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Orçamento participativo: para uma cidade mais democrática e pela efetivação da dignidade humana

Orçamento participativo: para uma cidade mais democrática e pela efetivação da dignidade humana

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Boa parte destinação dos recursos públicos se dá através da peça orçamentária. Assim, os cidadãos devem participar da elaboração do orçamento, pois eles sabem quais as necessidades do momento, a serem atendidas com o dispêndio de recursos públicos.

RESUMO: O Orçamento Participativo é visto, por muitos autores, como um meio democrático participativo que colocaria a população no centro das decisões, isto é, ele ajudaria o Poder Público a decidir como e para onde destinar os recursos públicos. Porém, o Orçamento Participativo é realmente eficaz? Assim, deve-se observar toda a complexidade que envolve o tema. Ademais, o Orçamento Participativo ajudaria e seria capaz de ajudar a concretizar os direitos humanos, mais especificamente a dignidade humana, dos cidadãos? Por fim, como é a gestão orçamentária implantada no Município de Marabá, Estado do Pará? Procurar-se-á, a partir da análise desse modelo, compreender se o que é proposto no presente artigo está sendo aplicado no referido Município.

Palavras-chave: Orçamento participativo. Democracia deliberativa. Dignidade humana.


INTRODUÇÃO

A democracia deve passar por uma urgente mudança de paradigma. Muitos ainda a veem como representação da vontade popular. Ou seja, um país democrático seria aquele em que os cidadãos pudessem votar em pessoas que os representariam, tanto no Poder Executivo, como no Legislativo, sendo que a vontade da maioria deve prevalecer. Vale ressaltar que a democracia representativa é o modelo adotado pelo Brasil.

Contudo, já se destacou de que é preciso conceber a democracia por outros caminhos além do citado acima. Nesse sentido, a própria Constituição da República de 1988 estabelece alguns mecanismos de democracia semidireta, como o plebiscito e o referendo (respectivamente, incisos I e II, art. 14, CR/88).

A democracia, entendida de forma mais extensa, deve propiciar a participação direta dos cidadãos nas decisões que envolvem o próprio Estado. A partir disso, os cidadãos podem requerer do Estado os direitos previstos no ordenamento, inclusive os direitos e garantias constitucionais. Ajudando na tomada de decisões e participando ativamente, os indivíduos podem assegurar que seus direitos sejam concretizados.

Assim, no século atual, onde tudo e todos encontram-se conectados e estão sob os efeitos da globalização, tem-se várias pessoas com diversos projetos de vida, o quais devem ser externalizados e desenvolvidos, sob pena de estar-se ferindo a dignidade humana desses indivíduos. Desta feita, é necessária uma maior aproximação da população com Estado, a fim de que os seus anseios sejam ouvidos e que o Estado possa contribuir no pleno desenvolvimento dos planos e projetos de vida das pessoas, aplicando-se o dinheiro público deve ser aplicado de tal forma correta.

Ademais, a aproximação entre Estado e indivíduos deve se dar em razão da maior transparência que daí decorre. Por isso que, em relação aos atos e peças orçamentárias, a participação e fiscalização, pela população, é de extrema importância, evitando o uso discricionário e o desvio de verbas públicas, as quais devem ser aplicadas sempre visando a sociedade como um todo, a fim de atender aos objetivos do Estado e necessidades públicas, ou seja, aos fins constitucionais.

Por isso merece importância o chamado orçamento participativo, em que a população delibera de forma democrática, em espaços democráticos, sobre o destino do dinheiro público. Isso permite a já citada maior aproximação entre os indivíduos e o Estado, apontando ao Poder Público as necessidades mais latentes da população e permitindo uma maior interação desta com os assuntos orçamentários, de interesses de todos, visto que atingem, direta ou indiretamente, em maior ou menor proporção, a todas as pessoas presentes em determinado território nacional, in casu¸ o Brasil.

Para tanto, uma melhor compreensão da democracia deliberativa, em especial das teorias habermasianas, é de suma importância, vez que ajudam a entender o denominado Orçamento Participativo, funcionando mesmo como sua base e fundamentação, na visão aqui adotada. Inclusive, esse, dentre outros, foi o objetivo do presente trabalho.

Por fim, deve-se atentar ao conceito de cidadania. Esta, em sua concepção clássica, é tida como o direito de votar e ser votado, ou seja, de escolher representantes ou de ser um deles. Porém, essa definição deve ser alargada, possibilitando que a cidadania seja vista, também, como participação ativa na formação da vontade política e afirmação dos direitos e garantias fundamentais (FERNANDES, 2015, p. 299). Desta feita, um indivíduo sem os direitos fundamentais não pode ser visto como um cidadão, ou seja, se as decisões políticas a ele não são destinadas, ele está totalmente à margem do Estado, não sendo um ser pertencente a esse Estado (não sendo, portanto, cidadão, pois não goza dos direitos e garantias que o Estado garante aos cidadãos)[4].


O SIGNIFICADO DE DEMOCRACIA (DELIBERATIVA) NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO SOB A PESRPECTIVA HABERMASIANA

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, deixou explícito que o país é um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CR/88). Mas, em que consistirá esse modelo de Estado?

O Estado Democrático de Direito (ou Estado Constitucional) foi um marco para a história mundial e para a vida em sociedade. Deixando para traz o Estado Liberal e o Estado de Bem-estar Social, o Estado Democrático de Direito une as ideias de constitucionalismo e de democracia, produzindo uma verdadeira e nova forma de organização política (BARROSO, 2005, p. 3)[5].

Nesse sentido, a Constituição é colocada no centro, pois todo o ordenamento jurídico subsequente a ela não pode possuir regras contrárias à Carta Magna, sob pena de inconstitucionalidade. Desta feita, destaca-se que, como possui força normativa (status de norma), a Lei Maior é dotada de imperatividade, deixando de ser um documento meramente político – um convite à atuação legislativa, como era antes, principalmente na época dos Estados Liberais.

A ideia de democracia assume papel importante, vez que permite, em todo o processo decisório, principalmente (na atualidade) através de representantes eleitos, a participação da sociedade, que é atingida direta ou indiretamente pelas ações estatais (FERNANDES, 2015, p. 288).

Assim, percebe-se que o Estado ora em discussão, mais que garantir direitos positivados, também deve garantir o exercício da democracia. Mas, a ideia clássica de democracia como vontade da maioria, ou mesmo ligada à modesta concepção de se resumir somente à eleição de representantes, está ultrapassada. A democracia vai além: é o governo para todos[6], em busca de um bem comum.

Oportuno citar as digressões de Jürgen Habermas, para quem:

[...] com a razão comunicativa, a decisão democrática será aquela inserida em uma dinâmica procedimental na qual tanto autores como sujeitos da decisão possam consentir e reconhecer que o resultado foi correto, por ser um produto do “melhor argumento”. Aqui, seja quem tomará a decisão, quanto quem sofrerá seus efeitos, serão e poderão se assumir – ao menos virtualmente – como coautores da mesma decisão, uma vez que serão participantes de um mesmo discurso que conduzirá à sua definição. (FERNANDES, op. cit., p. 291, grifo do autor)

Habermas, para a ideia a ser desenvolvida adiante neste trabalho, assume relevante importância. A Teoria da Ação Comunicativa e os ensinamentos habermasianos sobre democracia deliberativa influenciam diretamente na democracia participativa[7] presente no orçamento participativo (cuja sigla utilizada no presente trabalho é OP).

