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A inconstitucionalidade na cobrança de custas ao reclamante na Justiça do Trabalho

A inconstitucionalidade na cobrança de custas ao reclamante na Justiça do Trabalho

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Refletimos sobre a alteração na forma de concessão do benefício da justiça gratuita na Justiça do Trabalho, após a entrada em vigor da Lei 13.476/17.

Resumo: O presente trabalho discute a alteração na forma de concessão do benefício da justiça gratuita na Justiça do Trabalho, após a entrada em vigor da Lei 13.476/17, popularmente conhecida como reforma trabalhista. A alteração trazida pela reforma trabalhista no artigo 790, ou seja, na cobrança de custas processuais ao reclamante, fere nitidamente o acesso à justiça, causando insegurança ao trabalhador brasileiro, que agora teme em lutar por seus direitos na justiça, ante o receio de ser compelido a arcar com as custas processuais e prejudicar o seu sustento. Deste modo, o presente trabalho tem o objetivo de reforçar a importância da justiça gratuita na seara trabalhista, bem como de apontar referida inconstitucionalidade causada pela reforma trabalhista.

Palavras Chaves: Acesso à justiça, reforma trabalhista, inconstitucionalidade.


1 Introdução

A busca pelo acesso à justiça, como garantia fundamental no Brasil, foi longa e morosa, mas depois de diversas alterações no ordenamento jurídico, esse direito se consagrou, passando o acesso à justiça a uma garantia fundamental pela atual Constituição Federal. Contudo, após diversos anos para que o acesso à justiça fosse alçado a condição de garantia fundamental, com a promulgação da Lei 13.467/17, percebe-se certo retrocesso nos direitos dos trabalhadores brasileiros.

A lei 13.467/17 foi uma das maiores alterações na legislação trabalhista na história do país, e foi elaborada com a promessa de obter máxima eficiência nas relações de trabalho. Contudo, não foi exatamente o que aconteceu, pois grande parte dos artigos alterados foi alterada em prejuízo do trabalhador, principalmente, o artigo 790, que mitigou o acesso a justiça.

Desta forma, o presente artigo se dispõe, justamente, a problematizar essa mitigação, explanando a importância do acesso à justiça na sociedade brasileira e explanando como a alteração do artigo 790 da CLT se mostra inconstitucional, ferindo o acesso à justiça na seara trabalhista.


2 Da assistência jurídica. Evolução histórica do instituto jurídico no Brasil.

A evolução histórica no ordenamento jurídico brasileiro acerca das disposições atinentes ao acesso à justiça e as previsões legislativas no concernente à gratuidade judiciária foi longa e morosa, sendo incerto o momento exato de seu surgimento.

No contexto mundial, é imperioso registrar que há indícios de que havia uma preocupação com o acesso à justiça desde o código Hamurabi (séculos XXI XVII a.c.).

Assim o Epílogo do Código de Hamurábi faz essa menção:

“As justas leis que Hamurabi, o sábio rei, estabeleceu e (com as quais) deubase estável ao governo... Eu sou o governador guardião... Em meu seio trago o povo das terras de Sumer e Acad: ... em minha sabedoria eu os refreio, para que o forte não oprima o fraco e para que seja feita justiça à viúva e ao órfão ... Que cada homem oprimido compareça diante de mim, como rei que sou da justiça”.

A primeira constituição do Brasil (1824) não previa tal direito expressamente, e nem mesmo nada similar. Contudo, apesar de não prever tal garantia, alguns eventos marcantes aconteceram durante a vigência desta Constituição.

Como primeiro marco, pode-se mencionar as ratificações havidas nas disposições das Ordenações Filipinas estabelecidas em 1603, as quais tendiam em garantir a assistência jurídica gratuita aos necessitados, patrocinando de forma gratuita um advogado.

Conforme lição de Celso Ribeiro Bastos, no Brasil, remontam-se as Ordenações Filipinas a gênese da assistência judiciária, onde no livro III, capítulo LXXXIV, parágrafo X, que trata sobre os agravos das sentenças definitivas, dita o seguinte:

Em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de raiz; nem por onde pague o agravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Nosterpola alma delHey Dom Diniz (3), ser-lha-ha havido como que pagasse os novecentos reis, contanto que tire de tudo certidão dentro no tempo, em que havia de pagar o aggravo[1]

Já como segundo marco, houve a aprovação da proposta do “Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros”, que possuía a obrigação de disponibilizar alguns de seus membros para atenderem pessoas carentes e defende-las.

Contudo, esses fatos não sobrevieram em decorrência de qualquer disposição prevista na Constituição de 1824, pois sua origem era tão-somente infraconstitucional.

