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Limites ao juízo de discricionariedade da atuação judicial em demandas de medicamentos de alto custo: estabelecimento de critérios objetivos

Limites ao juízo de discricionariedade da atuação judicial em demandas de medicamentos de alto custo: estabelecimento de critérios objetivos

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Trata-se de uma pesquisa que teve como objetivo abordar a incidência de limites ao juízo de discricionariedade da atuação judicial em demandas de medicamentos de alto custo, não disponibilizados pelo SUS, através do estabelecimento de critérios objetivos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Deus, maior mestre e lídima fonte de sabedoria, por sempre ter me encorajado a seguir adiante.

 

RESUMO

Esse trabalho tem como objetivo principal abordar limites ao juízo de discricionariedade da atuação judicial em demandas de medicamentos de alto custo, não disponibilizados pelo SUS, através do estabelecimento de critérios objetivos, que possam servir de balizadores no momento da apreciação das referidas demandas. Vislumbra-se que o direito à saúde resta consagrado como um dos direitos fundamentais sociais, consoante disposto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988, e se relaciona intimamente com o direito à vida e à dignidade da pessoa humana. O direito à saúde deve ser implementado por intermédio de políticas públicas, atribuição precípua dos Poderes Legislativo e Executivo. Ocorre que, na prática, as atribuições de cada um dos Poderes não permanecem estanques. Apesar disso, é preciso prestar obediência ao que dispõe a nossa Carta Maior, para que essa “invasão de competências” não viole preceitos fundamentais. Na hipótese de as instâncias de deliberações majoritárias se desviarem ou deixarem de salvaguardar as normas constitucionais, deve-se proceder à realização do controle judicial das políticas públicas. O Poder Judiciário, no entanto, precisa atentar-se ao fato de que os recursos públicos são finitos, enquanto as necessidades individuais e coletivas são ilimitadas, de modo que, para que não haja um colapso no sistema público de saúde, reputa-se imperioso racionalizar. Nesse diapasão, fala-se a respeito da cláusula da reserva do possível, que, todavia, não possui o condão de impedir, por si só, a tutela judicial do direito à saúde. A judicialização excessiva da saúde poderá ocasionar sérios problemas para os cofres públicos a médio e longo prazo, além de comprometer políticas de saúde elaboradas para toda a coletividade. Assim, a relevância da pesquisa consiste na proposição de critérios objetivos, que possam servir de parâmetros à atuação judicial, sobretudo, no tocante às demandas de medicamentos de alto custo não fornecidos pelo SUS, a fim de que sejam evitados danos drásticos ao sistema de saúde e prejuízos irreversíveis aos direitos fundamentais dos indivíduos, como o direito à saúde e o direito à vida.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Direito à saúde. Judicialização. Judicialização da saúde. Ativismo judicial. Limites. Demandas de medicamentos. Critérios objetivos.

 

ABSTRACT

This work aims to address limits to the judgment of discretion of the judicial action in demands of high-cost drugs, not available through SUS, by establishing objective criteria that can serve as benchmarks when assessing the said demands. One sees that the right to health remains enshrined as one of the fundamental social rights according to Articles 6 and 196 of the Federal Constitution of 1988, and is closely related to the right to life and human dignity. The right to health should be implemented through public policies, the major allocation of legislative and executive powers. It happens that, in practice, the responsibilities of each of the powers do not remain watertight. Nevertheless, we must render obedience to what has our Greater Charter, so that this "competence invasion 'does not violate fundamental precepts. In the event of instances of majority deliberations deviating or fail to safeguard the constitutional rules, should proceed to carry out the judicial control of public policies. The judiciary, however, need to pay attention to the fact that public resources are finite, while the individual and collective needs are unlimited, so, so there is no collapse in the public health system, believes it is imperative rationalize. In this vein, there is talk about the reserve clause as possible, which, however, does not have the power to prevent, by itself, the judicial protection of the right to health. Excessive legalization of health can cause serious problems for the public coffers in the medium and long term, in addition to compromising health policies designed for the whole community. Thus, the relevance of the research is the objective criteria proposition that may provide parameters to judicial action, especially with regard to the high cost of medicines demands not provided by SUS, so as to avoid drastic damage to the health system and irreversible harm to the fundamental rights of individuals, such as the right to health and right to life.

Keywords: Fundamental rights. Right to health. Legalization. Judicialization of health. Judicial activism. Limits. Leads drugs. Objective criteria.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................9

2 Direitos e garantias fundamentais..............................................................11

2.1 ORIGEM E CONCEITO.....................................................................................................11

2.2 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS............................................13

2.2.1 Historicidade...................................................................................................................13

2.2.2 Relatividade....................................................................................................................15

2.2.3 Imprescritibilidade.........................................................................................................15

2.2.4 Inalienabilidade..............................................................................................................16

2.2.5 Indisponibilidade (Irrenunciabilidade)........................................................................17

2.2.6 Indivisibilidade...............................................................................................................17

2.3 AS "DIMENSÕES" DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................18

2.3.1 Direitos de primeira "dimensão"..................................................................................18

2.3.2 Direitos de segunda "dimensão"...................................................................................20

2.3.3 Direitos de terceira "dimensão"....................................................................................22

2.3.4 Direitos de quarta "dimensão".....................................................................................24

2.4 DIREITO À VIDA..............................................................................................................25

2.5 DIREITO À SAÚDE...........................................................................................................32

2.6 VINCULAÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS......36

3 NEOCONSTITUCIONALISMO E ATIVISMO JUDICIAL..........................................39

3.1 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E O SISTEMA DE “FREIOS E CONTRAPESOS” ....................................................................................................................3{C}{C}{C}9

3.2 NEOCONSTITUCIONALISMO........................................................................................{C}{C}{C}41

3.3 A JUDICIALIZAÇÃO E O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL...................................50

3.4 O CARÁTER AMBIVALENTE DO ATIVISMO JUDICIAL..........................................55

3.4.1 Custo efetividade............................................................................................................55

3.4.2 Micro direitos em detrimento de macro direitos.........................................................58

3.4.3 Judicialização da saúde em face da “fila de espera do sus”.......................................59

4 JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL NAS DEMANDAS DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO................................................................................60

4.1 JUDICIALIZAÇÃO DA “FOSFOETANOLAMINA” ......................................................60

4.2 EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS E A “RESERVA DO POSSÍVEL”......................{C}{C}{C}62

4.3 ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL NAS DEMANDAS DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO.............................................65

4.3.1 Incapacidade financeira do demandante e de sua família, em solidariedade, para arcar com as despesas do medicamento.................................................................................{C}{C}{C}66

4.3.2 Comprovação, através de laudo médico, da imprescindibilidade do princípio ativo para o tratamento da patologia...............................................................................................68

4.3.3 Necessidade de registro prévio pela ANVISA............................................................6{C}{C}{C}9
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................73

REFERÊNCIAS. 76

                                  

1 INTRODUÇÃO

A cada ano, aumentam exponencialmente as demandas judiciais que pleiteiam a concessão de medicamentos de alto custo. De fato, o direito à saúde é preceito fundamental e está contemplado na Constituição Federal como um direito social, da coletividade. Todavia, não se pode ignorar a asserção de que não existe sistema público que resista à judicialização excessiva e à obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos notadamente caros, sem a obediência a critérios objetivos que sirvam de balizadores nessas demandas, seguindo tão somente a discricionariedade dos magistrados. Diante dessa problemática, deu-se o desenvolvimento da pesquisa.

A Constituição federal de 1988 inovou ao contemplar os mais diversificados direitos e garantias, individuais e coletivas. Porém, para que a aplicabilidade de tais direitos não reste prejudicada, reputa-se necessário encontrar meios de conciliar a sua efetividade diante da escassez dos recursos públicos, haja vista que todo direito despende um custo para a sua concretização. É cediço que os Poderes Executivo e Legislativo possuem a atribuição precípua de assegurar as políticas públicas. Todavia, quando um desses Poderes se omite ou se desvia dessa função, fica legitimado o controle judicial.

No contexto atual do neoconstitucionalismo, não existe mais uma rígida separação dos poderes. Os limites antes intransponíveis cederam espaço a visões favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais. Hoje existe uma teoria da democracia mais substantiva, que legitima restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, e possibilita a sua fiscalização por juízes não eleitos, favorecendo a existência de um papel criativo da jurisprudência.

No bojo da discussão acerca da efetivação dos direitos fundamentais, invoca-se frequentemente a teoria da reserva do possível, que aduz que os direitos a prestações podem ser exigidos judicialmente, cabendo ao Judiciário impor ao Poder Público as medidas necessárias à implementação do direito, desde que a ordem judicial esteja adstrita ao âmbito do razoável e financeiramente exigível/possível.

Verifica-se, portanto, um embate entre o dever de o Estado fornecer medicamentos e outras políticas públicas, contemplando o direito à saúde e o direito à vida da pessoa humana, previsão constitucional expressa, que não se discute, e, por outro lado, a limitação orçamentária, visto que, como é cediço, as necessidades são infinitas, porém, os recursos são escassos. Assim, exsurge o Poder Judiciário, que, não raro, discricionariamente, se posiciona em defesa de uma ou outra tese quando da apreciação das referidas demandas.

Diante do quadro crescente de judicialização das demandas de saúde, reputa-se necessário o estabelecimento de critérios objetivos limitadores do juízo de discricionariedade do Poder Judiciário, como um modo de salvaguardar um sistema cuja base é universal e destinado na sua essência à totalidade dos indivíduos, ante decisões judiciais que se pautam tão somente naquilo que o juiz considera como relevante para formar a sua convicção em cada caso concreto, e esse foi o objetivo principal da pesquisa.

A imprescindibilidade do estabelecimento de tais critérios se faz ainda mais premente quando se sobreleva a insegurança jurídica que é gerada em face da quantidade expressiva de decisões aleatórias, que não seguem parâmetros quaisquer. Não podem os juízes e tribunais, sob o pretexto de dar efetividade ao direito constitucional à saúde, colocá-la em risco, dada a inobservância de critérios objetivos que pautem suas decisões.

Para atingir nossa meta, partindo de revisão bibliográfica e da análise da jurisprudência dos tribunais superiores, no primeiro capítulo, estudaremos o processo de afirmação histórica dos direitos fundamentais sob o prisma da teoria das dimensões. Após, trataremos das características principais daqueles direitos, e de dois direitos em espécie, quais sejam, o direito à vida e o direito à saúde, bem como sobre a vinculação dos Poderes Públicos aos direitos fundamentais.

No segundo capítulo, abordaremos o princípio da separação dos poderes e o sistema de “freios e contrapesos”, para que então possamos investigar o significado do neoconstitucionalismo, e também da judicialização e do ativismo judicial, sobretudo, no âmbito nacional. Cuidaremos também das críticas que permeiam a judicialização excessiva da saúde e a postura ativista dos magistrados, notadamente, no tocante à inobservância da relação custo-efetividade ao apreciarem demandas de saúde, da primazia a micro direitos em detrimento de macro direitos, e diante de uma postura que, muitas vezes, ignora a “fila de espera do SUS”, o que será relevante para compreender a complexidade e dar início ao debate que segue.

Feitas estas considerações iniciais, essenciais ao entendimento do terceiro capítulo, iniciaremos uma abordagem ao caso da “fosfoetanolamina”, medicamento que havia sido liberado pelo Poder Público mesmo diante da ausência de testes em humanos e registro na ANVISA, e, após, falaremos acerca da eficácia dos direitos sociais, pondo em cheque a cláusula da reserva do possível. Ao final, proporemos o estabelecimento de três critérios objetivos para nortear a atuação judicial nas demandas individuais de medicamentos de alto custo não fornecidos pelo SUS.

2 Dos direitos e garantias fundamentais

2.1 ORIGEM E CONCEITO

A solidificação dos direitos fundamentais como normas obrigatórias decorreu de um processo lento e gradual de evolução histórica, que permitiu a compreensão de que em cada momento histórico existia a necessidade de garantir um ou outro direito que se via lesado. Assim, com o passar dos anos e, sobretudo, mediante a promulgação da Constituição de 1988, afirmou-se a maturação desses direitos e o seu alcance como direitos fundamentais do homem.

Houve forte influência do cristianismo no sentido de solidificar a ideia de uma dignidade única do homem, com necessidade de proteção especial. Nos dizeres de Gilmar Mendes:

O ensinamento de que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e a ideia de que Deus assumiu a condição humana para redimi-la imprimem à natureza humana alto valor intrínseco, que deve nortear a elaboração do próprio direito positivo. Nos séculos XVII e XVIII, as teorias contratualistas vêm enfatizar a submissão da autoridade política à primazia que se atribui ao indivíduo sobre o Estado. A defesa de que certo número de direitos preexistem ao próprio Estado, por resultarem da natureza humana, desvenda característica crucial do Estado, que lhe empresta legitimação — o Estado serve aos cidadãos, é instituição concatenada para lhes garantir os direitos básicos. (MENDES, 2014, p. 167)

O pensamento cristão e a concepção de direitos naturais foram as grandes fontes de inspiração da Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, e da Declaração francesa, de 1789. O período em que houve o maior desenvolvimento dos direitos fundamentais remonta à segunda metade do século XVIII, sobretudo, após o Bill of Rights de Virgínia (1776), quando se dá a positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem.

Acerca dessa temática, preleciona Norberto Bobbio:

(...) os direitos do homem ganham relevo quando se desloca do Estado para os indivíduos a primazia na relação que os põe em contato. (...) a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondência com a visão individualista da sociedade (...) no início da idade moderna. (BOBBIO, 1992, p. 04)

Depreende-se, pois, que os direitos fundamentais assumem posição privilegiada na medida em que se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e passa a se reconhecer que o indivíduo tem, em primeiro lugar, direitos, e, após, deveres perante o Estado, e que é responsabilidade do Poder Público atender às necessidades da sociedade.

Assim, a evolução dos direitos fundamentais representa e acompanha o surgimento do moderno Estado de Direito e a sua história é, de certa forma, a história da limitação do poder, além de representar a ampliação das atribuições do Estado, que acabou por assumir a função de garantidor da igualdade material através dos direitos sociais.

A doutrina geralmente trata da trajetória histórica dos direitos fundamentais na perspectiva das dimensões (ou gerações). Conforme essa classificação, os direitos são agrupados em três conjuntos: direitos de liberdade; direitos de prestação; e direitos de solidariedade. Desse modo, faz-se imperioso colacionar as principais características de cada uma das dimensões/gerações para que se entenda a substância e a importância dos direitos fundamentais, conforme será visto mais adiante em tópico próprio.

No tocante à terminologia empregada, verifica-se que existem severas críticas contra a mais tradicional nomenclatura da classificação desses direitos. Alega-se que a expressão “gerações” sugere, falsamente, a substituição gradativa de uma geração por outra – o que não ocorre, de fato, haja vista que se trata de um processo cumulativo de reconhecimento de direitos. Diante desse entendimento, reputa-se mais prudente utilizar o termo “dimensões”, deixando de lado qualquer equívoco.

É sabido que existem diversas denominações para designar o que se chama de “direitos fundamentais”, a citar: “direitos naturais”; “direitos humanos”; “direitos do homem”, “direitos individuais”; “liberdades fundamentais”; “liberdades públicas e direitos fundamentais do homem”, dentre outros. Ocorre que, em razão disso, torna-se difícil criar um conceito sintético e preciso.

Em que pese tal gama de expressões, verifica-se que a mais adequada, inequivocamente, é aquela que se refere aos “direitos fundamentais do homem”, haja vista que a própria Constituição Federal brasileira de 1988 a utiliza. Essa é a posição de Dirley Cunha Jr., Paulo Gustavo Gonet Branco e Dimitri Dimoulis/Sérgio Martins.

Assim, nota-se que, quando se trata de assuntos internos, a nossa Carta Maior utiliza a expressão “direitos fundamentais”. Por outro lado, em se tratando de tratados internacionais, por exemplo, faz-se referência a “direitos humanos”. Os direitos fundamentais são positivados em um determinado ordenamento jurídico, a exemplo da Constituição brasileira, enquanto que os direitos humanos são atribuídos à humanidade em geral, por meio dos tratados internacionais. Esse é o posicionamento adotado por João Trindade.

No dizer de Canotilho, os direitos fundamentais cumprem:

(...) (1) a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”. Ressalte-se que o estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de declarações de direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limites ao poder político, ocorrendo a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário. (CANOTILHO, 1993, p. 541)

Ademais, segundo a doutrina de José Afonso da Silva, fica demonstrado que os direitos fundamentais do homem retratam situações jurídicas, objetivas e subjetivas, que são definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana (SILVA, 2005, p. 173). Desse modo, entende-se que a natureza jurídica desses direitos é de caráter constitucional, haja vista que estão inseridas no texto de uma constituição ou podem constar em uma declaração solenemente estabelecida pelo poder constituinte.

No tocante à eficácia dessas normas constitucionais, as quais abrangem os direitos fundamentais, depreende-se que possuem aplicação imediata, conforme descrito na própria Carta, que expressa, nesses termos, no corpo do art. 5º, §1º, terem aplicação imediata as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Em que pese esta definição, verifica-se que, na prática, existem normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais, com eficácia contida e aplicabilidade imediata, bem como existem normas que definem direitos econômicos e sociais com eficácia limitada e aplicabilidade indireta.

2.2 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.2.1 Historicidade

Os direitos fundamentais são decorrentes de uma construção histórica que não ocorreu de uma só vez. Em verdade, tratou-se de uma evolução progressiva, que acompanhou o desenvolvimento cultural e político de cada momento, de forma que, atualmente, a concepção acerca de quais são os direitos fundamentais existentes varia de lugar para lugar e de época para época.

Da lição de Norberto Bobbio, depreende-se que:

(...) os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (...) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras cultuas. (BOBBIO, 1992, p. 05)

Nessa mesma linha, segue Paulo Gustavo Gonet Branco, ao asseverar:

 (...) a ilustração de interesse prático acerca do aspecto da historicidade dos direitos fundamentais é dada pela evolução que se observa no direito a não receber pena de caráter perpétuo. Tanto a Constituição atual quanto a anterior estabeleceu vedação à pena de caráter perpétuo. Esse direito, que antes de 1988 se circunscrevia à esfera das reprimendas penais, passou a ser também aplicável a outras espécies de sanções. Em fins de 1988, o STF, confirmando acórdão do STJ, estendeu a garantia ao âmbito das sanções administrativas. A confirmar o caráter histórico-evolutivo – e, portanto, não necessariamente uniforme – da proteção aos direitos fundamentais, nota-se, às vezes, descompasso na compreensão de um mesmo direito diante de casos concretos diversos. Assim, não obstante o entendimento do STF acima mencionado, a Corte durante bom tempo continuou a admitir a extradição para o cumprimento de penas de caráter perpétuo, jurisprudência somente revista em 2004. (BRANCO, 2014, p. 176)

Em dado momento histórico na França, época da Revolução, os direitos fundamentais assegurados consistiam basicamente em liberdade, igualdade e fraternidade. Ocorre que, nos dias hodiernos, o conceito de direitos fundamentais alcança até mesmo questão inimaginável naquela época, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225, caput, da nossa Constituição Federal, bem como a igualdade entre os sexos, art. 5º, I, da CF.