Em relação à democracia deliberativa, a participação dos cidadãos, nas tomadas de decisão do Estado, assume caráter central. Ora, todas as ações do Estado visam os integrantes da sociedade. Nessa perspectiva, não seria razoável que as deliberações e tomadas de decisão estatais sejam feitas à mercê dos cidadãos[8]. Estes decidem, pensam e criam por si mesmos, pois, além de serem o centro do mundo, estão centrados no mundo, se comunicam e estão em constante diálogo com os demais da sua espécie, além de decidirem livremente sobre sua moralidade privada (MARTÍNEZ, 2003, p. 13). O que se quer afirmar é que, além de ser sujeito passivo (destinatário/centro das decisões do Estado), o homem (cidadão) também deve ser visto como sujeito ativo (o qual deve opinar no processo deliberativo acerca das decisões estatais, pois está centrado no mundo).

Nessa conjuntura, o povo possui autonomia, porquanto caracterizada, no sentido da autolegislação, como vontade do povo que se enxerga como destinatário das leis estatais, sendo que essa vontade popular deveria representar, no contexto democrático, o agir coletivo e a supressão das vontades individuais em prol da sociedade (ARAUJO, SOARES, CAMPOS, 2009, p. 106).

Assim, concernente aos ensinamentos de Any Gutmann e Dennis Tompson (2007, p. 22-23), retoma-se a ideia de que a democracia não pode ser reduzida à eleição de representantes, mas que ela também se refere à possibilidade de os cidadãos deliberarem publicamente sobre determinadas questões. Porém, mister é que haja um espaço aberto, livre e igualitário, onde se possa discutir e entrar em consenso. Desse modo, as decisões políticas devem ser justificadas pela razão, e não mais pelo velho argumento (porém, ressalte-se, que ainda persiste) da vontade majoritária.

Esses espaços deliberativos são efetivamente democráticos, na medida que concedem aos participantes a oportunidade de serem, no mínimo, ouvidos, pois todos podem assentir de que ao menos suas proposições foram levadas em consideração (FERNANDES, op. cit., p. 293), além de incentivar as pessoas a pensarem e deliberarem coletivamente sobre assuntos que interessam a toda coletividade, o que aumenta os laços entre os cidadãos, pois, ao participarem juntos na construção de sua cidade aproximam-se uns dos outros, criando valores e trocando experiências.

A questão, conforme salienta Fernandes (ibidem, loc. cit.), é que o processo deliberativo é marcado pelo dinamismo, ou seja, ele não é absoluto, pois os resultados da deliberação estão sujeitos a constante revisão, críticas e reversibilidade.[9] Daí que essa “maleabilidade”, no contexto participativo, contribui para que as decisões sejam constantemente revistas e atualizadas conforme as necessidades do momento[10].

Araujo, Soares e Campos (2009, p. 106), escrevendo acerca de Habermas, afirmam:

O modelo de Democracia de Habermas baseia-se nas condições de comunicação sob as quais o processo político supõe-se capaz de alcançar resultados racionais, justamente por cumprir-se de modo deliberativo. Pelo modelo discursivo do autor, o procedimento democrático cria uma coesão interna na tomada de decisão por baseá-la em discursos que visam as negociações e o auto-atendimento entre a sociedade civil e o Estado.

A Teoria da Ação Comunicativa habermasiana, marcada pela busca do consenso sobre determinado assunto e diretamente relacionada à democracia deliberativa,

[...] se fundamenta no conceito de ação, entendida como a capacidade que os sujeitos sociais têm de interagirem intra e entre grupos, perseguindo racionalmente objetivos que podem ser conhecidos pela observação do próprio agente da ação. (GUTIERREZ; DE ALMEIDA, 2013, p. 153)

Habermas, além de propor a busca pelo consenso sem coação, introduz o discurso, entendido como uma das formas da comunicação, cujo objetivo é “fundamentar as pretensões de validade das opiniões e normas em que se baseia implicitamente a outra forma de comunicação ou ‘fala’, que chama de ‘agir comunicativo’ ou ‘interação’” (GONÇALVES, 1999, p. 133, grifo do autor).

Ante todo o exposto e consoante explicações de Dalmo de Abreu Dallari (2013, p. 156), percebe-se que a democracia participativa, sob a perspectiva deliberativa, ajudaria, obviamente, na efetivação dos princípios democráticos. Porém, esse tipo de democracia não pode influenciar em toda as decisões do Estado, pois isso já seria utópico e inviável. Certo é que essa participação social é benéfica para a sociedade, pois, a partir da opinião dos cidadãos sobre assuntos de interesse comum da coletividade, orienta os governantes sobre as necessidades iminentes, sobre as políticas públicas necessárias, ou seja, orienta os governantes a agir em consonância com os anseios da população. Esse instituto contribui para diminuir os riscos da democracia direta representativa.

Indo além, pode-se dizer que a democracia deliberativa ajudaria na efetivação dos direitos e princípios constitucionais, pois através dos procedimentos deliberativos os cidadãos têm voz e vez para exigir que a Constituição (dotada de supralegalidade, imperatividade e força normativa) seja cumprida.

Frisa-se que a democracia representativa e a democracia deliberativa parecem entrar em choque. Porém, isso seria resolvido por intermédio de um delineamento de complementaridade entre as duas formas de democracia, o que contribuiria para o aprofundamento de ambas. (SANTOS, 2002, p. 32). Ou seja, a partir do momento que essas duas formas de democracia se unem e trabalham em conjunto, ambas podem conviver harmonicamente e produzir em parceria, complementando-se e afastando o (possível) confronto - tensão -, que poderia existir.

Adentrando mais à realidade brasileira, na Constituição de 1988 tem-se alguns processos que podem ser considerados democráticos semidiretos de cunho participativo, tais como o plebiscito (art. 14, I), o referendo (art. 14, II), iniciativa legislativa popular (art. 14, III c/c art. 61, §2º) e a ação popular (art. 5º, LXXIII) (FERNANDES, 2015, p. 294).

Contudo, o problema reside em encontrar um tipo/mecanismo de democracia direta, essência esta da democracia participativa. Isso é uma necessidade do mundo atual, complexo e pluralista, no qual o Estado deve se aproximar do povo a fim de desvendar as aspirações sociais (ASSUNÇÃO, 2013). Aliás, a participação popular é peça chave da cidadania (art. 1º, I CR/88), sendo que a própria Constituição brasileira aponta a imprescindibilidade desta na tomada de decisões políticas (ibidem).

No âmbito federal e estadual, a priori, utópico e impossível pensar modos eficientes de democracia participativa[11]. Porém, no âmbito municipal não só é viável, como também existem casos nesse sentido, como o Orçamento Participativo implantado em Porto Alegre, o qual é modelo para todo o Globo[12].

Ademais, a democracia está intimamente ligada ao processo de planejamento urbano, pois, pensar nele sem relacioná-lo à democracia seria uma falha grave. Nessa perspectiva, é importante criar, no âmbito municipal, espaços urbanos verdadeiramente democráticos, pois é através deles que será possível a efetivação do Direito à moradia, à habitação digna, ao saneamento básico, à saúde, à educação, etc.

O pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade será efetivo se viabilizar a participação dos indivíduos na administração do espaço urbano, por meio de gestão participativa, da ponderação de interesses privados, de interesses públicos, de interesses privados e públicos colidentes, de forma a produzir parâmetros técnico-legais lídimos, decorrentes da correta ponderação de interesses para a realização dos objetivos nacionais para o desenvolvimento urbano e para o cumprimento da função social da propriedade, expressos em instrumento basilar para o processo de planejamento e desenvolvimento de políticas urbanas: o plano (DIAS, 2002, p. 150).

Mas, é importante que os cidadãos deliberem, sobre os espaços urbanos, visando o bem comum. Para isso, necessário se faz entrar em consenso acerca do que é mais importante e prioritário. Desse modo, deve-se deixar para trás o individualismo, isto é, de que sua tese ou sua opinião é mais importante, em prol da coletividade, sempre estando aberto a escutar as demandas dos outros agentes sociais, e, no momento de decidir, escolher a alternativa que mais favoreça a comunidade[13].

