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Liberdade de expressão no Brasil e a instauração do Inquérito 4.781/DF pelo STF

o surgimento velado de um Estado de exceção

Liberdade de expressão no Brasil e a instauração do Inquérito 4.781/DF pelo STF: o surgimento velado de um Estado de exceção

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A liberdade como sobredireito é essencial para o exercício da democracia e da boa governança do Estado. Nas reflexões sobre a instauração do Inquérito n. 4.781/DF, pelo STF, indaga-se: até que ponto os Ministros estão dispostos a defender a liberdade?

Resumo: A liberdade como sobredireito é essencial para o exercício da democracia e da boa governança de um Estado e por isso é necessária uma dedicada atenção ao tema. Através da análise do Inquérito 4.781/DF e de ADPFs, foi possível verificar como a liberdade de expressão é sustentada pelos Ministros. Foram analisadas as doutrinas e teorias norte-americanas que defendem a posição preferencial da liberdade. Também foi possível fazer uma análise das normas constitucionais referentes ao tema. E soluções foram propostas para consolidar a posição preferencial da liberdade. 

Palavras-chave: Liberdade; Constituição; Democracia; República; Dignidade da pessoa humana; Supremo Tribunal Federal; Sobredireito; Imprensa. 

Sumário: Introdução. 1. Liberdade de expressão como sobredireito no ordenamento jurídico brasileiro. 1.1 Questões essencialmente jurídicas. 1.2 Elementos da liberdade para o Estado e a Jurisprudência do STF. 1.3 Reflexões acerca da liberdade. 2. Revista Crusoé e O Antagonista reprimidos por atos isolados de Ministros. 3. O pedido da Procuradoria-Geral da República: Crise de identidade judiciária. 4. ADPF 572: Um lembrete ao STF para a consolidação da liberdade. Conclusão. Referências


Introdução 

É possível afirmar que desde dois mil e nove até dois mil e dezoito, o Brasil evoluiu de forma substancial para a defesa do direito fundamental da liberdade em suas mais variadas vertentes. O Supremo Tribunal Federal foi um dos principais responsáveis e protagonistas nas discussões em torno da liberdade, sobretudo quanto à liberdade de expressão, quando tal órgão realizou essa importante atividade através das análises de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, cabendo lembrar das seguintes ADPFs, as de números 130, 187 e 548. 

O artigo que o leitor ora dedica a atenção apresenta algumas perguntas que deverão ser respondidas se valendo das Arguições supracitadas que revelam o entendimento da Suprema Corte brasileira, mostrando os argumentos utilizados pelos Ministros e para qual rumo o Judiciário do país caminha em torno da liberdade de expressão. 

Tendo em vista tão importantes decisões e suas interpretações em favor da liberdade como sobredireito no ordenamento jurídico brasileiro fica, de fato, evidente o ânimo que decorre da esperança de que o Supremo Tribunal Federal estaria caminhando rumo à plena liberdade. Porém, tal ânimo deve sofrer um momento de pausa e reflexão acerca da necessidade de vigilância para que não haja movimentos de retração. 

Aparentemente, o entendimento em torno da garantia fundamental da liberdade não está consolidado em bases sólidas que possam garantir com plena certeza que o país não voltará à momentos de censura prévia.

Sendo assim, até que ponto os Ministros estão dispostos a defender a liberdade em sua integralidade? Estariam eles dispostos a sustentar essa liberdade em todas as suas formas de expressão e nos mais variados discursos? E a Suprema Corte caminha para sustentar todos os tipos de discurso mesmo que tais ideias desagradem a opinião pública majoritária? 

Um elemento de destaque desse artigo deverá ser pautado na análise dos pontos que defendem a liberdade como elemento essencial da República e da defesa da Democracia, sendo ela um instrumento necessário para a boa governabilidade e transparência. E uma reflexão sobre a regulação da liberdade, deveria ela ser regulada pelo Estado ou pela percepção da população? 


1. Liberdade de expressão como sobredireito no ordenamento jurídico brasileiro 

É importante citar, nesse momento, os elementos do eixo estrutural da República que seriam eles a representação política, a eletividade, a participação popular, a periodicidade do mandato eletivo, a igualdade de todos perante a lei e por fim, a responsabilidade dos agentes públicos.

Os elementos acima citados recebem o auxílio de uma importante força garantidora que contribui para a manutenção do Estado Democrático de Direito, auxiliando na boa governança, na transparência e no debate promotor da Democracia. Essa força garantidora é a Liberdade, seja ela a de expressão, de pensamento ou mais restritamente a de imprensa.

Não deveria haver espaço para a restrição da liberdade, sob pena da restrição funcionar como um precedente para mais cerceamento da liberdade. Para a Democracia a liberdade de expressão jamais será prejudicial, é ela quem mantém o bom debate público e promove a informação dos povos.

