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Trabalho infanto-juvenil: proteção e inserção no mercado de trabalho

Trabalho infanto-juvenil: proteção e inserção no mercado de trabalho

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O adolescente precisa ser introduzido gradativamente no mercado de trabalho através de políticas que garantam o seu crescimento como ser social. Do contrário, qual será a carreira de um menor marginalizado pelo Estado e pela sociedade?

1. INTRODUÇÃO

O trabalho infanto-juvenil é de extrema relevância na construção de uma sociedade mais digna, justa, solidária e igualitária. A Lei confere às crianças e adolescentes o direito fundamental de não trabalhar, o qual é reconhecido na Constituição da República e amparado pelo Princípio da Proteção Integral. Contudo, mesmo assim, o trabalho precoce permanece como uma realidade na sociedade brasileira, presa aos tentáculos da necessidade de busca pela sobrevivência.

Sabe-se que é direito das crianças e adolescentes o acesso à educação, alimentação, proteção, saúde, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, colocando-os a salvo de toda violência, discriminação, exploração e crueldade. Por essas razões a eliminação da exploração do trabalho infanto-juvenil e sua correta inserção no mercado de trabalho se faz tão importante e está entre as prioridades da sociedade atual.

Porém, a ausência de políticas de inserção social e, principalmente, econômica, referente a essa faixa etária, infelizmente faz com que se cresça a miséria e a pobreza, levando crianças e adolescentes à marginalidade no âmbito do mercado de trabalho. Tais situações são geradas em razão da necessidade que esses pequeninos possuem de ajudarem suas famílias a sobreviverem, incrementando ganhos financeiros na renda familiar total através de atividades laborais.

Vale dizer que o fenômeno da globalização dos mercados contribui para agravar essa situação no país, somado aos altos índices de estratificação social. Isso porque a globalização trouxe o acirramento nas disputas por mercados com grandes reflexos na redução de postos de trabalho no mundo e aumento de mão de obra barata.

Sendo assim, é no universo da análise dos abusos nas condutas dos empregadores e suas respectivas responsabilidades diante das políticas de inclusão de crianças e adolescentes na população economicamente ativa que este estudo se faz presente.

Desta forma, esta pesquisa tem por escopo analisar o trabalho infanto-juvenil a partir de uma abordagem histórico-predatória da mão de obra de crianças e adolescentes, identificando práticas abusivas e ilegais do ingresso desses indivíduos no setor privado.

Objetiva-se, ainda, relacionar as políticas e ações públicas, planos e programas governamentais desenvolvidos no intuito de prevenir, combater e erradicar a exploração da mão de obra infanto-juvenil, bem como o papel e atuação dos operadores do Direito na repressão da inclusão ilegal desses jovens no mercado de trabalho. Assim, utilizar-se-á de pesquisas bibliográficas, legislações, doutrinas e decisões judiciais sobre o tema em questão para embasar a discussão.


2. DA CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

A exploração do trabalho do menor de idade é fato vivenciado não somente na sociedade atual, mas é prática corriqueira desde tempos mais antigos. Porém, a exploração do trabalho infantil só ganhou relevância a partir do período da Revolução Industrial.

No Brasil, desde o seu “descobrimento” em 1.500 d.C., é possível verificar o abuso na exploração do trabalho infantil. Nas caravelas portuguesas, crianças e adolescentes entre 9 e 16 anos eram submetidas a trabalhos perigosos, conhecidos como “pequenos grumetes”, ocasião em que iniciavam a carreira na Armada. Estima-se que 10% da frota de Cabral era formada por estes pequenos marinheiros, que trabalhavam no convés, fazendo faxina nos porões e remendando velas (RIBEIRO, 2009).

Além disso, sabe-se, que os escravos não eram vistos como pessoas e sim como coisas, estando sujeitos aos mandos de seus senhores que os forçavam a trabalhar desde a tenra idade. Essa realidade é mencionada por Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro:

Aos quatro anos de idade os escravos desempenhavam tarefas domésticas leves nas fazendas; aos oito anos poderiam pastorear gado; as meninas aos onze anos costuravam; e, aos quatorze anos, tanto os meninos quanto as meninas, já laboravam como adultos (MINHARRO, 2003, p. 22).

