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A arrogância do subdesenvolvimento verde e amarelo

A arrogância do subdesenvolvimento verde e amarelo

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Atualmente, há uma exigência indiscriminada de receita para obtenção de remédios, quando boa parte da população brasileira sequer tem acesso a médicos. Seria esta uma das causas do excesso de falsificação e corrupção envolvendo a indústria farmacêutica?

RESUMO: O presente artigo analisa a questão inerente ao irrazoável rigor com o qual os Poderes Executivo e Legislativo tratam a questão dos medicamentos no Brasil, exigindo-se receita médica até mesmo para medicamentos simples, sobrecarregando o Sistema de Saúde Público, que se encontra em situação reconhecidamente caótica. Trata-se de mais um exemplo dos excessos de ingerência do Estado brasileiro em assuntos que muitas vezes podem ser identificados como de natureza privada, sem qualquer benefício para a população, o que se convencionou denominar por a arrogância do subdesenvolvimento.

Palavras-chave: Saúde. Medicamentos. Burocracia. Receita Médica. SUS. Arrogância. Subdesenvolvimento.


1 INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais pretéritos, a história dos fármacos e medicamentos sempre esteve diretamente relacionada à atenção dos povos no que diz respeito à saúde. Textos antigos relatam o emprego de plantas e substâncias de origem animal para fins curativos, já no período Paleolítico.

A evolução da farmácia, como atividade dissociada da medicina (embora, por razões óbvias, conexa a esta), está diretamente ligada ao início do desenvolvimento da civilização, marcado por guerras, epidemias, envenenamentos, e toda a sorte de circunstâncias adversas que poderiam afligir o corpo humano.

 Destarte, a cura sempre foi uma preocupação de extrema relevância para a humanidade, sendo o aperfeiçoamento da farmácia, outrossim, determinante para a evolução dos indivíduos, principalmente levando em conta a tendência natural ao agrupamento, seja urbano ou rural.

Por outro lado, é incontestável que as doenças podem transformar a grande vantagem da aglomeração humana em causa de morte, eis que é sabido que as moléstias se propagam mais facilmente em áreas densamente povoadas[1].

Igualmente é da natureza humana buscar (naturais) vantagens em quaisquer situações que se apresentem. Com mais razão ainda em se tratando de medicamentos, dada a sua irrefutável (e demonstrada) importância. Acrescida, todavia, à (verdadeiramente cruel) natureza burocrática inerente ao Brasil,- em que o Estado (e sua elite governamental) histórica e culturalmente foi concebido para se servir do cidadão, em lugar de servir ao cidadão -, tem-se uma grande problemática a se enfrentar.


2 DA (TENTATIVA DE) DEMOCRATIZAÇÃO DA SAÚDE ATRAVÉS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

Ainda que, pelo menos em tese, o Sistema Único de Saúde (SUS) tenha sido concebido para materializar a garantia à saúde, gratuita e universal, elevada a direito social e fundamental pela Constituição da República de 1988, consoante o disposto no art. 6º; verbis:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.[2]

E, em que pese ser considerado um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, não se pode olvidar o grande caos (real e artificial) pelo qual o SUS tem passado, desde a época do antigo INAMPS.

Infelizmente são corriqueiros os casos de desídia e abandono nas unidades públicas de saúde, conforme amplamente noticiado pela mídia, assim como as consequências advindas deste descaso: filas absurdas, mortes totalmente evitáveis, falta de medicamentos básicos, e assim por diante. Não raro, mesmo uma simples consulta médica a ser prestada no âmbito do SUS pode demorar mais de quatro meses para ser (apenas e tão somente) agendada, ainda que não, necessariamente, realizada.

Neste cenário, mostra-se inteiramente desarrazoada a exigência de (complexas) receitas médicas, de vários tipos e modelos (muitas vezes desconhecidas, tamanha a sofisticação burocrática, até mesmo por parte da classe médica) para compra de praticamente todo e qualquer medicamento no Brasil, mesmo em se tratando de remédios simples e banais.