Para tanto, é necessário entender de onde partem essas ideias, observando suas interpretações jurídicas, filosóficas e políticas, e é isso que será feito a seguir valendo-se de constitucionalistas e teóricos que trataram sobre o tema em questão e mais essencialmente em torno da liberdade como sovereign right (direito soberano ou ainda sobredireito), baseado na doutrina intitulada de Preferred Position Doctrine citada pelo Eminente Ministro Luís Roberto Barroso. 

1.1 Questões essencialmente jurídicas 

Nesse tópico, cabe citar os artigos normativos que tratam sobre a liberdade e realizar reflexões com o auxílio de doutrinadores. Devendo iniciar com os artigos da Constituição Federal que, por vezes, o legislador constituinte chegou a ser redundante ao se referir à liberdade, mas quem sabe, isso se deu no objetivo de assegurar a proteção desse direito tão caro para a sociedade.

Já se encontra no caput do artigo quinto a afirmação de que todos os residentes no País devem ter seus direitos assegurados e, dentre eles, está a “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade [...]”, sendo “livre a manifestação do pensamento” de acordo com o inciso quarto. É importante ressaltar que a própria Carta Magna dispõe de um mecanismo para sanar possíveis problemas decorrentes da manifestação do pensamento e esse mecanismo está disposto no inciso V com o constituinte dizendo que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Desse modo, caso seja verificada a ofensa a pessoa ofendida, seja ela física ou jurídica, poderá acionar o Poder Judiciário para a devida reparação, logo após a existência do devido processo legal, sendo resguardado o direito do contraditório e da ampla defensa para o suposto ofensor.

Também do artigo 5º, vale citar o inciso IX, que explicita que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Ainda sobre a liberdade de imprensa é de extrema relevância citar o artigo 220. 

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. 

Como é possível observar o legislador constituinte brasileiro dedicou extrema atenção para a liberdade, sobretudo a liberdade de imprensa tendo em vista o momento em que a Carta Magna brasileira fora redigida, logo após o Período Militar, que inegavelmente se valeu da censura prévia para controlar pessoas que não compactuavam com as ideias do regime.

Tal liberdade gera a discussão doutrinária da extensão desse direito, fomentando teorias de que essa liberdade deveria se restringir ao pensamento, por outro lado há outros pensamentos que defendem que a liberdade se completa com a expressão, no momento da manifestação, como bem pontual o doutrinador André Ramos Tavares. 

De nada adiantaria assegurar a liberdade de expressão (em seu sentido substantivo) se esta não pudesse exteriorizar-se. A liberdade de expressão substantiva se completa com o ato de comunicação, com sua discussão. A liberdade de expressão implica a liberdade de manifestação do pensamento, por qualquer forma ou veículo.

É desse entendimento que se originaram novas formas de liberdade de expressão que formaram a liberdade de comunicação, imprensa, de radiodifusão e de informar livremente. Esses que deverão ser os pontos de defesa em torno da liberdade saudável para o bom funcionamento da democracia, demonstrando o papel essencial dos meios de comunicação para informar os cidadãos e entregar para eles um papel ativo para a promoção de mudanças sociais.

As palavras de José Afonso da Silva sobre a construção da liberdade parecem essenciais para uma reflexão mais completa, diz o constitucionalista que “Realmente, a História mostra que o conteúdo da liberdade se amplia com a evolução da humanidade. Fortalece-se, estende-se, à medida que a atividade humana se alarga. Liberdade é conquista constante.”  Desse modo, se faz necessário uma vigilância constante para manter o que foi conquistado até o momento e é preciso despender esforços para aumentar a liberdade. 

1.2 Elementos da liberdade para o Estado e a Jurisprudência do STF

Falar de liberdade não se trata de ser pró Estados Unidos da América ou antiamericano, não se trata de ser esquerda ou direita, não se trata nem mesmo de ser liberal ou conservador, socialista ou capitalista. Defender a liberdade é sustentar uma garantia essencial para a natureza humana e como ficará evidente essencial para a boa governabilidade estatal.

Nesse momento cabe elencar pontos que defendem a liberdade de expressão sem restrições para o bom funcionamento do Estado e então será possível observar como esses elementos agem na sociedade.

Os norte-americanos são signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), e por causa desses pactos afirmam que devem defender todos os tipos de ideias e que todos os indivíduos têm o direito à liberdade de buscar, receber e divulgar informações. Como fica claro no Artigo 19 do PIDCP e da DUDH.

