vista esse contexto, a reforma trabalhista almeja afastar a concepção de que o empregado é a parte mais fraca na relação de emprego, reduzindo a proteção do Estado frente ao empregado, aumentando as garantias e a liberdade de ação das empresas na relação de trabalho. Aliado a isso, com a prevalência do negociado sobre o legislado, há uma autorização expressa para o rebaixamento de direitos previstos em lei.  Além de estabelecer forte restrição à atuação e ao poder da Justiça do Trabalho, bem como ao acesso dos trabalhadores ao judiciário trabalhista, impondo uma série de condicionantes, limitando a gratuidade e penalidades ao demandante caso perca a ação. (DIESSE, 2017)

 Assim, a reforma visa reverter a lógica que originou a legislação trabalhista do país, estabelecendo uma série de garantias às empresas, como a blindagem patrimonial, ao limitar o conceito de grupo econômico, ou até mesmo a multa direcionada ao litigante de má-fé, que pode prejudicar o acesso à justiça. Assim, a reforma trabalhista nasce com o intuito de promover a segurança jurídica, concedendo aos indivíduos a garantia necessária para o desenvolvimento de suas relações sociais, observando no Direito, as consequências dos atos praticados. (SANTOS, 2014)


4 Os principais argumentos de quem é a favor e contra a reforma trabalhista 

Decerto, o texto da reforma selecionou alguns pontos da CLT que não podem ser retirados ou mudados por convecção coletiva. Dessa forma, normas de saúde, segurança higiene do trabalho, além de não poder mexer nos pagamentos do FGTS, 13° salário, seguro-desemprego e salário-família, pois são benefícios previdenciários, ficando de fora também o adicional por hora extra, a licença-maternidade de 120 dias e o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. (ROZÁRIO, 2017)

Em contrapartida, quem é a favor da reforma diz que os direitos adquiridos não serão reduzidos e haverá mais autonomia para os trabalhadores nas negociações sindicais, contribuindo na geração de empregos. Por outro lado, quem não é a favor argumenta acerca da possibilidade de acordos trabalhistas terem força de lei, podendo permitir a redução de direitos assegurados nas leis trabalhistas. (ROZÁRIO, 2017)

Ademais, aspectos como o desemprego passam a ser analisado sobre duas vertentes, a primeira faz menção a quem é contra a reforma, que relata que devido ao alto índice de desempregados no país, essa situação de vulnerabilidade irá contribuir para que a exploração seja ainda maior sobre os trabalhadores, tendo em vista que eles aceitam qualquer condição para estarem empregados. Porém, há também outra vertente, que acredita que a flexibilização irá contribuir para que a intervenção do Estado diminua, possibilitando às partes, através da negociação coletiva, buscar uma adaptação do direito com a realidade econômica e social. (ROZÁRIO, 2017)

De um modo geral, a reforma trabalhista irá reduzir as garantias institucionais (Estado e sindicatos) nas relações de trabalho, objetivando reforçar a negociação direta entre os trabalhadores e as empresas. Além de estimular a fragmentação coletiva, ao favorecer as negociações das empresas. Outras ações envolvem a possibilidade de demissão coletiva sem prévio conhecimento ou negociação com o sindicato; qualquer tipo de contribuição sindical só poderá ser descontada dos trabalhadores mediante autorização prévia; cria o contrato intermitente; extingue o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre horas it itnere, entre outros pontos. Tais argumentos são utilizados com o intuito de relatar que a reforma ocasionará o desmonte da legislação trabalhista e sindical, levando a proteção social do trabalho aos primórdios da industrialização do país. (DIEESE, 2017)

Outro argumento utilizado expõe que a reforma visa unicamente integrar à legislação fórmulas de interesse exclusivo do grande capital para aumentar a exploração do trabalho e possibilitar a ampliação das margens de lucro; que a “reforma”, enfim, se destinava a impor retrocessos jurídicos e sociais, ou seja, a retirar direitos dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, criando, ao mesmo tempo, fórmulas com o fim de fragilizar a atuação coletiva da classe trabalhadora, além de mecanismos processuais para obstar o acesso à Justiça do Trabalho. (MAIOR, 2017)

Ademais, defensores disseminaram a compreensão de que a “reforma” trazia modernas modalidades de contratação para a ampliação dos empregos, sendo que tudo isso ocorreria sem que houvesse a retirada de direitos. Bem ao contrário, a “reforma” viria para melhorar a condição social e econômica dos trabalhadores, preservando todas as garantias constitucionais. Há argumentos também acerca dos impostos sindicais, que serviam unicamente à manutenção das cúpulas sindicais. (MAIOR, 2017)


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O presente artigo científico objetivou fazer considerações acerca da reforma trabalhista, expondo como o ativismo judicial foi um fator fundamental para dar ensejo a uma reação do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Ademais, busquei esclarecer o conceito de ativismo judicial, evidenciando como ele está pautado em convicções políticas ou pessoais dos magistrados, não podendo ser confundido com a autorização constitucional da atuação criativa dos magistrados.

