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Projeto de lei n. 1.179/2020, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (covid-19)

Projeto de lei n. 1.179/2020, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (covid-19)

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O regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado (RJET) impactará nas principais relações jurídicas e sociais de empresários, consumidores, da livre iniciativa, dentre outras.

Tramita no Senado Federal proposição que estabelece um Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) para tratar de várias questões de Direito Privado decorrentes do período excepcional de calamidade pública causada pela pandemia do Coronavírus (Covid-19).

O autor do Projeto, Senador Antonio Anastasia, evocou medidas legislativas similares adotadas por outros países e alinhadas com soluções legais advindas de esforços conjuntos com o STF.

Sinteticamente, o Projeto versa acerca da ocorrência do estado de calamidade pública, referente à emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19), instituído pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, data na qual foi fixado o marco inicial do RJET, até 30 de outubro de 2020 (seu marco final), sem que seja revogada ou alterada qualquer norma por ela afetada, mas apenas suspendendo alguns de seus efeitos, portanto, sem eficácia retroativa.

Em sentido contrário, foi acertadamente afastado o afã de resolução precipitada dos processos envolvendo a pandemia. Isso porque as questões tecnicamente urgentes em processos judiciais já são protegidas pelas tutelas de urgência existentes no Código de Processo Civil e demais diplomas afetos ao tema, sem cometer o atropelo de se conceder preferência a todos os processos envolvendo impactos do coronavírus, em prejuízo dos feitos envolvendo pessoas idosas e de outros com preferências legais, os quais ficariam prejudicados por essa sobreposição de ordens normativas de priorização processual, assim, esvaziando o Instituto da Preferência de Tramitação.

Quanto à prescrição e à decadência, faço um adendo para sublinhar que a pandemia já é sopesada tanto pelos operadores do Direito, quanto pelos juízes, como caso fortuito, ao se considerar o tipo de relação jurídica envolvida em cada caso concreto (visto que essa definição pode ser facilmente subsumida com a aplicação do Código Civil), emergindo daí, a desnecessidade de se definir a pandemia como tal.

Cabe salientar que os legisladores foram muito técnicos e cuidadosos em segregar as pretensões atingidas pela prescrição ou pela decadência, implicar uma retroatividade vedada no ordenamento por violar direito adquirido, devendo-se, então, nos casos concretos, acorrer-se da própria doutrina, pois a suspensão da prescrição e da decadência é plenamente plausível e pugnável hodiernamente.

Além disso, tenta minorar os transtornos causados pela pandemia no equilíbrio econômico dos contratos e conseqüentes variações econômicas e de mercado, modulando a revisão ou resolução contratual decorrentes, exclusivamente, de locação de imóvel residencial urbano e relação de consumo. Destacando a suspensão do direito de devolução de produtos ou serviços no caso de delivery.

Nesse sentido, em virtude da proibição de atendimento presencial das lojas em razão da pandemia, muitos estabelecimentos tiveram de passar a fornecer serviços de delivery, contudo, parece importante esclarecer que, no caso de compra remota de produtos essenciais (como alimentos, remédios e outros itens básicos) com entrega domiciliar, o consumidor não disporá de sete dias para manifestar seu arrependimento, especialmente porque, no momento em que o consumidor recebe a mercadoria das mãos do entregador, ele poderá se recusar a concretizar a venda se verificar alguma imperfeição no produto. No entanto, não contemplou as compras feitas por aplicativos, quando pagas no momento da confirmação dos pedidos.

Nas relações locatícias, restringe a retomada do imóvel aos casos de necessidade para uso (próprio ou de familiar do locatário), de obras públicas ou de locação profissional, impedindo, porém, a concessão de liminar para fins de despejo. Contudo, não assegura aos inquilinos, mesmo os que comprovem terem sofrido perda ou redução da renda, o parcelamento dos aluguéis com vencimento no período do RJET (como na proposta inicial do PL). Isso se dá por não ser absoluta a presunção de que os inquilinos não terão condição de pagar os aluguéis e por desconsiderar que inúmeros locadores sobrevivem exclusivamente dessas rendas ou as têm como fonte primária. Esse assunto, acertadamente, ficou a cargo das negociações privadas, com a lembrança de que o ordenamento jurídico já dispõe de ferramentas para autorizar, a depender do caso concreto, a revisão contratual, a exemplo dos arts. 317 e 478 do Código Civil, ou de dispositivos específicos da Lei do Inquilinato.

Vale ressaltar, contudo, que o RJET também suspende o prazo da aquisição da Usucapião, que iniciará a partir da vigência da lei até o fim de outubro de 2020, voltando a fluir em 01 de novembro de 2020.