DUDH Artigo 19.º Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

PIDCP Art. 19 §2. Toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão; esses direitos incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

Cabe ressaltar que o Brasil também é signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos tendo sido decretado a 06 de julho de 1992 pelo então Presidente da República Fernando Collor através do Decreto nº 592. Sendo também signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fazendo parte da Organização das Nações Unidas e ratificando diversas Convenções que expandem o corpo do direito internacional dos direitos humanos, um exemplo disso é o decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

É afirmado pela Embaixada dos Estados Unidos da América que a Constituição norte-americana “protege até mesmo o discurso mais ofensivo e controverso da repressão governo”, devendo esses discursos serem limitados e sofrerem restrições somente em circunstâncias extremas de iminente violência e ameaças reais.

O intercâmbio livre e aberto de ideias contribui para uma melhor compreensão, promove a busca pela verdade e permite a refutação de falsidades. E sempre defendendo a tese de que discurso ofensivo se combate com mais discurso, de modo claro e racional, devendo deixar o povo definir qual seria a ideia verdadeira e mais apropriada, semelhante à um mercado em que empresas concorrentes disputam a preferência do público, gerando a noção de que ideias inferiores darão lugar para outras ideias superiores.

Essa proteção à liberdade de expressão permite que um indivíduo se expresse livremente sem temer a repressão estatal decorrente de suas palavras, não temer as punições estatais proporciona mais autonomia e liberdade que promove uma melhor governança. Esse debate aberto resulta em cidadãos mais participativos gerando um governo mais transparente e representativo, com ideias mais tolerante e uma sociedade mais estável, entendendo que reprimir somente gera grupos anônimos que discutirão os temas secretamente e que poderão se tornar ainda mais violentos.

Um ponto chave trata sobre a difamação nos Estados Unidos. Nesse país norte-americano a lei de difamação faz uma diferenciação entre os funcionários públicos e os indivíduos particulares. Os supostos difamadores recebem uma proteção maior quando comentam sobre funcionário públicos do que quando falam sobre particulares, para que tenham coragem pra criticar o governo e não sofram a repreensão estatal pro suas palavras proferidas.

Voltando ao Brasil, cabe falar sobre a ADPF 187, que ficou conhecida como ADPF da “marcha da maconha” que tratou sobre o direito à livre reunião de pessoas em defesa do uso da planta para fins medicinais e recreativos. Na ementa dessa ADPF encontram-se alguns pontos extremamente relevantes e que ressaltam a liberdade de expressão como um dos principais direitos fundamentais, como pode ser visto logo abaixo: 

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO UM DOS MAIS PRECIOSOS PRIVILÉGIOS DOS CIDADÃOS EM UMA REPÚBLICA FUNDADA EM BASES DEMOCRÁTICAS – O DIREITO À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO: NÚCLEO DE QUE SE IRRADIAM OS DIREITOS DE CRÍTICA, DE PROTESTO, DE DISCORDÂNCIA E DE LIVRE CIRCULAÇÃO DE IDEIAS – [...] – DISCUSSÃO QUE DEVE SER REALIZADA DE FORMA RACIONAL, COM RESPEITO ENTRE INTERLOCUTORES E SEM POSSIBILIDADE LEGÍTIMA DE REPRESSÃO ESTATAL, AINDA QUE AS IDEIAS PROPOSTAS POSSAM SER CONSIDERADAS, PELA MAIORIA, ESTRANHAS, INSUPORTÁVEIS, EXTRAVAGANTES, AUDACIOSAS OU INACEITÁVEIS [Grifos do Autor] 

Ainda segundo a relatoria do Ministro Celso de Mello é reafirmada a importância da liberdade de expressão como fundamento do constitucionalismo brasileiro e ainda é ressaltada sua importância para o bom desenvolvimento da democracia. Lembra-se aqui da importância dessa liberdade para a sustentação da boa governança transparente e com ampla participação popular.

22. A liberdade de expressão é um dos mais importantes direitos fundamentais do sistema constitucional brasileiro. Ela representa um pressuposto para o funcionamento da democracia, possibilitando o livre intercâmbio de ideias e o controle social do exercício do poder. De mais a mais, trata-se de direito essencial ao livre desenvolvimento da personalidade humana, uma vez que, como ser social, o homem sente a necessidade de se comunicar, de exprimir seus pensamentos e sentimentos e de tomar contato com os seus semelhantes. [Grifos do autor] 

A ministra Cármen Lúcia durante a leitura do seu voto citou um juiz da Suprema Corte Americana que afirma o seguinte “se, em nome da segurança, abrirmos mão da liberdade, amanhã não teremos nem liberdade nem segurança”, desse modo seguindo o pensamento de Benjamin Franklin, um dos Founding Fathers norteamericanos que ensinou que os que abrem mão da liberdade por segurança, terminam sem liberdade e segurança.

Também na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental número 548, que tratou sobre a livre manifestação de ideias em universidadesk a Ministra Cármem Lúcia afirmou que “não há direito democrático sem o respeito às liberdades”10, e o Ministro Luís Roberto Barroso afirmou que “nós temos ainda e infelizmente, uma tradição de interferências do estado no exercício da liberdade de expressão” e reafirmou com muita ênfase a sobreposição da liberdade em relação à outros direitos também assegurados pela Constituição brasileira. 