Em virtude deste precioso tempo perdido entre a constatação da doença e a anamnese de um médico público, corre-se o risco do remédio cuja receita se desejava obter tornar-se desnecessário, seja porque a doença se curou por si mesma, seja porque se tornou crônica, ou pior, seja porque ao final o paciente tenha sido conduzido à própria morte.

É inadmissível que, em uma nação na qual o povo não tem acesso a médicos de forma (minimamente) satisfatória, tais exigências estejam listadas entre as mais rigorosas do mundo. Fatalmente isso pode descambar (e se constitui em odiosa hipocrisia não reconhecer tal fato como corriqueiro) para a falsificação e o oportunismo.


3 DAS REGRAS PARA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS EM OUTRAS NAÇÕES

Analisando esta situação sob o prisma internacional, percebe-se que na Argentina e no Paraguai, por exemplo, até mesmo ansiolíticos e antidepressivos são vendidos sem qualquer exigência de receita médica.

Embora todos os remédios que contenham hormônios (incluindo anticoncepcionais), exijam receita médica na Alemanha e na Inglaterra, mais uma vez, a diferença de realidade (simplesmente) salta aos olhos, uma vez que basta ir a um ginecologista, cujo preço da consulta é totalmente acessível à população, para conseguir (de imediato e sem nenhuma dificuldade) a prescrição devida. Por outro lado, para qualquer outra moléstia, nem mesmo é preciso saber qual é o nome do remédio, bastando informar nas farmácias a necessidade de algo contra tosse, contra gripe, contra dor de cabeça, dependendo do caso, o que no Brasil, ao reverso, é simplesmente vedado ao balconista, mesmo quando diplomado em farmacologia.

E mais: a principal razão pela qual as pessoas procuram os médicos nesses países quando precisam de um remédio, está diretamente ligada ao preço que pagarão pelo mesmo, eis que o fármaco com a receita médica é (simplesmente) mais barato. Ademais, o sistema de fornecimento gratuito de medicamentos funciona corretamente nestas nações mais desenvolvidas, ao contrário do que vemos aqui. Na verdade, é mais complicado (por mais esdrúxulo que possa parecer) levar determinados remédios para outros países do que comprá-los lá diretamente[3].

Esta discrepância se repete identicamente quando se necessita fazer um exame de sangue, uma vez que o interessado deve igualmente ter a respectiva requisição, ainda que pague pelo exame, ou seja, ainda que não haja ônus para as operadoras privadas ou para a rede pública de saúde.

Repetidamente percebemos, constrangidos, a diferença de nossa nação para os países desenvolvidos. A título de exemplo, nos Estados Unidos muitos exames de sangue são feitos em simples farmácias, que sempre possuem um profissional habilitado para tanto.

Seria salutar que o Brasil flexibilizasse tanto sua conduta relativa à compra de fármacos, quanto no que diz respeito à realização livre de exames médicos, ao considerarmos, outrossim, casos de doenças contagiosas como a AIDS, cujo interesse social impõe que sejam descobertas o mais cedo possível. Sua carga de evidente estigma e preconceito, muitas vezes inibe muitas pessoas de se submeterem ao exame respectivo, por vergonha em ter que se identificar, mesmo que seja apenas para o médico.


4 DOS DESPROPORCIONAIS E DESARRAZOADOS ENTENDIMENTOS DA ANVISA QUANTO À POLÍTICA DE MEDICAMENTOS NO BRASIL

Voltando a questão medicamentosa, a ANVISA inclusive (e por um completo absurdo que beira a uma arrogância nitidamente infantil) é muito mais rigorosa que o Food And Drugs Administration (FDA) nos Estados Unidos, que já é reconhecidamente competente e, sobretudo, austero.

Podemos ilustrar esta situação com o exemplo da Melatonina: trata-se de uma molécula antiga e onipresente na natureza, apresentando múltiplos mecanismos de ação e funções em praticamente todo organismo vivo. 

Não só regula o sono como também se trata de um antioxidante potente, sendo eficaz da mesma forma no controle da enxaqueca. Há ainda evidências que a mesma ajuda no combate à obesidade, redução de tumores (especialmente câncer de mama), do diabetes tipo 2 e da dermatite atópica[4].