Isso não significa, todavia, que em todos os lugares do mundo teremos hoje assegurados os mesmos direitos. Os países de tradição muçulmana, por exemplo, não acompanham a evolução e o alcance de direitos tão abrangentes como estes previstos em países de cultura democrática, com valorização das liberdades.

2.2.2 Relatividade

Para entender o princípio da relatividade, é preciso, antes, compreender que nenhum direito fundamental é absoluto. Em verdade, considera-se uma verdadeira contradição asseverar que existe direito absoluto. Diz-se isso devido à possibilidade de relativização desses direitos, por diversos motivos, a citar: à possibilidade de entrarem em conflito entre si; ao fato de que nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos.

Nesse sentido, ressalta Paulo Gustavo Gonet Branco:

(...) os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos. (...) Até o elementar direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada. (BRANCO, 2007, p.230-231)

Deve-se compreender, todavia, que as limitações sofridas pelos direitos fundamentais não são ilimitadas. Assim, não se pode restringir os direitos fundamentais além do estritamente necessário. Tais restrições somente estão legitimadas a ocorrer quando forem compatíveis às regras constitucionais e, desde que obedecidos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade – proveniente do trinômio adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – cuida-se como parâmetro de controle das restrições levadas a cabo pelo Estado em relação aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Acerca desse ponto, frise-se o enunciado de Konrad Hesse:

A limitação de direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser adequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional em sentido restrito, isto é, guardar relação adequada com o peso e o significado do direito fundamental. (HESSE, 1998, p. 256)

 

2.2.3 Imprescritibilidade

Não se perde direitos fundamentais pelo decurso do tempo e, tampouco, perde-se o direito de exigir a sua pretensão. Essa é a regra, todavia, verifica-se exceções a esse enunciado. O direito de propriedade, por exemplo, é passível de prescrever na hipótese de ocorrência da usucapião. Aduz Paulo Mascarenhas que:

(..) os direitos fundamentais nunca deixam de ser exigíveis por intercorrência temporal do seu não exercício. O exercício de grande parte dos direitos fundamentais ocorre pelo simples fato de existirem e serem reconhecidos na Constituição. (MASCARENHAS, 2010, p. 46)

Ademais, conforme disposto na doutrina de José Afonso da Silva:


O exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge (...) a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição. (SILVA, 2009, p. 181)

Desse modo, depreende-se que, de acordo com o princípio da imprescritibilidade, os direitos fundamentais, ainda que usados simultaneamente, não desaparecem pelo lapso temporal, em virtude de avançarem no seu conteúdo, aumentando o seu campo de abrangência. Assim, não se restringe direitos, mas, pelo contrário, realiza-se a incorporação de novos, de forma que direitos já devidamente adquiridos não são eliminados.

2.2.4 Inalienabilidade

No tocante à inalienabilidade, é sabido que os direitos fundamentais, em virtude de não serem dotados de conteúdo econômico-patrimonial, são intransferíveis, inalienáveis, inegociáveis. A pessoa humana não pode, portanto, simplesmente se desfazer dos seus direitos por bel-prazer. Tal possibilidade não lhe é conferida, pois. Assim, não se vende, nem doa ou mesmo se empresta direitos.

Deve-se atentar para o fato de que a eficácia dos direitos fundamentais é objetiva, e diz respeito, portanto, a interesses da coletividade, e não aos meramente pessoais. Frise-se que essa regra é excepcionada em se tratando de direito à propriedade, já que esse direito pode ser alienado.

O caráter de inalienabilidade desses direitos ampara-se no princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que o homem não poderá de ser homem, fazendo jus a que seus direitos sejam alicerce para a garantia de sua condição.

2.2.5 Indisponibilidade (irrenunciabilidade)

Diante da eficácia objetiva dos direitos fundamentais, considera-se que o seu titular não pode deles se desfazer ao seu próprio desprendimento. Isto porque toda e qualquer atitude que atente contra os interesses da coletividade deve ser combatida.

Assim, não se confere ao titular a possibilidade de dispor ou renunciar esses direitos. Há aqui exceções a essa regra, no entanto. Cite-se os direitos à intimidade e à privacidade. Ademais, imperioso ressaltar que essa renúncia só será admitida caso ocorra de forma temporária, e desde que não afete a dignidade da pessoa humana.

Destarte, verifica-se que essa renúncia excepcional de direito fundamental somente será admitida se decorrente de um caso em concreto de conflito de direito efetivamente instalado, aplicando-se o princípio da proporcionalidade entre o direito fundamental e o direito que se pretende proteger.

Verifica-se, pois, que ainda que se admita a renúncia voluntária em determinadas situações, e sob certas condições, reputa-se necessário observar, no caso concreto, qual a sua finalidade, a fim de que se possa preservar o direito fundamental objeto da renúncia. Corroborando a linha de intelecção de Novelino (NOVELINO, 2014, p. 470), tem-se que “a autolimitação voluntária está sujeita, a qualquer tempo, à revogação. ”

2.2.6 Indivisibilidade

Os direitos fundamentais constituem-se como um conjunto de direitos, inter-relacionados e que objetivam a realização integral do indivíduo. As dimensões dos direitos, no mesmo sentido, devem ser analisadas conjuntamente. Reputa-se inviável realizar uma percepção de forma isolada, já que a ofensa a qualquer deles constitui uma afronta a todos os demais.

Cumpre destacar que o caráter de indivisibilidade ultrapassa o âmbito interno e reflete-se no internacional. É o caso da Proclamação de Teerã, adotada pela Conferência Internacional sobre Direitos Humanos, datada de 13 de maio de 1958, que insere em seu art. 13:

Como os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis, a realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais resulta impossível. A realização de um progresso duradouro na aplicação dos direitos humanos depende de boas e eficientes políticas internacionais de desenvolvimento econômico e social.

No mesmo sentido, a Declaração de Viena, de 1993, que aduz, nos termos do art. 5º:

Art. 5º. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de maneira justa e equitativa, em pé de igualdade com a mesma ênfase.

2.3 AS “GERAÇÕES” OU “DIMENSÕES” DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Hodiernamente, utiliza-se um critério “geracional” ou “dimensional” para classificar os direitos fundamentais. A doutrina mais atual aponta preferência à classificação que discute as “dimensões” dos diretos, isto porque, para esses autores, uma nova “dimensão” de direitos fundamentais não abandonaria os feitos da “dimensão” que a antecedeu, o que não aconteceria caso se utilizasse a nomenclatura “geração”, que, em viés dúbio, poderia deixar transparecer que uma geração anterior se esgotaria para que outra tivesse o seu início.

Nesse processo de constituição dos direitos fundamentais, imperioso destacar o contexto histórico em que estão inseridos. A Revolução Francesa do século XVIII surgiu com lemas revolucionários, ordenando ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, que foram determinantes para a constituição e consequente sequência histórica de direitos fundamentais a partir daquele período. Passaremos às dimensões desses direitos.

2.3.1 Direitos de primeira “dimensão”

A primeira dimensão dos direitos fundamentais é marcada pelos primeiros direitos a serem positivados. Em virtude disso, a nomenclatura que os identifica. Os referidos direitos abrangem as pretensões esculpidas nas Revoluções Francesa e Americana, que objetivavam a criação de uma esfera de autonomia refratária em relação às expansões do Poder.

A burguesia reivindicava a consagração das liberdades individuais com a limitação do Poder do Estado. Para a burguesia, s sociedade somente poderia ser regulamentada através de uma igualdade formal, que assegurasse a liberdade de cada cidadão individualmente considerado.

Tais diretos foram concebidos no mesmo contexto em que surgiram as primeiras Constituições escritas, consagrando direitos civis e políticos que tutelavam valores de liberdade, através de abstenção de conduta por parte do Estado, desvelando o seu caráter negativo. Postulavam, destarte, uma abstenção dos governantes, mediante criação de obrigações de não fazer e de não intervir na vida e na liberdade individual de cada pessoa.

Esses direitos, consoante lição de Paulo Gonet:

São considerados indispensáveis a todos os homens, ostentando, pois, pretensão universalista. Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de reunião, e à inviolabilidade de domicílio. São direitos em que não desponta a preocupação com desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente considerado. Por isso, a liberdade sindical e o direito de greve – considerados, então, fatores desarticuladores do livre encontro de indivíduos autônomos – não eram tolerados no Estado de Direito liberal. A preocupação em manter a propriedade servia de parâmetro e de limite para a identificação dos direitos fundamentais, notando-se pouca tolerância para as pretensões que lhe fossem colidentes. (BRANCO, 2014, p. 168)

Os direitos de primeira dimensão são também conhecidos como “direitos de defesa”, justamente por conferirem aos cidadãos a possibilidade de oferecer resistência às ingerências do Estado. Visa-se, desse modo, assegurar as prerrogativas de dignidade de cada indivíduo e evitar que o Estado coloque em risco as garantias fundamentais da sociedade.

Nesse sentido, assevera Canotilho:

Se as ideias contratuais de Hobbes acabaram na legitimação do poder absoluto, em Locke a teoria contratual conduzirá à defesa da autonomia privada, essencialmente cristalizada no direito à vida, à liberdade privada e à propriedade. Esta concepção do individualismo possessivo influenciará, em parte, decisivamente, a teoria liberal dos direitos fundamentais que os considerará sempre como direitos de defesa do cidadão perante o Estado, devendo este abster-se da invasão da autonomia privada. (CANOTILHO, 2003, p. 384)

Rodrigo Brandão, por sua vez, traz a seguinte explanação:

(...) a positivação constitucional dos direitos e garantias individuais se destina, sobretudo, a promover a limitação jurídica do poder político em prol da proteção do indivíduo, escopo que, como visto, integra a essência do constitucionalismo moderno desde a sua gênese, após as Revoluções Burguesas. Com efeito, a previsão constitucional dos direitos e garantias individuais tem por finalidade colocar prerrogativas inerentes à dignidade humana acima do poder de deliberação dos órgãos do Estado, de forma a evitar que maiorias políticas ocasionais, empolgadas com êxitos eleitorais conjunturais, coloquem em risco a sua tutela. (BRANDÃO, 2010, p. 452)

Brilhantemente, Paulo Gustavo Gonet Branco leciona acerca de como se caracterizam e se materializam os direitos de defesa, com a solidificação da obrigação de abstenção por parte do Estado, senão vejamos:

Os direitos de primeira dimensão vedam interferências estatais no âmbito de liberdade dos indivíduos e, sob este aspecto, constituem normas de competência negativa para os Poderes Públicos. O Estado está jungido a não estorvar o exercício da liberdade do indivíduo, quer material, quer juridicamente. Desse modo, ao Estado veda-se criar censura prévia para manifestações artísticas, ou impedir a instituição de religiões, ou instituir pressupostos desmesurados para o exercício de uma profissão (...). Os direitos de defesa também protegem bens jurídicos contra ações do Estado que os afetem. Assim, em face do direito à vida, o Estado não pode assumir comportamentos que afetem a existência do ser humano. Em face do direito da privacidade, o Estado não pode divulgar certos dados pessoais dos seus cidadãos. O direito de defesa, neste passo, ganha forma de direito à não afetação dos bens protegidos. (BRANCO, 2014, p.109)

Vislumbra-se, pois, que o cerne da primeira dimensão consiste em resguardar a liberdade individual, mediante uma atitude negativa e emancipatória, em que se reduz o poder de ingerência do Estado frente às prerrogativas de cada indivíduo, com o objetivo de conter abuso do poder e, ao mesmo tempo, conferir aos indivíduos a possibilidade de resistir aos comandos estatais violadores de liberdades individuais.

 

2.3.2 Direitos de segunda “dimensão”

Os direitos fundamentais da segunda dimensão dizem respeito aos direitos sociais, culturais e econômicos, que visam garantir a igualdade material através de prestações positivas exigíveis perante o Estado.

Em que pese entre os séculos XVII e XIX já possa se falar na concepção de determinados direitos sociais, vislumbra-se que estes direitos somente passaram a ser amplamente garantidos, de fato, a partir das primeiras décadas do século XX, fruto da revolução industrial Europeia, quando se deu a iminência de movimentos reivindicatórios, que visavam a redução das desigualdades no plano fático.

Diante das condições incipientes de trabalho, eclodiram movimentos reivindicatórios na Inglaterra, denominado “movimento cartista”, e na França, taxado de “Comuna”. Ainda no início do século XX, deu-se a Primeira Guerra Mundial, donde se firmou uma marcante luta em favor dos direitos sociais. No bojo de tais acontecimentos, deu-se o surgimento das constituições sociais, como a Constituição Mexicana de 1917, bem como a de maior repercussão, a Constituição da República de Weimar, na Alemanha, em 1919. Nesta última, imperioso destacar a existência de reivindicações de caráteres sociais, trabalhistas, culturais e econômicos.

Diante da necessidade de implementação de prestações materiais e jurídicas, e da constatação de que uma conduta pautada somente na abstenção por parte do Estado não seria suficiente para resguardar as liberdades individuais, passou-se a atribuir ao Estado um comportamento ativo na realização da justiça social. Assim, deu-se o surgimento da segunda dimensão dos direitos fundamentais.

O ente estatal, dotado de acentuado poderio econômico, político e jurídico, a partir desse momento assume uma postura de sujeito não apenas de direitos, como também de deveres, assegurando-se aos cidadãos, dessa forma, uma vida com dignidade, pautada não somente pelos próprios meios, mas também por esforços empreendidos pelo Estado. Nesse sentido, revela-se como a característica mais acentuada dos direitos sociais a sua dimensão positiva, em que são exigidas do Estado condições dignas de vida, notadamente, aos necessitados e hipossuficientes.

A doutrina de José Afonso da Silva assinala que estes direitos valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais, também conhecidos como direitos de primeira dimensão, já que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da isonomia real, sendo, portanto, mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

Corrobora esse mesmo entendimento o jurista Vicente Paulo, quando aduz:

A identificação da finalidade dos institutos parece constituir o melhor critério para a distinção.  Assim, os direitos sociais são aqueles que têm por objetivo a necessidade da promoção da igualdade substantiva, por meio do intervencionismo estatal em defesa do mais fraco, enquanto os direitos individuais são os que visam a proteger as liberdades públicas, a impedir a ingerência abusiva do Estado na esfera da autonomia privada. (PAULO, 2012, p.103)

Frisa-se ainda a lição de Gilmar Mendes, que expressa:

Vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, além da não- intervenção na esfera da liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das  liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em  última análise, a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade  perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado,  partindo da premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e  manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos  poderes públicos. Assim, enquanto direitos de defesa (“status libertatis” e “status negativus”) se dirigem, em princípio, a uma posição de respeito e abstenção por parte dos poderes públicos, os direitos a prestações, que, de modo geral, e ressalvados os avanços registrados ao longo do tempo, podem ser reconduzidos ao “status positivus” de Jellinek, implicam uma postura ativa do Estado, no sentido de que este se encontra obrigado a colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material. (MENDES, 2014, p.780)

Destarte, podem ser considerados direitos fundamentais de segunda dimensão a assistência social, a saúde, o trabalho, a educação, o lazer, dentre outros, que, consoante explanado, são também conhecidos como direitos sociais, não por resguardarem direitos de coletividade, mas sim em virtude de se constituírem como exigências da sociedade perante o Estado, através de uma ideia de igualdade e justiça, culminando em uma reivindicação de justiça social, para que se promova boas condições de vida, educação, saúde e trabalho a todos.

Rodrigo Padilha, acerca dessa temática, aduz que:

Esses direitos representam a esperança da justiça social e de uma vida mais digna do ser humano na sociedade em que participa, aliada na ideia de uma justiça distributiva e no reconhecimento de direitos dos hipossuficientes, em busca de uma igualdade material. Contudo, esses direitos recebem a crítica de possuírem baixa densidade normativa e, por isso, são muito dependentes do Estado em sua função legislativa e administrativa. (PADILHA, 2014, p. 250)

Vislumbra-se, pois, que os direitos de segunda dimensão trouxeram a lume um novo modo de enxergar a posição do Estado, antes visto apenas como um garantidor de direitos individuais e, agora, considerado também um sujeito de deveres perante a sociedade, que deve prezar, sobretudo, à consecução da justiça social, mediante a satisfação da igualdade material.

2.3.3 Direitos de terceira “dimensão”

Os direitos fundamentais de terceira dimensão firmaram-se ao final do século XX, após à eclosão da Segunda Guerra Mundial, em meio à divisão entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, vinculada ao surgimento de entidades como a Organização das Nações Unidas (1945) e a Organização Internacional do Trabalho (1919), com influência da revolução tecnocientífica, assentando-se sob um ideal de fraternidade e solidariedade, visando a uma proteção internacional dos direitos humanos, que até esse período jamais se ouviu falar.

Nesse sentido, João Trindade assinala:

Os chamados direitos de terceira geração têm origem na revolução tecnocientífica (terceira revolução industrial), a revolução dos meios de comunicação e de transportes, que tornaram a humanidade conectada em valores compartilhados, A humanidade passou a perceber que, na sociedade de massa, há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas, grupos esses, às vezes, absolutamente indeterminados. (...) por exemplo: a poluição de um riacho numa pequena chácara em razlândia-DF atinge as pessoas que lá vivem. Mas não só a elas. Esse dano ambiental atinge também a todos os que vivem em Brasília, pois esse riacho deságua na barragem que abastece de água todo o Distrito Federal. E mais: atinge todas as pessoas do mundo, pois é interesse mundial manter o meio-ambiente ecologicamente equilibrado. (TRINDADE, p. 13)

Ainda acerca desse ponto, menciona Novelino:

O surgimento de direitos ligados à fraternidade (ou solidariedade) teve como causa a constatação da necessidade de atenuar as diferenças entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, por meio da colaboração de países ricos com os países pobres. Dentre os direitos integrantes desta dimensão, Paulo Bonavides destaca os relacionados ao desenvolvimento (ou progresso), ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Trata-se de um rol apenas exemplificativo, por não excluir outros direitos decorrentes do dever de solidariedade. (NOVELINO, 2013, p. 473)

Trata-se, pois, de direitos de coletividade, revestidos de humanismo e universalidade, destinados não à proteção específica de interesses de um indivíduo, ou de um determinado grupo, ou de um Estado, mas aos grupos humanos, aos cidadãos coletivamente considerados. São direitos também conhecidos como direitos difusos ou transindividuais ou de titularidade coletiva, pautados no princípio da solidariedade.

Acerca dos direitos fundamentais de terceira dimensão, João Trindade assevera:

São direitos transindividuais, isto é, direitos que são de várias pessoas, mas não pertencem a ninguém isoladamente. Transcendem o indivíduo isoladamente considerado. São também conhecidos como direitos metaindividuais (estão além do indivíduo) ou supraindividuais (estão acima do indivíduo isoladamente considerado). (TRINDADE, p. 13)

O princípio da solidariedade, consoante lição de Bonavides, expressa-se de três maneiras, a citar:

1. O dever de todo Estado particular de levar em conta, nos seus atos, os interesses de outros Estados (ou de seus súditos);

2. Ajuda Recíproca (bilateral ou multilateral), de caráter financeiro ou de outra natureza, para a superação das dificuldades econômicas (inclusive com auxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferências de comércio em favor desses países, a fim de liquidar déficits); e

3. Uma coordenação sistemática da política econômica. (BONAVIDES, 2006, p. 570)

Depreende-se, destarte, que os direitos de terceira dimensão devem ser observados sob o prisma da busca pelo progresso, com natureza de implicação universal. Visa-se, pois, o empreendimento de esforços e responsabilidades em escala mundial para a real satisfação e efetivação dos referidos direitos de tutela coletiva. 