E, portanto, o que eu gostaria de lembrar é que entre nós, como o Supremo [Tribunal Federal] já afirmou mais de uma vez, a liberdade de expressão é uma liberdade preferencial dentro de um Estado de Direito Democrático. E, portanto, possíveis tensões entre a liberdade de expressão e outros valores ainda que constitucionais, impõem um ônus argumentativo de grande magnitude para que se possa de alguma forma cercear a liberdade de expressão. [Grifos do Autor]

O ministro ainda citou três pontos do porquê a liberdade deve ser tratada como preferencial no ordenamento jurídico brasileiro. 1º “O passado condena”, o Brasil tem um passado de cerceamento da liberdade iniciando com a censura do padre Manuel Airez do Casal que censurou a Carta de Pero Vaz de Caminha e mais recentemente o país viveu a censura no Regime militar. 2º A liberdade de expressão é um pressuposto para outros direitos, como a autonomia privada. 3º A liberdade é um pressuposto para a democracia e cidadania.

Como já citado, o Ministro Luís Roberto Barroso utiliza-se muito da Preferred Position Doctrine, segundo à qual a primeira emenda à constituição norte-americana referente à liberdade está em um nível mais elevado na hierarquização em relação a outros direitos fundamentais. Entretanto, isso não quer dizer que a liberdade estaria absolutamente imune a qualquer restrição, o que se verifica de fato é o reconhecimento da liberdade como estando em uma posição inicial preferencial, devendo cada caso ser analisado em suas peculiaridades. Fazendo sempre a proporcionalidade e sendo verificados outros critérios na análise entre liberdade e outros direitos fundamentais, e isso aparentemente está sendo posto em exercício em muitos casos analisados pelo Supremo Tribunal Federal. 

1.3 Reflexões acerca da liberdade

Deve-se ter em mente que censura nunca deverá ser a opção, principalmente quando ela decorre da censura por parte do Poder Judiciário. Sendo assim, as soluções para um possível abuso do uso da liberdade devem recair sobre o direito de resposta, sobre a reposição da verdade quando for possível e sobre o descrédito de quem publicou informações falsas, injuriosas, difamatórias ou caluniosas.

Para restituir a verdade não há opção melhor que o tempo, pensando que “A verdade não é filha da autoridade. A verdade é filha do tempo”: não será através de ações abusivas estatais que se reparará um dano causado por uma ação abusiva de um simples indivíduo, devendo a ele ser assegurado todos os seus direitos que lhe cabem quanto às questões processuais.

A frase de Evelyn Beatrice Hall sempre contribui para a discussão que trata sobre a liberdade, uma vez que a célebre escritora diz “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.” 

A repreensão estatal para com as ideias mais repugnantes somente serve como um precedente para que outros discursos também sejam reprimidos sempre que o Estado não concordar com tais ideias.

Durante uma sessão da Assembleia Constituinte de 1823, o então deputado Carneiro de Campos proferiu algumas palavras que refletem bem a importância da manutenção da liberdade para os indivíduos. 

Para ser livre, não basta que a pessoa e os bens do cidadão estejam defendidos e seguros da opressão; é também necessário que o seu espírito, desembaraçado das cadeias da tirania, possa seguir em liberdade as ideias que ele julga verdadeiras, úteis e necessárias à sua felicidade.

A liberdade nunca é prejudicial para a democracia e não deve haver espaço para a restrição desse direito fundamental, como bem lembra o Ministro Carlos Ayres Brito no julgamento da ADPF 130 sobre a revogação da Lei de Imprensa, o Ministro disse que “O preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do que o preço da livre circulação de ideias.”

Como foi possível observar ao longo do artigo presente, a Suprema Corte do Brasil por vezes proferiu entendimentos muito favoráveis à liberdade, através de votos nas decisões de Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, essas decisões foram tomadas de 2009 até 2018, entretanto em 2019 aconteceu um fato que pôs em risco tudo o que foi conquistado até o momento, como poderá ser visto logo abaixo. 


2 Revista Crusoé e O Antagonista reprimidos por atos isolados de Ministros 

Tudo isso inicia-se no dia 14 de março de 2019, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Dias Toffoli, resolveu instaurar um inquérito para investigar a “existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi” e logo em seguida designou livremente o Ministro Alexandre de Moraes para conduzir os trabalhos do Inquérito, sem ter utilizado o sistema de sorteio para definir o que seria o juiz natural encarregado pela condução das investigações.

No dia 03 de abril de 2019, Marcelo Bahia Odebrecht como colaborador de Justiça apresentou esclarecimentos principalmente sobre codinomes em e-mails e em uma dessas cartas eletrônicas ele afirmou o seguinte. 