Mesmo sendo de uso relativamente seguro, com poucos efeitos colaterais e contraindicações, podendo, inclusive, em alguns casos, substituir medicamentos mais perigosos, de uso controlado, a substância continua inexplicavelmente proibida no Brasil, não obstante seus reconhecidos efeitos benéficos, enquanto que nos Estados Unidos é vendida livremente em qualquer farmácia, ou mesmo em supermercados, como o Walmart.

Outro exemplo que podemos listar é o caso do Palexia Tapentadol, um analgésico de última geração para tratamento de dores crônicas, que vem substituindo, com inúmeras vantagens em termos de eficácia e efeitos colaterais, o Tramadol (Tramal).

Muito embora amplamente testado e aprovado pelos mais rigorosos procedimentos do FDA, o referido analgésico ainda não foi liberado, quer para a produção, quer para comercialização, por mera arrogância e capricho dos técnicos da ANVISA. São frequentes os absurdos meandros burocráticos da ANVISA para autorizar, no Brasil, a comercialização e a produção de novos medicamentos já amplamente utilizados em países que são referência na área[I].

E nem se diga quanto às inúmeras dificuldades de importação do medicamento, o que na prática pode representar mais de ano para sua total concretização. Cabe pontuar que apenas uma minoria modesta possui condições de viajar constantemente aos Estados Unidos, Alemanha, ou mesmo para Argentina para adquirir o mencionado medicamento, e ainda assim, arriscando a retenção do mesmo na volta ao Brasil, considerando as barreiras alfandegárias (supostamente) protetivas da própria ANVISA e, eventualmente (e pelo mais completo absurdo), a própria tipificação criminal com o correspondente processo e pena de prisão.

Muito embora seja possível vislumbrar, timidamente, um ou outro avanço[II], esse é lamentavelmente o retrato de um povo doente, carente de seus direitos mais básicos de bem-estar, por conta de um Estado que não está verdadeiramente preocupado com a sua saúde, mas tão somente com normas e formas de proceder desnecessárias e demagógicas, com objetivos, ao que parece, completamente estranhos ao interesse da sociedade, além de arrecadação tributária.

O professor HÉLIO VASCONCELLOS LOPES, titular da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC e membro do Comitê de Resistência a Antibacterianos da Associação Pan-Americana de Infectologia e do Comitê de Antibióticos da Sociedade Brasileira de Infectologia, alertou para estas questões em seu artigo "Antibióticos: com ou sem receita médica?":

Países latino-americanos, cujo PIB situa-se de médio para baixo, a maioria deles convivendo com uma terrível desigualdade social, têm milhões e milhões de pessoas sem acesso a serviços de saúde no momento em que eles são necessários. Então, pode-se perguntar: a exigência da receita não irá – na relação custo/benefício, tender para o pior lado? Dentro deste contexto, CARLOS AMÁBILE CUEVAS, colega mexicano, afirma: 'a autoprescrição muito provavelmente salva mais vidas do que o custo da resistência que gera'. Outro colega, mexicano, VICTOR FORTUNO, comenta: “A resistência bacteriana é muito importante, mas será mais do que a possibilidade de que muitos pacientes indigentes, que não têm direito a serviços médicos, possam enfrentar maiores problemas como a morte?” Os obstáculos relacionados ao uso adequado de antibióticos são tantos e certamente maiores do que o imaginado benefício que o controle da venda de antibiótico, na farmácia, trará. A utilização de um antibiótico está na dependência de uma tríade, constituída pelo médico prescritor, pelo farmacêutico e pelo paciente. Quanto ao primeiro, inúmeros trabalhos têm mostrado que cerca de cinquenta por cento das receitas contendo antibióticos são impróprias, os maiores exemplos sendo dados pela sua prescrição em infecções respiratórias virais e nos quadros febris em pediatria. Quanto ao farmacêutico, com todo o respeito pela profissão, dificilmente é encontrado na maioria das farmácias de meu país, onde, habitualmente, a venda do medicamento fica por conta de um atendente-balconista[5].