Rodrigo Padilha assevera que:

A terceira dimensão dos direitos fundamentais foi criada em razão da necessidade de tutela dos direitos de toda a sociedade, por isso são os chamados direitos metaindividuais ou transindividuais (direitos difusos e coletivos strictu sensu), como o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, à solidariedade, ao desenvolvimento, à fraternidade e assim por diante. (PADILHA, 2014, p. 250)

Definir esta dimensão de maneira adequada cuida-se, em verdade, de um grande desafio enfrentado pela doutrina, consoante descrito nos seguintes dizeres de Norberto Bobbio:

Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é reivindicado pelos movimentos ecológicos: viver num ambiente não poluído. (BOBBIO, 1992, p.06)

Em que pese a dificuldade para se definir a terceira dimensão, é certo que esses direitos abarcam os direitos coletivos em sentido amplo, gênero em que estão incluídos os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos. Não se vislumbra o homem, portanto, como um indivíduo singular, em sentido estrito. Aqui, vê-se o indivíduo como ser pertencente ao todo social e que deve canalizar os seus esforços para a satisfação de direitos pertencentes à coletividade universal na qual está inserido.

2.3.4 Direitos de quarta dimensão

Além das duas dimensões já explanadas, vislumbra-se que alguns doutrinadores defendem a existência de uma quarta dimensão de direitos fundamentais, todavia, não há consenso acerca do conteúdo que constitui essa dimensão.

Acerca desse ponto conflitivo, assevera João Trindade:

Há autores que se referem a essa categoria, mas ainda não há consenso na doutrina sobre qual o conteúdo desse tipo de direitos. Há quem diga tratarem-se dos direitos de engenharia genética (é a posição de Norberto Bobbio), enquanto outros referem-se à luta pela participação democrática (corrente defendida por Paulo Bonavides). (TRINDADE, 2014, p. 14)

No âmbito do direito interno, portanto, existem dois posicionamentos doutrinários acerca da referida dimensão: aquele defendido por Paulo Bonavides, e o aduzido por Norberto Bobbio.

Para Bonavides, a quarta dimensão compreenderia à disseminação de ideais de democracia, informação e pluralismo, abarcando, desse modo, o futuro da cidadania, correspondendo à última fase da institucionalização do Estado Social, com consequente realização e legitimidade da globalização política através dos direitos consagrados.

Nessa linha de intelecção, Bonavides dispõe que “deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência”.

Norberto Bobbio, por sua vez, entende que a quarta dimensão corresponde ao direito à engenharia genética (patrimônio genético de cada indivíduo), donde se extraem direitos como congelamento de embrião, pesquisas com células-tronco, inseminação artificial, barriga de aluguel, dentre outros.

2.4 DIREITO À VIDA

Cuida-se de pressuposto imprescindível para a aquisição e o exercício de todos os demais direitos e liberades. Sua posição na Carta Magna como direito fundamental do homem reclama o dever de proteção e respeito máximo, tanto pelo Estado quanto pelos outros seres humanos, afinal, somente a partir desse direito que se pode exercer os demais.

A inviolabilidade do direito à vida está consagrada no art. 5º, caput, da Constituição Federal:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...).

 

Nos dizeres do eminente jurista José Afonso da Silva,

“A vida humana, que é o objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, integra-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). A vida 'é intimidade conosco mesmo, saber-se e dar-se conta de si mesmo, um assistir a si mesmo e um tomar posição de si mesmo'. Por isso é que ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse  a vida humana num desses direitos”. (SILVA, 2000, p. 201)

Devido à grande importância desse direito, e tendo em vista que a proteção ao direito à vida deve ser perseguida, sobretudo, em situação de vulnerabilidade de seu titular, o art. 227 da Constituição Federal dispõe ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida”.

O direito à vida caracteriza-se por ser um direito natural, que já nasce com o homem, e é garantido e protegido pelo ordenamento jurídico pátrio. Além da previsão expressa na Carta Maior, verifica-se que o Brasil é signatário de Tratados Internacionais de Direitos Humanos, onde são tutelados, dentre outros, o direito à vida.

Imperioso ressaltar o discurso de Gilmar Mendes acerca do momento em que se adquire o direito à vida:

Não se há de condicionar o direito à vida a que se atinja determinada fase de desenvolvimento orgânico do ser humano. Tampouco cabe subordinar esse direito fundamental a opções do legislador infraconstitucional sobre atribuição de personalidade jurídica para atos da vida civil. O direito à vida não pode ter o seu núcleo essencial apequenado pelo legislador infraconstitucional — e é essa consequência constitucionalmente inadequada que se produziria se se partisse para interpretar a Constituição segundo a legislação ordinária, máxime quando esta não se mostrar tão ampla como exige o integral respeito do direito à vida. Havendo vida humana, não importa em que etapa de desenvolvimento e não importa o que o legislador infraconstitucional dispõe sobre personalidade jurídica, há o direito à vida. (...) O elemento decisivo para se reconhecer e se proteger o direito à vida é a verificação de que existe vida humana desde a concepção, quer ela ocorra naturalmente, quer in vitro. O nascituro é um ser humano. Trata-se, indisputavelmente, de um ser vivo, distinto da mãe que o gerou, pertencente à espécie biológica do homo sapiens. Isso é bastante para que seja titular do direito à vida — apanágio de todo ser que surge do fenômeno da fecundação humana. (MENDES, 2014, p. 444)

Dessa forma, em consonância com tais disposições, depreende-se que o direito à vida tem na fecundação o seu marco inicial e na morte o seu marco final. Eis a explanação de Alexandre Moraes acerca da temática:

A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência. (...) O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão somente, dar-lhe o enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, resultando um ovo ou zigoto. Assim a vida viável, portanto, começa com a nidação, quando se inicia a gravidez. Conforme adverte o biólogo Botella Lluziá, o embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe. A Constituição, é importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive uterina, porém, como os demais Direitos Fundamentais, de maneira não absoluta, pois como destacado pelo Supremo Tribunal Federal, “reputou inquestionável o caráter não absoluto do direito à vida ante o texto constitucional, cujo art. 5a, XLVII, admitiria a pena de morte no caso de guerra declarada na forma do seu artigo 84, XIX. No mesmo sentido, citou previsão de aborto ético ou humanitário como causa excludente de ilicitude ou antijuridicidade no Código Penal, situação em que o legislador teria priorizado os direitos da mulher em detrimento dos do feto. Recordou que a proteção ao direito à vida comportaria diferentes gradações, consoante o que estabelecido na ADI 3510/DF. (MORAES, 2014, p. 34)

Ao se observar as Constituições que antecederam a de 1988, verifica-se que nem todas tutelavam o direito à vida. A Constituição de 1824 somente resguardava a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, com foco na liberdade, segurança individual e propriedade. A Constituição Republicana de 1981, por sua vez, também não tutelou o direito à vida, porém aboliu a pena de morte, com exceção para a hipótese de guerra. A Constituição de 1934 também não previu expressamente o direito à vida; A Constituição de 1937 trouxe a lume novamente a pena de morte para casos determinados, como crimes especiais contra a segurança nacional e crimes comuns de homicídio, cometidos por motivo fútil e com extremos de perversidade.

Apenas a partir da Constituição de 1946, a proteção ao direito à vida ganhou novos contornos e passou a ser expressa, sendo repetida, nesse aspecto, pela Constituição de 1967. Todavia, somente com a chegada da Constituição Democrática de 1988, o direito à vida, assim como os demais direitos humanos, ganhou proteção e tutela em âmbito constitucional, sendo visto agora como um direito fundamental.

A proteção conferida ao direito à vida ultrapassa aquela vida meramente biológica. Trata-se aqui de um resguardo à vida digna, pressuposto dos direitos fundamentais, e que abrange tanto os direitos basilares que assegurem a sobrevivência, como aqueles vinculados ao bem estar psíquico e social. Assim, restam abrangidos desde o direito à inviolabilidade da vida até a garantia dos demais direitos consubstanciados constitucionalmente.

O direito à vida abarca o direito à existência, que, consoante José Afonso Da Silva consiste:

(...) no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. Existir é o movimento espontâneo contrário ao estado morte. Porque se assegura o direito à vida é que a legislação penal pune todas as formas de interrupção violenta do processo vital. É também por essa razão que se considera legítima a defesa contra qualquer agressão à vida, bem como se reputa legítimo até mesmo tirar a vida a outrem em estado de necessidade da salvação da própria. (SILVA, 2002, p. 197)

O Estado deve criar mecanismos de proteção cada vez mais eficientes para salvaguardar o direito à vida e, assim, evitar que esse direito seja violado, tanto pelo Poder Público, quanto por terceiros, ou pelo próprio indivíduo, titular e detentor do direito à vida, que deseje ceifá-la por alguma razão, já que não se deve confundir direito à vida com liberdade para dela dispor. Nos dizeres do Ilustríssimo Gilmar Mendes:

O direito à vida apresenta evidente cunho de direito de defesa, a impedir que os poderes públicos pratiquem atos que atentem contra a existência de qualquer ser humano. Impõe-se também a outros indivíduos, que se submetem ao dever de não agredir esse bem elementar. Coexiste com essa dimensão negativa, outra, positiva, que se traduz numa “pretensão jurídica à protecção, através do Estado, do direito à vida (dever de protecção jurídica) que obrigará este, por ex., à criação de serviços de polícia, de um sistema prisional e de uma organização judiciária”. Sendo um direito, e não se confundindo com uma liberdade, não se inclui no direito à vida a opção por não viver. Na medida em que os poderes públicos devem proteger esse bem, a vida há de ser preservada, apesar da vontade em contrário do seu titular. Daí que os poderes públicos devem atuar para salvar a vida do indivíduo, mesmo daquele que praticou atos orientados ao suicídio. (MENDES, 2014, p.316)

A Convenção Americana de Direitos Humanos – ou Pacto de São José da Costa Rica –, em seu artigo 4°, item 1, dispõe que “toda pessoa tem direito que se respeite a sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento de sua concepção”. Frise-se que o referido Pacto, que remonta ao ano de 1969, foi promulgado pelo Decreto Presidencial n. 678, de 06 de novembro de 1992, e complementa o texto constitucional do art. 5º, caput, ao assegurar ao ser humano, independentemente de raça, condição socioeconômica, religião, a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. Assim, segundo a Convenção, ninguém pode ser privado de sua vida arbitrariamente.

Do mesmo modo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1968, aduz que “o direito à vida é inerente à pessoa humana” e que “este direito deverá ser protegido pela lei”, além de dispor que “ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.

Da lição de Gilmar Mendes, evidencia-se que:

A expressão “direito à vida” está particularmente ligada, hoje, à discussão sobre a legitimidade da interrupção do processo de gestação e ao debate sobre a liceidade da interrupção voluntária da existência em certas circunstâncias dramáticas e peculiares. O direito à vida, porém, não tem a sua abrangência restrita a essas questões. Estudos já o contemplavam desde tempos mais remotos, tanto em discursos seculares como em produções de cunho religioso. Recorda-se, a esse propósito, que no século XIII, o filósofo escolástico Henry de Ghent sustentava que todas as pessoas “têm o direito, segundo a lei natural, de se lançar a atos de autopreservação”. Em outros contextos, o direito à vida aparece vinculado aos direitos a integridade física, a alimentação adequada, a se vestir com dignidade, a moradia, a serviços médicos, ao descanso e aos serviços sociais indispensáveis. No século XX, porém, sobretudo a partir da sua segunda metade, intensifica-se o exame do direito à vida em seus desdobramentos ligados à reprodução humana. Nesse âmbito, dois problemas básicos se põem — o do início do direito à vida e o da sua harmonização com outros direitos que lhe disputem incidência num caso concreto. (MENDES, 2014, p. 312)

Pode-se afirmar que, se a autoridade pública sabe da existência concreta de um risco iminente para a vida humana em determinada circunstância e se omite na adoção de providências preventivas de proteção das pessoas ameaçadas, o Estado falha no dever decorrente da proclamação do direito à vida.

Ademais, vislumbra-se que a legislação infraconstitucional cuida de regulamentar esse direito. A própria legislação penal brasileira realiza essa regulamentação ao tipificar os crimes que atentam contra a vida, direta ou indiretamente, bem como as penas imputáveis aos seus respectivos autores. Estão previstos no Código Penal os crimes dolosos contra a vida, como o homicídio, o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, o infanticídio e o aborto, assim como aqueles crimes que possam ter resultado morte, como a lesão corporal e a extorsão mediante sequestro

Ademais, além de tipificar os crimes contra a vida, o Código Penal também prevê a incidência de causas de exclusão de ilicitude, haja vista que, ainda que a inviolabilidade do direito à vida seja protegida pela nossa Constituição Federal e também pelos tratados internacionais de direitos humanos, como bem supremo, é possível a relativização desse direito quando em conflito com outros bens também constitucionalmente protegidos. A própria Constituição Federal autoriza a pena de morte em caso de guerra declarada pelo Presidente Republica, quando houver agressão estrangeira, conforme artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”:

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis; (...)

Acerca da pena de morte e, ainda, sobre a tortura, prevista no inciso III do art. 5º, aduz José Afonso da Silva:

Ao direito à vida contrapõe-se a pena de morte. Uma constituição que assegure o direito à vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte. É da tradição do Direito Constitucional brasileiro vedá-la, admitida só no caso de guerra externa declarada, nos termos do art. 84, XIX (art. 5º, XLVII, a), porque, a´´i, a Constituição tem que a sobrevivência da nacionalidade é um valor mais importante do que a vida individual de quem porventura venha a trair a pátria em momento cruciante”. (SILVA, 2005, p. 201)

(...)

A tortura trata-se de um conjunto de procedimentos destinados a forçar com todos os tipos de coerção física e moral, a vontade de um imputado ou de outro sujeito, para admitir, mediante confissão ou depoimento, assim extorquidos, a verdade da acusação. (…) Essa prática está expressamente condenada pelo inciso III do art. 5º da Constituição, segundo o qual ninguém será submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante. A condenação é tão incisiva que a Lei considerará a prática de tortura crime inafiançável e insuscetível de graça (…). A crueldade se torna incomensurável quando praticada sob a égide de sistemas constitucionais que a condenam tanto quanto a consciência humana. (…) A tortura não é só um crime contra o direito à vida. É uma crueldade que atinge a pessoa em todas as suas dimensões, e a humanidade como um todo.  (SILVA, 2005, p. 203)

Outra temática controvertida no que concerne ao direito à vida diz respeito ao aborto. Vislumbra-se que a nossa Carta Maior não enfrentou diretamente tal prática. Consoante explanação de José Afonso da Silva, havia três tendências no seio da Constituinte: a primeira assegurava o direito à vida desde a concepção; a segunda previa que a condição do sujeito de direito somente se adquiria a partir do nascimento com vida; a terceira considerava não ser atribuição da Constituição posicionar-se a favor ou contra o aborto. Na prática, o que se percebe é que a legislação penal criminaliza a prática abortiva, mas excepciona alguns casos, como aqueles em que há necessidade de salvamento da mãe, ou gravidez proveniente de conjunção carnal forçada, por exemplo.

Pois bem. Percebe-se que o direito à vida possui duas vertentes. A primeira coloca em evidência o direito de defesa, em viés negativo, ao empreender esforços para que os poderes públicos não pratiquem atos que afrontem a existência de qualquer ser humano, impondo-se inclusive a qualquer outro indivíduo que se submeta ao dever de não atentar contra esse bem elementar.

Por sua vez, a vertente positiva se caracteriza por ser uma proteção advinda do próprio Estado, que se obriga a tutelar o direito à vida e criar mecanismos de proteção – dever de proteção jurídica –, como a criação de serviços de polícia, de sistema prisional e de organização judiciária. O legislador, do mesmo modo, precisa pensar em providências eficazes, mediante normas que possam realmente ser implementadas no plano fático, para proteger o bem jurídico da vida em face de outros sujeitos privados.

A dimensão positiva do direito à vida abrange a prevenção de riscos que possam afrontar esse bem jurídico, bem como a realização de diligências que investiguem potenciais violadores desse direito, e também a proibição de se extraditar indivíduo sujeito à pena de morte.

Vislumbra-se, pois, que, sendo o direito à vida um direito, e não uma liberdade, não se admite ao titular a possibilidade de optar por não viver. Por essa razão, deve o Poder Público prezar, em grau máximo, pela preservação desse bem, ainda que a vontade do titular seja diversa.

Nesse sentido, imprescindível tratar acerca da eutanásia, que, em análise deveras sucinta, consiste em retirar a vida de um ser humano que esteja em condições de saúde vegetativa, através de autorização do próprio portador da patologia que o incapacita e/ou de familiares. Existe uma grande polêmica no tocante à eutanásia: seria esse mecanismo violação flagrante do direito constitucional à vida, ou, no momento em que se realiza esse procedimento, já se pode considerar que não há mais vida, e, portanto, não há que se falar em violação?

José Afonso da Silva traz disposições acerca do conceito de eutanásia e se posiciona sobre o tema:

Este termo tem vários sentidos: morte bela, morte suave, tranquila’, sem dor, sem padecimento. Hoje, contudo, de eutanásia se fala quando se quer referir à morte que alguém provoca em outra pessoa já em estado agônico ou pré-agônico, com o fim de liberá-la de gravíssimo sofrimento, em consequência de doença tida como incurável, ou muito penosa, ou tormentosa. Chama-se, por esse motivo, homicídio piedoso. É, assim mesmo, uma forma não espontânea de interrupção do processo vital, pelo que implicitamente está vedada pelo direito à vida consagrado na Constituição, que não significa que o indivíduo possa dispor da sua vida, mesmo em situação dramática. Por isso, nem o consentimento lúcido do doente exclui o sentido delituoso da eutanásia no nosso Direito. (...) É que – como lembra Anibal Bruno – a ‘vida é um bem jurídico que não importa proteger só do ponto de vista individual; tem importância para a comunidade. (...) O Estado continua a protegê-la como valor social e este interesse superior torna inválido o consentimento ao particular para que dela o privem. (SILVA, 2005, p. 202)

Verifica-se que a eutanásia consiste em ceifar a vida de um paciente em estado vegetativo, que sofre de mal terminal e padece de fortes dores. Geralmente ocorre mediante a ministração de drogas letais ao paciente ou interrupção da alimentação ou desligamento de aparelhos respiratórios. A prática desses atos reputa-se absolutamente incompatível com o direito à vida, ainda que o paciente com eles consinta. Assim, cuida-se como dever do Estado a reprimenda de tais atos, bem como a sua prevenção.

Outra nuance do direito à vida diz respeito ao dever positivo de os poderes públicos fornecerem medicamentos indispensáveis à sobrevivência do doente, consoante jurisprudência já firmada do Supremo Tribunal Federal, e que será debatida de modo mais aprofundado adiante.