Refere-se a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira. "Amigo do amigo de meu pai" se refere a José Antonio Dias Toffoli. A natureza e o conteúdo dessas tratativas, porém, só podem ser devidamente esclarecidos por Adriano Maia, que as conduziu.

A revista Crusoé veiculou uma matéria no dia 13 de abril de 2019 intitulada de “O amigo do amigo de meu pai” expondo o documento citado acima, e afirmou que uma cópia teria sido remetida “à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para que ela avalie se é o caso ou não abrir uma investigação sobre o ministro [Dias Toffoli].” Em seguida a Procuradoria-Geral da República emitiu uma nota alegando que não teria recebido o material citado na publicação da Crusoé e que não poderia confirmar sua veracidade. 

Ao contrário do que afirma o site O Antagonista [e revista Crusoé], a Procuradoria-Geral da República (PGR) não recebeu nem da força tarefa Lava Jato no Paraná e nem do delegado que preside o inquérito 1365/2015 qualquer informação que teria sido entregue pelo colaborador Marcelo Odebrecht em que ele afirma que a descrição “amigo do amigo de meu pai” refere-se ao presidente do Supremo Tribunal federal (STF), Dias Toffoli.

O Ministro Alexandre de Moraes que conduziu o Inquérito 4.781/DF tendo em vista a nota emitida pela Procuradoria-Geral da República proferiu uma decisão que ordenava a retirada da matéria mencionada do site O Antagonista e da revista Crusoé, devendo retirar também todas as postagens que tratassem sobre o assunto, sob pena de multa diária de cem mil reais. No mesmo dia o Ministro também ordenou que contas de redes sociais fossem bloqueadas por suposto “ataque às instituições”.

Em sua fundamentação para a decisão o Ministro alegou que a Constituição Federal consagra a plena liberdade de manifestação do pensamento, e que protege tal liberdade em seu duplo aspecto, o positivo que seria a exteriorização da opinião, bem como no aspecto negativo que seria a vedação da censura. Alexandre de Moraes sustenta que essa plena proteção à liberdade não impede a responsabilização a posteriori, como fica evidente no trecho abaixo.

A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

Desse modo, fica evidente que o Ministro define a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana como um direito que estaria acima da plena liberdade de exteriorização do pensamento. Entretanto, Alexandre de Moraes proferiu essa decisão sem ter pleno conhecimento acerca da matéria veiculada e dos documentos citados pela mesma, que logo em seguida ficou evidente que se tratava de papéis verídicos que já estavam com a Polícia Federal do Paraná e que estavam para ser encaminhadas à Procuradoria-Geral da República. 

A Decisão do Ministro causou estranhamento entre os Ministros da Suprema Corte brasileira que afirmaram, como o Ministro Marco Aurélio, que a decisão seria como uma “mordaça”, que seria um absurdo completo a retirada da matéria através de um meio de “censura”. A atitude foi vista como uma afronta e uma ação similar à censura, e a frase do célebre Rui Barbosa foi utilizada para retratar o momento “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer.”.


3 O pedido da Procuradoria-Geral da República: Crise de identidade Judiciária

A própria Procuradoria-Geral da República através de um documento de sete páginas recomendou o arquivamento do Inquérito em questão e que a matéria da revista Crusoé pudesse voltar à circulação com “fundamento nos princípios do devido processo legal e do sistema penal acusatório”.

A Procuradora-Geral deixou evidente a crise identitária que existe no Poder Judiciário brasileiro, em que há uma confusão entre juízes que deixam sua função de julgador para a função de acusador e investigador, acumulando todas as funções em uma única pessoa, se tornando o juiz que investiga, acusa, julga e executa.

A Procuradora expressa, de forma clara, que a Constituição Federal, em seu artigo 129-I, definiu que o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal e que suas funções não são passíveis de delegação para um outro órgão. E isso finda por definir o sistema acusatório no Brasil, diferentemente do inquisitorial. Tal sistema contribui para a assegurar a credibilidade, confiança e afasta as arbitrariedades e excessos da concentração de poder no processo penal.

O sistema penal acusatório estabelece a instransponível separação de funções na persecução criminal: um órgão acusa, outro defende e outro julga. Não admite que o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse.

Também é uma crítica a forma como a condução do processo foi distribuída, deixando evidente que não houve impessoalidade na distribuição pois ao invés de ter sido através de sorteio entre os membros do Supremo Tribunal Federal, a distribuição foi feita através de “nomeação” em que o Presidente do Supremo, Dias Toffoli, entregou a condução ao Ministro Alexandre de Moraes.