A democracia garante legitimidade às ações públicas a serem implantadas no âmbito do desenvolvimento urbano, porquanto ela propicia canais de comunicação que possibilitam ao Poder Público conhecer os interesses, aspirações, necessidades e prioridades dos cidadãos (DIAS, 2012, p. 103).

Em outras palavras, “a democratização do processo decisório serve a dois propósitos fundamentais: incrementar a probabilidade de acerto na tomada de decisões e compartilhar com a sociedade a responsabilidade pelas opções deliberadas” (PEREIRA, 2008, p. 157).

Daniella Dias (ibidem, p. 63), em interessante análise sobre a democracia, assevera que:

A democracia é a base imprescindível para o processo de gestão, concepção, planejamento, implantação e fiscalização das políticas relativas ao desenvolvimento urbano. A democracia é a base do Estado Democrático de Direito (art. 1º, CF) e tem por fundamentos o exercício da cidadania e a proteção à dignidade humana (art. 1º, inc. II e III, CF).

Na legislação infraconstitucional brasileira, é o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, que deu “densidade normativa ao disposto no capítulo constitucional da política urbana” (ibidem, p. 44), não podendo deixar, obviamente, de tratar sobre a gestão democrática da cidade (no Capítulo IV). A proposta é que o Poder Público tome as decisões baseando-se no diálogo com a população, o que “ratifica o sentido e a conformação do Estado Democrático de Direito que pretende a realização da igualdade, a partir da vivência da democracia” (ibidem, p. 64-65).

Analisando a redação do art. 43, caput, do Estatuto da Cidade, percebe-se que o legislador foi impositivo (e não facultativo, como seria se utilizasse o verbo “poderá”, por exemplo) ao utilizar o verbo “deverá” (in verbis, “para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, dentre outros, os seguintes documentos”), referindo aos instrumentos previstos nos incisos subsequentes.


ANÁLISE SOBRE A FIGURA DO ORÇAMENTO

Generalidades

O Orçamento possui relevante papel no que se refere à organização da economia do Estado (seja a União, Estados e DF ou Municípios). Portanto, o Estado não pode agir de qualquer forma quando o assunto é a organização e o destino dos recursos financeiros públicos, tendo em vista que estes devem atender à sociedade e, além disso, são arrecadados do povo.

Não se pode, contudo, conceituar tão-somente o Orçamento como sendo um documento de caráter contábil e administrativo, pois ele orienta a atuação estatal na medida que é um instrumento dinâmico deste, visando abarcar toda a sua vida econômica, sempre tendo em vista que deve atender às aspirações sociais, sem deixar de lado o seu caráter de instrumento representativo da vontade popular (HARADA, 2015, p. 66-67).[14]

Minghelli (2009, p. 18), referindo-se ao orçamento público, assevera

É, sem dúvida, uma decisão política fundamental para a administração estatal, sintetizando grande parte da normatização da cidadania, além de expressar como se efetiva grande parcela da produção da riqueza pública, da forma como é apropriado e redistribuído.

Entrando no plano normativo, o ordenamento jurídico pátrio destina especial atenção ao Orçamento. Prova disso é que a Constituição da República, no Capítulo II (Das Finanças Públicas), dedica espaço especial ao Orçamento (na Seção II).

Cumpre salientar que a elaboração do orçamento é dada ao Poder Executivo, sendo que, já elaborado, passa pela apreciação do Poder Legislativo (no âmbito da União, os projetos orçamentários são apreciados nas duas Casas do Congresso Nacional), que pode fazer emendas (vide o art. 166, §§ 2º, 3º e 4º CR/88). Além da Carta Maior, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei nº 4.320/64 também versam sobre o orçamento.

Prevê a Constituição Federal de 1988, no artigo 165, que é de iniciativa do Executivo estebelecer o PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e LOA (Lei Orçamentária Anual).

A partir disso, a Magna Carta, em relação ao PPA, preconiza, em seu §1º, do artigo 165, que “A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada” (BRASIL 1988).

A LDO, por sua vez, conforme o §2º do aludido artigo (ibidem):

[...] compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

Por fim, tem-se que a LOA compreenderá, consoante o §5º do artigo 165, CR/88, “o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público” (inciso I), “o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto” (inciso II) e, por último, “o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público” (inciso III).

Assim, ante todo o exposto, o leitor atento já deve ter notado que o orçamento possui uma dimensão política, pois ele é fruto de uma decisão política. Dessa forma, é visível a exteriorização dos planos e interesses do governo no poder, sendo que pode até mesmo refletir certo clientelismo[15]. Portanto, o orçamento vai em direção a um caminho tendencioso, no qual, por vezes, a vontade individual dos governantes pode se sobressair à da sociedade (politicagem ao invés de política).

Nesse sentido, os interesses em reeleição, por exemplo, podem condicionar o direcionamento dos recursos públicos (mais investimentos em determinado bairro, mais recursos para a saúde e menos para a educação, etc.). A solução para esse problema é vista sob a perspectiva democrática: a participação popular nas deliberações acerca do orçamento, ideia esta desenvolvida a seguir.

Fiscalização e controle dos Orçamentos

Nada mais justo que o dinheiro público seja investido de maneira a garantir os direitos positivados. O destino desses recursos deve pautar-se na diminuição da desigualdade e assegurar, ao menos, as mínimas condições de vida digna e mais humana para todos os cidadãos, inclusive porque grande parte dos recursos públicos são oriundos de impostos recolhidos dos indivíduos. Assim, é preciso uma fiscalização sobre o Estado, principalmente no que se refere ao dinheiro público.

 Para Harada (op. cit., p. 104), “[...] ao direito de autorizar as receitas seguiu-se o direi- to de autorizar as despesas, dando nascimento ao orçamento como instrumento fiscalizador da atividade financeira do Estado, com o escopo de coibir os abusos dos governantes”.

O artigo 70 da CR/88 determina que a fiscalização, no âmbito da União, seja exercida pelo Congresso Nacional (controle externo) e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Ademais, os Tribunais de Contas auxiliam o Legislativo (Congresso Nacional, Assembleia Legislativa ou Câmara Municipal) no controle das contas. O referido Tribunal tem suas competências definidas constitucionalmente (vide, principalmente, o artigo 71, CR/88).

Orçamento Participativo: características, barreiras e desafios

A questão fulcral do orçamento participativo é a inclusão dos cidadãos no processo decisório. Surgiu como uma alternativa ao velho modo de se pensar o orçamento, isto é, sem nenhuma deliberação popular. Ademais, foi um considerável avanço para a democracia participativa e a forma de ver o cidadão (não inerte e não preocupado com assuntos relativos aos recursos públicos), de tal maneira que Avritzer (2008, p. 61) chegou a considerar o OP de alta capacidade democratizante.

Nesse sentido, o OP é imprescindível à gestão democrática municipal, pois ele cria um laço entre o poder público e a população. Quer-se dizer que ele aproxima os cidadãos do Estado. E isso é importante porque é a população que convive, diariamente, com todos os problemas urbanos, na saúde, na educação, etc.[16]

O gestor público não consegue vislumbrar todos os problemas e necessidades dos cidadãos em todos os espaços da cidade. Por isso, a decisão do destino dos recursos públicos deve ser racional, provinda de deliberações e marcada pela ajuda mútua entre os cidadãos e administrador público, pois os primeiros sabem quais as necessidades mais importantes do momento e são diretamente atingidos pelas decisões orçamentárias, enquanto o segundo entende de todos os trâmites burocráticos para o dispêndio dos recursos e possui competência para isso. Por conseguinte, escutar a sociedade permite decidir de forma mais justa sobre o destino dos recursos financeiros.