2.5 DIREITO À SAÚDE

O direito à saúde cuida-se de direito social constitucionalmente garantido, com caráter de direito público subjetivo, sendo uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas. Está disposto no art. 196 da Constituição Federal e é complementado pela Lei 8.080/90, in verbis:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 

Art. 2º/Lei 8.080 – A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Gilmar Mendes aduz que a Constituição de 1988 foi a primeira Carta a contemplar em seu bojo o direito à saúde como direito fundamental do ser humano: 

A Constituição de 1988 é a primeira Carta brasileira a consagrar o direito fundamental à saúde. Textos constitucionais anteriores possuíam apenas disposições esparsas sobre a questão, como a Constituição de 1824, que fazia referência à garantia de “socorros públicos” (art. 179, XXXI). As demandas que buscam a efetivação de prestações de saúde devem, portanto, ser resolvidas a partir da análise de nosso contexto constitucional e de suas peculiaridades. Nesse sentido, ante a impreterível necessidade de ponderações, são as circunstâncias específicas de cada caso que serão decisivas para a solução da controvérsia. Para tanto, há que se partir, de toda forma, do texto constitucional e de como ele consagra o direito fundamental à saúde. (MENDES, 2014, p. 787)

Imprescindível, antes de aprofundar no âmago do direito à saúde, colacionar contribuições de autores que tragam a sua definição. Nos dizeres de Henrique Hoffmann Monteiro Castro, a saúde:

Corresponde a um conjunto de preceitos higiênicos referentes aos cuidados em relação às funções orgânicas e à prevenção das doenças. "Em outras palavras, saúde significa estado normal e funcionamento correto de todos os órgãos do corpo humano", sendo os medicamentos os responsáveis pelo restabelecimento das funções de um organismo eventualmente debilitado. (CASTRO, 2005)

O autor ainda assevera que a tutela do direito à saúde apresenta duas faces – uma ligada à ideia de preservação e a outra, de proteção. Na medida em que a preservação da saúde se relacionaria às políticas de redução de risco de uma determinada doença, numa órbita genérica, a proteção à saúde se caracterizaria como um direito individual, de tratamento e recuperação de uma determinada pessoa.

Ademais, importa trazer a lume a definição proposta por Hewerston Humenhuk: 

A saúde também é uma construção através de procedimentos. (...) A definição de saúde está vinculada diretamente a sua promoção e qualidade de vida. (...) O conceito de saúde é, também, uma questão de o cidadão ter direito a uma vida saudável, levando a construção de uma qualidade de vida, que deve objetivar a democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurando livrar o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios. (HUMENHUK, 2002)

  

Tendo em vista que a saúde se tipifica como um bem jurídico indissociável do direito à vida, é atribuição do Estado o dever de tutelar e resguardar esse direito. Conforme André da Silva Ordacgy: 

A Saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à Saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais. (ORDACGY, 2007).

Nesse sentido, salienta a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no bojo do R.E. 271286:

(...) o direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuj a integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República.

Da análise do dispositivo, identifica-se tanto um direito individual quanto um direito coletivo de proteção à saúde. A norma do art. 196, por tratar de um direito social, revela o condão de norma programática, todavia, não se pode tomar uma norma constitucional e reduzir a sua força normativa, como se fosse incapaz de produzir efeitos, e apenas indicasse diretrizes a serem observadas pelo Poder Público.

Consoante explanado pelo exímio doutrinador Gilmar Mendes, tem-se que:

A dimensão individual do direito à saúde foi destacada pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, relator do AgR-RE n. 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um direito público subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional. Ressaltou o Ministro que “a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente”, impondo aos entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu que “a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde (CF,art. 197)”, legitimando a atuação do Poder Judiciário nas hipóteses em que a Administração Pública descumpra o mandamento constitucional em apreço. Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas. Ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde. (MENDES, 2014, p. 788)

Da doutrina de Barroso, depreende-se que, a partir da Constituição Federal de 1988, a prestação do serviço público de saúde não se viu mais condicionada a circunstâncias externas (exemplo: somente trabalhadores que estivessem inseridos no mercado formal seriam detentores de determinados direitos). Pois bem. Desse momento em diante, todos os brasileiros, independentemente de vínculo empregatício, tornaram-se titulares do direito à saúde.

Desse modo, no tocante aos recursos que devem ser destinados para a viabilização do direito à saúde no país, a E.C. n. 29, de 13 de setembro de 2000, trouxe o seguinte enunciado: “acrescentando o § 2° ao art. 198, estabeleceu a obrigatoriedade da aplicação, anualmente, de recursos mínimos pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em ações e serviços públicos de saúde”.

A elevação do direito à saúde como direito fundamental do homem se deve ao fato de, também, ser decorrência do direito à dignidade da pessoa humana, princípio basilar para a efetivação de diversos outros direitos. Schwartz considera que a saúde é “um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto indispensável para sua existência, seja como elemento agregado à sua qualidade. Assim, a saúde se conecta ao direito à vida”.

Infere-se que o direito à saúde pode ser dotado de dupla função: pode agir tanto como um direito de defesa, donde se exige o resguardo e a proteção do Estado à integridade corporal e psíquica do indivíduo, por exemplo, quanto como um direito positivo, em que se impõe ao Estado a realização de políticas públicas que fomentem a sua efetivação, tais como atendimento médico e hospitalar.

Maria João Estorninho e Tiago Macieirinha, sobre a existência de duas esferas relativas ao direito à saúde, aduzem que:

(...) o direito fundamental à proteção da saúde apresenta uma estrutura complexa que não se deixa apreender com a mera referência à sua condição de direito sócia. Na verdade, ao lado de uma dimensão tipicamente prestadora ou positiva – que se analisa no direito de exigir determinadas ações dos poderes públicos com vista à proteção da saúde –, o direito fundamental (...) contém igualmente uma dimensão negativa, que se traduz no dever geral de abstenção do Estado e de terceiros de praticarem ações que degradem ou afetem negativamente a saúde humana. (MACIEIRINHA, 2014, p. 45)

 

Esse também é o entendimento de Canotilho e Moreira apud Silva. Segundo os autores, o direito à saúde comporta duas vertentes:

[...] uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer ato que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas. (SILVA, 1984, p. 342)

Ocorre que a efetivação do direito à saúde encontra uma enorme quantidade de obstáculos, a começar pela ausência de recursos, como também pela ausência de políticas públicas e descumprimento das já existentes

De acordo com a nossa Carta Maior é a responsabilidade solidária dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) o fornecimento dos serviços de saúde, ficando sob o encargo desses a sua promoção, proteção e recuperação, in verbis:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (texto digital).

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Ao se utilizar o termo “Estado”, engloba-se também os Estados-membros, a União e o Munícipio, haja vista que, diante do dispositivo legal todos possuem o dever de promover o bem estar social, garantindo educação, saúde e segurança a todos os cidadãos. Assim, diante da necessidade de fornecimento de medicamentos de forma gratuita à população, por exemplo, haverá responsabilidade solidária de todos os entes federados, pois se trata de prestação de serviço de saúde à população e os enfermos tem assegurado esse direito constitucional.

No entender de José Afonso de Souza,

(...) sendo o acesso à medicação um direito social constitucionalmente assegurado, cumpre aos entes federados o fornecimento de qualquer medicamento que seja recomendado para a manutenção da vida do cidadão, asseverando-se que esse fornecimento deve ser feito de forma igualitária, não podendo haver qualquer discriminação (SOUZA, 2010, p. 20).

Assim, não pode o Poder Público se escusar do fornecimento de medicamentos, uma vez que a saúde está ligada diretamente ao direito à vida. Em virtude da necessidade de medicamentos para a manutenção da saúde e da vida, é dever do Estado e direito de todos a sua promoção.

Uma parte da doutrina, no entanto, salienta a dificuldade na efetivação dos direitos sociais, sobretudo o direito à saúde, haja vista que, para ser levado a cabo o fornecimento de medicamentos de forma gratuita pela população, existe um grande custo orçamentário e nem sempre os recursos legalmente destinados ao custeio de despesas com medicamentos conseguem dar conta.

Depreende-se, pois, que existe um grande conflito. Não se deve permitir que um indivíduo tenha sua vida diminuída ou, mesmo, ceifada em virtude de o Estado não dispor de recursos financeiros para custear o tratamento. Evidente que deverá o interesse público prevalecer sobre os interesses particulares, todavia, não se deve ignorar direitos inerentes ao ser humano, como a saúde e a vida.

2.6 DA VINCULAÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS AOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS

Embora não se possa afirmar que sejam os Poderes Públicos os responsáveis pela consagração dos direitos fundamentais, haja vista serem estes firmados por um poder superior, inerente ao próprio Poder Constituinte, vislumbra-se que o Poder Constituído deve respeitar os ditames previstos nas normas fundamentais, sob o risco de se sujeitar ao controle de validade e de constitucionalidade e restar desprezado diante de uma desconformidade a essas regras.

O Poder Legislativo, que possui como atribuição primeira a elaboração de normas de abrangência geral e individual, deverá atentar-se ao fato de que a sua atividade legiferante precisa estar pautada no conteúdo assentado pelos preceitos fundamentais. Ademais, é substancial a edição de normas regulamentadoras de direitos fundamentais que reclamam por concretização normativa.

O Legislador precisa estar diligente, inclusive, à ideia de que, mesmo quando estiver incumbido da tarefa de restringir certos direitos, terá que respeitar o seu núcleo essencial, para que, desse modo, não impossibilite a efetivação do direito ora legitimado pelo constituinte. 

Nesse diapasão, para alguns doutrinadores, a exemplo de Canotilho, surge a denominada “proibição do retrocesso”, que diz respeito à ideia de que direitos consagrados em lei não podem ser objeto de restrições e diminuições do seu campo de abrangência sem que, para isso, haja uma causa justificante que respalde a referida diminuição e atue de forma compensatória do direito suplantado.

Acerca dessa temática, discorre a doutrina de Gilmar Mendes:

Aspecto polêmico referido à vinculação do legislador aos direitos fundamentais diz com a chamada proibição do retrocesso. Quem admite tal vedação sustenta que, no que tange a direitos fundamentais que dependem de desenvolvimento legislativo para se concretizar, uma vez obtido certo grau de sua realização, legislação posterior não pode reverter as conquistas obtidas. A realização do direito pelo legislador constituiria, ela própria, uma barreira para que a proteção atingida seja desfeita sem compensações (...). Para Canotilho, o princípio da proibição do retrocesso social formula-se assim: ‘o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial’. O autor cita, como exemplo de inconstitucionalidade resultante da violação do princípio da proibição do retrocesso social, uma lei que alargue desproporcionalmente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à aposentadoria. (MENDES, 2014, p. 178)

Depreende-se, pois, que o Poder Legislativo não pode se desvencilhar dos preceitos fundamentais ao empreender a sua função precípua de elaboração normativa.

Nesse sentido, deverá também a Administração Pública estar a par das normas fundamentais. Os atos praticados pela Administração que não estiverem condizentes com as referidas normas tornar-se-ão nulos. Mesmo a atividade discricionária do ente público deverá servir obediência aos limites dispostos pelos preceitos fundamentais.

Persiste dúvida acerca da possibilidade de o administrador público realizar juízo de inconstitucionalidade de determinada lei e recusar dar-lhe aplicabilidade por considerá-la violadora de direito fundamental.

Em lição de Gilmar Mendes, vislumbra-se o entendimento de Canotilho e Viera de Andrade acerca da polêmica:

Em sede doutrinária, a polêmica situa em polos confrontantes o princípio da legalidade, a que está vinculada a Administração, e o princípio da vinculação aos direitos fundamentais. Canotilho propõe, como princípio básico, que se recuse à Administração em geral e aos agentes administrativos o poder de controle de constitucionalidade das leis, abrindo a estes, porém, a perspectiva da representação à autoridade incumbida de provocar uma decisão judicial sobre a validade do diploma. Admite exceção para os casos em que o agente recebe ordem de cumprir lei violadora de direitos fundamentais, quando a ordem implicar o cometimento de crime. Concordando que o agente administrativo deve provocar a autoridade com competência para levar o caso ao descortino do Judiciário, Vieira de Andrade sugere, ainda, que a decisão administrativa de aplicação da lei fique suspensa até a decisão da controvérsia sobre a legitimidade constitucional do diploma a ser aplicado. Lembra, no entanto, a lição de Bachof, para quem isso só é possível se a medida não prejudicar direitos individuais, nem vier a afrontar o interesse público. (MENDES, 2014, p. 180)

Em se tratando de Poder Judiciário, a priori, cumpre destacar o que dispõe o art. 5º, inciso XXXV da nossa Carta Maior: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Cuida-se como função basilar do Judiciário a defesa dos direitos fundamentais. Acerca desse ponto, descreve brilhantemente Gilmar Mendes:

Os tribunais detêm a prerrogativa de controlar os atos dos demais Poderes, com o que definem o conteúdo dos direitos fundamentais proclamados pelo constituinte. A vinculação das cortes aos direitos fundamentais leva a doutrina a entender que estão elas no dever de conferir a tais direitos máxima eficácia possível. Sob um ângulo negativo, a vinculação do Judiciário gera o poder-dever de recusar aplicação a preceitos que não respeitem os direitos fundamentais (...). A vinculação dos tribunais revela-se, também, no dever que se impõe aos juízes de respeitar os preceitos de direitos fundamentais, no curso do processo e no conteúdo das decisões – digam elas respeito a matéria de direito público, de direito privado ou de direito estrangeiro. Com propriedade, leciona Vieira de Andrade que, ‘quando aplicam direito público, direito privado ou direito estrangeiro, o papel dos preceitos constitucionais varia, mas a vinculação dos juízes é sempre a mesma (...)’ (MENDES, 2014, p. 182)

É de clareza solar afirmar, portanto, que tanto o Poder Legislativo quanto os Poderes Executivo e Judiciário não podem se desvencilhar das regras fundamentais, sob pena de seus atos tornarem-se inválidos e inaplicáveis no plano fático. Desse modo, cada Poder Público, ainda que em seu campo de abrangência singularmente considerado, deverá estar embasado nestes ditames.

3 NEOCONSTITUCIONALISMO E ATIVISMO JUDICIAL

 

 

3.1 A SEPARAÇÃO DOS PODERES E A “TEORIA DOS FREIOS E CONTRAPESOS”

A ideia da separação dos poderes ou de “sistema de freios e contrapesos”  ocupa espaço na doutrina através de obras de renomados filósofos, como Aristóteles, na obra “Política”, quando aduziu que a melhor constituição seria aquela denominada mista, em que as classes sociais participariam do exercício do poder político ou o exercício do governo ou da soberania  seria comum a toda a sociedade, em lugar de estar nas mãos de apenas um membro; John Locke, no “Segundo Tratado do governo civil”, quando considerou a separação dos poderes uma técnica de limitação do poder e frisou que para que a lei fosse imparcialmente aplicada seria necessário que não fossem os mesmos homens que a tivessem feito, os mesmos a aplicá-la; e, destacadamente, Montesquieu, mentor da divisão e distribuição clássicas, na obra “O espírito das leis”.

Este último considerava que a separação dos poderes se constituía como princípio fundamental da organização política liberal, e defendia que não se poderia conceber que um único homem, ainda que fosse representante do povo ou membro do próprio povo, concentrasse para si o exercício dos três poderes, o de fazer as leis, executar as resoluções públicas e julgar os crimes e demais litígios individuais. Vejamos trecho de sua obra, em que aduz sobre a referida separação:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares. (MONTESQUIEU, 2000, p.167-168):

Diante de um pensamento deveras enfático, atribuindo-lhe a função de construção e aprimoramento do Estado de Direito, a separação dos poderes positivou-se no ordenamento internacional mediante as Constituições das ex-colônias inglesas da América, com concretização em definitivo na Constituição dos Estados Unidos de 1787, tendo sido elevada a dogma constitucional com a Revolução Francesa. Do mesmo modo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, aduziu que não teria constituição a sociedade que não assegurasse os direitos dos indivíduos e que, tampouco, conservasse separados os poderes estatais.

Com o objetivo de evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, o princípio da separação dos poderes foi inserido no âmbito nacional brasileiro. A Constituição do Império do Brasil, de 1924, contemplou o referido princípio, dividindo as funções do Estado em quatro. Além dos tradicionais Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, também figurava dentro do País o poder Moderador, conferido à época ao Imperador.

A primeira Constituição da República, por sua vez, repudiou a monarquia, e firmou a consubstanciação de apenas três poderes, o também denominado sistema de tripartição. Já a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, silenciou-se no tocante ao referido princípio, porém, não à toa. Conferiu-se poder supremo à figura do Presidente da República. Após o encerramento da ditadura de Vargas, deu-se a promulgação da Constituição de 1946, consagrando, dessa vez, o princípio da separação dos poderes.

A Constituição do último período ditatorial, de 1967, não inovou em relação à Constituição democrática de 1946 no tocante à separação dos poderes. Porém, importa frisar que essa Constituição introduziu o instituto do decreto-lei, em que se conferiu competência legislativa plena ao chefe do Executivo na hipótese de omissão do Congresso Nacional.

Com efeito, o art. 2º de nossa Carta Magna, outrossim denominada Constituição Cidadã, reafirma a necessidade de independência e harmonia entre os Poderes, ao declarar que “são poderes da União, harmônicos e independentes entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, conferindo ao referido dispositivo, inclusive, o status de cláusula pétrea. Ademais, procedeu-se à criação de mecanismos de controle recíprocos, como forma de garantir a perpetuidade do Estado democrático de Direito.

Gilmar Mendes, ao lecionar sobre a temática, aduz:

Inicialmente formulado em sentido forte – até porque assim o exigiam as circunstâncias históricas – o princípio da separação dos poderes, nos dias atuais, para ser compreendido de modo constitucionalmente adequado, exige temperamentos e ajustes à luz das diferentes realidades constitucionais, num círculo hermenêutico em que a teoria da constituição e a experiência constitucional mutuamente se completam, se esclarecem e se fecundam. (MENDES, 2014, p. 220)

Atualmente, vislumbra-se que tal preceito, outrora erigido com rigidez, precisou ser flexibilizado, haja vista que as numerosas atividades atinentes ao Estado, inclusive as de cunho legislativo, ao exercer atipicamente essa função, através das medidas provisórias, exemplificativamente, bem como diante de uma chamada legislação judicial, donde se vislumbra a criação de normas de caráter geral, em sede de controle de constitucionalidade, impuseram a necessidade de relativização e adaptação à nova sistemática do contexto hodierno.

Malgrado compreenda a imprescindibilidade da separação dos poderes para a conservação do Estado Democrático de Direito, Elival Ramos defende a denominada discricionariedade ou existência da liberdade de um campo de atuação nos limites do direito, para cada um dos Poderes. Senão, vejamos:

A discricionariedade legislativa decorre da inexistência de parâmetros normativos ou da sua flexibilidade; a administrativa está relacionada, igualmente, à abertura textual, mas, também, ao deferimento explícito de mais de uma possibilidade de conduta diante da espécie fática; por último, a discricionariedade judicial cobre, de um modo muito mais amplo do que em sede legislativa ou administrativa, todo o campo da criatividade na interpretação. (...) A categoria teórica da discricionariedade, em qualquer uma de suas vertentes, está fortemente vinculada ao princípio da separação dos poderes. (RAMOS, 2010, p. 127)

3.2 NEOCONSTITUCIONALISMO

Denomina-se de neoconstitucionalismo ou “constitucionalismo pós-positivista”, ou, ainda, “constitucionalismo neopositivo”, o atual estágio do constitucionalismo, fruto de grandes mudanças vividas, sobretudo, nas duas últimas décadas. O prefixo “neo”, nesse sentido, traz a lume a ideia de que se trata de um fenômeno inovador, com elementos próprios e conteúdo diverso daquilo que o antecedeu.