No mesmo sentido, José Ribeiro Dantas Oliva (2006, p. 84-85) em sua crítica sobre a sociedade atual, alerta que "[...] mais de um século depois, trabalhadores brasileiros ainda são reduzidos à condição análoga a de escravos, de diversas formas, inclusive, crianças e adolescentes".

Vale dizer, por fim, que a primeira norma brasileira que tratou de proteger o trabalhador infanto-juvenil ocorreu por meio do Decreto nº 1.313 de 1891, no qual proibia-se o trabalho de crianças e adolescentes nas fábricas (BRASIL, 1891).

2.1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR INFANTO-JUVENIL NO BRASIL

No estudo realizado por Evaristo de Moraes, exposto na obra 'A escravidão africana no Brasil', consta que a primeira "fumaça" de intenção de se estabelecer uma norma com escopo de dispor sobre a utilização de mão-de-obra infanto-juvenil escrava surgiu em 1825, por meio de um projeto de lei assinado por José Bonifácio de Andrada e Silva, no qual, dentre outras disposições, vedava-se trabalhos insalubres e demasiados a escravos menores de 12 anos e velava-se pela saúde da escrava grávida e depois do parto (LIMA apud PEREZ, 2008, p. 46).

Após a abolição da escravatura, surgiu outro problema social no país. As famílias, constituídas por escravos libertos e sem trabalho, não tinham como sustentar seus filhos, cujos filhos de escravas de pais desconhecidos ficavam perambulando pelas ruas. Conforme Viviane Matos González Perez (2008, p. 40), "[...] iniciava-se, assim, o processo de marginalização das crianças pobres, ainda presente em nossa sociedade atual".

Por sua vez, Jose Ribeiro Dantas Oliva (2006, p. 42) pondera que, em decorrência desse fenômeno social, os governantes começaram a se preocupar com a criminalidade, propondo como solução para o abandono e delinquência juvenil o trabalho infanto-juvenil, em que os pequenos trabalhadores eram explorados livremente sob o argumento ao estimulo e aceitação do trabalho desde a tenra idade.

Assim, primeira legislação pátria a tratar do tema foi o Decreto nº 1.313 de 1891, no qual se regulamentou o trabalho das crianças e adolescentes nas fábricas. Porém, esta Lei, não permitia que menores de 12 anos trabalhassem, exceto para fins de aprendizagem, nas fábricas de tecidos, aos maiores de 8 anos de idade (OLIVA, 2006).

Segundo Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro (2003, p. 24), a primeira tentativa parlamentar com o propósito de regular o trabalho industrial se deu com com o Projeto nº 4-A de 1912. Nele se proibia o trabalho de menores de 10 anos e se limitava o tempo de trabalho, dos 10 aos 15 anos, a 6 horas diárias.

Até 1919, as discussões sobre o referido projeto ainda perduravam, cuja exploração de menores em fábricas chegou a ser denunciada por Nicanor Nascimento, no seguinte trecho: "[...] em 100 infantes de uma fábrica, um médico achou 80% de homens perdidos. Todas as formas de depauperamento, de desnutrição, dos vícios orgânicos e vícios morais invalidaram esses infantes" (SÜSSEKIND et al., 2000, p. 915).

Somente em 1927, promulgou-se o Código de Menores Brasileiro, através do Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, o qual recebeu a alcunha de “Código de Mello Matos”, que, dentre outras questões, dedicou-se a tratar do trabalho das crianças e dos adolescentes. Em seu Capítulo IX (arts. 101 a 125), o decreto supramencionado trouxe a proibição do trabalho aos menores de 12 anos e do trabalho noturno aos menores de 18. Além disso, vedava-se, aos menores de 14 anos, o exercício de emprego em praças públicas (SUSSEKIND et al., 2000, p. 915).

Já em 1979, o Decreto nº 6.679 aprovou uma nova codificação, ocasião em que fora revogado o diploma anterior. Contudo, a nova legislação não trouxe muita inovação em relação a matéria. Segundo Aldaíza Sposati (1998 apud NASCIMENTO, 2003, p. 81), manteve-se a mesma concepção do código revogado, "[...] dedicando-se exclusivamente ao menor em situação irregular, ou seja, àquele que não possuía o essencial para sua subsistência, dada a falta de condições econômicas do responsável".

Após a Constituição Federal de 1988, foi editada a Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em que se buscou adequar a realidade vivida por crianças e adolescentes ao princípio da intangibilidade da dignidade humana, pautando-se no princípio da proteção integral, importante instrumento de proteção e relevante vetor interpretativo (COSTA, 2004).