Consoante Santos (2002, p. 467), o OP possui três princípios gerais, quais sejam:

  1. Todos os cidadãos têm o direito de participar, sendo que as organizações comunitárias não detêm, a este respeito, pelo menos formalmente, status ou prerrogativas especiais;
  2. A participação é dirigida por uma combinação de regras de democracia direta e de democracia representativa, e realiza-se através de instituições de funcionamento regular cujo regimento interno é determinado pelos participantes;
  3. Os recursos de investimento são distribuídos de acordo com um método objetivo baseado em uma combinação de “critérios gerais” – critérios substantivos, estabelecidos pelas instituições participativas com vista a definir prioridades – e de “critérios técnicos” – critérios de viabilidade técnica ou econômica, definidos pelo Executivo, e normas jurídicas federais, estaduais ou da própria cidade, cuja implementação cabe ao Executivo.

Em relação às normas jurídicas, o OP encontra base legal na Lei Complementar 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 48, parágrafo único, inciso I, o qual incentiva a participação popular através de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos. O inciso II, por sua vez, garante que a sociedade saiba de informações acerca da execução orçamentária e financeira, o que, segundo pode-se observar, está alinhado ao princípio da transparência e da publicidade orçamentária.

Ademais, foi com o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01, que se deu uma grande revolução em relação ao orçamento. Essa lei coloca em relevância, no âmbito municipal, a gestão democrática da cidade. Tem-se, com ela, um marco importantíssimo para a democracia participativa. A gestão democrática participativa, por conseguinte, é colocada em relevo, pois o planejamento municipal deve se dar através de um orçamento que propicie a participação (art. 4º, III, f). Ademais, é definido, no art. 2º, II, que a política urbana tem como diretrizes gerais a participação popular na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Nesse sentido, salienta Dias (2012, p. 66) que

Se analisarmos os dispositivos referentes ao Estatuto da Cidade que tratam da gestão democrática, será possível compreender que o poder público deve criar inúmeros canais para que a população e as associações representativas possam, juntamente com o poder público, deliberar sobre os espaços urbanos. Isso porque o Estatuto da Cidade optou por mitigar a democracia representativa, ao estabelecer formas de participação direta e semi-direta da população na gestão e na formulação de políticas públicas para as áreas urbanas.

Assim, esse diploma legal, em seu art. 44, é expresso ao exigir que haja realização de debates, consultas e audiências públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para a aprovação pela Câmara Municipal. Harada (op. cit., p. 71) chama atenção para o fato de que a “familiarização da sociedade com os instrumentos orçamentários é de suma importância para o pleno exercício da cidadania, participando no sistema de direcionamento das despesas públicas, bem como fiscalizando a fiel execução do que foi aprovado [...]”.

No contexto participativo do orçamento, o cidadão deixa de ser tão-somente sujeito de direitos em uma situação estática e passa a atuar na construção e implementação desses direitos (MINGHELLI, 2005, p. 107)[17].

Nessa conjuntura, o “poder” é descentralizado, pois não está concentrado somente ao Executivo/Legislativo, mas percorre toda a sociedade participativa[18], o que faz com que o OP apareça como o remédio para o clientelismo na medida que leva em consideração os anseios populares, diminuindo a discricionariedade do gestor público. Para Dias (2010, p. 244)

[...] o orçamento participativo modifica a orientação da política pública e do processo decisório, que deixa de ser dirigido pelas elites políticas [...]. São os cidadãos que diretamente decidem os marcos e o direcionamento das políticas públicas que vão, por sua vez, determinar a forma da atuação dos técnicos e funcionários dos órgãos públicos municipais.

Contudo, o OP é complexo e apresenta alguns óbices (a propósito, cf. SOUZA, 2001, p. 89) que precisam ser levados em consideração, e que, em um primeiro momento, parecem barreiras à sua eficácia. Primeiramente, pode-se levantar a tese de que a população não é interessada em questões relativas ao Estado, ou seja, que o nível de participação político brasileiro, em caso de OP, seria baixo.

Porém, não é isso que a realidade mostra: em Porto Alegre, referência mundial[19], o OP prosperou de uma forma que existe desde 1989. Obviamente, essa previsão é genérica, pois cada município tem seu grau de participação política[20], impossibilitando prever com exatidão. A propósito, em relação ao OP, “são muitas variações, a depender do sistema político, do montante de recursos disponíveis, da cultura política, dos formatos institucionais” (LÜCHMANN, 2014, p. 174).

 Ademais, o próprio desencantamento com a política é motivo suficiente para que o cidadão participe das deliberações, pois este vê a oportunidade de, além de opinar, fiscalizar e ver seus direitos serem efetivados. Em consonância com esse entendimento, afirma Cavalcante (2007, p. 25)

Quando determinado distrito optar por uma reforma na praça do bairro ou a construção de um hospital e, logo no exercício financeiro seguinte essas obras se iniciam, gera-se sentimento de credibilidade em relação à ação governamental. A anterior desconfiança quanto ao governo é dirimida na medida em que as demandas da sociedade são atendidas, as ações dos representantes são melhores controladas. Logo, as políticas públicas são mais transparentes e eficazes, culminando, assim, em um processo de legitimação do poder público no âmbito de um sistema político mais plural e inclusivo.

Além disso, não se pode negar que o orçamento participativo acabe com as práticas de clientelismo por completo, tendo em vista que as decisões orçamentárias derivadas das deliberações com a população não são “vinculantes”, isto é, seriam apenas opiniões dos cidadãos, cujo Estado não é obrigado a aceitar. Portanto, a “última palavra”, nesse caso, é do Gestor Público. Aliás, a própria falta de “imperatividade” aparece como um problema. Nessa perspectiva, necessário é que o poder público siga a opinião dos cidadãos que participaram da deliberação[21].

Relacionado a isso, deve-se destacar que a PEC nº 565/06 (Câmara do Deputados), em discussão no Senado (PEC nº 22ª/00), acrescentaria o art. 165-A da CR/88, propondo a adoção, no Brasil, do chamado orçamento impositivo, que, consoante as lições de Harada (2015, p. 96), “obriga o Executivo a esgotar as verbas das dotações orçamentárias como aprovadas originariamente, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição”, reduzindo, portanto, a discricionariedade do Administrador ao aplicar os recursos, vinculando-o ao estrito cumprimento do orçamento, sob pena de crime de responsabilidade (§5º, artigo 165-A). Afastar-se-ia, portanto, o caráter meramente autorizativo do orçamento, tornando-o impositivo.

Em contrapartida, a própria participação popular é um problema, na proporção que, além de muitas pessoas não conhecerem seu direito de participar da produção do orçamento, grande parte da população possui sequer noções básicas sobre ele, o que as torna vítimas fáceis da manipulação política. Portanto, para que se evite tal situação, imprescindível a interferência da educação. Segundo a visão de Assunção (2013), o orçamento deve ser transparente, no sentido de que o seu conteúdo possa ser entendido pelo cidadão comum, que não dispõe do conhecimento técnico em matéria orçamentária. Caso contrário, se de leitura inacessível, os cidadãos não poderiam controlar o Estado, o que acaba prejudicando a democracia, pois os indivíduos não conseguirão participar

A limitação de recursos também aparece como óbice ao OP, pois os interesses da sociedade (termo que melhor se encaixa ao contexto participativo, pois traduz a coletividade, e não a individualidade) não seriam efetivados. Quer-se dizer que, em razão da escassez de recursos, alguns projetos poderiam não ser executados.