5 DOS INTERESSES DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Além disso, é ingênuo ignorar que as empresas farmacêuticas também têm seus próprios interesses. Isso pode ser um grande problema para os pacientes, uma vez que pode afetar a isenção profissional do médico, criando um incentivo para que ele receite mais medicamentos da empresa com a qual mantém relações (e que não necessariamente serão mais baratos ou eficazes que seus correspondentes).

Responsável por regular o setor de planos de saúde, a ANS passa por uma situação parecida assemelhada aos ministérios, agências reguladoras e empresas estatais: tem diretorias loteadas por indicações políticas de partidos da base aliada ao governo federal, em troca de apoio no Congresso. Reconduzida à direção da agência, SIMONE FREIRE, por exemplo, é apontada como indicação do PMDB. Em delação premiada, o ex-senador DELCÍDIO DO AMARAL chegou a dizer que há 'verdadeira queda de braços para indicações de nomes para as agências reguladoras relacionadas à área da saúde' e acrescentou que a tarefa está 'a cargo do PMDB do Senado'. Ele atribuiu essa disputa acirrada à 'visibilidade negativa' que a Operação Lava-Jato impôs aos setores de energia, engenharia e petróleo. No depoimento, DELCÍDIO contou também que os 'senadores EUNÍCIO DE OLIVEIRA, ROMERO JUCÁ e RENAN CALHEIROS possuem papel e força incontestável quanto a essas indicações'. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) cita, ainda, uma 'proximidade dos planos de saúde com parlamentares'. Segundo dados tabulados pelo Idec, os planos de saúde investiram oficialmente, conforme registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), R$ 54,9 milhões nas eleições de 2014, o que contribuiu para eleger 29 deputados federais e três senadores."[6].

Sabe-se que trinta por cento de todo orçamento da indústria farmacêutica, ou mais, é investido em marketing e publicidade[7]. Por meio do oferecimento de vantagens, como viagens, brindes, amostras grátis, inscrição em congressos e eventos, entre outras, este mercado cria um vínculo com o profissional de saúde, muitas vezes podendo comprometer a total neutralidade do profissional na prescrição.

Há denúncias que apontam que médicos falam, em eventos científicos, favoravelmente sobre drogas de laboratórios que estão patrocinando sua viagem e hospedagem, sem citar o conflito de interesses, embora sejam obrigados pela Resolução do CFM nº 1.595/00[III]; que receberiam “salários por fora” de laboratórios a título de colaboração pela participação em congressos ou outros eventos; que  aceitariam presentes, dinheiro e convites de viagem patrocinados por laboratórios, receitando remédios dos patrocinadores como contrapartida; que laboratórios interfeririam na pauta de eventos e de publicações médicas em troca de patrocínio, e por aí vai.

Dispõe a ANVISA/RDC 102/00 verbis:

Art. 19 É proibido outorgar, oferecer ou prometer, prêmios, vantagens pecuniárias ou em espécie, aos profissionais de saúde habilitados a prescrever ou dispensar medicamentos, bem como aqueles que exerçam atividade de venda direta ao consumidor. Parágrafo único: Os profissionais de saúde habilitados a prescrever ou dispensar medicamentos, bem como aqueles de atividade de venda direta de medicamentos ao consumidor, não podem solicitar ou aceitar nenhum dos incentivos indicados no caput deste artigo se estes estiverem vinculados a prescrição, dispensação ou venda.[8]

Há relatos, ainda, de laboratórios que utilizariam dados sigilosos das receitas para pressionar profissionais, oferecendo bonificação para que os atendentes das drogarias substituíssem medicamentos, bem como informassem se o médico "patrocinado" efetivamente prescreveu o remédio daquela empresa, o famoso "selo", com seu código, que o balconista coloca em cada medicamento vendido[9].

Ou seja, a imposição de receita médica parece nada significar em termos de segurança para o enfermo; muito pelo contrário, haja vista a existência de interesses muito mais poderosos e escusos, estando a saúde para estes, infelizmente, em último plano.