Nesta esteira, foi publicada a primeira Constituição Republicana, em 1891, que inovou trazendo a ampla defesa, mas ainda sem apresentar nenhum avanço quanto o acesso à justiça.

Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 16 - Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas.

Já em 1934, foi editada nova constituição, apresentando finalmente algumas inovações quanto ao acesso à justiça, prevendo como competência legislativa concorrente entre união e os estados a obrigatoriedade da prestação de assistência judiciaria gratuita por parte do Estado.

Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 

32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos.

A partir de então, a assistência jurídica passou a ter previsão em todas as constituições seguintes, exceto na de 1937, e teve então concretizado seu caráter constitucional.

Não obstante, o acesso à justiça como garantia fundamental surgiu mais explicitamente no Brasil pela primeira vez na constituição de 1946, contudo, não era exercido na pratica, e ficava apenas no papel, visto que os governantes e políticos da época tentavam a todo preço coibir a pratica do populismo.

Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 35 - O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados.

Em 1967, foi outorgada nova Constituição brasileira, a qual garantiu expressamente o direito ao acesso à justiça, com dispositivos que asseguravam os direitos a ampla defesa, o juiz natural e assistência judiciaria aos necessitados.

 Art. 150.  A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:

 § 15.  A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá fôro privilegiado nem tribunais de exceção.

 § 32.  Será concedida assistência judiciária aos necessitados, na forma da lei.

No entanto, em 1968, houve um retrocesso nos direitos fundamentais até então conquistados pelo povo. O ato institucional 5, de 13 de dezembro de 1968 outorgado pelo presidente da república que aliás, não tinha legitimidade para tal ato, antevia em um dos seus artigos que “excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este ato institucional e seus ato complementares, bem como os respetivos efeitos”.

Contudo, em 1969, foi editada pelo ministros militares, por meio de outorga a emenda constitucional, que modificava a carta de 1967, considerando materialmente outorgada a constituição de 1969. A carta politica de 1969 tinha um extenso rol de direitos e garantias individuais que jamais foram efetivados em virtude do ato institucional 5 do ano de 1968.

Assim, a partir da década de 1970, o Brasil conseguiu, enfim, dar os primeiros passos para os movimentos sociais, visando lutar pela igualdade social, cidadania plena e debater os problemas até então vividos pela população diariamente.

Na década de 1980, esses movimentos sociais de acesso à justiça começaram a se intensificar com as várias modificações legislativas que aconteciam, como por exemplo a Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984, que criou os Juizados de Pequenas Causas como intuito de tornar a Justiça mais acessível às pessoas.

E, logo após, com a constituição de 1988 é que o acesso à justiça foi consagrado, assegurando efetivamente o acesso à justiça a todos os brasileiros em seu artigo 5º inciso XXXV, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Contudo, apesar de toda essa longa e incisiva trajetória enfrentada pela sociedade brasileira para alcançar o acesso à justiça como uma garantia fundamental, a recente reforma trabalhista (Lei n° 13.467/2017), que entrou em vigor em 11/11/2017, trouxe em seu artigo 790-A, um novo texto relacionado à justiça gratuita, fixando honorários de sucumbência aos advogados, ainda que em causa própria, leia-se:

Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002)

§ 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 4o  O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

Desta forma, a reforma veio acarretando fim aos benefícios da justiça gratuita na seara trabalhista, o que causa notória ofensa ao livre acesso ao judiciário, visto que impossibilita a parte necessitada da população de lutar por seus direitos devido às custas processuais que não possuem condições de arcar, sem o prejuízo de seu próprio sustento, sendo então privados lamentavelmente do acesso à justiça.


3 Conceitos de acesso à justiça e gratuidade judiciária.

O conceito de acesso à justiça pode ser analisado sob diversas perspectivas, vez que engloba diversos direitos e garantias fundamentais concedidos aos cidadãos pela atual Constituição Federal. Nesta esteira, é necessário elucidar em que compreende o acesso à justiça.

Segundo as palavras de Humberto Teodoro Junior (2016, p.74) por acesso à justiça hoje se compreende o direito a uma tutela efetiva e justa para todos os interesses dos particulares agasalhados pelo ordenamento jurídico.

Neste aspecto, vale transcrever as palavras de Greco (2010, pag. 831), que diz:

[...] O acesso à justiça se dá individualmente, por meio do direito conferido a todas as pessoas naturais ou jurídicas de dirigir-se ao Poder Judiciário e dele obter reposta acerca de qualquer pretensão, contando com a figura do juiz natural e com sua imparcialidade; com a garantia do contraditório e da ampla defesa, com ampla possibilidade de influir eficazmente na formação das decisões que irão atingir os interesses individuais em jogo; com o respeito a esfera dos direitos e interesses disponíveis do litigante com prestação da assistência jurídica aos carentes, bem como com a preocupação de assegurar a paridade de armas entre os litigantes na disputa judicial; e com a coisa julgada, como garantia da segurança jurídica e da tutela jurisdicional efetiva.