Os benefícios do OP, em contrapartida, são visíveis. Souza (2001, p. 92) elencou diversas vantagens, dentre elas uma cidadania mais ativa, beneficiamento da maioria populacional (pobres), além do que já foi dito anteriormente, isto é, redução de clientelismo, democracia representativa mais aberta à participação da sociedade civil, afastamento do individualismo em prol do coletivismo, etc.[22]

Convém chamar atenção que a população não deve participar somente do orçamento anual, mas sim deliberar sobre o Plano Plurianual (inciso I, art. 165 CR/88) e Diretrizes Orçamentárias (inciso II, art. 165 CR/88). No entendimento de Dias (2012, p. 71):

Em nível municipal, por sua vez, todo o processo de planejamento urbano – que inclui a criação de planos diretores, de planos especiais, de planos, programas e projetos setoriais, de todo o processo de planejamento para o parcelamento, uso e ocupação do solo, assim como o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual – dependerá da existência de canais participativos democráticos como forma de legitimação do processo de planejamento municipal (art. 4º, inc. III, alínea “a”, lei 10.257/01).

O Orçamento no Município de Marabá, Pará

A Lei nº 17.213, de 09 de outubro de 2006, a qual institui o Plano Diretor Participativo do Município de Marabá, cita em alguns momentos o orçamento, mostrando a sua relevância para o planejamento urbano e para todo o funcionamento da máquina pública na busca pelos seus fins.

Logo no parágrafo único do art. 1º, determina que o PPA, LDO e LOA incorporem as diretrizes e as prioridades nele contidas. Ademais, na proposta orçamentária o Executivo poderá encaminhar anualmente à Câmara Municipal proposta de intervenção nas ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) (art. 42, §8º). Ainda, a execução da política agropecuária municipal (art. 58) e da política Municipal de Saúde (art. 88) dar-se-ão através de ações do orçamento municipal e da cooperação com outros níveis governamentais.

Além disso, o PPA, a LDO e a LOA são considerados instrumentos de política urbana (art. 123, Lei nº 17.213/06), mais especificamente instrumentos de planejamento (inciso I), para, conforme o art. 123, “a promoção, planejamento, controle e gestão do desenvolvimento municipal [...]”. Ainda referente ao citado artigo, tem-se, no inciso VI, que o orçamento participativo é um instrumento de democratização da gestão urbana.

Mais especificamente no que se refere a leis orçamentárias, tem-se que o PPA do município de Marabá segue as determinações constitucionais anteriormente mencionadas (art. 165), conforme consta do PPA 2014-2017. Segundo o PPA (p. 4) do município:

Este plano contempla os avanços que o governo propõe para a população de aproximadamente 233 mil habitantes do município de Marabá, visando a promover o desenvolvimento humano, desenvolvimento sócio-econômico (sic), desenvolvimento urbano e rural, saúde e qualidade de vida, e segurança municipal, com inovação, sustentabilidade ambiental e foco em quem mais necessita dos serviços públicos, de modo a garantir mais qualidade de vida para todos.

Ainda, segundo o PPA marabaense, este expressaria o compromisso do Governo de realizar uma gestão participativa, por ser um instrumento de modernização da máquina pública, buscando eficiência e qualidade nos serviços públicos (PPA, p. 4). Nesse sentido, um dos objetivos do Plano Plurianual seria “definir com clareza as metas e prioridades da Administração Pública Municipal, conferindo transparência aos objetivos e ações do governo, em parceria com a sociedade civil organizada” (ibidem, p. 6, grifo nosso).

Nessa conjuntura, foram realizadas 5 (cinco) Audiências Públicas no período de 27 de agosto a 14 de setembro de 2013, buscando-se “recolher a mais ampla diversidade de ideias ou propostas, sejam de curto, médio ou longo prazo, sejam de fácil ou complexa implementação, de modo que fosse sistematizado todo o anseio da população marabaense” (ibidem, p. 10).

Ademais, essas ideias e proposições não irão, imediata e obrigatoriamente, entrar neste ciclo orçamentário, podendo constar em ciclos posteriores (ibidem, loc. cit.). Portanto, as ideias da população não possuem caráter vinculativo, obrigatório, imperativo, mas meramente indicativo.

Nesse PPA não se pode vislumbrar um processo deliberativo, tampouco uma aplicação das teorias e ideias de Habermas ou de Democracia Deliberativa. Inclusive, consta do PPA (p. 10) que “não se trata, portanto, de um processo deliberativo, mas de um suporte à priorização de parcos recursos públicos e à tomada de decisão, que será aprimorado e aprofundado ao longo do tempo, podendo balizar inclusive outros processos de planejamento setoriais”.

Percebe-se, portanto, que o Plano visou a participação popular, reconhecendo sua importância e alocando-a como um dos objetivos. Porém, compulsando o referido PPA e realizando interpretação sistêmica, vê-se que a efetiva participação popular, em que o indivíduo possa deliberar, opinar, falar não foi “levada a sério”. Desta feita, no que se refere às Audiências Públicas, “foram enviados convites para as audiências públicas às lideranças comunitárias, por ofício e por e-mail, além de convites entregues diretamente para segmentos mais representativos” (p. 11).

Isso é incoerente, pois, segundo o mesmo documento (p. 12), “o processo envolveu toda a população do município, mas principalmente a população mais carente que geralmente é mais organizada e mobilizada”. Portanto, conclui-se juntamente ao PPA marabaense que:

Não se tratou, portanto, de uma participação massiva, mas representativa, pois houve participação de lideranças comunitárias, geralmente presidentes de associações de moradores ou representantes de algum segmento da sociedade, setor produtivo, diretores de escolas, estudantes, trabalhadores de centros de saúde, pessoas vinculadas a algum movimento religioso, membros de conselhos de políticas públicas e/ou comissões regionais/locais (p. 12).

[...]

Espera-se também o fortalecimento das associações comunitárias e a ampliação dos canais de diálogo do cidadão com a prefeitura além da ampliação da disposição para participação cidadão na gestão e no planejamento municipal (p. 14).

Um elemento importante desse processo é a valorização do saber popular, O aprendizado da Prefeitura a partir do conhecimento da comunidade sobre os temas que interferem no cotidiano da população. O PPA participativo incentivou o fortalecimento da participação popular para que o planejamento das ações de governo seja, de fato, estimulador de transformações sociais (p. 14).

A Lei nº 17.596, de 12 de agosto de 2013, a qual define as diretrizes orçamentárias para o exercício financeiro de 2014, traz consigo, em seu artigo 1º, as diretrizes gerais para elaboração dos orçamentos do Município, compreendendo as prioridades e metas da administração pública municipal (I), as metas e riscos fiscais (II), as diretrizes gerais e o orçamento (III), as disposições sobre alterações na legislação tributária (IV);, as disposições relativas à dívida pública municipal (V) e as disposições finais (VI).

Extrai-se do site do Poder Legislativo de Marabá[23] que a referida LDO foi aprovada pela Câmara Municipal após ter sido deliberada em primeiro turno e debatida em audiência pública. Porém, não há nenhuma outra informação no sentido de explicar os procedimentos dessa Audiência Pública, ou seja, se contou com a participação ativa dos cidadãos ou somente dos representantes de associações e comunidades, se tal Audiência foi divulgada à população, etc. Certo é que não se dá a devida atenção à participação popular, a qual ainda encontra-se marginalizado no modelo orçamentário marabaense.

A Lei marabaense nº 17.648 de 20 de dezembro de 2014, ou seja, a LOA, estima as receitas e fixa as despesas, no município de Marabá-PA, para o exercício financeiro de 2015. Consta da referida Lei que é estimada a receita de R$ 744.444.073,87 (setecentos e quarenta e quatro milhões, quatrocentos e quarenta e quatro mil e setenta e três reais e oitenta e sete centavos). Em notícia publicada pelo Poder Legislativo de Marabá[24], não há informações de qualquer participação popular ou mesmo Audiências Públicas.


A EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

Qual seria a finalidade do Estado senão atender às necessidades da população? Sendo o Estado uma criação da vontade humana, e levando em conta que ele não tem um fim em si mesmo, pois o fim do Estado é o bem público, como bem coloca Azambuja (2005, p. 123). Há diferentes sociedades e países, consequentemente, Estados com características diferentes. Mas, o fim do Estado é sempre o mesmo (ou deveria ser): o bem público (ibidem, loc. cit.).

Desta feita, tamanha a importância das pessoas que, no Brasil, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Quer-se dizer que o Estado deve, obrigatoriamente, sempre visar a dignidade humana[25] quando das suas ações. Porém, ele também nunca pode usar meios que agridam a dignidade humana (os direitos humanos e nem os direitos fundamentais).

Nessa perspectiva, pode-se inferir que “la dignidad humana es el referente qua marca los objetivos de la ética pública y a su vez, en la dinámica de ésta, el contenido de la condición humana a desarrollar” (MARTÍNEZ, 2003, p. 41). Ou seja, “nuestra dignidad es un referente moral y no una realidad sin el esfuerzo de todos y sin la acción del Derecho en la sociedad política” (ibidem, p. 48)[26].

A doutrina, os Tribunais pátrios e mesmo o Tribunal Constitucional Alemão consideram a dignidade humana como um meta-princípio, que orienta a interpretação de todo o ordenamento jurídico, funcionando como um vetor hermenêutico. É um princípio absoluto, que sempre deve ser observado pelo Estado e pelos particulares. Esclarece Dias (2010, p. 191) que “a ordem estatal e a ordem jurídica são elementos improrrogáveis à realização da dignidade humana. A dignidade humana é conteúdo axiológico justificador do Direito, pois os direitos humanos têm sua origem no valor do ser humano”.

Ante o exposto, verifica-se que, para uma vida digna, a pessoa humana necessita de condições ideais (mesmo que mínimas). Assim, é preciso ter garantidos educação, saúde, saneamento básico, segurança, moradia, entre outros direitos. Nesse sentido,

O conteúdo básico, o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana, é composto pelo mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade. [...] uma proposta de concretização do mínimo existencial, tendo em conta a ordem constitucional brasileira, deverá incluir os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à justiça. (BARCELOS, 2002, p. 305).

Aqui, após todos esses esclarecimentos (necessários), emerge a discussão sobre como o Orçamento Participativo ajuda na efetivação da dignidade da pessoa humana.

Destaca-se que a própria democracia, além de transformadora por propiciar a igualdade, bem como ajuda na efetivação da dignidade humana, qualifica e define as estruturas, funções, atribuições, sendo que, no fim, ela é a base do Estado Democrático de Direito (DIAS, 2012, p. 63). Daí já se extrai a importância do Orçamento Participativo, vez que ele é um mecanismo de participação popular pautado na ideia de democracia.

Inicialmente, destaca-se que “a autonomia está diretamente relacionada à dignidade, como possibilidade de ser e de agir no mundo” (idem, 2010, p. 191). Ou seja, a autonomia é expressão da dignidade, e está relacionada à possibilidade que as pessoas têm de criar, produzir, de se comunicar na sociedade e produzir no âmbito social, isto é, no fim, de poder escolher e moldar o seu projeto de vida (ibid., loc. cit.).

Portanto, trazendo para o contexto social-participativo, pode-se afirmar que os indivíduos devem ter autonomia para deliberar em âmbito social sobre os assuntos de interesse geral. Nesse sentido se insere o orçamento participativo, como canal em que a população (em visível ato de cidadania) debate sobre os temas de interesse geral da comunidade, escolhendo as prioridades a serem atendidas pela Administração Pública.

Ademais, os indivíduos precisam ter a possibilidade de escolher o seu modo de vida, ou seja, ter autonomia para criar e colocar em prática seus projetos de vida, desde que não sejam ilícitos ou agridam direito de terceiro. Assim, com uma cidade adequada, construída através do diálogo e da boa alocação de recursos públicos, é possível garantir que todos possam efetivar seus projetos de vida, assegurando-se, portanto, sua autonomia, em dois sentidos: a) autonomia para, como visto, deliberar no seio da comunidade sobre o destino das verbas orçamentárias, elegendo as prioridades; b) autonomia para construir o seu projeto de vida munido de toda a estrutura necessária (escolas, centros de lazer, saneamento básico, hospitais, etc.).

Após essas longas considerações, conclui-se que o Orçamento Participativo ajuda na efetivação e promoção da dignidade humana de duas formas: a) direta, em que, internamente, o referido mecanismo de participação engloba direitos fundamentais; b) indireta, em que, sob um olhar externo, tem-se que ele é um meio para a efetivação dos direitos sociais.

Analisando a característica direta, tem-se que o primeiro direito verificado no contexto do Orçamento Participativo é o direito fundamental à liberdade, reconhecido na Constituição da República de 1988, em várias normas (a exemplo do art. 5º, caput). Aí pode-se inserir a livre manifestação do pensamento, a liberdade de expressão, etc. Porém, certo é que o orçamento participativo propicia a liberdade de os cidadãos deliberarem sobre temáticas de relevância social. Aliás, esse é um dos pilares do OP, pois este deve ser livre de qualquer vício, tais como o clientelismo, etc., propiciando um espaço aberto e democrático em que todos são livres para manifestarem suas opiniões. Afinal, é a participação que se busca.

Além da liberdade, outro pilar fundamental no que se refere ao OP é a própria igualdade (prevista, dentre outras normas, no art. 5º, caput[27]). Na deliberação, cria-se um espaço horizontal, onde todos têm voz e vez e podem opinar igualmente, ou seja, todos são ouvidos e são iguais, tendo as mesmas oportunidades, sob pena de estar-se incorrendo em uma falácia. Em síntese: a todos é dado a mesma oportunidade (igual) para se manifestar acerca das temáticas orçamentárias.

Desta feita, o Orçamento Participativo se insere no contexto de uma igualdade procedimental, “orientando-se para garantia da igual condição (opção) de participação do cidadão em todas as práticas estatais, [...] que viabiliza um número cada vez mais crescente de cidadãos na simétrica participação da produção de políticas públicas” (FENANDES, op. cit., p. 399).

Em verdade, há um grande abismo entre a Constituição da República de 1988 e a realidade brasileira[28]. E mais: não só quanto à Constituição, mas também normas infraconstitucionais. Na lei verifica-se o direito à moradia (expressamente no art. 6º da Carta Magna), porém o que há, de fato, são pessoas residindo nas ruas, sob condições literalmente desumanas. Consta da Constituição que todos têm direito à saúde, mas somente os mais abastados podem ter um acompanhamento médico de qualidade. Enfim, esses e outros problemas se apresenta no cotidiano brasileiro. Para Streck (2007, p. 37), corroborando com esse entendimento, “[...] de um lado temos uma sociedade carente de realização de direitos e, de outro, uma Constituição Federal que garante estes direitos da forma mais ampla possível”.

Nessa conjuntura, já na perspectiva indireta, o Orçamento Participativo surge como um mecanismo mesmo de justiça social, em que as pessoas podem decidir sobre o que é mais relevante no momento a fim de investir o dinheiro público. Assim, através dele se poderá alcançar as diretrizes previstas no Plano Diretor da Cidade, por exemplo, bem como os direitos constitucionais. Segundo Silva (2006, p. 30):

A cidade, nesse aspecto, apresenta-se como o locus ideal para a democracia, porquanto, ao permitir a colaboração, a interação e o diálogo entre os que nela habitam, favorece a concretização dos direitos humanos fundamentais – com relevo, neste estudo, para o direito à moradia e à cidade sustentável -, a participação cidadã efetiva, e, ato contínuo, respaldo o princípio da dignidade humana.