Quanto aos condomínios edilícios, amplia os poderes do síndico, conferidos pelo art. 1.348 do Código Civil, para adotar medidas de restrição de uso de áreas comuns e de realização de eventos, com o objetivo de evitar a propagação do Coronavírus (Covid-19). Destacando a possibilidade de assembléias e votações virtuais, além de prever a pena de destituição do síndico que não prestar contas regularmente. Ressalva, obviamente, casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou a realização de benfeitorias necessárias. Essas determinações são importantes para dar segurança nas decisões que o síndico precisa tomar em tempos de crise.

Destaque-se a prorrogação dos mandatos dos síndicos vencidos entre 20 de março de 2020 e 30 de outubro de 2020, até o fim da vigência do RJET, caso não seja viável a realização de assembléia virtual. Isso é importante para efetivar a manutenção do funcionamento dos condomínios edilícios. Lembremos que, sobretudo, bancos costumam negar acesso do síndico à conta bancária do condomínio se já houver esgotado o prazo de seu mandato, razão pela qual o Projeto terá grande utilidade prática para os condomínios, haja vista que tais entidades não poderão negar tal acesso

Nas situações em que o síndico sofre restrição ao acesso à conta do condomínio, emerge uma das vantagens das contas pool: que são contas bancárias coletivas, normalmente de titularidade de administradoras de condomínios, através das quais são recebidos os pagamentos de cotas condominiais e feitos os pagamentos de todas as contas, salários e tributos de inúmeros condomínios. Mas essa solução deve ser previamente implementada.

Autoriza também as pessoas jurídicas (sociedades, as associações, as fundações) a realizarem assembléias e votações não-presenciais e, havendo reuniões, que essas respeitem as determinações das autoridades sanitárias, bem como, prorroga os prazos legais de realização de assembléias e de divulgação ou arquivamento de demonstrações financeiras, observada, quanto às companhias abertas, a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Note-se que o Projeto adstringe-se a questões estritamente de Direito Civil e acerca de como a diretoria das pessoas jurídicas podem se reunir para deliberar sobre questões administrativas. Por essa razão, foi excluída qualquer referência às entidades religiosas.

O Projeto prevê a suspensão da proibição concorrencial de venda de produtos ou serviços a preços injustificadamente abaixo do mercado e a cessação total ou parcial das atividades empresariais sem justa causa comprovada, condutas que são tidas por ilícitos concorrenciais, sem afastar a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica.

No tocante ao Direito de Família e Sucessões, fixa o regime exclusivamente domiciliar para o cumprimento da prisão civil por dívida de alimentos, adia o início da contagem do prazo de dois meses para a abertura de processos de inventário relativos a falecimentos ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 2020, e suspende os prazos para conclusão dos processos de inventário ou de partilha iniciados antes de 1º de fevereiro de 2020, ambos até o fim do RJET.

Ressalte-se o aumento de 24 (vinte e quatro) para 36 (trinta e seis) meses da vacatio legis prevista para vários dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados, prazo que é contado desde 15 de agosto de 2018, data de publicação da referida Lei.

As Disposições Finais atribuem ao Conselho Nacional de Trânsito, a proibição de veículos circularem com peso além dos limites recomendados pelo fabricante. Verifica-se no Projeto a possibilidade de circulação de veículos com excesso de carga (maior volume de produtos por veículo), porém não outorga liberdade irrestrita para os veículos trafegarem com qualquer peso, cabendo ao CONTRAN a competência para regulamentar as condições em que veículos poderão circular nas rodovias com cargas que extrapolem os limites pertinentes de peso. Desse modo, aquele Órgão continua tendo discricionariedade para analisar cada caso e flexibilizar essas regras sem comprometer a segurança no trânsito e, assim, evitar abusos.

Note-se que assuntos inerentes a serviços essenciais, tais como água, luz, gás encanado, internet etc, por envolverem contratos com concessionárias de serviço público, se inserem na seara do Direito Administrativo e, portanto, extrapolam o escopo do Projeto, que se limita ao campo do Direito Privado e a algumas matérias específicas.

Por ser de ampla aplicação, a Lei decorrente desse projeto terá impacto nas principais relações jurídicas e sociais dos empresários, empreendedores, consumidores e também no aspecto imobiliário, da livre iniciativa e na manutenção do desenvolvimento econômico. Dessa forma, diversas questões surgirão quanto à efetiva aplicação nos casos concretos, devendo ser elididos pelos operadores do Direito.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Rafael Joubert de. Projeto de lei n. 1.179/2020, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (covid-19). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6139, 22 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81076. Acesso em: 25 abr. 2024.