Além disso, também objetivei evidenciar a configuração do princípio da proteção (tido como pilar do Direito do Trabalho) dentro do contexto da reforma, ilustrando como a criação de direitos para os trabalhadores, resultante do ativismo do TST, contribui para um contexto de insegurança jurídica, tendo em vista que os empreendedores não observavam no Direito um pilar para desenvolverem suas relações sociais e atividades.

O artigo também visou expor as Súmulas que sofreram alterações, bem como os argumentos a favor e contra a reforma trabalhista, com o intuito de fornecer ao leitor uma base para formular opiniões, observando ambos os lados, sem ter o pensamento fixo em apenas uma direção. Por fim, o artigo apresentado demonstra como há uma mudança significativa nas relações de trabalhos desde a criação da CLT, em 1943, retirando o foco do Direito do Trabalho que anteriormente estava pautado na figura do trabalhador, ocasionando uma redução de direitos e levantando críticas constantemente.


REFERÊNCIA 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BAETA, Zínia. AGUIAR, Adriana.  Oito Súmulas do TST serão atingidas pelo projeto. Disponível em:< http>//www.granadeiro.adv.br/clipping/noticias/2017/04/26/oito-sumulas-do-tat-serao-atingidas-pelo-projeto>. Acesso em: 16 set.2017.

BARCELLOS, Thais.. TST: excessos da Justiça do Trabalho criaram necessidade de reforma trabalhista. Disponível em:< http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,presidente-do-tst-diz-que-excessos-da-justica-do-trabalho-criaram-necessidade-de-reforma-trabalhista,70001788636> . Acesso em: 16 set.2017.

CASALI, Guilherme Machado. Sobre o conceito de Segurança Jurídica. Disponível em:< http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/guilherme_machado_casali.pdf> . Acesso em: 16 set.2017.

DIEESE. Reforma Trabalhista: riscos e perdas impostos pelo pl 6.787/2016 aos trabalhadores e ao movimento sindical. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2017/reformaTrabalhistaSintese.pdf> . Acesso em: 28 out.2017.

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Ativismo Judicial: esse bicho morde? Disponível em:< https://www.anamatra.org.br/artigos/25006-ativismo-judicial-esse-bicho-morde> .  Acesso em: 28 out.2017.

JUNIOR, José Cairo. Curso de Direito do Trabalho. 9 Ed. Bahia: Editora Juspodivm, 2014.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. A reforma trabalhista era para retirar direitos, reconhecem os donos da bola. Disponível em: <https://www.anamatra.org.br/artigos/25815-um-titulo-autoritario-2> . Acesso em 28 out. 2017.

MARTINS, Ives Gandra. Reforma Trabalhista é reação ao ativismo do TST, diz Ives Gandra, presidente da corte. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jun-14/reforma-trabalhista-reacao-ativismo-tst-ives-gandra> . Acesso em: 16 set.2017.

RODRIGUES, Larissa Almeida. Inaplicabilidade da Súmula 277 na nova legislação trabalhista. Disponível em:< http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI267069,91041-Inaplicabilidade+da+sumula+277+na+nova+legislacao+trabalhista> . Acesso em: 28 out. 2017.

ROZÁRIO, Mayara. Reforma Trabalhista: entenda como é e como pode impactar a vida do trabalhador. Disponível em:< http://economia.ig.com.br/2017-05-05/reforma-trabalhista.html> . Acesso em 16 set.2017. 

SANTOS, Michelly. Princípio da Segurança Jurídica. Disponível em:< https://michellysantos.jusbrasil.com.br/artigos/171343529/principio-da-seguranca-juridica> . Acesso em: 28 out.2017. 


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Raissa Helena Pereira da; SILVA, Márcia Helena Pereira da. A reforma trabalhista como reação ao ativismo do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5678, 17 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63657. Acesso em: 29 mar. 2024.