Portanto, o acesso à justiça é uma garantia que a população tem de resolver seus conflitos e interesses particulares de forma justa através do Poder Judiciário e com diversas garantias processuais. É uma forma de postular e ingressar com demandas para buscar a garantia de direitos.

Nesta esteira, para que haja o acesso à justiça, é necessário que a parte provoque para que ocorra a devida prestação jurisdicional. Contudo, grande parte da população não possui condições para arcar com as custas que são necessárias para que se desenvolva o processo. E é para isso que foi desenvolvido o instituo da justiça gratuita em nosso ordenamento, garantindo o livre acesso à justiça não apenas para quem tem condições de arcar com as custas do processo, mas também para aqueles que não possuem recursos suficientes para tal.

A justiça gratuita se refere à isenção de todas as custas e despesas judiciais e extrajudiciais referentes aos atos indispensáveis ao andamento do processo até que alcance o seu provimento final,englobando as custas processuais e as diversas despesas decorrentes do processo.

Em seu artigo 5º, inciso LXXIV, a Constituição Federal regulamenta que “o estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Destarte, a gratuidade da justiça foi regulamentada também pela Lei 1.060 de 5 de fevereiro de 1950 que estabelece normas para a concessão de assistência judiciaria aos necessitados. Contudo, grande parte dos artigos da referida lei foram revogados com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil no ano de 2015. O novo CPC passou a regulamentar a concessão da justiça gratuita, abrindo uma seção especial para tratar do assunto do artigo 98 ao artigo 102, leia-se:

Art. 98.  A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

Art. 99.  O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

Desta forma, conforme disciplina o artigo 98, todas as pessoas com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios possuem direito à gratuidade da justiça.


4 Da gratuidade judiciária na Justiça do Trabalho. Alterações promovidas pela Reforma Trabalhista.

A Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, trouxe diversas alterações no âmbito processual, dentre elas, uma das que mais chamou a atenção dos operadores do direito bem como da população, foi a mudança na concessão da gratuidade judiciária.

Antes da reforma, a súmula 463 do TST regulamentava a concessão da gratuidade judiciária, sendo que para a concessão da justiça gratuita à pessoa física, bastava a mera declaração de hipossuficiência econômica apresentada pela parte ou por seu advogado, e para a concessão da justiça gratuita à pessoa jurídica, era necessário provar a insuficiência econômica.

Portanto, em regra, a gratuidade da justiça na justiça do trabalho, via de regra, era deferida ao empregado através da mera apresentação da declaração de hipossuficiência, sob o fundamento de que tal declaração gozava de presunção legal de veracidade.

Agora, a Lei 13.467 criou nova regra para a concessão da gratuidade judiciaria, incluindo o §3 no artigo 790 da CLTin verbis:

Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002)

§ 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

Desta forma, a reforma trabalhista faculta ao juiz conceder o benefício da justiça gratuita apenas àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS. Não bastante, foi incluído também o § 4º, que regulamenta que o benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

Portanto, a justiça gratuita será concedida apenas em duas hipóteses, quais sejam, para aqueles que receberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime geral de previdência social, ou para aqueles que comprovarem absolutamente não ter recursos para arcar com as despesas do processo.

Desta forma, para se valer da justiça gratuita, deverá a parte comprovar sua insuficiência de recursos.

Percebe-se que antes, para o empregado que fosse hipossuficiente e não tivesse condições de arcar com as custas, bastaria apenas anexar uma declaração de hipossuficiência ao processo, e esta declaração seria suficiente para que o juiz concedesse a justiça gratuita a parte.

Neste sentido, calha trazer a lume recente decisão do TRT/MG:

JUSTIÇA GRATUITA. ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS. AÇÃO PROPOSTA ANTES DA "REFORMA TRABALHISTA". O §3º do artigo 790 da CLT, vigente à época da propositura da ação, previa que o juiz tinha a faculdade de concessão, a requerimento ou de ofício, dos benefícios da justiça gratuita àqueles que percebiam salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estavam em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Assim, era suficiente que a parte autora apresentasse uma declaração em um ou em outro sentido, para que o benefício lhe fosse concedido, sendo, de conseguinte, desnecessário que também recebesse salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, como resta claro na redação do item I da Súmula 463 do C. TST. A condenação ao pagamento de custas processuais não pode ser utilizada como punição à parte que exerceu o seu direito de ação constitucionalmente assegurado.