É possível observar que somente após a Carta Cidadã que o legislador pátrio agiu de forma coerente com o texto constitucional e com documentos internacionais nos quais o Brasil era signatário – Convenções 138, 146, 182 e 190 da OIT/ONU (ONU, 2020).

Assim denota-se, no contexto histórico de tratamento ao trabalho infanto-juvenil, uma vasta e irregular legislação que demonstra uma postura omissiva do legislador estatal, tanto na proteção do menor, quanto na inserção desses no mercado de trabalho.

2.2. O TRABALHO INFANTO-JUVENIL NO ÂMBITO DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT)

O Decreto-lei nº 5.452/43, que dispõe sobre a Consolidação das Leis do Trabalho e regula as relações jurídicas estabelecidas entre empregador e trabalhador, trata em seu Capítulo IV, especificamente, sobre a “PROTEÇÃO AO TRABALHO DO MENOR”, tratando da referida matéria no art. 402 ao artigo 441 (BRASIL, 1943).

Para efeito desta legislação, considera-se menor o trabalhador de quatorze até dezoito anos de idade (art. 402). Esta norma traz, nos dispositivos seguintes, a proibição do trabalho para menores de 14 anos; a condição de aprendiz para menores de 14 a 16 anos; e a vedação total, ao menor de 18 anos, do exercício de atividades à noite ou em locais que lhe prejudique a formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social (BRASIL, 1943).

Tal condição possui caráter protetivo, na medida em que o trabalho gera efeitos no mundo jurídico pela impossibilidade de devolução das partes ao status quo ante, pois não há como devolver ao infanto juvenil a força de trabalho despendida. Assim, nos termos da legislação trabalhista, havendo prestação de serviços por menor de idade de forma ilegal, este fará jus a todos os direitos trabalhistas do trabalho que fora prestado. Nesse sentido, salienta Ari Pedro Lorenzetti: 

(...) não significa que o início da execução do contrato sane todos os vícios relativos à capacidade do trabalhador. Embora destinatário da norma protetiva, o fato de já estar em curso o contrato não lhe garante o direito de mantê-lo, mas apenas de obter a contraprestação referente ao trabalho já desenvolvido. Assim, ainda que a nulidade não prejudique o direito do obreiro, isso não significa que, pelo só fato de ter firmado o contrato, o menor adquira o direito de dar-lhe prosseguimento. Contudo, embora o contrato tenha sido firmado durante o período da menoridade, adquirindo, posteriormente, o trabalhador capacidade laboral plena, o vício inicial resta sanado, pelo trato sucessivo que marca a relação de emprego, já não havendo razão para pretender rescindir o contrato, por não mais haver óbice algum à sua manutenção (LORENZETTI, 2008, p. 20).

Portanto, o trabalho realizado por crianças e adolescentes, ainda que proibido, deve ser compensado, sendo-lhe devido todos os direitos trabalhistas inerentes ao contrato de trabalho ora firmado. Tal interpretação visa proteger o trabalho infanto-juvenil e evitar o enriquecimento ilícito por parte do tomador dos serviços.

2.3. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL AO INFANTO-JUVENIL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, antecipando-se à Declaração dos Direitos da Criança de 1989, contemplou, de modo explícito, em seu artigo 227, § 3º, o direito à proteção especial. Surgiu, assim, o Princípio da Proteção Integral, que fora ratificado, posteriormente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 (BRASIL, 1988).

Convém frisar que o termo "integral" não é despropositado. Isso porque, nos termos do artigo 227, impõe-se à família, ao Estado e à sociedade, o dever conjunto e prioritário de cumprir com os objetivos lançados, quais sejam: assegurar as crianças e aos adolescentes uma vida digna com saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura e respeito, protegendo-os de qualquer discriminação, violência, exploração, negligência, crueldade e/ou opressão (BRASIL, 1988).

À família cabe a tutela de garantir a integridade física, moral, psíquica e emocional do menor, bem como o seu sustento, até que ele alcance o desenvolvimento completo. À sociedade compete o dever de facilitar a integração dos jovens no âmbito comunitário, respeitando sua individualidade e ajudando-os a desenvolver suas potencialidades. E, ao Estado, o dever de elaborar e fazer cumprir, nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), leis e ações que protejam e proporcionem o necessário amparo aos menores, especialmente, políticas públicas de inclusão social e educação (BRASIL,1988).