Certo é que, “no que tange à questão econômica, a eficácia dos direitos sociais depende de prestações materiais, isto é, da existência de recursos públicos disponíveis como forma de atenuar ou diminuir as desigualdades [...]” (DIAS, 2010, p. 146), sejam elas socioeconômicas, políticas, jurídicas, etc. Porém, além da necessidade de recursos, deve-se notar que a eficácia dos direitos sociais se dará através da boa aplicação destes, atendendo às necessidades e clamores dos cidadãos. Desta feita, frisa-se que a boa aplicação é fundamental.

A própria igualdade também se faz presente na perspectiva indireta. A partir do OP pode-se chegar à chamada igualdade material, alcançando a “justiça social”, ou seja, direitos sociais através de uma atuação positiva, no sentido de atenuar e mesmo extinguir a desigualdades. No Brasil, pode-se dizer, generalizando (e assumindo o risco) que só há uma igualdade formal.[29]

Assim, pode-se observar que o Orçamento Participativo não é um fim em si mesmo, mas sim um meio pelo qual os cidadãos podem pleitear a aplicação dos recursos públicos, interferindo em um assunto de suma importância no âmbito da Administração Pública, que é o Orçamento, peça chave na aplicação de dinheiro público[30], proporcionando, portanto, uma complementaridade entre a democracia direta e indireta. Quer-se dizer que o orçamento é o meio cujo fim é a participação popular[31], e, em uma visão mais abrangente, a efetivação dos direitos positivados e da própria dignidade humana. É uma forma indireta (porém, não menos importante) de se efetivar os direitos sociais, fundamentais, e a própria dignidade da pessoa humana!


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já dito alhures, não há como se falar em direitos fundamentais sem que haja as mínimas garantias para sua efetivação. Não adianta positivar um direito sem garanti-lo de fato. Assim sendo, numa tentativa de executar essas garantias de maneira digna e igualitária, pode-se citar o orçamento participativo como forma de fazer com que as minorias e os socialmente excluídos possam participar das decisões público-políticas.

O orçamento, como se pode perceber, é o coração financeiro do Estado, regulando toda as suas finanças. Ou seja, uma boa destinação dos recursos públicos se dará através da peça orçamentária. Assim, os cidadãos devem participar da elaboração do orçamento, pois eles sabem quais as necessidades do momento, a serem atendidas com o dispêndio de recursos públicos.

No que se refere ao orçamento participativo, a visão aqui adotada está em consonância com a chamada democracia deliberativa, inclusive com as ideias de Habermas. Não se pode deixar de reafirmar que a democracia não pode ser vista como vontade da maioria, sob pena de se estar excluindo as minorias, as quais não possuem voz perante as decisões da maioria. Por isso que todos devem ter oportunidade para deliberar sobre as decisões e assuntos estatais, a fim de que ela seja a mais legítima e racional possível, fruto do melhor argumento.

Assim, reaproxima-se os cidadãos do Estado e se concretiza o Estado Democrático de Direito em uma verdadeira democracia, com uma participação do cidadão, que não se resume em eleger representantes, indo além: é uma participação máxima, em que se tem uma complementaridade entre a democracia representativa e a democracia deliberativa.

No município de Marabá sudeste do Pará, não se tem um orçamento efetivamente democrático. Em que pese a Administração Pública ter tentado criar um espaço de participação e de interação entre a Prefeitura e a população quando da elaboração do Plano Plurianual analisado (2014-2017), o próprio PPA evidenciou que os cidadãos não participaram do processo de elaboração do Plano. Houve tão-somente a participação de representantes da comunidade, ou seja, uma democracia que, mais uma vez, se resume à representação.

O orçamento participativo é uma importante forma de incentivo à cidadania ativa, contribuindo para uma educação orçamentária, um planejamento orçamentário e um controle social da Administração Pública, pois a sociedade, além de ser a maior beneficiada com o orçamento, também tem seu dinheiro (tributos e taxas pagas ao governo) bem investido.


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Notas

[1] Nossos agradecimentos à Chaira Lacerda, Andrei Cesário, Davvy Lima e à Dr.ª Daniella Dias, por suas contribuições para esse estudo.

[4] Nesse sentido, Minghelli (2009, p. 34) leciona que não se pode confundir os direitos fundamentais e cidadania, tendo em vista que esta última engloba uma dimensão jurídica (referente aos direitos fundamentais) e uma dimensão política (remete ao processo deliberativo e à participação do indivíduo e da sociedade no espaço público).

[5] Alguns autores (cf. FERNANDES, 2015, p. 288-294) chegam a afirmar que o Estado Democrático de Direito é um novo paradigma, na medida que permite a procedimentalização, ou seja, procedimentos ao longo do processo decisório estatal, fazendo com que os atingidos (sociedade) participem desse processo. Ao nosso ver, essa concepção é mais adequada para expressar o sentido do Estado Democrático de Direito.

[6] Em relação à democracia, “[...] é possível considerá-la em uma dimensão predominantemente formal, que inclui a ideia de governo da maioria e de respeito aos direitos individuais, frequentemente referidos como liberdades públicas – como as liberdades de expressão, de associação e de locomoção –, realizáveis mediante abstenção ou cumprimento de deveres negativos pelo Estado. A democracia em sentido material, contudo, que dá alma ao Estado constitucional de direito, é, mais do que o governo da maioria, o governo para todos. Isso inclui não apenas as minorias – raciais, religiosas, culturais –, mas também os grupos de menor expressão política, ainda que não minoritários, como as mulheres e, em muitos países, os pobres em geral” (BARROSO, 2013, p. 56, grifo nosso).

[7] É preciso se atentar que existem, no que se refere à democracia, diferentes “tipos” de participação, ou melhor, existem diferentes formas as quais a participação se dá no âmbito democrático. Vide, por exemplo, que a participação na democracia representativa é diferente da participação na democracia deliberativa, pois, enquanto na primeira a participação se resume a eleger representantes, na segunda tem-se um elevado grau de participação, pois os indivíduos podem influenciar diretamente nas decisões do Estado, legitimando-as. Assim, pode-se dizer que a participação é medida por “graus”.

[8] “El estado de derecho democrático no puede continuar associado a la indiferencia social y la apatia política, si realmente se busca construir um mundo de libertad. De ahí la necesidad de uma democracia más participativa, porque el pluralismo impuesto por la sociedade es presupuesto obligado de la participación, y la participación es causa eficiente de la democracia” (DROMI, 2005, p. 95 apud GUERRA, E. M.; RIBEIRO, M. L., 2006).

[9] “O processo de tomada de decisão no Estado Democrático de Direito é complexo porque pressupõe o debate, o conflito, em um processo contínuo, em um raciocínio dialético” (DIAS, 2012, p. 66).

[10] “Nós então não podemos ter certeza que as decisões que tomamos hoje serão corretas amanhã, e mesmo as decisões que parecem mais acertadas no momento podem parecer menos justificáveis à luz de evidências posteriores. Mesmo no caso daquelas que são irreversíveis, como a decisão de atacar o Iraque, reapreciações podem levar mais tarde a escolhas diferentes das que foram planejadas inicialmente” (GUTMANN; THOMPSON, op. cit., p. 22).