Cuida-se de um fenômeno observado primordialmente na Espanha e na Itália, e que ganhou espaço considerável em obras de autores renomados da doutrina brasileira, embora estes não tenham se definido em momento algum como “neoconstitucionalistas”. André Rufino  traz a lume uma gama de autores que tratam deste fenômeno e descreve com exatidão alguns pontos em comum existentes nas suas obras:

O Direito Constitucional atual está envolvido pela atmosfera teórica, metodológica e ideológica do denominado neoconstitucionalismo (ou simplesmente constitucionalismo), presente em diferentes aspectos nas teorias de Ronald Dworkin , Robert Alexy, Gustavo Zagrebelsky, Luis Prieto Sanchís, Carlos Nino, Luigi Ferrajoli, dentre outros. Esses autores não podem ser reunidos numa corrente unitária de pensamento, mas em suas teorias é possível encontrar uma série de coincidências e tendências comuns que podem conformar uma “nova cultura jurídica”, um “paradigma constitucionalista in statu nascendi”, ou, em outros termos, “o paradigma do Estado constitucional de direito”. Esses pontos em comum, retirados de teorias cujas bases filosóficas são bastante ecléticas, podem ser sintetizados da seguinte maneira: a) a importância dada aos princípios e valores como componentes elementares dos sistemas jurídicos constitucionalizados; b) ponderação como método de interpretação/aplicação dos princípios e de resolução dos conflitos entre valores e bens constitucionais; c) a compreensão da Constituição como norma que irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico, condicionando toda a atividade jurídica e política dos poderes do Estado e até mesmo dos particulares em suas relações privadas; d) o protagonismo dos juízes em relação ao legislador na tarefa de interpretar a Constituição; e) enfim, a aceitação de alguma conexão entre Direito e moral. (VALE, 2007, p. 67-68)

Acerca desse ponto, também descreve Daniel Sarmento

Os adeptos do neoconstitucionalismo buscam embasamento no pensamento de juristas que se filiam a linhas bastante heterogêneas, como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Peter Häberle, Gustavo Zagrebelsky, Luigi Ferrajoli e Carlos Santiago Nino, e nenhum desses se define hoje, ou já se definiu no passado, como neoconstitucionalista. Tanto dentre os referidos autores, como entre aqueles que se apresentam como neoconstitucionalistas, constata-se uma ampla diversidade de posições jusfilosóficas e de filosofia política: há positivistas e não positivistas, defensores da necessidade do uso do método na aplicação do Direito e ferrenhos opositores do emprego de qualquer metodologia na hermenêutica jurídica, adeptos do liberalismo político, comunitaristas e procedimentalistas. Neste quadro, não é tarefa singela definir o neoconstitucionalismo, talvez porque, [...] não exista um único neoconstitucionalismo, que corresponda a uma concepção teórica clara e coesa, mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam entre si alguns denominadores comuns relevantes, o que justifica que sejam agrupadas sob um mesmo rótulo, mas compromete a possibilidade de uma conceituação mais precisa. (SARMENTO, p. 01-02):

Em que pese as suas nítidas diferenciações filosóficas, supramencionadas, verifica-se que a doutrina é consensual no tocante ao período em que surgiu o neoconstitucionalismo.

Vislumbra-se que até meados do século XX, mais precisamente até o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), existia um positivismo exacerbado, com foco, sobretudo, no legislador e na normatização pelo Parlamento como fonte primordial do direito, superior a qualquer outra fonte, inclusive, com força normativa maior que as constituições.

Ocorre que, com o fim da Segunda Guerra, restou cristalino que tal modelo, fiel ao legislador e crente na sua normatização como fonte suprema do direito, mostrou-se incapaz de evitar o surgimento de regimes totalitários ao longo do globo, responsáveis pela prática de torturas e outras violações a direitos fundamentais dos indivíduos. A maioria das violências levadas a cabo por esses regimes estavam amparadas pela legislação em vigor dos países.

Diante desse cenário, teve surgimento o neoconstitucionalismo, ao mesmo passo em que se deu a promulgação de constituições sociais e democráticas, pautadas na positivação de direitos garantidores da dignidade do homem, e que objetivavam a efetivação da paz e do respeito aos direitos humanos, dispensando todo e qualquer fumus de totalitarismo.

Nesse sentido, a doutrina de Barroso descreve:

O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa continental, foi o constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil, foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. (...) A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a 2ª Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das idéias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático. (BARROSO, p. 03)

Reputa-se como grande referência do novo direito constitucional a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, bem como a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A referida Constituição alemã, também denominada de “Lei Fundamental”, foi concebida para uma fase de transição, provisória, que somente assumiu caráter definitivo em meados de 1990, e atualmente vigora em toda a Alemanha. Outra referência de grande valia foi a Constituição da Itália, de 1947, assim como o processo de redemocratização e reconstitucionalização de Portugal, ocorrido em 1976, e da Espanha, em 1978.

Destarte, ante a imprescindibilidade de superação de um passado transgressor de direitos fundamentais, fez-se necessária uma nova postura na aplicação e interpretação do direito constitucional. O neoconstitucionalismo revela-se, pois, como um novo modus operandi dos tribunais, tanto no que se refere à sua base teórica, quanto no que cuida da sua prática hodierna.

Os princípios fundamentais e uma nova hermenêutica passaram a ocupar o centro das constituições pós-guerra. Deu-se primazia ao princípio da dignidade do homem e, por conseguinte, à força normativa da constituição.

Conforme lição do Professor Barroso, o neoconstitucionalismo pauta-se, sinteticamente, mediante três características básicas, quais sejam: reconhecimento da força normativa da Constituição; expansão da jurisdição constitucional; e nova interpretação constitucional.

De modo semelhante, Ana Paula de Barcellos (BARCELLOS, p. 02) discorre que o constitucionalismo atual opera sobre três premissas fundamentais, quais sejam: a normatividade da Constituição, com consequente reconhecimento dos conteúdos dispostos no texto constitucional como normas jurídicas, dotados, portanto, de imperatividade; a superioridade da Constituição sobre as demais legislações integrantes da ordem jurídica, o que comprova a sua força normativa; e a centralidade da Carta nos sistemas jurídicos, de modo que os demais ramos do Direito devem ser interpretados com base no que dispõe a Constituição Federal em vigor.

Nesse sentido, descreve Rufino:

Se o neoconstitucionalismo é concebido como um conjunto de teorias que pretendem descrever o processo de constitucionalização dos sistemas jurídicos contemporâneos, seu traço distintivo não poderia ser outro que a adoção de um peculiar modelo constitucional: o denominado “modelo axiológico de Constituição como norma”. De acordo com esse modelo, a Constituição é marcada pela presença de princípios, especificamente, de normas de direitos fundamentais que, por constituírem a positivação (expressão normativa) de valores da comunidade, são caracterizadas por seu denso conteúdo normativo de caráter material ou axiológico, que tende a influenciar todo o ordenamento jurídico e vincular a atividade pública e privada. (RUFINO, p. 69)

Não se pode olvidar, ainda, da relação íntima existente entre o Direito e a Moral, que não pode simplesmente ser afastada, como pretendem determinados autores. Assim, além do respeito aos aspectos meramente formais evidenciados na elaboração das normas, passou-se a ter em mente a correlação entre o conteúdo material destas normas e os valores consagrados no seio da sociedade, por intermédio da Constituição. Inclusive, corriqueiramente faz-se necessário recorrer ao conteúdo moral para esclarecer e dar significado a conceitos abertos constantes da Constituição, tal como se evidencia nas palavras de André Rufino:

A presença de normas de direitos fundamentais nos sistemas jurídicos constitucionalizados pode ser entendida como o resultado da transformação da moral crítica em moral legalizada. (...) os valores morais assumidos historicamente pela comunidade possuem a vocação de serem realizados, ou seja, tendem a ser positivados e, nesse passo, a contar com o respaldo do poder estatal de coação. As normas morais, ao se transformarem em normas jurídicas, recebem um plus de normatividade, a jurídica, em adição às que já possuíam antes, a moral. As normas de direitos fundamentais podem assim ser caracterizadas como a tradução jurídica dos valores morais de uma comunidade em determinado momento histórico. As exigências éticas de dignidade necessitam do Direito para serem realizadas e, assim, adquirem normatividade com a positivação em normas de direitos fundamentais. Devido à presença dessas normas, os ordenamentos jurídicos deixam-se impregnar por conteúdos morais. (RUFINO, p.70-71)

A pretensão mais formalista e estatalista de elaborar uma teoria pura, baseada na estreita vinculação entre o Estado, o Direito e a lei, e alheia a qualquer conteúdo axiológico, é hoje insustentável, pois não está apta a compreender a realidade jurídica do acima denominado Estado constitucional, no qual a Constituição está recheada de preceitos normativos que assumem a estrutura de princípios e valores, que são de natureza moral ou que requerem do intérprete o recurso à moral para definir seu significado e conteúdo. No Estado constitucional, a marcante presença de normas constitucionais que fazem constante referência a direitos fundamentais e a princípios de justiça material, assim como a inafastável exigência de que todas as normas do ordenamento jurídico estejam em conformidade com o conteúdo substancial disposto na Constituição e nos princípios superiores do sistema, acabam tornando inadequadas as teses positivistas da rígida separação entre Direito e moral e da unicidade do critério formal de validade das normas, traduzido na norma fundamental de Kelsen e na regra de reconhecimento de Hart. (RUFINO, p.74)

Ademais, importa mencionar que, de modo cada vez mais incisivo, ganhou espaço a técnica da ponderação, com utilização do recurso da proporcionalidade e da razoabilidade na esfera judicial, bem como de teorias de argumentação jurídica, até então desprezadas pelo positivismo exacerbado que precedeu a Segunda Guerra e que somente se atinha à subsunção do fato à norma, consoante se mostra cristalino na seguinte explanação de Barroso:

Foram afetadas premissas teóricas, filosóficas e ideológicas da interpretação tradicional, inclusive e notadamente quanto ao papel da norma, suas possibilidades e limites, e ao papel do intérprete, sua função e suas circunstâncias. Nesse ambiente, ao lado dos elementos tradicionais de interpretação jurídica e dos princípios específicos de interpretação constitucional delineados ao longo do tempo, foram descobertas novas perspectivas e desenvolvidas novas teorias. Nesse universo em movimento e em expansão, incluem-se categorias que foram criadas ou reelaboradas, como os modos de atribuição de sentido às cláusulas gerais, o reconhecimento de normatividade aos princípios, a percepção da ocorrência de colisões de normas constitucionais e de direitos fundamentais, a necessidade de utilização da ponderação como técnica de decisão e a reabilitação da razão prática como fundamento de legitimação das decisões judiciais. (BARROSO, 2015, p. 266)

Nesse diapasão, vislumbra-se o crescimento do Poder Judiciário perante os demais Poderes, com a centralização cada vez maior de competências e atuação em casos políticos e complexos, envolvendo, muitas vezes, temas em demasia polêmicos, com frontal colisão de princípios resguardados pelas constituições vigentes. O juiz passou a ocupar a função de guardião das referidas demandas, sendo, em verdade, o grande protagonista do neoconstitucionalismo.

Nesse sentido, aduz Daniel Sarmento:

As teorias neoconstitucionalistas buscam construir novas grades teóricas que se compatibilizem com os fenômenos acima referidos, em substituição àquelas do positivismo tradicional, consideradas incompatíveis com a nova realidade. Assim, por exemplo, ao invés da insistência na subsunção e no silogismo do positivismo formalista, ou no mero reconhecimento da discricionariedade política do intérprete nos casos difíceis, na linha do positivismo mais moderno de Kelsen e Hart, o neoconstitucionalismo se dedica à discussão de métodos ou de teorias da argumentação que permitam a procura racional e intersubjetivamente controlável da melhor resposta para os "casos difíceis" do Direito. Há, portanto, uma valorização da razão prática no âmbito jurídico. Para o neoconstitucionalismo, não é racional apenas aquilo que possa ser comprovado de forma experimental, ou deduzido more geométrico de premissas gerais, como postulavam algumas correntes do positivismo. Também pode ser racional a argumentação empregada na resolução das questões práticas que o Direito tem de equacionar. A idéia de racionalidade jurídica aproxima-se da ideia do razoável, e deixa de se identificar à lógica formal das ciências exatas. (SARMENTO, p. 06-07)

Depreende-se que, no Brasil, o processo de neoconstitucionalização passou a ser observado através da promulgação da Constituição de 1988, momento em que se deixou para trás um regime autoritário e intolerante para que se cedesse lugar a um Estado democrático de direito, em que pese já se pudesse falar em controle de constitucionalidade desde a constituição republicana de 1891.

As constituições passadas não se reportavam à realidade do país. Exemplificativamente, em momento que precedeu a promulgação da constituição de 1988, os atos institucionais prevaleciam em detrimento das normas expressas na Carta Maior. Não existia àquela época a força normativa constitucional que se verifica hoje. Nas palavras de Sarmento:

(...) até então, as constituições não eram vistas como autênticas normas jurídicas, não passando muitas vezes de meras fachadas. (...) Até 1988, a lei valia muito mais do que a Constituição no tráfico jurídico, e, no Direito Público, o decreto e a portaria ainda valiam mais que a lei. O Poder Judiciário não desempenhava um papel político tão importante, e não tinha o mesmo nível de independência que passou a gozar posteriormente. As constituições eram pródigas na consagração de direitos, mas estes dependiam quase exclusivamente da boa vontade dos governantes de plantão para saírem do papel – o que normalmente não ocorria. Em contextos de crise, as fórmulas constitucionais não eram seguidas, e os quartéis arbitravam boa parte dos conflitos políticos ou institucionais que eclodiam no país. (SARMENTO, p. 06)

A doutrina de Barroso, no mesmo sentido, leciona:

O debate acerca da força normativa da Constituição só chegou ao Brasil, de maneira consistente, ao longo da década de 80, tendo enfrentado resistências previsíveis. Além das complexidades inerentes à concretização de qualquer ordem jurídica, padecia o país de patologias crônicas, ligadas ao autoritarismo e à insinceridade constitucional. Não é surpresa, portanto, que as Constituições tivessem sido, até então, repositórios de promessas vagas e de exortações ao legislador infraconstitucional, sem aplicabilidade direta e imediata. Coube à Constituição de 1988, bem como à doutrina e à jurisprudência que se produziram a partir de sua promulgação, o mérito elevado de romper com a posição mais retrógrada. (BARROSO, p. 07-08)

Daniel Sarmento aduz que a concretização do neoconstitucionalismo no Brasil ocorreu em dois momentos diversos, denominando-os de “constitucionalismo brasileiro da efetividade” e “pós-positivismo constitucional”, senão vejamos:

Na minha opinião, há dois momentos distintos nesta evolução: o "constitucionalismo brasileiro da efetividade" e o póspositivismo constitucional. O primeiro momento vem logo após a promulgação da Constituição de 88. Alguns autores, como Luis Roberto Barroso e Clèmerson Merlin Clève, passam a advogar a tese de que a Constituição, sendo norma jurídica, deveria ser rotineiramente aplicada pelos juízes, o que até então não ocorria. (...) Para o constitucionalismo da efetividade, a incidência direta da Constituição sobre a realidade social, independentemente de qualquer mediação legislativa, contribuiria para tirar do papel as proclamações generosas de direitos contidas na Carta de 88, promovendo justiça, igualdade e liberdade. (...) O segundo momento importante é o da chegada ao Brasil das teorias jurídicas ditas póspositivistas. Foram marcos relevantes a publicação da 5ª edição do Curso de Direito Constitucional, de Paulo Bonavides, bem como do livro A Ordem Econômica na Constituição de 1988, de Eros Roberto Grau, que divulgaram entre nós a teoria dos princípios de autores como Ronald Dworkin e Robert Alexy, e fomentaram as discussões sobre temas importantes, como a ponderação de interesses, o princípio da proporcionalidade e eficácia dos direitos fundamentais (...). Nesta nova fase, a doutrina brasileira passa a enfatizar o caráter normativo e a importância dos princípios constitucionais, e a estudar as peculiaridades da sua aplicação. (SARMENTO, p. 07-08)

Importa, ainda, destacar a importância da doutrina brasileira neste momento de transição, já que, o que hoje se parece uma obviedade, em momento anterior era encarado como algo revolucionário. A doutrina engendrou grandes esforços para que se efetivasse a aplicação das normas constitucionais pelos juízes. Na medida em que o texto constitucional ganhava aplicabilidade, a interpretação do direito assumia novas feições. Consoante dizeres de Barroso:

Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. (BARROSO, p. 12)

Depreende-se, pois, que o neoconstitucionalismo enfatiza o caráter normativo da Constituição, bem como evidencia os princípios fundamentais dispostos no texto da Carta Maior, notadamente, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Ademais, técnicas de argumentação, teorias que pregam a proporcionalidade, razoabilidade, ponderação e adoção de métodos mais amplos e flexíveis de hermenêutica jurídica, também ocupam grande espaço. Novos discursos, como o “mínimo existencial”, a “reserva do possível” e a “proibição do retrocesso” auferem importância, e o Poder Judiciário assume papel de destaque na implementação das normas constitucionais.

Impende destacar, ainda, que essa nova constitucionalização do Direito culminou por repercutir nos diferentes Poderes. No tocante ao Poder Legislativo, verifica-se que houve a imposição de deveres positivos e negativos de atuação, exigindo-se a observação de limites e fins dispostos na Carta Maior. Aduz Barroso, acerca desse ponto, que, no âmbito do Judiciário, o constitucionalismo assumiu grau máximo de repercussão, senão vejamos:

A constitucionalização, no entanto, é obra precípua da jurisdição constitucional, que no Brasil pode ser exercida, difusamente, por juízes e tribunais, e concentradamente pelo Supremo Tribunal Federal, quando o paradigma for a Constituição Federal. Esta realização concreta da supremacia formal e axiológica da Constituição envolve diferentes técnicas e possibilidades interpretativas, que incluem:

a) o reconhecimento da revogação das normas infraconstitucionais anteriores à Constituição (ou à emenda constitucional), quando com ela incompatíveis;

b) a declaração de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, quando com ela incompatíveis;

c) a declaração da inconstitucionalidade por omissão, com a consequente convocação à atuação do legislador;

d) a interpretação conforme a Constituição, que pode significar:

(i) a leitura da norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais a ela subjacentes;

(ii) a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, que consiste na exclusão de uma determinada interpretação possível da norma – geralmente a mais óbvia – e a afirmação de uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição. (BARROSO, p. 28-29)

Mediante a visão “neoconstitucionalista”, rejeita-se a ideia de um juiz técnico, que realiza meras subsunções e interpretações literais. O conteúdo aberto e abstrato das cláusulas constitucionais permite complemento por intermédio da inserção de princípios para desvelar o sentido da norma. Consequentemente, dá-se azo a uma postura muito mais proativa do Poder Judiciário.