Na seara trabalhista, o princípio da proteção integral soma-se ao princípio da proteção específica do Direito do Trabalho, a fim de reforçá-lo em todos os seus aspectos, tais como na compreensão da proteção do direito à profissionalização e do direito a treinamentos para o trabalho, visando, por exemplo, a inclusão social do deficiente e a garantia do acesso à escola, e, principalmente, o combate e repúdio ao trabalho do menor de 16 anos de idade (BRASIL,1988).

 O princípio da proteção integral, teoricamente, tem fácil compatibilização com as relações de trabalho, uma vez que o próprio direito do trabalho é protecionista em relação ao empregado, o qual é considerado hipossuficiente na seara jurídica. Esse princípio, ao ser aplicado no direito trabalhista, inspira-se em um propósito de igualdade, tendo por objetivo o amparo preferencial do trabalhador. Nas palavras de Alfredo Ruprecht (1995, p. 09), o princípio da proteção integral é "[...] uma violação do tradicional princípio da igualdade jurídica das partes, inclinando-se a favor de uma delas para compensar certas desvantagens".

Por sua vez, Jose Ribeiro Dantas Oliva acrescenta a este pensamento, que a proteção é imanente ao princípio da isonomia.

Ora, mas se o trabalhador em geral, por ser considerado social e economicamente hipossuficiente, tem constitucionalmente assegurada essa proteção, o que deveria ocorrer - particularmente no que pertine ao trabalho - em relação às crianças e adolescentes? - A resposta é de obviedade ululante: referida proteção deve, necessariamente, ser reforçada. E por isto que a proteção conferida a esses seres humanos, em peculiar condição de desenvolvimento (como define o art. 6º do ECA), tem um plus: ela é integral e absolutamente prioritária (OLIVA, 2006, p. 107).

Nesse diapasão, a Constituição Federal, ao traçar os princípios básicos dos Direitos Sociais, refletiu a preocupação estatal em normatizar a idade mínima para que crianças e adolescentes comecem a laborar. No art. 7º, inciso XXXIII, há expressa proibição do trabalho infantil, possibilitando ao menor de idade somente a condição de aprendiz a partir dos 14 anos. Jose Ribeiro Dantas Oliva (2006, p. 108) afirma que "[...] àquelas (referindo-se às crianças), devem ser assegurados os sagrados direitos de brincar, estudar, de não trabalhar, de viver, enfim, à infância”.

Insta destacar que as restrições legais ao trabalho infanto-juvenil devem ser analisadas sempre de modo critico, à luz do princípio da proteção integral, a fim de assegurar plenas condições de materialização do princípio da dignidade humana. A proteção integral às crianças e adolescentes é, pois, um axioma que somente será aplicado efetivamente se houver um esforço conjunto das famílias, da sociedade e do estado, isto é, na situação em que cada segmento assuma o seu papel legalmente atribuído pelas diversas leis contidas no ordenamento jurídico brasileiro.


3. DOS FATORES “PORTA DE ENTRADA” PARA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

A “porta de entrada” para a exploração do trabalho infanto-juvenil é motivada por diferentes fatores: uns relacionam diretamente com a situação da família do menor, outros, porém, defendem a existência de motivos externos ao seio familiar.

Em síntese, a pobreza, a falta de perspectivas escolares, a aceitação natural do trabalho do menor pela sociedade e sua família, a demanda por mão de obra barata, são alguns dos fatores de entrada precoce do indivíduo no mercado de trabalho.

Pobreza e perfil familiar – Um dos fatores centrais de estímulo ao trabalho infanto juvenil é a pobreza. Em famílias de baixa renda, há maior chance de as crianças e adolescentes terem que trabalhar para complementar a renda dos pais. O auxílio na renda familiar é mais determinante na entrada no mercado de trabalho para crianças e adolescentes, com o aumento da idade, o consumo próprio passa a ter um peso maior nessa decisão (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

Nestes casos, o trabalho – seja infantil ou infanto-juvenil – vem com o escopo de suprir as deficiências familiares no provimento e acesso ao lazer e aos bens de consumo, sendo clara manifestação da vulnerabilidade social. Ademais, outras características familiares aumentam a propensão ao trabalho infantil, tais como a grande quantidade de filhos e a baixa escolaridade dos pais.