6 CONCLUSÕES

Esta exigência indiscriminada de receita para obtenção de remédios, feita a um povo que tem dificuldade no acesso a médicos, significa condená-lo à falsificação e, portanto, à corrupção ou eventualmente a perpetuação da doença ou mesmo a morte pela ausência de compra do próprio medicamento. Mais paradoxal, ainda, é a pouco conhecida (porém inexplicável e desmedida) restrição legal quanto à validade das receitas médicas à geografia de cada estado-federado, em função de o médico-emissor possuir um número (controlado) que é regional (CRM) e não nacional; resta dizer: uma receita médica emitida no Rio de Janeiro para a aquisição de determinados medicamentos não possui validade nas farmácias situadas nas cidades paulistas.

É bom ressaltar que não se está, na hipótese, em absoluto, fazendo apologia à automedicação, ou mesmo mitigando os possíveis danos que a má administração de remédios possa ocasionar.

O que se contesta e se condena veementemente, é justamente este excesso (cruel e muitas vezes desumano) de ingerência do Estado em todos os assuntos, criando uma situação absurda e demagógica, que nada mais é do que um dos inúmeros (e consagrados) instrumentos de "criar dificuldades para vender facilidades", inerente à cultura brasileira, alimentando, por conseguinte, a indústria (paralela e muito ativa) de venda de receitas médicas, inclusive através da internet, ou até mesmo diretamente pelas drogarias[IV].

Trata-se de mais uma das inúmeras incoerências do Estado Brasileiro que, conforme já afirmado, não serve ao cidadão, mas, ao contrário, se serve do cidadão[V], e de forma institucionalizada[VI],[VII], ao argumento (muitas vezes eivado de forte cinismo) que "tudo é feito em benefício da população". A realidade é que os órgãos de regulação se auto protegem para que cada vez mais a máquina administrativa fique inchada de servidores públicos, criando e fortalecendo o que se convencionou denominar por a arrogância do subdesenvolvimento.


Notas

[1] GONÇALVES, Joana Carla Soares; BODE, Klaus (Org.). Edifício Ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2015. Disponível em: https://goo.gl/DBJCGs. Acesso em: 12 jun. 2017.

[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 04.2018.

[3] PANCERI, Rafaella. Fique por dentro das regras para transportar medicamentos em aeroportos. Correio Braziliense, 11 set. 2015. Disponível em: https://goo.gl/rHvAZo. Acesso em: 12 jun. 2017.

[4] AMARAL NETO, Roberto Franco do. Melatonina, mais do que um “hormônio do sono”! Blog do autor, 13 jun. 2013. Disponível em: https://goo.gl/Mpzfoa. Acesso em 12 jun. 2017

[5] LOPES, Hélio Vasconcellos.  Antibióticos: com ou sem receita médica? Revista Panamericana de Infectologia, on-line. N.2 – 2010. Disponível em: https://goo.gl/8PDvTn. Acesso em: 29 mai. 2017.

[6] VENTURA, Manoel; CASEMIRO, Luciana. Loteamento de Cargos na ANS. O Globo,  02 jul. 2017, p. 33.

[7] PALÁCIOS, Marisa; REGO, Sergio; LINO, Maria Helena. Promoção e propaganda de medicamentos em ambientes de ensino: elementos para o debate.  Revista Interface - Comunicação, Saúde, Educação, on-line, Botucatu, vol. 12, n. 27, Oct./Dec. 2008. Disponível em: https://goo.gl/i5BEZX. Acesso em 12 jun. 2017.

[8] ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 102 de 30 de novembro de 2000. Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/resolucao_sanitaria/102.pdf. Acesso em: 04/2018.

[9] PEREIRA, Cleidi.  Como médicos são assediados pela indústria farmacêutica para prescrever medicamentos. Portal de notícias GAUCHAZH, 07 mai. 2017. Disponível em: https://goo.gl/arizdd. Acesso em: 12 jun. 2017.