Daniel Sarmento traz à baila:

(...) esta mudança de paradigma se reflete vivamente na jurisprudência do STF. São exemplos eloqüentes a alteração da posição da Corte em relação aos direitos sociais, antes tratados como "normas programáticas", e hoje submetidos a uma intensa proteção judicial, o reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a mutação do entendimento do Tribunal em relação às potencialidades do mandado de injunção, e a progressiva superação da visão clássica kelseniana da jurisdição constitucional, que a equiparava ao "legislador negativo", com a admissão de técnicas decisórias mais heterodoxas, como as declarações de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e as sentenças aditivas. E para completar o quadro, deve-se acrescentar as mudanças acarretadas por algumas inovações processuais recentes na nossa jurisdição constitucional, que permitiram a participação dos amici curiae, bem como a realização de audiências públicas no âmbito do processo constitucional, ampliando a possibilidade de atuação da sociedade civil organizada no STF. (SARMENTO, p. 10)

Ademais, reputa-se como impulso à expansão do neoconstitucionalismo no Brasil a descrença da população em relação ao Poder Legislativo, bem como o descrédito evidenciado relativamente aos partidos políticos. Isto porque muitos populares culminam por depositar a sua confiança e expectativa no Poder Judiciário, como guardião dos seus direitos.

Na lição de Daniel Sarmento, são apontadas três críticas ao neoconstitucionalismo, consideradas de grande relevo pelo exímio doutrinador, a citar:

(a) a de que o seu pendor judicialista é antidemocrático; (b) a de que a sua preferência por princípios e ponderação, em detrimento de regras e subsunção, é perigosa, sobretudo no Brasil, em razão de singularidades da nossa cultura; e (c) a de que ele pode gerar uma panconstitucionalização do Direito, em detrimento da autonomia pública do cidadão e da autonomia privada do indivíduo. (SARMENTO, p. 11)

A crítica sobre um possível caráter antidemocrático do neoconstitucionalismo reside no fato de os juízes, em diversas ocasiões, tecerem decisões de cunho político, mormente não tenham sido eleitos pela população e legitimados para essa finalidade, diferentemente do que ocorre com parlamentares e chefes do Executivo, que, nessa ordem, elegem-se pelo povo e respondem diretamente perante a sociedade.

Daniel Sarmento (SARMENTO, p. 14) se mostra convencido de que o Poder Judiciário possui papel determinante para o resguardo de princípios constitucionais, tutela de direitos fundamentais, proteção das minorias e garantia do funcionamento da democracia, ao menos em determinadas searas, bem como admite a existência de crise de representatividade do Poder Legislativo.

Por outro lado, reconhece que em alguns campos seja mais recomendável uma postura mais cautelosa do Judiciário, tanto para que se evite violação ao princípio democrático, quanto em decorrência do despreparo técnico do Judiciário para tomar decisões a respeito de certos temas, que não são de conhecimento ordinário, impossibilitando-o, assim, de formar convicção acerca da temática.

A segunda crítica se pauta no fato de que, em muitos momentos, a prática judiciária brasileira realiza a valorização dos princípios e da ponderação desacompanhadas do devido cuidado com a justificação das decisões. Assim, verifica-se que certas decisões judiciais se revestem de considerável carga principiológica, muitas vezes com princípios muito vagos, inutilizando, inclusive, regra técnica válida e apta para reger a hipótese.

Com isso, não se quer dizer que os princípios devam ser abolidos, mas, em realidade, o que se deseja é que seja feito bom uso deles, por serem essenciais para a ordem jurídica e conferirem maior plasticidade ao Direito. A aplicação dos princípios somada à aplicação das regras e da subsunção possui maior eficácia e traz segurança jurídica aos jurisdicionados.

Por fim, a terceira crítica, que aborda a ideia de um “panconstitucionalismo”, traz a lume que o neoconstitucionalismo não resulta de uma análise profunda e analítica da Constituição. Em verdade, esse fenômeno restringe-se à uma interpretação extensiva dos direitos fundamentais e dos princípios mais incisivos da ordem constitucional, e peca ao deixar de lado, muitas vezes, a autonomia pública e privada dos cidadãos.

A Constituição passa a figurar como uma encarnação dos valores superiores da comunidade, a partir da qual todo o ordenamento jurídico deverá emergir. Ao intérprete cabe, tão somente, fazer com que sejam aplicadas as regras constitucionais na sociedade, além de interpretar todos os demais diplomas à luz da Carta Maior.

Ocorre que, conforme já disposto, ao se defender que a Constituição consegue contemplar todos os temas possíveis, e que o legislador atua como simples executor de medidas arroladas pelo constituinte, culmina-se por negar a autonomia política ao povo, que não pode realizar as suas próprias escolhas, e deve servir obediência em todo tempo à Constituição.

3.3 A JUDICIALIZAÇÃO E O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL

A Constituição Democrática de 1988 trouxe uma série de mudanças para o modo de ser e de entender o direito. A partir da sua promulgação, deu-se espaço para uma abertura dos conteúdos jurídicos, com tendência à ampla efetividade dos direitos e das garantias fundamentais, diante de uma atuação cada vez mais proativa do magistrado, relativizando, assim, os limites existentes entre os poderes judiciário, executivo e legislativo.

No bojo das transformações vivenciadas no pós-Constituição de 1988, vislumbra-se a judicialização latente de matérias complexas e de cunho político, com grande repercussão no seio social. Da lição de Barroso é possível extrair uma definição para a famigerada judicialização:

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. (BARROSO, p. 03)

Judicializar significa, portanto, reportar para a apreciação do Poder Judiciário matérias de cunho político e grande repercussão, que deixaram de ser realizadas, muitas vezes, pelo legislador ou administrador. A judicialização, apesar de não ser um fenômeno novo, é crescente, e decorre da vontade do constituinte, e não do Poder Judiciário. Vejamos três razões que, segundo Barroso, ocasionaram no fenômeno da judicialização das demandas.

A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988 (...). A redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira (...). A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária (...). A terceira e última causa da judicialização, a ser examinada aqui, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo (...). Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF. (BARROSO, p. 03-04)

A judicialização muito se assemelha com o ativismo judicial, embora possuam significados diversos, detém características comuns. A judicialização é uma circunstância que decorre do modelo constitucional brasileiro. O Judiciário, nesse sentido, conhece as matérias e satisfaz as pretensões que a ele se reportam porque é essa a sua atribuição primordial, não existe vontade política nisso, tampouco há discricionariedade nesse ponto. Por sua vez, o ativismo judicial cuida-se de um modo de agir específico e proativo para interpretar a Constituição, ampliando o seu alcance. Ocorre, geralmente, quando há omissão do Poder Legislativo. Barroso complementa:

A judicialização (...) é um fato, uma circunstância do desenho institucional brasileiro. Já o ativismo é uma atitude, a escola de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. (BARROSO, p. 442)

A expressão “ativismo judicial” está associada a uma ideia de ampla participação do Poder Judiciário na efetivação dos direitos e garantias constitucionais, com nítida ingerência no espaço destinado à atuação de outros Poderes. Não necessariamente se pode afirmar que a referida ingerência ocorra em virtude de conflito entre os Poderes. Na realidade, o que se verifica, muitas vezes, é a “ocupação de espaços vazios”, isto quer dizer, a atuação de um Poder diante da omissão de um outro, que deveria ter agido em dada situação e assim não procedeu.

Vislumbra-se uma postura ativista, notadamente, quando se procede à aplicação da Constituição a situações não expressamente abarcadas pelo texto e sem levar em consideração a manifestação do legislador ordinário, bem como quando atos normativos emanados pelo legislador são declarados inconstitucionais, ou quando o Judiciário impõe a realização de determinadas condutas ou de abstenções por parte do Poder Público, sobretudo, em sede de políticas públicas.

Trazendo a lume a evolução histórica para a consequente chegada do ativismo judicial, Luís Roberto Barroso leciona:

As origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norteamericana. Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast v. Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board of Education, 1954), acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973). (BARROSO, p. 07):

Barroso prossegue afirmando que o ativismo judicial assumiu, nos Estados Unidos, uma conotação negativa, depreciativa, equiparada ao exercício impróprio do poder judiciário. Assim, verifica-se que o ativismo judicial não foi sempre – e nem o é atualmente – bem recebido por todos os autores, notadamente, pelos que se identificam como moralistas. É o caso de Dworkim, por exemplo. A lição de Elival da Silva Ramos traz um trecho que retrata brevemente a concepção de Dworkin acerca do ativismo judicial:

O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima. Insiste em que juízes apliquem a Constituição por meio de interpretação, e não por fiat, querendo com isso dizer que suas decisões devem ajustar-se à prática constitucional, e não ignorá-la. Um julgamento interpretativo envolve a moral política (...). Mas põe em prática não apenas a justiça, mas uma variedade de virtudes políticas que ás vezes entram em conflito e questionam umas às outras. Uma delas é a equidade: o direito como integridade é sensível às tradições e à cultura política de uma nação, e, portanto, também a uma concepção de equidade que convém a uma Constituição. (RAMOS, 2010, p. 135)

Vislumbra-se, portanto, que na concepção de Dworkin os juízes e tribunais deveriam levar em consideração em suas decisões a existência dos precedentes, da lei e da Constituição, como um modo de tradição política, e não necessariamente como característica de um pensamento positivista.

Em que pese o ativismo judicial figure como uma ultrapassagem dos marcos normativos materiais da função jurisdicional, isso não significa que os juízes ampliem o seu modo de atuação sem se importar com os limites existentes, de forma juridicamente inaceitável. Nas palavras de Elival Ramos:

Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício descabido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. (RAMOS, 2010, p. 166-167)

Em verdade, no contexto atual do neoconstitucionalismo, o que se verifica é que não existe mais uma rígida separação dos poderes. Há que se fazer uma releitura desse princípio para adequá-lo à realidade hodierna, em que os limites antes intransponíveis cedem espaço a visões favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais. Assim, em lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático, passou-se a falar atualmente de uma teoria da democracia mais substantiva, que legitima restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, e possibilita a sua fiscalização por juízes não eleitos, favorecendo, assim, a existência de um papel criativo da jurisprudência.

Desse modo, importa discutir não somente acerca da possibilidade ou viabilidade de o Poder Judiciário intervir em outras esferas de poder. Talvez, até mais importante do que isso, seja discutir sobre a forma que essa jurisdição está sendo exercida ou sobre até que grau ou o modo como deverá sê-la. Nesse sentido, aduz Barroso sobre a essencialidade da atuação do Judiciário para a consecução dos fins constitucionais:

Estou convencido de que o Poder Judiciário tem um papel essencial na concretização da Constituição brasileira. Em face do quadro de sistemática violação de direitos de certos segmentos da população, do arranjo institucional desenhado pela Carta de 88, e da séria crise de representatividade do Poder Legislativo, entendo que o ativismo judicial se justifica no Brasil, pelo menos em certas searas, como a tutela de direitos fundamentais, a proteção das minorias e a garantia do funcionamento da própria democracia. O maior insulamento judicial diante da pressão das maiorias, bem como um certo ethos profissional de valorização dos direitos humanos, que começa a se instalar na nossa magistratura, conferem ao Judiciário uma capacidade institucional privilegiada para atuar nestas áreas. (BARROSO, p. 14)

Percebe-se que, nas últimas décadas, o ativismo judicial tem assumido posição de grande destaque no âmbito nacional brasileiro, com atuação do Poder Judiciário, sobretudo, do Supremo Tribunal Federal, em temas políticos e notoriamente complexos. Nas palavras de Barroso:

No Brasil, há diversos precedentes de postura ativista do STF, manifestada por diferentes linhas de decisão. Dentre elas se incluem: a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário, como se passou em casos como o da fidelidade partidária e o da vedação do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição, que são exemplos as decisões referentes à verticalização das coligações partidárias e à cláusula de barreira; c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, tanto em caso de inércia do legislador (...) como no de políticas públicas insuficientes, de que tem sido exemplo as decisões sobre direito à saúde.  (BARROSO, 2015, p. 442)

Sobre a mesma temática, extrai-se da lição de Daniel Sarmento:

Naturalmente, a nova postura de ativismo judicial do STF estimula as forças sociais a procurá-lo com mais freqüência e contribui para uma significativa alteração na agenda da Corte. Atualmente, ao lado das questões mais tradicionais de Direito Público, o STF tem se defrontado com novos temas fortemente impregnados de conteúdo moral, como as discussões sobre a validade de pesquisa em células-tronco embrionárias, aborto de feto anencéfalo e união entre pessoas do mesmo sexo. Ademais, o Tribunal passou a intervir de forma muito mais ativa no processo político, adotando decisões que se refletem de forma direta e profunda sobre a atuação dos demais poderes do Estado. (SARMENTO, p. 10)

Assim, vislumbra-se que o ativismo consiste, em certa medida, na imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, em especial, em matérias atinentes a políticas públicas, com grande ingerência, inclusive, no tocante à distribuição de medicamentos e determinação de terapias mediante decisão judicial. Sobre esse último ponto, verifica-se que se trata de matéria que ainda está sendo discutida no âmbito do Supremo Tribunal Federal. É cristalino, todavia, que, na seara estadual ou federal, o quantitativo de decisões que obrigam a União, o Estado ou o Município a custear medicamentos e tratamentos de alto custo, que, muitas vezes, são experimentais, e não integram as listas do Ministério de Saúde ou das Secretarias Estaduais ou Municipais, crescem cada vez mais.

3.4 O CARÁTER AMBIVALENTE DO ATIVISMO JUDICIAL

3.4.1 A relação de custo-efetividade

Existe um desajuste entre os custos médico-hospitalares e as receitas, potencializado por desperdícios e pela escalada incessante da judicialização do setor da saúde, que deve ser devidamente enfrentado. Em que pese o Estado realize uma reserva orçamentária para custear o dispêndio com decisões que obrigam o fornecimento de medicamentos, os custos têm aumentado exponencialmente a cada ano, de tal forma que o sistema não consegue dar conta, sendo necessário, portanto, encontrar soluções para o enfrentamento dessa questão.

Deve-se realizar um cálculo, dessa forma, para auferir o quanto se despende para custear dado medicamento não apenas para um determinado paciente que ingressou, individualmente, com a ação judicial. Em realidade, esse cálculo deverá abarcar todos os demais pacientes que, apesar de ainda não terem pleiteado judicialmente, estejam na mesma situação, com a mesma patologia, e que poderão postular o referido fármaco ao longo dos anos.

Para isso, faz-se imprescindível avaliar não somente as despesas com um hipotético medicamento de alto custo, por exemplo, mas também cumpre realizar uma ponderação para investigar se, de fato, aquele fármaco será eficaz na cura da patologia a qual visa combater, ou se garantirá tão somente uma sobrevida ao paciente; se já foram realizados estudos suficientemente e a sua eficácia restou comprovada pelos órgãos de saúde responsáveis por essa avaliação, haja vista que se tratam, muitas vezes,  de medicamentos que sequer constam no rol de procedimentos obrigatórios da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) ou que tampouco foram liberados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para serem comercializados no país..

Ademais, importa frisar que a importação de medicamentos sem prévia e expressa manifestação favorável do Ministério da Saúde é absolutamente vedada, implicando nas sanções previstas na Lei n 6360/1976, que dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, dentre outros.

Não se pode ignorar, do mesmo modo, que, em escala crescente, novas tecnologias estão sendo incorporadas aos medicamentos. A cada dois anos, o rol de itens obrigatórios perpassa por mudanças, diante da introdução de tecnologias. Disponibiliza-se aos pacientes os mais modernos procedimentos, homologados pelos órgãos competentes no âmbito brasileiro. Essa questão, no entanto, precisa ser muito bem avaliada, haja vista que, não raro, vislumbra-se a existência de tecnologias similares a custos notadamente mais baixos, culminando por tornar a situação da saúde no Brasil ainda mais crítica.

De fato, aqui não se questiona a importância dos estudos, e dos consequentes avanços para a inserção de novas terapias, procedimentos e medicamentos. Ocorre que, devido à gravosa crise que o setor enfrenta, reputa-se cristalino ponderar a relação de custo e eficácia através da inserção do fármaco. Não há razoabilidade em fazer com que todas as novidades desenvolvidas e aperfeiçoadas ao longo de dois anos sejam incorporadas, independentemente do seu custo ou eficácia.

Alguns países, como o Reino Unido, procuram alternativas para salvaguardar o seu sistema de saúde e impedir que ele padeça, ante uma possível insuficiência de recursos. O National Health System (NHS) é o sistema público de saúde britânico, e nele existe, por exemplo, uma comissão para avaliar a incorporação de novos procedimentos e tecnologias. Antes de acrescentar qualquer novidade ao seu rol, existem algumas condições que precisam ser contempladas. Primeiro, é preciso saber se o fármaco, de fato, funciona. Após, verifica-se se o cidadão do Reino Unido poderá custeá-lo. Na hipótese de um desses requisitos não restar preenchido, descarta-se o procedimento e a Justiça daquele país indefere toda e qualquer ação que vise obrigar o governo a custeá-lo.

No Brasil, nota-se que também são buscadas alternativas para a crise da judicialização da saúde, a exemplo da criação de Núcleos de Apoio Técnico e de Mediação (NAT), provenientes da Recomendação n. 36/11 do Conselho Nacional de Justiça, onde há uma cooperação técnica envolvendo o Tribunal de Justiça de São Paulo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Associação Brasileira de Medicica de Grupo (Abramge) e a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).

Nesses núcleos, os médicos e especialistas almejam fornecer aos magistrados as informações necessárias para formarem convicção em suas decisões, inclusive em sede de limares, no tocante à real urgência de dado atendimento e da relação custo-benefício de um medicamento. Esses núcleos têm sido criados em outros estados do País, voltados a possibilitar maior eficácia nas demandas que envolvam saúde.

Desse modo, promove-se a participação de universidades públicas e associações médicas especializadas para auxiliar nos referidos assuntos, que são considerados estritamente técnicos. Cuidam-se de áreas em que os magistrados, e não somente esses, como também os promotores, os defensores públicos e outros profissionais do Direito, não possuem conhecimento suficiente para discernir acerca da imprescindibilidade ou não do medicamento ou da terapia.

Através desse mecanismo, objetiva-se auxiliar o Judiciário na solução dos processos, evitando que sejam prescritos medicamentos ou tratamentos novos quando já existirem outros com atuação semelhante e eficaz para aquela mesma patologia, já administradas pelo SUS.

Imperioso mencionar, nesse sentido, a criação do Plantão Médico Judicial do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, um dos pioneiros do Brasil, que foi instituído pelo Decreto Judiciário n. 287, de 14 de fevereiro de 2012, atendendo à Recomendação 31 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 30 de março de 2010.

Cuida-se de um instrumento de apoio, criado com a finalidade de auxiliar magistrados nas decisões liminares relacionadas à área de saúde, um serviço de grande destaque do Judiciário baiano desde o início de seu funcionamento, e que tem assegurado maior eficiência nas decisões judiciais que envolvem questões técnicas da área de saúde.

Os médicos que integram o plantão são consultados pelos magistrados sobre a pertinência técnica ou contratual de benefícios, medicamentos, procedimentos cirúrgicos, diagnósticos e internações, relativos ao setor público (SUS) ou de saúde suplementar. Após essas informações, o magistrado decide pela concessão ou não da liminar.

Depreende-se, pois, que é preciso encontrar soluções para tornar o acesso à saúde amplo e eficaz, sem que, para isso, sejam ocasionados déficits no orçamento público. O cálculo deverá ser preciso, contabilizando-se serviços de compra de remédios, equipamentos, dispêndio de corpo humano, dentre outros, e tendo em vista que não se pode dar às pessoas mais do que elas podem recolher de impostos.  Antes de proferirem decisões, devem os juízes realizar consulta aos prontuários dos pacientes e ter ciência dos custos envolvidos para a satisfação do seu conteúdo.