Má qualidade da educação – Ao começar a trabalhar, o adolescente tem seus estudos prejudicados ocorrendo a sua evasão escolar; outro fator favorece o trabalho infanto-juvenil: educação de má qualidade. Se os pais ou as próprias crianças e adolescentes têm a percepção de que a escola não agrega ou que oferece poucas perspectivas de melhoras na condição de vida, aumenta a probabilidade de abandoná-la e ingressarem no mercado de trabalho precocemente. Essa situação é mais nítida no ensino médio, onde a principal causa da evasão escolar é o desinteresse dos adolescentes (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

Em uma sociedade cuja pobreza e desigualdade social são evidentes, preocupa-se não somente a injustiça social, mas também as consequências que essas desigualdades podem acarretar aos indivíduos. Observa-se que crianças nascidas no círculo da pobreza tem maior probabilidade de se tornarem unidades familiares replicadoras dessa mesma pobreza, pois a vulnerabilidade social tende a fazer com que crianças e jovens não frequentem adequadamente a escola e tenham a necessidade de trabalhar para ajudar financeiramente em casa, fazendo com que muitos indivíduos abandonem seus sonhos de ter um futuro melhor e mais humano.

No mesmo giro, destaca-se o “falso mito” que a sociedade pregou ao dizer que é muito melhor que uma criança ou adolescente esteja trabalhando para ajudar na renda familiar do que ter que roubar ou se prostituir para sobreviver. Porém, esse pensamento é arcaico e ultrajante, já que o trabalho precoce obriga aquele menor a viver uma realidade dura e cruel desde cedo a eles imposta.

Os diversos tipos de trabalho que crianças e adolescentes desenvolvem não as educam, ao contrário, atrapalham o crescimento e a realização como ser social, além de colocarem suas vidas em risco, cuja renda auferida, geralmente, é muito abaixo do que se espera para manutenção de uma vida digna, fato que as levam a viver na miséria e opressão.

Naturalização – O modo como a sociedade enxerga o trabalho infanto-juvenil também influencia a decisão sobre entrar no mercado de trabalho; em locais onde o trabalho precoce é mal visto, famílias são desestimuladas a colocarem os filhos a trabalhar. Quando o trabalho de crianças e adolescentes são vistos como algo natural ou até mesmo positivo, não há essa barreira durante a tomada de decisão. A construção desse modo de pensar tem raízes também na desigualdade social brasileira, cuja origem advém do passado colonial escravocrata (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

O trabalho doméstico dentro de suas próprias residências é a forma mais comum de trabalho infanto-juvenil. Nesses ambientes, as crianças e adolescentes são responsáveis por todo e qualquer tipo de limpeza doméstica e, na grande maioria dos casos, são encarregadas de cuidar de seus irmãos menores e de cozinhar.

Trabalho para a própria família – Para diminuir ou cortar gastos com a contratação de funcionários, crianças e adolescentes podem ser levados a realizar trabalhos domésticos em suas próprias casas. Assim, os pais podem realocar seu tempo desenvolvendo outras atividades. É notório o emprego dos próprios filhos em suas empresas familiares e propriedades rurais (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

Vale mencionar que o trabalho doméstico no contexto da infância e adolescência não pode ser confundido com o fato de uma criança ajudar nas tarefas de casa ou de um jovem ajudar seus pais no comercio da família. A diferença reside na responsabilidade e sobrecarga que aquele menor possui na realização dos afazeres que lhe foram atribuídos.

Trabalho para terceiros – O trabalho infantil e infanto-juvenil também pode ser encontrado em empresas não familiares e há diversos motivos que podem levar a isso. A mão de obra de crianças é mais barata, mais administrável (por ser mais difícil que as crianças reclamem pelos seus direitos), não têm consciência dos perigos da atividade e realizam trabalhos que adultos teriam mais restrições. Situações de escassez de mão de obra (como períodos de colheita) podem levar à contratação de crianças. A informalidade do mercado é um fator importante nesse contexto de demanda de trabalho infantil. Quando a economia é formal, o trabalho de crianças e adolescentes tende a diminuir já que as empresas devem cumprir os requisitos legais de contratação e estão sujeitas a fiscalizações e sanções (FUNDAÇÃO TELEFONICA, 2016).