NOTAS COMPLEMENTARES:

[I] A Incompreensível Burocracia Brasileira

A burocracia se constitui num dos maiores entraves ao desenvolvimento do Brasil, em quaisquer de suas formas: "Depois de dois anos sem conseguir validar seu diploma no Ministério da Educação, o famoso médico uruguaio FERNANDO VINUELA foi derrotado pela burocracia. Criador de um dos mais avançados métodos de tratamento de AVC, ele vai chefiar o departamento de Neurorradiologia da Universidade da Califórnia." (O Globo, 02/07/2017 p.18).

[II] Os Tímidos Avanços de uma Legislação Liberalizante

Cabe ressaltar que, em reportagem publicada no Jornal O Globo, em 24/06/2017 (p.24), foi dado destaque à aprovação do Projeto de Lei nº 2.431/2011 (convertido na Lei Ordinária nº 13.454/2017) pela Câmara dos Deputados, autorizando a produção, comercialização e o consumo, sob prescrição médica, da sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol, chamados de medicamentos anorexígenos, pois contêm substâncias que inibem o apetite e geralmente são utilizados em tratamentos contra a obesidade mórbida.

Entrevistado, o psiquiatra EMMANUEL FORTES, terceiro vice-presidente do CFM, destaca que a resolução da ANVISA proibindo as substâncias, prejudicava o bem-estar da população e tolhia a liberdade de prescrição dos médicos. Em documento enviado ao Presidente interino RODRIGO MAIA, alguns dias antes da aprovação da norma, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM); a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e a Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) reforçaram o pedido para a sanção: "Não é concebível assistir, de mãos atadas, ao ganho de peso progressivo dos pacientes, muitos deles se tornando obesos mórbidos com várias doenças associadas, piora da qualidade de vida e de sua capacidade produtiva, entrando na longa fila para cirurgia de obesidade, que se trata de procedimento invasivo, que envolve riscos e altos custos de curto, médio e longo prazo".

[III] Resolução CFM nº 1.595/00

Segundo a Resolução CFM nº 1.595/00, verbis:

Art. 1º - Proibir a vinculação da prescrição médica ao recebimento de vantagens materiais oferecidas por agentes econômicos interessados na produção ou comercialização de produtos farmacêuticos ou equipamentos de uso na área médica.

Art. 2º - Determinar que os médicos, ao proferir palestras ou escrever artigos divulgando ou promovendo produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso na medicina, declarem os agentes financeiros que patrocinam suas pesquisas e/ou apresentações, cabendo-lhes ainda indicar a metodologia empregada em suas pesquisas – quando for o caso – ou referir a literatura e bibliografia que serviram de base à apresentação, quando essa tiver por natureza a transmissão de conhecimento proveniente de fontes alheias.

[IV] A Hipocrisia de um Estado Covarde

Resta oportuno assinalar que, enquanto traficantes e bandidos dominam aproximadamente 850 pontos da cidade do Rio de Janeiro, criando um verdadeiro Estado Paralelo (em flagrante desafio à autoridade estatal), comercializando armas de guerra e os mais variados tipos de drogas mortais, o Poder Público se vangloria de lograr prender, em flagrante delito, três balconistas de uma farmácia na Barra da Tijuca que venderam, sem a devida receita médica, um medicamento, relativamente comum, destinado a insônia, chamado stilnox, que em muitos países é comercializado (simplesmente) sem qualquer exigência desta natureza.

Mais grave é que, segundo notícias veiculadas pela imprensa (RJTV, 2017), os mesmos serão processados por tráfico de entorpecentes, em situação semelhante àqueles que (impunemente) vendem cocaína e heroína que se destinam unicamente à destruição da vida de nossos cidadãos.

Caso venham a ser condenados, serão (presumivelmente) encarcerados juntamente com os perigosíssimos bandidos que torturam e matam diariamente e que, inclusive, dominam, através de suas facções criminosas, as degradantes prisões brasileiras.