Ademais, afirma que as decisões tomadas somente poderiam ter ocorrido se houvesse um pedido por parte do Ministério Público, já que essas “atitudes invadem a privacidade ou a intimidade dos indivíduos”, o que de fato não ocorreu, a Procuradoria-Geral não fez nenhum pedido e por causa disso solicitou que todos os atos realizados no Inquérito fossem prejudicados.

Fazendo uma clara distinção entre o juiz garante e o juiz investigador que deveria seguir o que está definido no Supremo Tribunal Federal. “No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Relator, aleatoriamente escolhido pelo sistema de distribuição regular, é o juiz natural, o juiz garante, responsável por decidir questões legais. Não é o juiz investigador.” Esse juiz investigador somente existia no sistema penal inquisitorial e que foi abolido com a promulgação da Constituição de 1988, que introduziu o sistema penal acusatório. Porém o que correu no Inquérito 4.781 foi o seguinte. 

Nesta perspectiva constitucional, de garantia do regime democrático, do devido processo legal e do sistema penal acusatório, a decisão que determinou de ofício a instauração deste inquérito, designou seu relator sem observar o princípio da livre distribuição e deu-lhe poderes instrutórios quebrou a garantia da imparcialidade judicial na atuação criminal, além de obstar acesso do titular da ação penal à investigação. Na sequência, os atos judiciais instrutórios da investigação e determinantes de diligências investigativas também ferem o sistema penal acusatório e a Constituição. São vícios insanáveis sob a ótica constitucional. 

Sem dúvida, o fato mais criticado gira em torno da escolha do ministro para conduzir o Inquérito, que não poderia um mesmo juiz que entende que um fato é criminoso ser também o que determina a instauração da investigação e designa o responsável para a condução da apuração, causando um sério dano à imparcialidade do juiz no processo.

Entretanto, o Ministro Alexandre de Moraes indeferiu integralmente o pedido de arquivamento por entender que o sistema penal acusatório deu ao Ministério Público a privatividade da ação penal pública, porém não concedeu essa função às investigações penais que devem permanecer com os delegados da Polícia Judiciária e “excepcionalmente, no próprio Supremo Tribunal Federal”.


4 ADPF 572: Um lembrete ao STF para a consolidação da liberdade

Um partido com representação no Congresso Nacional, denominado de REDE Sustentabilidade, propôs uma ADPF que recebeu o número 572, com o objetivo de garantir a liberdade da revista Crusoé e do site O Antagonista. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 572 inicia com uma importante frase de Ataíde Lemos que reforça o que foi dito acerca da liberdade de expressão como uma das maiores forças na luta para a manutenção da Democracia e faz uma importante reflexão, como é possível notar.

A liberdade de expressão é um dos grandes pilares da democracia, bem como é um direito fundamental para a transformação social e cultural, pois ela garante o direito à informação e formação de opinião da sociedade. Porém, ela é uma arma perigosa contra aqueles que detêm o poder e por isto eles a detestam.

O partido alega que a decisão do Ministro Alexandre de Moraes de ordenar a retirada da matéria sob pena de multa representou uma “clara afronta ao preceito fundamental” que seria a liberdade de poder se manifestar sobre o documento o qual se teve informação e de poder repassar aos leitores do jornal, já que se tratava de um assunto relevante envolvendo um servidor público. O partido também reforça o caráter da liberdade como um princípio basilar da democracia e do Estado de Direito.

Assim como o Ministro Luís Roberto Barroso já explicou, no momento em que proferiu seu voto na ADPF 548 e mostrou que existem três pontos que justificam que a liberdade seja reconhecida como um sobredireito, diz-se que os pontos seriam: 1º “O passado condena” referente ao histórico do país de censura; 2º A liberdade de expressão é um pressuposto para outros direitos e 3° A liberdade é um pressuposto para a democracia e a cidadania. Do mesmo modo entende o partido, alegando que a liberdade de imprensa é um meio de garantia do acesso à informação pela população e como uma garantidora ao exercício de outras liberdades e direitos.

Relembrou uma importante frase do Ministro Carlos Ayres Britto, proferida no momento do julgamento da ADPF 130 referente à lei de imprensa, na oportunidade o Ministro afirmou que a liberdade de imprensa constitui um bem da personalidade e que recebe a qualificadora de sobredireito.

A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos.

E ainda recorda a excelente análise do Ministro Celso de Mello que diz que “a censura governamental, emanada de qualquer um dos Três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público”.

Na ADPF 572, o partido REDE também lembra que se for constatada que houve extrapolações no exercício da liberdade de imprensa e se essas extrapolações causaram danos a outrem, a Constituição em seu artigo 5° incisos V e X asseguram mecanismo para a plena responsabilização e uma possível reparação decorrente do dano causado. Afirmando que em nenhum caso, o constituinte brasileiro permitiu que o Poder Judiciário censurasse previamente qualquer conteúdo editorial, devendo ordenar a retirada do conteúdo somente quando o devido processo legal e o contraditório fossem assegurados de forma plena.