Entende-se que os principais motivos que desencadeiam a exploração do trabalho infanto-juvenil são: a) a má-distribuição de rendas no país; b) a falta de um programa social efetivo para o menor; c) a falta de uma legislação mais adaptada à realidade social brasileira, que facilite a contratação desses menores pelo mercado de trabalho.

Cabe informar, ainda, que não há um consenso entre os estudiosos sobre o peso que possuem os motivos que ensejam a escolha da família ou da própria criança ou adolescente no trabalho precoce. Isso porque cada realidade e contexto social têm suas próprias peculiaridades. Assim, um mesmo fator que levou um indivíduo tão jovem ao mercado de trabalho pode não ser um motivo tão relevante para outro indivíduo, que também teve suas razões particulares.


4. DA PROBLEMATICA DA MÁ DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

Com efeito, acredita-se que a causa norteadora do problema de exploração do trabalho infantil é má distribuição de renda no país. Se o obreiro fosse realmente digno do seu salário, isto é, se o trabalho fosse mais valorizado no Brasil, a condição econômica do trabalhador, e consequentemente de sua família, seria outra, já que não haveria necessidade que o menor de idade trabalhasse para ajudar nas despesas de sua casa.

No Brasil, especialmente em municípios menores, há realidades em que todos os membros da família têm que trabalhar para garantir a sobrevivência, e, isso inclui o pai, a mãe, os filhos adolescentes, e muitas vezes, até as crianças. Tal situação advém da desvalorização do trabalho, bem como da concentração de riquezas (capital) nas mãos de poucos.

Assim, quando há trabalho disponível para todos os membros da família, é motivo de regozijo. Cerca de 80 % dos pais desses menores que trabalham nas regiões de cana-de-açúcar e sisal no nordeste afirmaram, em recente pesquisa publicada pela Folha de São Paulo, que concordam e querem esse tipo de trabalho para seus filhos, pois só assim a sobrevivência da sua família é garantida (MARQUES,1997).

 A propósito, o artigo do colunista também da Folha de São Paulo (Josias de Souza), sob o título, “NeoEscorchavam", afirma que “algo ainda aproxima o Brasil de 1997, daquela sociedade primitiva, recém-liberta da condição colonial. Há entre nós um novo tipo de escravo: o escravo da miséria. Pessoas que são submetidas a padrões de vida degradantes, ‘vendem’, sua mão-de-obra e a de seus filhos, a preços aviltantes" (MARQUES, 1997).

Correlatos a este fator, presencia-se, atualmente, uma crescente massa de desempregados que não conseguem retornar ao mercado de trabalho. Tal situação afeta diretamente a vida de suas famílias, acarretando, muitas vezes, na exploração do trabalho de seus filhos menores por questões de sobrevivência (MARQUES, 1997).

Verifica-se, pois, que falta justiça social na distribuição de riquezas. O sistema trabalhista patronal é iníquo e perverso e, decididamente, não há vontade política na concretização da equidade social de uma sociedade mais justa, existindo muita demagogia e pouca ação efetiva.


5. DAS POLITICAS PARA INTRODUÇÃO DO JOVEM INFANTO-JUVENIL NO MERCADO DE TRABALHO

Investigações sobre a juventude dão margem para um enorme leque de abordagens, pois essa é a fase de maior transformação na vida de um indivíduo, as quais são decisivas para a qualidade de sua vida adulta. Quando o tema é adolescência, a primeira ideia que surge diz respeito a rebeldia, a ausência de compromisso, a indignação, questionamentos (fundamentados ou não), protestos, vigor, alegria, hormônios sexuais, descobertas, “drogas”, consumo, vestibular, trabalho, manifestações culturais, políticas, crise, dentre outras.

Poder-se-ia gastar inúmeras linhas descrevendo características inerentes nesta etapa do desenvolvimento humano, pois são inúmeras as transformações biológicas, psicológicas e sociais nessa fase da vida. De modo geral, é neste período, que o adolescente possui duas grandes tarefas: “1) construir a sua identidade e 2) construir o seu projeto de vida. Realizar essas tarefas é um caminho cheio de desafios, no fim do qual, o adolescente termina sua transição entre a infância e a idade adulta” (COSTA, 1994, p.20).

Para a Organização Mundial de Saúde, a adolescência é uma fase em que ocorre o desenvolvimento biológico da infância até o amadurecimento sexual reprodutivo, assim como o desenvolvimento dos padrões cognitivos e emocionais da infância até a idade adulta, respeitada as particularidades culturais e sociais de cada indivíduo, e o desenvolvimento socioeconômico da pessoa em direção a sua relativa independência material e financeira, no interior da organização econômica de seu grupo (OMS apud LEVISKY, 2001).