Podemos ilustrar essa (inusitada) dicotomia numa situação ocorrida recentemente, na qual a Defensoria Pública da União, que é paga pelos contribuintes da sociedade (presumivelmente para a defesa da mesma), ao arrepio do bom senso, solicitou, - ainda que, imediata e muito corretamente, indeferida pelo Ministro ALEXANDRE DE MORAES no Supremo Tribunal Federal -, a transferência dos bandidos (cariocas) mais perigosos que estão (atualmente) em penitenciárias federais, para as prisões estaduais do Rio de Janeiro, onde eles atuam com plena liberdade e total controle. Em contraponto, a Defensoria do Estado do Rio de Janeiro (ainda que, sob o ponto de vista organizacional, não seja, vinculada à DPU), ignorando a efetiva injustiça da prisão em flagrante daqueles balconistas que vendiam medicamento sem o correspondente receituário, nada fizeram, de forma coletiva e por iniciativa própria (habeas corpus), em prol dos mesmos.

Esse é (lamentavelmente) o retrato do Estado brasileiro, onde impera a hipocrisia e mesmo uma relativa covardia, e que, além de tudo, perdeu (completamente) o senso da realidade, reproduzindo a parábola segundo a qual agentes da Anvisa, a bordo do transatlântico Titanic (BRASIL) -, durante o caos de seu iminente naufrágio (com vários passageiros tentando desesperadamente conseguir  ingressar em botes salva-vidas) e ignorando a simplória e evidente realidade dos fatos -, insiste em autuar o restaurante do navio por estar comercializando alimentos com validade vencida.

Ainda assim, - e, sobretudo, para que não haja críticas desmerecidas -, é importante registrar que o que ora se defende não é (propriamente) a impunidade daquele que cometem pequenos delitos, mas uma necessária reflexão sobre a prevalência de um senso mínimo de prioridade em situações de verdadeira falência da atuação repressiva do Poder Público, assim como uma genuína e necessária proporcionalidade entre a sanção (que na maioria dos casos é, ou no mínimo deveria ser, meramente administrativa) e o suposto mal causado para a sociedade.

[V] A Necessária Multiplicidade de Receitas Médicas

Vale também destacar que, especialmente no caso das doenças crônicas, - como o médico encontra-se proibido de prescrever a compra de mais do que três caixas do mesmo medicamento (e muitos desses fármacos, especialmente analgésicos poderosos, possuem uma quantidade limitada de apenas dez comprimidos por embalagem) -, corre-se o risco do paciente ter que agendar visitas mensais (ou mesmo quinzenais) ao referido profissional de saúde, sobrecarregando o serviço público e aumentando (indiretamente) o preço dos planos de saúde para o atendimento nos casos particulares.

Muito embora seja cediço reconhecer que tais visitas (frequentes) ao médico sejam sempre (pelo menos, em tese) recomendáveis (ainda que no serviço público brasileiro, grande parte dos profissionais, - por absoluta ausência de tempo -, em face de inúmeras emergências com que se acumulam, sequer reexaminam o paciente, limitando-se a apenas copiar a receita anterior), estas não atinam a triste realidade da saúde no Brasil, piorando o quadro já caótico do SUS.

Por outro lado, mesmo quando prevista a expressa autorização para a compra de três unidades de medicamentos, é sabido que muitas vezes há uma enorme dificuldade em encontrá-los nas redes de farmácias, particularmente em cidades do interior, obrigando, muitas vezes, o paciente a entregar (na prática) uma receita com pedido de três caixas, e apenas ser possível comprar uma, compelindo-o a um novo agendamento de consulta para obtenção de novas receitas para complementação (por absurdo) do que já havia sido autorizado.

[VI] O Sistema de Saúde Idealizado no Brasil

Estima-se que para que o atual modelo de Sistema de Saúde Pública brasileiro funcione plena e corretamente (conforme idealizado), seria necessário que as verbas destinadas à Saúde, - da ordem de R$ 115 bilhões de reais em 2017, valor equivalente a 15% da receita corrente líquida (RCL), ou 3,8% do PIB (Fonte: https://goo.gl/jveKbk. Acesso em 09 jan. 2018) -, fossem ampliadas para algo próximo a 30% do PIB, o que, a toda evidência, seria algo, simplesmente, singular e absolutamente impossível de ser implementado.