[11] Em certa perspectiva, a participação democrática da sociedade em âmbito federal não seria impossível. Poder-se-ia apresentar a saída das audiências públicas, porém nem todos os cidadãos poderiam participar, em razão de motivos diversos, dentre os quais destaca-se a dimensão continental do país e a falta de recursos de boa parte da população brasileira para de deslocar de um local para outro. Ademais, não haveria um espaço físico que suportasse todos os cidadãos (ou grande parte deles). Nesse sentido, somente os indivíduos com condições financeiras conseguiriam se deslocar e participar dos Fóruns, o que comprometeria a decisão a ser tomada, devido aos interesses da classe social mais abastada. Ademais, a internet surgiria como solução. No entanto, nem todos os cidadãos brasileiros têm acesso a ela, o que, do mesmo modo, comprometeria um “fórum digital”.

[12] “O modelo de OP de Porto Alegre tem tido ampla repercussão no cenário nacional e internacional, seja por seu pioneirismo na construção de um complexo mecanismo de interlocução política com a população, seja pelo seu sucesso no que se refere à continuidade ao longo do tempo. Mais ou menos inspirados no modelo de Porto Alegre, centenas de municípios no país e no exterior adotaram o OP” (LÜCHMANN, 2014, p. 168).

[13] Consoante Boaventura de Souza Santos (2002, p. 527), “O processo de construção do consenso é complexo porque os problemas em discussão, bem como as decisões tomadas, frequentemente apresentam [...] dimensão política [...]”. Gutmann e Thompson (op. cit., p. 23) concluem que os cidadãos e representantes que discordam da decisão original tenderão a aceitá-la se lhes for dado chances de modificá-la no futuro, daí a importância do dinamismo. Nesse sentido, os referidos autores aduzem que é preciso observar o “princípio da economia da discordância moral”, ou seja, os indivíduos devem encontrar justificativas, ao apresentarem razões para suas decisões, as quais minimizem suas diferenças com seus oponentes. Como exemplo, citaram que a cooperação na reconstrução do Iraque não requer que as partes concordem com a decisão original de ir para a guerra.

[14] Em uma visão tradicional, Aliomar Baleeiro (1969, p. 397) afirma que “o orçamento é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei”.

[15] “O exame da peça orçamentária permitirá revelar, com clareza, em proveito de que grupos sociais e regiões, ou para solução de que problemas e necessidades funcionará a aparelhagem estatal. Pelo exame das estimativas de impostos, por exemplo, é possível detectar qual a classe social mais onerada, e, pelo exame das dotações orçamentárias, vislumbrar as classes sociais que serão mais beneficiadas pela atuação do Estado, vale dizer, pela prestação de serviços públicos”. (HARADA, op. cit., p. 75-76)

[16] “A participação da população no processo orçamentário possibilita um efeito redistributivo, privilegiando áreas sociais, como saúde, educação, saneamento básico, cultura, entre outras, e regiões mais empobrecidas da cidade com a destinação de obras. Na história brasileira de descaso com os direitos sociais, políticas públicas como o Orçamento Participativo tornam-se importantes instrumentos de justiça social” (MINGHELLI, 2005, p. 107, grifo nosso).

[17] “As plenárias de discussão do orçamento podem ser comparados (sic) com a Ágora da Grécia Antiga, funcionando como espaços em que a população se expressa livremente e manifesta suas preferências quanto ao destino dos recursos públicos disponíveis” (ASSUNÇÃO, 2013).

[18] “[...] iniciativas de orçamento participativo, que apontam para a socialização da política e do poder, assumindo positivamente alternativa colocada por Gramsci, para quem existem dois tipos de políticos: os que lutam para diminuir a separação entre governantes e governados e os que lutam para superá-la” (SADER, 2002, p. 658, grifo nosso).

[19] Remeto o leitor à nota nº 8.

[20] Nesse diapasão, Sousa (2001, p. 90) entende que o sucesso em Porto Alegre está relacionado aos altos índices de associativismo, consciência política e confiança comunitária da sociedade, a qual possui ampla tradição democrática e é altamente organizada. Ademais, afirma que não existe somente um modelo de OP, mas sim muitas experiências com características diferentes, sendo que o maior risco seria copiar um modelo de OP. O ponto chave, responsável pelo sucesso do OP em Porto Alegre e Belo Horizonte, seria a inserção de pessoas e comunidades historicamente marginalizadas no processo político-decisório formal (ibidem, p. 96).

[21] “Em outras palavras, as principais decisões do OP ficam a cargo dos representantes ou delegados regionais, o que indica outra estrutura piramidal de representação na qual a base apenas define as prioridades, mas as decisões centrais dos investimentos são dos representantes e dos tecnocratas” (CAVALCANTE, 2007, p. 22).

[22] No mesmo sentido, Secondo e Lerner (2011 apud LÜCHMANN, 2014, p. 173) afirmam: “It deepens democracy, increases transparency, and promotes greater efficiency, increasing citizens’ trust in government. It educates peopple about democracy and spending, anda promotes social justice by leveling the playing field and directing resources to communides in need. Lastly, it helps build community, bringing neighbors together in pursuit of common goals”.

[23] Poder Legislativo Aprova LDO. Disponível em: <http://www.maraba.pa.leg.br/noticias/poder-legislativo-aprova-ldo/>. Acesso em: 22 mar. 2016.

[24] Câmara aprova Orçamento do Município para 2015. Disponível em: < http://www.maraba.pa.leg.br/noticias/camara-aprova-orcamento-do-municipio-para-2015/>. Acesso em: 22 mar. 2016.

[25] Aqui, não se buscará conceituar o que seja a dignidade da pessoa humana, tendo em vista ser tema bastante complexo que requer atenção especial, o que não é adequado no presente artigo, tendo em vista que o foco é outro, por conseguinte, essa abordagem específica desvirtuaria o objetivo pretendido.

[26] Complementa o referido autor: “[…] la dignidad humana […] es fundamento de orden político y jurídico, expresión que me parece más correcta que la utilizada por el lenguaje de la Constitución que le vincula con el ‘orden político y la paz social’” (ibid., p. 67). E, ainda: “Parece que la dignidad humana es un horizonte, un deber ser que se puede realizar en el dinamismo de la vida humana, siempre limitadamente, siempre condicionado históricamente y temporalmente en el prazo de nuestra existencia.” (ibid., p. 50).

[27] Saliente-se que, na esteira dos ensinamentos de Fernandes (op. cit., p. 397), “o princípio (ou direito) da igualdade apresenta uma construção constitucional multifacetária”.

[28] Aqui, destaca-se que “colocar o que é posto na CF-88, é um dever do Estado, pois, estará agindo à garantir os direitos fundamentais de liberdade, igualdade, equidade e fazer valer a dignidade da pessoa humana – no espaço urbano” (DIAS, 2010, p. 248). E mais, pois “o Estado existe para atender às necessidades sociais” (ibidem, p. 249).

[29] Discorrendo sobre Estado Social, Fernandes (op. cit., p. 398, grifo do autor) afirma que “[...] a igualdade que era tomada apenas em uma perspectiva formal – visando abolir privilégios ou regalias de classe, tendo em vista o tratamento isonômico entre todos – transforma-se em uma igualdade material [...]”.

[30] É tamanha a importância do Orçamento, que regras gerais sobre ele encontram-se alocadas na Constituição da República de 1988, em seu art. 165 até art. 169.

[31] “É por meio do diálogo e da criação de espaços democráticos, de espaços de convivência, que o Estado pode assumir suas funções, de forma renovada. O Estado Social e Democrático de Direito tem por base a dignidade humana que se reflete e se consolida na construção, na efetivação dos direitos fundamentais, que são o núcleo central da ética pública e do direito positivo” (DIAS, op. cit., p. 197).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Jonas Pereira Bezerras; ROMIO, Marizete Corteze. Orçamento participativo: para uma cidade mais democrática e pela efetivação da dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5691, 30 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71251. Acesso em: 19 abr. 2024.