(TRT da 3.ª Região; PJe: 0011090-02.2015.5.03.0024 (RO); Disponibilização: 17/10/2018; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Luiz Otavio Linhares Renault).

https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=5798

Contudo, agora a justiça gratuita só será deferida, a requerimento ou de oficio, para aqueles que receberem até 40% do teto do Regime Geral da Previdência Social. Em suma, o teto da previdência hoje é de R$5.531,31 e foi regulamentado pela portaria nº 8 de 13/01/2017 do Ministério do Trabalho. Logo, para aqueles com renda de até R$2.213,72 se tornou uma faculdade do juiz conceder ou não os benefícios da gratuidade da justiça. Assim, aquele que receber quantia que não atinja o teto estipulado, conseguira gozar dos benefícios da justiça gratuita, mas aquele que recebe mais que do que referido teto, precisará comprovar que é hipossuficiente.

Neste sentido:

JUSTIÇA GRATUITA. DEFERIMENTO APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA REFORMA TRABALHISTA. Presume-se a ausência de condições de arcar com os custos do processo por aquele que está desempregado ao tempo da análise do pedido de concessão de justiça gratuita, porquanto a ausência de salário equipara o trabalhador àqueles que possuem rendimento inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS. Não tendo a reclamada comprovado que o obreiro ingressou em novo posto de trabalho, percebendo salário superior ao limite estabelecido no art. 790, §4º, da CLT, prevalece a presunção de veracidade da declaração de pobreza firmada pelo reclamante.

(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010660-62.2018.5.03.0180 (RO); Disponibilização: 10/10/2018; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Maria Cecilia Alves Pinto) https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=5798

Percebe-se que a grande diferença está em comprovar a hipossuficiência, a mera declaração de que se é hipossuficiente não é mais satisfatória, não basta apenas declarar, a parte terá que comprovar a sua hipossuficiência. 


5 Gratuidade Judiciária. Posicionamento doutrinário e jurisprudencial.

Tem se tornado cada vez mais notório que, diante das referidas alterações promovidas pela lei 13.467/17, nasceu a restrição e a dificuldade de acesso dos trabalhadores à justiça do trabalho. É sabido que a reforma trabalhista alterou a CLT mas não alterou a Constituição Federal, portanto os princípios que regem o âmbito trabalhista não foram revogados, continuando sendo essenciais e fundamentais para o direito do trabalho. Contudo, ao trazer tais dificuldades para o acesso à justiça, a alteração do artigo 790contraria amplamente os princípios e garantias constitucionais previstos na Constituição Federal.

Cumpre ressaltar que, além de ferir o princípio do livre acesso ao judiciário, a alteração do artigo 790 fere, também, o princípio do não retrocesso social. Referido princípio, como sabido, é um dos princípios implícitos mais importantes para a proteção dos direitos sociais, e tem o objetivo de impedir que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pela sociedade, protegendo os direitos fundamentais de qualquer imutabilidade que tenha de cunho retrocesso. 

Nesta esteira, a inconstitucionalidade do Artigo 790 não é apenas uma suposição, mas sim um fato, tendo sido firmada por doutrinadores, jurisprudências, e os mais importantes membros do âmbito jurídico no pais.

Vale citar como principal exemplo a posição declarada pela Procuradoria Geral da República, quando ajuizou a ADI 5766 para declarar inconstitucionais algumas expressões usadas no artigo 790. A PGR afirma que o acesso à justiça é um direito humano reconhecido no plano internacional, sendo previsto na declaração universal dos direitos do homem, no pacto internacional sobre direitos civis e políticos, e na convenção americana sobre direitos humanos, mais conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica-1966, além de ser consagrado pela atual Constituição Federal de 1988.

A ideia da PGR é que o acesso à justiça está voltado diretamente para a dignidade humana, sendo imperioso ao provimento das condições materiais de vida do trabalhador carente, é uma garantia fundamental da população trabalhadora que é socialmente vulnerável.  Afirma ainda que “o acesso a tutela jurisdicional de seus direitos econômicos e sociais trabalhistas que integram o conteúdo mínimo existencial dos direitos fundamentais é uma garantia fundamental dos trabalhadores”.


6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, pode-se perceber que a reforma trabalhista trouxe impactos negativos aos direitos conquistados, com muito sacrifício, pelos trabalhadores. Nota-se a inconstitucionalidade da alteração do artigo 790, visto que referida alteração teve como objetivo restringir e dificultar, severamente, o acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho, visto que, estabelecer um critério fixo para se conceder o benefício da justiça gratuita ofende vastamente o livre acesso ao judiciário. No entanto, ainda que não se estabeleça a compreensão de sua inconstitucionalidade, há diversos mecanismos interpretativos há serem usados para ampliar o acesso até então restringido e mitigado, frustrando, a intenção daqueles que patrocinam a reforma.


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