Portanto, a dúvida fundamental se resume em saber se o Brasil possui um Sistema de Saúde Pública realmente adequado a sua realidade ou, ao reverso, trata-se de mais uma das tentativas de transformar um plano ideal (concebido por burocratas que, debruçados sobre suas escrivaninhas em repartições públicas refrigeradas, simplesmente desconhecem o Brasil) em um plano abstrato, reduzindo-o a uma discussão nitidamente teórica e, portanto, completamente distorcida da prática e, portanto, fadada ao insucesso que sempre a coroou. 

[VII] A Hipocrisia Da Legislação

   No início do ano de 2018 (03/01/2018), foi sancionada, pelo governador LUIZ FERNANDO PEZÃO, a Lei nº 7.829/18, oriunda do PL 1.030/2011, de autoria da Deputada Estadual e enfermeira REJANE (PC do B), que obriga hospitais, postos de saúde, clínicas públicas e privadas a comunicar casos de embriaguez e consumo de drogas por crianças e adolescentes aos respectivos responsáveis e também ao Conselho Tutelar.

A nova lei, no entanto, é vista com cautela por especialistas, pelos mais variados motivos. Em primeiro lugar, porque seria importante garantir que o Estado contasse (previamente) com uma estrutura para que ações efetivas pudessem ser tomadas após essas notificações, como o acompanhamento da família do jovem e o encaminhamento a programas específicos e, ainda assim, com o resguardo do necessário sigilo.

Em segundo lugar, porque embora tal medida possa parecer salutar à primeira vista, é preciso cuidados especiais ao implementá-la na prática. De fato, esta determinação pode fazer (e, muito provavelmente, fará) com que muitas pessoas, com receio de serem identificadas, simplesmente deixem de buscar auxílio médico, com evidente risco para suas próprias vidas.

Corroborando esta opinião, a pesquisadora do Instituto Igarapé, ANA PAULA PELLEGRINO, que realiza pesquisas sobre política de drogas, adverte, em tom sublime, que é importante ter bem definido o caráter da lei para que ela não gere efeitos negativos: "A pergunta que fica é: quais são as intenções dessa medida e o investimento para apoiar esses adolescentes e famílias preservando os direitos deles? Não adianta reportar os casos sem que haja capacidade de intervenção e apoio de fato. É necessário que a lei seja feita em uma perspectiva de saúde e não de punição, porque existe o risco de gerar uma resistência na busca por ajuda" (FERREIRA, 2018).

Ao arrepio dos termos da Lei, o ideal seria, - se o objetivo do novel regramento é, de fato, apenas e tão somente estatístico (para efeitos de prevenção e de construção de novas políticas públicas e de específicos programas de governo), que não houvesse nenhuma forma de identificação dos atendidos. Como tal não é previsto em Lei, verifica-se que a normatividade epigrafada constitui-se em mais uma arrogância de um Estado que busca, - distante de qualquer compromisso social e de uma necessária compreensão humana e respeito ao indivíduo (bem como aos núcleos familiares), - servir à si próprio e não (como presumivelmente deveria, na qualidade de suposto Estado Democrático de Direito), ao cidadão.


REFERÊNCIAS

AMARAL NETO, Roberto Franco do. Melatonina, mais do que um “hormônio do sono”! Blog do autor, 13 jun. 2013. Disponível em: https://goo.gl/Mpzfoa. Acesso em 12 jun. 2017

ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 102 de 30 de novembro de 2000. Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/resolucao_sanitaria/102.pdf. Acesso em: 04/2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 04.2018.

FERREIRA, Paula. Lei sobre uso de álcool e drogas por menores é vista com cautela por especialistas. O Globo, Rio de Janeiro, 04 jan. 2018. Disponível em: https://goo.gl/nbxEww. Acesso em: 08 de jan. 2018.

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Autor

  • Reis Friede

    Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

    Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF/2), Mestre e Doutor em Direito.

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FRIEDE, Reis. A arrogância do subdesenvolvimento verde e amarelo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5740, 20 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71975. Acesso em: 25 abr. 2024.