O que ocorreu, de fato, é que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Dias Toffoli pôs o regimento interno da Suprema Corte acima das próprias normas constitucionais, agindo de forma autoritária e totalmente inconstitucional. Desse modo, o partido encerra requerendo a suspensão dos efeitos do despacho do Ministro Alexandre de Moraes.

Somente no dia 18 de abril de 2019, o Ministro Alexandre de Moraes, como relator do Inquérito 4.781/DF, emitiu uma decisão que revogou a anterior que determinou a retirada da matéria “O amigo do amigo de meu pai” do site O Antagonista e da revista Crusoé. Fez isso após a documentação referente à colaboração de Marcelo Odebrecht ter chegado ao gabinete do Ministro, ficando atestada a veracidade do documento.

O Ministro afirmou que os atos investigados pelo Inquérito são condutas criminosas que tiram a virtude da liberdade de expressão e a usam como um meio de defesa para que indivíduos possam cometer delitos contra os Ministros da Suprema Corte com o objetivo de provocar a instabilidade institucional, Alexandre de Moraes faz isso insinuando que há um esquema de financiamento e divulgação em massa “nas redes socais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito.”

Até que em determinado momento da decisão o Ministro retorna à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e expressa que repudia as “infundadas alegações” de que as decisões tomadas por ele estariam com a intenção de restringir a liberdade de expressão e o “sagrado direito de crítica”, o Ministro passa a ter o objetivo de demonstrar que esses dois elementos são essenciais para o pleno exercício da Democracia e contribuem para o fortalecimento das instituições democráticas brasileiras.

O Ministro faz uma excelente lembrança sobre o caso New York v. Sullivan, que firmou o entendimento norte-americano acerca da crítica contra servidores públicos ao afirmar que é “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” e Alexandre de Moraes continuou com o intuito de reafirmar a importância dessa prática.

Também lembrou a defesa de Oliver Holmes no caso Abrams v. United States, oportunidade em que Holmes defendeu a ideia do free marketplace of ideas, que defende o que já foi citado nesse artigo referente ao livre debate entre opiniões distintas que poderão ser aceitas ou rejeitas pela sociedade, também com a possibilidade de serem desacreditadas ou ignoradas.

Para concluir, o Ministro afirma que a revista agiu em um “exercício de futurologia”, por terem antecipado o que seria feito pelo Ministério Público Federal do Paraná, afirmando que os jornalistas poderiam induzir a conduta desse órgão. Alexandre de Moraes afirma que como os documentos foram verificados estava cessada a necessidade de manutenção da medida que impedia a circulação da matéria da revista e do site.

Poderia ser dito que o Ministro proferiu excelentes palavras e relembrou grandes ensinamentos em defesa da liberdade, principalmente como um instrumento de crítica contra agentes públicos, tendo a capacidade de auxiliar no bom funcionamento da máquina estatal. Porém, após ter tomado uma medida cautelar tão extrema que ordenou a retirada de uma matéria jornalística, fica um tanto quanto sobre suspeita se suas palavras condizem com seus atos e se suas decisões são influenciadas por casos específicos ou se trata-se de decisões uniformes, no mesmo entendimento em defesa da liberdade de expressão. 


Conclusão

Como visto, o senhor Ministro Dias Toffoli ousou colocar o regimento interno do STF acima das normas presentes na Constituição da República Federativa do Brasil, e como já citado agiu de forma autoritária e fora das leis constitucionais, violando de forma direta o texto constitucional. Fez isso ao abrir um Inquérito se valendo da Polícia Judiciária e sem a participação da Procuradoria-Geral da República.

Outro ponto grave nesses atos é referente à designação do senhor Ministro Alexandre de Moraes que deveria ter sido realizada através do sistema que definiria aleatoriamente quem dos Ministros da Casa deveria estar à frente na condução do Inquérito 4.781.

Alexandre de Moraes erra ao ordenar que a revista Crusoé e o site O Antagonista retirem de suas respectivas plataformas todo o conteúdo referente aos documentos que citam “o amigo do amigo de meu pai”, por ter definido uma multa diária de cem mil reais e além disso, de ter ordenado busca e apreensão em oito estados do Brasil e por ter ordenado o bloqueio de contas de redes sociais por supostos ataques ao órgão máximo do judiciário brasileiro.

É inegável que a Suprema Corte brasileira, acompanhada da jurisprudência nacional, está evoluindo de forma gradativa e consistente, através de decisões que prezam pela Liberdade em suas mais variadas formas de exercício quando essa garantia constitucional se defronta com outros direitos fundamentais. Mas é necessário o máximo de atenção para a boa manutenção dessa tendência, é necessário que as evoluções até o momento alcançadas sejam asseguradas e reforçadas.