Constata-se, em muitos momentos, que também os médicos precisam de orientação. Em lugar de prescreverem medicamentos desnecessários, atendo-se tão somente à marca, até mesmo diante de incentivos financeiros proporcionados por fornecedores e laboratórios, é imprescindível que se indique o princípio ativo.

O CNJ tem demonstrado grande preocupação com as demandas judiciais que envolvem assistência à saúde. Assim, desde 2009 criou um grupo de trabalho que possui por objeto traçar diretrizes para serem seguidas pelos magistrados nesses tipos de demanda. Em 2010, instituiu o Fórum Nacional do Judiciário com o fito de monitorar a resolução das demandas de Saúde, haja vista a relevância da matéria para o Direito e para a sociedade.

3.4.2 Micro direitos em detrimento de macro direitos

A judicialização do direito à saúde é um fenômeno que, malgrado esteja em plena ascensão, não favorece a todos os indivíduos do mesmo modo. Nem todos têm acesso à informação, tampouco dispõem de meios financeiros para assegurar o ingresso na via judicial e a continuidade do processo. Não obstante a existência das Defensorias Públicas, depreende-se que nem toda a população detém conhecimento suficiente sobre os seus direitos ou precisão acerca da atuação das Defensorias.

Assim, o que se vislumbra na prática é que, em muitos casos, a judicialização da saúde tem sobreposto o direito individual (ou micro) ao coletivo (ou macro), haja vista que aqueles indivíduos que possuem mais recursos financeiros, com acesso a advogados e pleno conhecimento de direitos e dos trâmites processuais, são os que mais tem se beneficiado. 

Ocorre que os recursos são limitados, e não se pode retirar recursos que seriam destinados a determinada finalidade para realoca-los a uma outra sem um estudo de contabilidade prévio. É inviável oferecer de tudo a todos indiscriminadamente, não por falta de vontade do Estado, mas por falta de arrecadação suficiente para suprir todas essas demandas, que só tendem a crescer a cada dia.

Em determinados casos, como na hipótese de um indivíduo, portador de doença rara e que necessite de medicamentos de alto custo ou de algum procedimento específico, faz-se necessário angariar uma grande quantidade de recursos, que poderiam ser utilizados no tratamento de moléstias que acometem milhares de outros cidadãos. Por óbvio, esse não pode ser considerado, meramente e sem análises mais profundas, um impeditivo para a concessão de medicamento ou terapia. É imprescindível compreender a problemática da saúde como um todo, sem desconsiderar outros pacientes que estejam na mesma situação.

Recursos que estavam previstos para contemplar as políticas universais de saúde acabam sendo utilizados para dar cumprimento às decisões judiciais que determinam o fornecimento individualizado de medicamentos notadamente caros. Ademais, não se pode olvidar que nem sempre os medicamentos pedidos servem ao restabelecimento da saúde, e sim ao prolongamento da vida, já em estágio precário, muitas vezes, por alguma fração de tempo.

Entende-se, portanto, que as decisões referentes às demandas judiciais de saúde, sobretudo as relativas a medicamentos, malgrado sejam para benefício do indivíduo, interferem, mesmo que indiretamente, o seio da sociedade, haja vista que, para a sua implementação, culmina-se por angariar recursos provenientes de programas coletivos.

Assim, vislumbra-se a importância do oferecimento de um atendimento digno nas unidades de saúde, inclusivo e que atenda os anseios sociais, com implementação de políticas públicas que abarquem o público que delas necessita. Somente assim a judicialização deixará de ser vista como um posto de acesso mais rápido à saúde.

3.4.3 A judicialização da saúde em face da fila de espera do SUS

É cediço que a Constituição Federal garante a saúde como um direito fundamental, além de dever do Estado. Para levar a êxito tanto o direito quanto o dever, algumas pessoas entendem que o governo deve gastar o quanto for necessário para tentar salvar uma vida que esteja posta em risco ante certa patologia. Para obrigar o Estado quando ele se nega, atribui-se ao Judiciário o dever de forçá-lo, ou será considerado negligente.

Os custos são altos e crescentes e, em contrapartida, os recursos são escassos. Assim, o Estado necessita alocar os recursos disponíveis de forma equitativa à população para que o benefício de um não ocasione o prejuízo de outros. Trata-se de difícil tarefa, sobretudo, pela falta de critérios claros e objetivos para realizar esse intento. Os recursos utilizados para dar cumprimento às decisões de medicamentos de determinados indivíduos pertencem ao orçamento que é disponível para o cuidado à saúde de toda a população.

A vida de um indivíduo que pleiteia judicialmente dado medicamento possui o mesmo valor que a vida de um outro indivíduo que esteja aguardando a sua vez na fila do SUS. Assim, os direitos correspondentes a ambos os indivíduos devem ser equânimes, e aplicados à vida e à saúde de toda a população. Há que se dar à vida e à saúde do indivíduo que ingressa pela via judicial o mesmo valor que à vida e à saúde de todos que também contribuem e dependem do sistema de saúde público.

Ademais, vislumbra-se que a judicialização da saúde no Brasil culmina por criar um SUS para os indivíduos que ingressam judicialmente para pleitear os seus direitos à saúde e para os quais "a vida não tem preço" – haja vista que, em muitos casos, conseguem acesso irrestrito aos recursos estatais para satisfazer suas necessidades em saúde, e outro para os demais cidadãos, que, lamentavelmente, tem acesso muito mais limitado, sobretudo, quando se considera que os recursos que poderiam ser utilizados para o benefício de todos são realocados para o benefício de um único indivíduo.

O Governo Federal, juntamente com os Estados e Municípios, precisa tratar a Judicialização como a consequência de um mau gerenciamento e de uma má aplicação de recursos ao longo do tempo, e não como a sua causa. Para solucionar essa problemática, há que se realizar ações, mudanças de gestão, previsões de gastos e atenção especial aos hospitais públicos. Somente assim o Judiciário deixará de servir como porta de acesso aos que podem pagar advogados para ter privilégios ou para serem colocados à frente nas filas de espera para os diversos procedimentos da rede SUS.

4. JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL EM DEMANDAS DE MEDICAMENTOS

4.1 A JUDICIALIZAÇÃO DA "FOSFOETANOLAMINA"

No dia 13 de abril de 2016 entrou em vigor a Lei 13.269/2016, que autorizou o uso da fosfoetanolamina sintética, também denominada "pílula do câncer", por pacientes diagnosticados com a referida patologia. Consoante disposto na norma, poderão fazer uso da substância, por livre escolha, pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, desde que observados os seguintes critérios: laudo médico que comprove o diagnóstico, e assinatura de termo de consentimento e responsabilidade pelo paciente.

Cumpre mencionar, ainda, que a lei ainda permitiu, para agentes autorizados e licenciados, a produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição, dispensação, posse ou uso da fosfoetanolamina sintética, direcionados aos usos permitidos pela lei, independentemente de registro sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca dessa substância.

Vislumbra-se que a Associação Médica Brasileira (AMB) ingressou com uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) 5501 em face da Lei 13.269, argumentando que a substância em questão – a fosfoetanolamina sintética – teria sido testada apenas em camundongos, com reação positiva no combate do melanoma (câncer de pele) neste animal. À época, houve latente clamor social e expectativa gerada pela substância, apresentada como capaz de “tratar todos os tipos de câncer.

Após apreciar a ADI, o Supremo Tribunal deferiu medida para suspender a eficácia da Lei 13.269/2016 e, por consequência, o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”, tendo em vista que, diante da ausência de testes da substância em seres humanos, e, do mesmo modo, em face do desconhecimento acerca da eficácia do medicamento e dos efeitos colaterais, a sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais como o direito à saúde (artigos 6° e 196), à vida (artigo 5°, caput), e o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, inciso III).

A responsabilidade constitucional do Estado de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação não pode ser afastada. Há que se realizar o controle prévio de viabilidade sanitária pela Anvisa para assegurar a qualidade dos fármacos disponibilizados. Não cabe ao Congresso Nacional viabilizar a distribuição de qualquer medicamento, mas sim, à Anvisa.  O Poder Legislativo não pode substituir o juízo essencialmente técnico da Anvisa e interferir em um procedimento tipicamente administrativo”. Inclusive, o art. 12 da Lei 6.360/1976, dispõe que a aprovação do produto pela agência é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais.

A liberação do medicamento sem a realização dos estudos clínicos correspondentes é extremamente perigosa, coloca em risco o bem-estar e a vida das pessoas, sendo, inclusive, passível de danos irreparáveis. Os riscos na utilização do composto são grandes, sobretudo, quando se destaca que ainda não são conhecidos os seus efeitos colaterais. Trata-se, portanto, de clara afronta ao direito à saúde.

Esse é um caso recente que explicita com louvor a necessidade do estabelecimento de critérios objetivos para os juízes seguirem ao apreciarem as demandas de medicamento, sobretudo, os de alto custo. In casu, o que se depreende é que o registro se reputa absolutamente necessário à garantia de segurança e eficácia do medicamento, sendo condição imprescindível para a concessão do fármaco ao qual se pleiteia e estando em consonância com o dispositivo legal.

4.2 EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS E A RESERVA DO POSSÍVEL

Ao se discutir acerca da efetivação dos direitos fundamentais, constantemente a teoria da reserva do possível é invocada. Vislumbra-se que a construção da teoria ou cláusula da “reserva do possível” teve início na Alemanha, a partir de 1970. Nessa época, a Corte Constitucional Alemã proferiu emblemática decisão, que ficou conhecida também como o caso “numerus clausus” (número restrito), grande marco da aplicação dessa teoria.

O referido caso tratava acerca do número de vagas nas universidades públicas alemãs. Estudantes que não haviam sido aceitos em universidades de medicina de Hamburgo e Munique, em virtude da política de limitação de vagas em cursos superiores, demandaram junto à Corte, com espeque no art. 12 da lei Fundamental Alemã, segundo o qual todos os alemães teriam direito de escolher livremente profissão, local de trabalho e seu centro de formação.

Após, a Corte Constitucional alemã entendeu que o direito à educação não implicaria o dever do Estado de custear os serviços educacionais para todos os cidadãos, mas apenas que o Poder Público deveria dar a maior efetividade possível ao direito social, diante dos recursos materiais e financeiros disponíveis.

 Ainda sobre a decisão do Tribunal, Ingo Sarlet esclarece que a Corte alemã se posicionou no seguinte sentido:

(...) a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. (SARLET, 2003, p.265)

Assim, teve surgimento a máxima da reserva do possível, que defende que os direitos a prestações podem ser exigidos judicialmente, cabendo ao Judiciário impor ao Poder Público as medidas necessárias à implementação do direito, desde que a ordem judicial esteja adstrita ao âmbito do razoável e financeiramente exigível/possível.

Importa frisar, no entanto, que a teoria da “Reserva do Possível”, originariamente, não se restringe tão somente à existência de recursos financeiros suficientes para a efetivação dos direitos sociais, mas, sim, à razoabilidade da pretensão proposta frente à sua concretização.

Todavia, no âmbito nacional brasileiro, o que se vislumbra é uma teoria voltada ao âmago do financeiramente possível, funcionando como um limite à efetivação dos direitos fundamentais prestacionais, e condicionando a efetividade desses direitos às possibilidades financeiras dos cofres públicos e à previsão orçamentária da respectiva despesa.

O Estado utiliza o argumento da reserva do possível, corriqueiramente, como defesa em ações que versem sobre medicamentos. A jurisprudência do Supremo Tribunal é pacífica, todavia, quanto à impossibilidade de se usar a referida cláusula de maneira abstrata. Esse entendimento visa coibir a prática do Estado de tentar se eximir de cumprir suas obrigações constitucionais e assegurar aos cidadãos condições materiais mínimas de existência.

Sobre o tema, entende Daniel Sarmento (SARMENTO, 2008, p. 572) pela inviabilidade de aplicação dessa teoria no Brasil, dada a carência financeira e econômica do País, que, possivelmente, poderá acarretar em impossibilidade de efetivação concomitante de todos os direitos sociais. Vejamos nas suas palavras: “entendo que a reserva do possível fática deve ser concebida como a razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos existentes. ” E continua, ao asseverar que:

Por este critério, se, por exemplo, um portador de determinada doença grave postular a condenação do Estado a custear o seu tratamento no exterior, onde, pelo maior desenvolvimento tecnológico, a sua patologia tiver maiores chances de cura, o juiz não deve indagar se o custo decorrente daquela específica condenação judicial é ou não suportável para o Erário. A pergunta correta a ser feita é sobre a razoabilidade ou não da decisão do Poder Público de não proporcionar este tratamento fora do país, para todos aqueles que se encontram em situação similar à do autor.

Corroborando a mesma ideia, o Ministro Herman Benjamin, nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 11075112, aduz que a teoria da reserva do possível, surgida na Alemanha, deve ser analisada à luz da realidade social, econômica e política brasileira.

A teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, tem sido utilizada constantemente pela administração pública como escudo para se recusar a cumprir obrigações prioritárias. Não deixo de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada. Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição. Informa a doutrina especializada que, de acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade (...) Ora, não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para as peculiaridades jurídicas e sociológicas de cada país. A Alemanha já conseguiu efetivar os direitos sociais de forma satisfatória, universalizou o acesso aos serviços públicos mais básicos, o que permitiu um elevado índice de desenvolvimento humano de sua população, realidade ainda não alcançada pelo Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo é que o indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Situação completamente diferente é a que se observa nos países periféricos, como é o caso do Brasil. Aqui ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna.

Vislumbra-se, pois, que há um verdadeiro embate entre o dever de o Estado fornecer medicamentos e outras políticas públicas, contemplando o direito à saúde e o direito à vida da pessoa humana, previsão constitucional expressa, que não se discute, e, por outro lado, a limitação orçamentária, visto que, como é cediço, as necessidades são infinitas, porém, os recursos são escassos. E, no bojo desse confronto, consoante já mencionado por Samento, exsurge a atuação do Poder Judiciário, que, não raro, se posiciona em defesa de uma ou outra tese. Nesse diapasão, aduz Ingo Sarlet:

Sustenta-se, por exemplo, inclusive entre nós, que a efetivação destes direitos fundamentais encontra-se na dependência da efetiva disponibilidade de recursos por parte do Estado, que, além disso, deve dispor do poder jurídico, isto é, da capacidade jurídica de dispor. Ressalta-se, outrossim, que constitui tarefa cometida precipuamente ao legislador ordinário a de decidir sobre a aplicação e destinação de recursos públicos, inclusive no que tange às prioridades na esfera das políticas públicas, com reflexos diretos na questão orçamentária, razão pela qual também se alega tratar-se de um problema eminentemente competencial. Para os que defendem esse ponto de vista, a outorga ao Poder Judiciário da função de concretizar os direitos sociais mesmo à revelia do legislador, implicaria afronta ao princípio da separação dos poderes e, por conseguinte, ao postulado do Estado de Direito. (SARLET, 2003, p.286):

Depreende-se, pois, que se trata de complexa problemática, e que o magistrado precisa ponderar muito bem antes de proferir decisões. Em que pese se cuide, muitas vezes, de ações individuais, é sabido que o direito à vida e o direito à saúde transcendem esse aspecto, já que os recursos utilizados para dar cumprimento às decisões são de origem pública. A repercussão dos casos em que se discute a implementação de políticas públicas ligadas ao direito à saúde, portanto, afeta toda a sociedade.

4.3 ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A ATUAÇÃO JUDICIAL NAS DEMANDAS DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO NÃO DISPONIBILIZADOS PELO SUS

Diante da intensa e crescente judicialização das demandas de saúde, reputa-se necessário o estabelecimento de critérios objetivos limitadores do juízo de discricionariedade do Poder Judiciário, para que não haja colapso em um sistema cuja base é universal e destinado na sua essência à totalidade dos indivíduos, ante decisões judiciais que se pautam tão somente naquilo que o juiz considera como relevante para formar a sua convicção em cada caso concreto.

A necessidade do estabelecimento desses critérios se faz ainda mais premente quando se sobreleva a insegurança jurídica que é gerada em face da quantidade expressiva de decisões aleatórias, que não seguem parâmetros quaisquer. Ademais, não podem os juízes e tribunais, sob o pretexto de dar efetividade ao direito constitucional à saúde, colocá-la em risco, dada a inobservância de critérios objetivos que pautem suas decisões.

No Brasil, a Política Nacional de Medicamentos elabora listas dos medicamentos a serem distribuídos aos necessitados. Há, também, o Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, que se refere aos remédios de alto custo ou excepcionais. A finalidade de ambos pode ser compreendida como a distribuição universal e o uso racional dos medicamentos, em caráter progressivo. Daí a importância do trabalho da Anvisa para a organização do sistema e distribuição de remédios de forma responsável, planejada e organizada, contribuindo para que seja possível atender a toda a coletividade.

É cediço que não cabe ao Poder Judiciário formular políticas públicas, e isso não se questiona. Todavia, é seu dever tutelar os casos em que essas políticas públicas não contemplem satisfatoriamente os indivíduos. Para essas hipóteses, o Judiciário pode e deve agir. Argumentos genéricos, referindo-se ao princípio da separação de Poderes, não possuem grande valia ante a inequívoca transgressão a direitos fundamentais.

Com essa atitude, não se defende uma irrestrita intervenção judicial nas políticas públicas em matéria de direito à saúde. Em verdade, cuida-se de perquirir a legitimação da atuação judicial para os casos não alcançados pelas políticas públicas pertinentes, donde se verifica a imprescindibilidade da tutela do mínimo existencial.

Não se trata de usurpação de competências do Executivo e do Legislativo, não há que se falar, in casu, em qualquer violação ao princípio da separação dos poderes. A relevância constitucional dos direitos envolvidos e as circunstâncias concretas que o cercam legitimam uma atuação judicial interventiva, proativa e defensora do resguardo de princípios tão basilares, todavia, é preciso delimitar as possibilidades da interferência judicial sobre os deveres positivos do Estado quanto aos ditos direitos fundamentais de segunda geração ou sociais.

Assim, há que se estabelecer critérios objetivos para racionalizar a enorme quantidade de litígios acerca da mesma matéria, espalhados por todo o país, para a hipótese de recusa do Estado em fornecer medicamento de alto custo, necessário à saúde de paciente reconhecidamente hipossuficiente. Destarte, para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana, poderá o Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, caso assim entenda justo e necessário, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos Poderes.

Depreende-se, pois, que faltam parâmetros norteadores que auxiliem os juízes na fundamentação das suas decisões; faltam critérios claros e objetivos que delimitem o seu campo de atuação e a abrangência das demandas individuais, sobretudo, nas que concernem a medicamentos de alto custo. Não se objetiva limitar a judicialização do direito à saúde. Em realidade, trata-se de formular uma limitação ao juízo de discricionariedade dos magistrados, mediante o estabelecimento de critérios que guiem a apreciação das referidas demandas.

Destarte, diante da latente necessidade do estabelecimento de critérios objetivos, consideramos os elencados a seguir determinantes para o cumprimento de tal feito.

4.3.1 Incapacidade financeira do demandante e da sua família, em solidariedade, para arcar com as despesas dos fármacos.

A priori, cumpre esclarecer que, em se tratando de medicamento de alto custo, este somente poderá ser fornecido na hipótese de estarem cumulativamente demonstrados os seguintes critérios: imprescindibilidade do medicamento; incapacidade financeira do paciente em adquiri-lo; e necessidade de registro no órgão competente.