A Liberdade age como elemento essencial para o bom exercício da Democracia, proporcionando uma gestão de governo clara, transparente e com ampla participação popular. E principalmente, a Liberdade de informação, com o direito de informar e ser informado assegurado, age como força capaz de manter a população informada contra eventuais abusos estatais. Restringir tal liberdade somente tende a causar graves danos para a sociedade. Desse modo, com a desculpa de proteger determinados direitos, o Estado finda por causar um dano irreparável no meio social.

Os Ministros têm proferido votos muito bem fundamentados em defesa da liberdade, mas é necessário retornar à pergunta que versa sobre até que ponto os Ministros estariam dispostos a defender a liberdade em sua integralidade? No caso retratado nesse artigo, o Ministro, assim que se viu prejudicado pela liberdade, logo agiu de forma que pudesse restringi-la ao máximo, de forma muito contundente. Eis aí a necessidade de reforçar a liberdade como um sobredireito constitucional, e isso deve ser feito por via jurisprudencial bem como por via legislativa através de edição de Emenda Constitucional. A liberdade deve ser sustentada em todas as suas formas de expressão e nos mais variados discursos, e não somente os apoiados ou permitidos pelo governo transitório, lembrando as palavras do Ministro Luís Roberto Barroso “liberdade para os dois lados, três lados, quatro lados...”.

Ainda há muito para evoluir quando o assunto é liberdade de expressão no Brasil, muitos pontos já foram debatidos e garantidos, mas ainda há diversos assuntos que são repelidos pela sociedade e pelo Estado, são grupos que merecem voz para defenderem o que bem entenderem desde que não tenham o objetivo de causar iminente e real ameaça.

E sobre se a Liberdade deveria ser regulada pelo Estado ou pela percepção da população, deve ficar claro que o Estado deve largar o seu caráter paternalista e deixar que os indivíduos escutem, pensem e expressem sobre os diversos assuntos que são levantados no seio social para o debate. Sempre tendo em vista que os melhores assuntos, ou ao menos aqueles que no momento os indivíduos consideram mais apropriados, devem prosperar. Regulação estatal somente causa prejuízos à sociedade com o aumento na violência do discurso, quando o Governo em exercício tem a tendência de banir aqueles discursos que lhe são prejudiciais, causando um dano irreparável para o bom exercício da democracia de modo orgânico.

A Constituição Cidadã brasileira está repleta de artigos e incisos que asseguram a plenitude do exercício da liberdade com posterior reparação quando verificada a existência de abusos cometidos, dessa forma cabe no momento efetivar de forma integral tal garantia através do amplo debate.

O debate acerca da Prefered Position Doctrine e da Free marketplace of ideas theory, deve ser impulsionado no Brasil para que todos os pontos possam ser analisados da teoria e da doutrina norte-americanas, tendo o objetivo de verificar o que poderia ser utilizado no Brasil com a intenção de fortalecer as instituições nacionais e incentivar o aumento da participação popular nas principais decisões do país com o auxílio da imprensa livre.

Pode-se encerrar afirmando que essas ideias estão de certo modo “plantadas” nas mentes do Ministros que, atualmente, compõem a Suprema Corte brasileira ao proferir votos. Todavia, essas ideias necessitam de reforço e essa força auxiliar deve partir de outros personagens que compõem o judiciário, como os juízes, advogados e promotores. Devendo também partir da classe política na promoção de legislação que garanta a defesa da liberdade e contando com o auxílio da ampla participação da população nas discussões.


Referências

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Autor

  • Francisco Sérgio Sarmento Ramos

    Atualmente é Estagiário Voluntário do 7° Juizado Especial Cível e Criminal da Capital. Graduando em Direito pelo Centro Universitário Tiradentes (UNIT). Capacitado para atuar como Mediador Social de Conflitos. Tem Experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Constitucional e História do Direito. Tem realizado pesquisas principalmente com os seguintes temas: Constituição Imperial de 1824, Constituinte de 1823, Leis Imperiais do Brasil, Leis Reais de Portugal, Liberalismo e Sistema Monárquico em suas mais variadas vertentes. Idealizador e fundador do Centro de Coworking em Pesquisas Jurídicas Professor Francisco Sales. Realiza trabalhos dentro de movimentos políticos, como os liberais LIVRES, Students for Liberty, Frente Pela Liberdade e NOVO, e do monárquico Círculo Monárquico Brasileiro/AL. Além de realizar trabalhos sociais no Instituto Professor Francisco Sales. Contato: [email protected] ou (82) 99605-7134.

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RAMOS, Francisco Sérgio Sarmento. Liberdade de expressão no Brasil e a instauração do Inquérito 4.781/DF pelo STF: o surgimento velado de um Estado de exceção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5816, 4 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74307. Acesso em: 19 abr. 2024.