No tocante ao primeiro critério, vislumbra-se que, para o caso de paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita, não se pode afastar a obrigação do Estado em fornecê-los. Tema, inclusive, já consignado pelo Supremo Tribunal Federal, que em diversas oportunidades aduziu ser direito de todo cidadão carente receber medicamentos e tratamentos médicos, cabendo aos entes federativos, em responsabilidade solidária, fornecê-los.

Assim, tem-se que a incapacidade financeira do paciente para a aquisição do medicamento cuida-se como elemento subjetivo do dever estatal de tutela do mínimo existencial. A presença simultânea dos elementos “incapacidade financeira” e “imprescindibilidade do medicamento” dá azo à tutela mediante intervenção judicial, independentemente do alto custo dos remédios ou de esses não constarem em listas elaboradas no âmbito da Política Nacional de Medicamentos ou do Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional

A incapacidade financeira a qual se refere não se restringe tão somente à impossibilidade de o enfermo arcar com os custos dos medicamentos. Em realidade, é também responsabilidade dos familiares custear medicamento de alto custo a parente que dele necessite, em atenção ao que dispõem os artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil.  Não se objetiva, com isso, excluir a responsabilidade do Estado em relação ao enfermo, que continua obrigado a fornecer medicamento a enfermo hipossuficiente que pleiteie na via judicial, desde que o demandante e a sua família não possuam condições financeiras para custear o tratamento.

Assim, o Estado deve atuar em nome da coletividade e auxiliar todos os cidadãos que necessitem do medicamento, sobretudo, quando ausente a espontaneidade do familiar. Ainda, o Estado não pode se eximir, simplesmente, da responsabilidade de prover certo medicamento, quando constatar que há parente capaz de arcar com as despesas, sendo de direito, no entanto, ingressar com ação de regresso após ter fornecido o medicamento que o enfermo necessita.

Trata-se de responsabilidade subsidiária do Estado, que pode ser exclusiva ou complementar, a depender da capacidade financeira do membro familiar, respeitado o mínimo existencial em relação a esses indivíduos integrantes da família solidária. Destaque-se que, se, descoberto familiar do acionante com capacidade financeira para arcar com o tratamento, o Poder Público deverá requerer a restituição dos valores pagos em ação de regresso.

Essa ideia de solidariedade encontra amparo na moderna concepção democrática de família da Carta de 1988, que tem, na solidariedade entre os membros, na assistência mútua, com deveres recíprocos, alguns dos seus traços essenciais. O artigo 229 da Constituição Federal trata exatamente sobre os deveres de cuidado com a saúde como manifestação da solidariedade familiar: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Nos dizeres de Canotilho, cuidam-se de obrigações aventadas para a satisfação da dignidade daqueles que, de alguma forma, padecem de algum tipo de vulnerabilidade, demandando o outro (pais ou filhos) auxílio, de modo a suprir o deficit de discernimento, saúde ou mesmo econômico. (CANOTILHO, 2013, p. 2.142-2.143). Assim, primeiramente, surge a prioridade de custeio em relação aos cônjuges e companheiros e, após, por relação de parentesco ou por socioafetividade.

Impende destacar, ademais, que, para obtenção da liminar, tutela antecipada ou específica, incumbe ao requerente instruir a inicial com a declaração da própria incapacidade financeira, e também dos familiares (cônjuge, companheiro(a), ascendentes, descendentes e irmãos), contendo os respectivos nomes e registros de identificação, podendo o Estado demonstrar, em sede de contestação, haver um, ou mais, integrante da família dotado de capacidade financeira para custear, sem prejuízo do sustento do mínimo existencial individual e familiar, a aquisição dos medicamentos em discussão. Entendendo o magistrado pela veracidade do quantum registrado pelo Estado, deverá, com espeque nos artigos 1.698 do Código Civil e 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil, determinar que o autor requeira a inclusão do(s) aludido(s) familiar(es) para integrar a lide como litisconsorte(s) passivo(s) necessário(s).

4.3.2 Comprovação, através de laudo médico, da imprescindibilidade do princípio ativo para o tratamento da patologia.

Para que seja determinado o fornecimento via judicial de dado medicamento de alto custo é imprescindível que se prove satisfatoriamente a imprescindibilidade do princípio ativo constante da sua composição para a saúde do paciente que reclama pelo seu uso.

A referida comprovação se dará em processo e mediante laudo médico, exame ou indicação médica lícita, que assegure que o estado de saúde do paciente necessita do uso do referido medicamento apontado como necessário ao aumento de sobrevida ou à melhoria da qualidade de vida, condições da existência digna do enfermo, e desde que ausente dos programas de dispensação do governo.

Noutro aspecto, atribui-se ao Estado o ônus da prova. Primeiramente, consoante supracitado, caberá ao demandante colacionar ao processo a comprovação necessária para fazer jus ao fármaco que postula em sede judicial. Após, caso o Estado entenda pela inadequação ou pela desnecessidade do medicamento, deverá formular satisfatória fundamentação, que sustente a tese defendida.

Somente se acatada a sua tese, isto quer dizer, desde que demonstrado que o medicamento não serve, não produz resultados confiáveis ou pode ser substituído por outro de menor custo e igual efeito no tocante ao tratamento de saúde envolvido, estará eximido do seu dever de fornecer o medicamento que pleiteia o acionante.

Assim, depreende-se que, se demonstrada cabalmente a absoluta inutilidade do medicamento ou, ainda, a inequívoca insegurança relativamente a resultados positivos, bem como a existência de outro fármaco, com menor custo e eficácia comprovada, a imprescindibilidade do medicamento que pleiteia o postulante restará afastada.

4.3.3 Necessidade de registro prévio pela ANVISA

Não raro se observa médicos do SUS prescrevendo medicamentos que sequer foram aprovados pela Anvisa. Tratam-se de medicamentos que estão em fase de exames, pautados tão somente em estudos científicos preliminares, insuficientes para garantir eficácia e segurança à integridade da saúde do paciente. Tais demandas chegam no âmbito judicial com lídima frequência, todavia, incumbe ao Poder Judiciário não vacilar ante a impossibilidade de se obrigar o fornecimento de medicamento experimental a cidadão que o pleiteia.

Os profissionais da saúde devem entender que fazem parte de um sistema amplo, em que existe a necessidade de vinculação, ainda que relativa, aos protocolos oficiais. As decisões médicas, bem como as judiciais, não podem se pautar em voluntarismos. De nada adianta existirem órgãos técnicos para definir a eficácia e segurança de um medicamento, o custo-efetividade dos tratamentos ou os procedimentos a serem seguidos, se, na prática, os envolvidos do sistema não respeitam essas decisões.

Pois bem. Imperioso frisar que o direito à saúde se encontra contemplado nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, que discorrem, nestes termos:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 

(...) 

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Sendo um direito social que deve ser garantido visando a redução do risco de doença e outros agravos, além de garantia de proteção, depreende-se que se trata de conduta absolutamente irresponsável, inconsequente e desarrazoada obrigar o Estado a fornecer medicamento sem registro na Anvisa, sobretudo, quando se destaca o disposto no art. 12 da Lei 6.360/1976: “Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.

Assim, não se pode simplesmente desconsiderar a importância do registro pela Anvisa. Não se trata de mero trâmite burocrático para tornar mais dificultoso o acesso à saúde e ao medicamento. Pelo contrário, trata-se de medida implementada para salvaguardar a vida e a saúde do paciente que necessita de prescrição medicamentosa segura e eficaz no combate à moléstia pela qual é acometido.

Ademais, a demora a qual muitas vezes um medicamento é submetido para que, então, possa ser registrado, deve-se à necessidade de se realizarem todos os testes com segurança, visando a garantia da qualidade do fármaco. Em caso de conduta negligente ou imprudente do gestor, liberando medicamento inapto para uso seguro, há a possibilidade, inclusive, de responsabilização na esfera criminal. Do mesmo modo, os profissionais da saúde, antes de realizarem prescrições medicamentosas, precisam ter o devido cuidado de verificarem se o fármaco possui registro no órgão competente.

A ausência de consenso científico sobre dado medicamento – que se dá, por conseguinte, com o seu respectivo registro – poderá colocar em risco a vida de milhares de cidadãos, caso juízes e tribunais continuem proferindo decisões pelo seu fornecimento, mesmo sem a realização dos testes necessários e do registro perante o órgão regulador.

Daí a importância de se respeitar a Lei 6.360/1976, que é expressa ao estabelecer que nenhum medicamento poderá ser industrializado, comercializado ou entregue ao consumo sem registro no Ministério da Saúde, conforme já explicitado em linhas anteriores. Não se pode autorizar o experimentalismo farmacêutico às expensas da sociedade, que financia a saúde pública por meio de impostos e contribuições.

A necessidade do registro deve ser a regra geral. Porém, entendo que há razoabilidade ao se admitir uma excepcionalidade a essa regra. Cuida-se da possibilidade do fornecimento de medicamento sem registro, quando se tratar da seguinte hipótese: inexistindo medicamento com o mesmo princípio ativo ou atuação similar, constante da lista do Ministério da Saúde, admitir-se-á a introdução de fármaco proveniente de país estrangeiro que já tenha sido testado suficientemente e passados por todos os trâmites estabelecidos pela lei regente, com o devido registro emitido pelo órgão regulador, e desde que médico brasileiro tenha realizado solicitação expressa em laudo.

Sobre a admissão da referida exceção, corrobora o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, no bojo dos recursos extraordinários n. 566471 e 657718, em que se discute se o Estado é obrigado a fornecer remédios de alto custo ou sem registro nas listas do Sistema Único de Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária a quem não pode pagar.

Na sua tese, Marco Aurélio defendeu que medicamentos não registrados no Brasil, mas devidamente testados e certificados no exterior, podem ser fornecidos pelo Poder Público, desde que respeitadas algumas restrições. Cuida-se de indivíduos que não podem pagar pelo medicamento e que dele necessitam para a garantia de sua saúde. Consoante o Ministro, o Estado está obrigado a fornecer medicamento registrado na Anvisa, como também o passível de importação, sem similar nacional, desde que comprovada a indispensabilidade para a manutenção da saúde da pessoa, mediante laudo médico, e tenha registro no país de origem.

No âmbito dos referidos recursos, no tocante à imprescindibilidade do registro, o ministro Luís Roberto Barroso se posicionou asseverando que as autoridades responsáveis pelo registro o devem fazê-lo com celeridade, e defendeu em seu voto a tese de que, a respeito dos remédios não registrados pela Anvisa, deverá ser analisada a eficácia do medicamento, haja vista que, se a substância estiver sob testes e seus efeitos ainda não tiverem sido comprovados, o Judiciário não poderá obrigar o Estado a fornecê-lo aos cidadãos.

Todavia, quando a medicação já for registrada no exterior, ressalta Barroso, o fornecimento pode ser concedido, porém limitado a casos excepcionais. Finaliza sua explanação aduzindo que o questionamento judicial deverá vir acompanhado de comprovantes que garantam já ter havido solicitação de registro no Brasil e demora injustificada e superior a 365 dias da Anvisa para analisar o pedido de listagem.

O ministro Luiz Edson Fachin também votou pela indispensabilidade do registro no órgão competente, e propôs, como regra geral, a vedação da dispensação, do pagamento, do ressarcimento ou do reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.

Respeitadas as peculiaridades de cada voto proferido até o momento no bojo dos recursos extraordinários n. 566471 e 657718, compreendo que a imprescindibilidade do registro na Anvisa é primordial para a garantia da integridade da saúde dos cidadãos, configurando ilícito a não observância do preceito, somente se admitindo exceção na hipótese de demandante que comprove o uso internacional do medicamento e o registro no país de origem, e desde que haja laudo médico com pedido expresso do medicamento, fatores que, somados, possam garantir segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivou-se com essa pesquisa estabelecer critérios objetivos que servissem para limitar o juízo de discricionariedade da atuação judicial em demandas de medicamentos de alto custo não disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde.

Após a realização das pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais, percebeu-se que, embora a Constituição de 1988 garanta a tutela dos direitos fundamentais sociais, como o direito à saúde, para toda a coletividade, os recursos públicos não conseguem dar conta de todas as despesas geradas para a concretização desses direitos. 

É sabido que o Estado deve se abster de praticar qualquer conduta que seja contrária à concretização do direito à saúde, conforme descrito no art. 196 da CF. Ainda, o Estado deverá elaborar e executar uma série de políticas públicas para, mediante prestações positivas, garantir a saúde dos cidadãos. Sendo, portanto, considerado direito fundamental social, o direito à saúde não pode ser tratado de modo simplista. Assim, o que se espera das decisões judiciais é que elas sejam proferidas com responsabilidade, dada a complexidade do tema.

Não raro se vislumbram autores que contestam a legitimidade democrática do Poder Judiciário para apreciar demandas que envolvam políticas públicas e direito à saúde. Ocorre que, do próprio texto constitucional, extrai-se a inafastabilidade da jurisdição. Além disso, é necessário assegurar a máxima força normativa da Constituição. Nesse sentido, com a chegada do neoconstitucionalismo, um dos fatores de impulsão do ativismo judicial, deu-se um conjunto de transformações no modo de pensar o direito e na forma de compreender a Constituição enquanto um sistema de princípios e regras cuja força normativa se irradia por todo o ordenamento jurídico.

Consoante a corrente do neoconstitucionalismo, a qual nos filiamos, a atuação judicial fica legitimada quando as políticas públicas não se satisfazem (em virtude de omissão, por exemplo) através da atuação dos Poderes Legislativo ou Executivo. As decisões emanadas pelas esferas de deliberações majoritárias não podem ser ignoradas, haja vista que a atuação do Judiciário e subsidiária.

Não se defende uma irrestrita intervenção judicial nas políticas públicas em matéria de direito à saúde. Em verdade, cuida-se de perquirir a legitimação da atuação judicial para os casos não alcançados pelas políticas públicas pertinentes, donde se verifica a imprescindibilidade da tutela do mínimo existencial.

Não se trata de usurpação de competências do Executivo e do Legislativo, não há que se falar, in casu, em qualquer violação ao princípio da separação dos poderes. A relevância constitucional dos direitos envolvidos e as circunstâncias concretas que o cercam legitimam uma atuação judicial interventiva, proativa e defensora do resguardo de princípios tão basilares, todavia, é preciso delimitar as possibilidades da interferência judicial sobre os deveres positivos do Estado quanto aos ditos direitos fundamentais de segunda geração ou sociais.

Com efeito, não podem ser concedidos, de forma irracional e individualista, medicamentos de alto custo a todos que recorrerem ao Judiciário. Sabe-se que os juízes não têm, em regra, conhecimentos especializados necessários, nem contam com uma estrutura de apoio adequada para avaliação de políticas públicas sobre o direito à saúde. Ademais, nesse contexto, não se pode ignorar a reserva do financeiramente possível, já que os recursos são limitados e as necessidades são infinitas.

Assim, o que se denota é que a atuação judicial deve ser cautelosa, haja vista que, ainda que se tratem, em sua maioria, de ações individuais, o direito à vida e o direito à saúde transcendem esse aspecto, pois, para dar cumprimento às decisões judiciais, faz-se necessária a realocação de recursos públicos, interferindo no planejamento orçamentário e afetando toda a sociedade. O estabelecimento de critérios objetivos limitadores do juízo de discricionariedade do Poder Judiciário, portanto, é imprescindível para que não haja colapso no sistema de saúde, que, como dito, é universal e destinado na sua essência à totalidade dos indivíduos.

Deve ser reconhecida a devida importância do trabalho da Anvisa para a organização do sistema e distribuição de remédios de forma responsável, planejada e organizada, contribuindo para que seja possível atender a toda a coletividade.

 Ademais, não podem os juízes e tribunais, sob o pretexto de dar efetividade ao direito constitucional à saúde, colocá-la em risco, como, por exemplo, mediante a obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos de alto custo mesmo sem o registro na ANVISA, dada a inobservância de critérios objetivos que pautem suas decisões e a insegurança que delas advém.

Faltam parâmetros norteadores que auxiliem os juízes na fundamentação das suas decisões; faltam critérios claros e objetivos que delimitem o seu campo de atuação e a abrangência das demandas individuais, sobretudo, nas que concernem a medicamentos de alto custo. Limitar o juízo de discricionariedade dos magistrados, mediante o estabelecimento de critérios que guiem a apreciação das referidas demandas é essencial, ainda, para racionalizar a enorme quantidade de litígios acerca da mesma matéria.

Para isso, propus o estabelecimento dos seguintes critérios, cumulativamente considerados: incapacidade financeira do paciente em adquiri-lo; imprescindibilidade do medicamento; e necessidade de registro no órgão competente.

A incapacidade financeira do paciente para a aquisição do medicamento de alto custo cuida-se como elemento subjetivo do dever estatal de tutela do mínimo existencial. E não se restringe tão somente à impossibilidade de o enfermo arcar com os custos dos medicamentos, sendo também responsabilidade dos familiares custear medicamento de alto custo a parente que dele necessite, em atenção ao que dispõem os artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil.  Não se objetiva com isso, no entanto, excluir a responsabilidade do Estado, que deverá atuar em nome da coletividade e auxiliar todos os cidadãos que necessitem do medicamento, sobretudo, quando ausente a espontaneidade do familiar, assegurado o direito de regresso quando se constatar que há parente capaz de arcar com as despesas, após ter fornecido o medicamento que o enfermo necessita.

O segundo critério exprime que, para que seja determinado o fornecimento via judicial de dado medicamento de alto custo resta imprescindível que se prove satisfatoriamente a imprescindibilidade do princípio ativo constante da sua composição para a saúde do paciente que reclama pelo seu uso. A referida comprovação se dará em processo e mediante laudo médico, exame ou indicação médica lícita, que assegure que o estado de saúde do paciente necessita do uso do referido medicamento apontado como necessário ao aumento de sobrevida ou à melhoria da qualidade de vida, condições da existência digna do enfermo, e desde que ausente dos programas de dispensação do governo.

O terceiro critério diz respeito à imprescindibilidade do registro do medicamento de alto custo na ANVISA. A ausência de consenso científico sobre dado medicamento – que se dá, por conseguinte, com o seu respectivo registro – poderá colocar em risco a vida de milhares de cidadãos, caso juízes e tribunais continuem proferindo decisões pelo seu fornecimento, mesmo sem a realização dos testes necessários e do registro perante o órgão regulador. Esses medicamentos estão ainda em fase de exames, pautados em estudos científicos preliminares, insuficientes para garantir eficácia e segurança à integridade da saúde do paciente. Incumbe ao Poder Judiciário não vacilar ante a impossibilidade de se obrigar o fornecimento de medicamento experimental a cidadão que o pleiteia. Abre-se exceção apenas para medicamento, sem similar nacional, desde que comprovada a indispensabilidade para a manutenção da saúde da pessoa, mediante laudo médico, e tenha registro no país de origem.

Desta forma, após formular os três critérios supracitados e discorrer acerca de cada um, vislumbramos que a pesquisa aqui não se encerra, já que outros critérios ainda poderão ser estabelecidos pata balizar cada vez mais a atuação judicial e evitar prejuízos à coletividade. Trata-se de uma matéria extremamente relevante e complexa, que servirá de subsídio para que sejam formulados novos critérios, cada vez mais eficazes

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