 Nesse contexto de transição, é importante enfatizar o terceiro item supramencionado, qual seja, a independência econômica. O caminho do desenvolvimento socioeconômico da cultura pátria é marcado pela transição da escola para o mundo do trabalho. Contudo, percebe-se que o país carece de uma política nacional que universalize e equalize as iniciativas de acesso ao ensino de forma que se favoreça o surgimento digno de oportunidades de empregos a jovens, evitando, assim, a exploração indevida de seu trabalho (COSTA, 1994).

Assim, a inserção do adolescente no mundo do trabalho tem fomentado discussões complexas, pois as constantes transformações na economia global têm exigido profissionais qualificados e atualizados, conhecedores das novidades tecnológicas, com competências técnicas e grande conhecimento em suas áreas de aptidão, exigindo-se, para tanto, investimentos financeiros na sua formação.

Porém, estas transformações econômicas segregam pequenas economias, e, em países em desenvolvimento como o Brasil, evidencia-se que a formação profissional está elitizada, submetendo jovens de classes populares a condições degradantes de trabalho. Questiona-se, desta forma, quais seriam as alternativas para que jovens vulneráveis a partir de 16 anos de idade se insiram no mercado de trabalho.

Nesse sentido, alguns trabalhos comunitários apontam que, para manter crianças, adolescentes e jovens afastados da criminalidade, faz-se necessário proporcionar-lhes acesso a emprego, acompanhamento social e psicológico, assim como atividades de esporte e lazer e boa escolarização (MARQUES, 1997).

Logo, discussões acerca de políticas voltadas para a inserção do adolescente no mercado de trabalho são imprescindíveis e urgentes, ou, esta fatia da população brasileira continuará desamparada, repetindo a trajetória de seus pais e perpetuando o ciclo de exclusão social. Em verdade, os governos, com raras exceções, pouco têm agido em ações de institucionalização de programas sociais nesse sentido (MARQUES, 1997).

Acredita-se que, com determinação e vontade política, são soluções para o problema a criação de programas que estabelecessem condições necessárias à preparação e a capacitação de menores para o exercício de atividades remuneradas, bem como a instituição de bolsas vinculadas a matrícula e frequência escolar aos menores de 12 anos, e, implantação de mais creches e barracões comunitários.

Com relação ao programa de preparação e capacitação do menor para a atividade produtiva, já existem algumas medidas nesse sentido no atual direito positivo brasileiro, quais sejam, a aprendizagem com vínculo empregatício (Sistema SENAI e SENAC) e sem vínculo empregatício (Lei n. 6.494/77 e Lei n. 8.069/90) (BRASIL, 1943; BRASIL 1990).

Quanto a aprendizagem com vínculo empregatício (CLT, arts. 428-433), considera-se que a aprendizagem deveria ser estendida a todos os ramos de trabalho que assim o exigisse e não apenas direcionada a indústria e ao comércio como é hoje. Por sua vez, a tarefa de ministrar essa aprendizagem deveria ser estendida, também, às escolas técnicas oficiais, aos Sindicatos de trabalhadores e às próprias empresas, desde que supervisionados, e não somente às classes patronais (SENAI e SENAC), como se faz atualmente.

As entidades patronais, por mais louváveis que sejam, não têm capacidade de atender a um grande número de aprendizes e existem apenas em cidades maiores. Ressalte-se que os Estados Unidos entregaram às Organizações Sindicais de empregados a preparação da mão-de-obra que controla os aprendizes, fato que desencorajou os empregadores a utilizá-los no trabalho produtivo. (MARQUES,1997).

Quanto à proposição de complementação do ensino e de aprendizagem aos alunos regularmente matriculados e que venham frequentando efetivamente as escolas, cursos vinculados a estrutura do ensino público e particular só ocorrem, hoje, nos níveis superior, profissionalizante de 9º grau e supletivo, como disposto na Lei n. 6.494/77. Tal situação alcança apenas um número muito pequeno de pessoas e em faixa etária mais elevada, não podendo, por conseguinte, ser considerado um programa social para todos (MARQUES,1997).

Já no que se refere ao sistema de pré-aprendizagem, previsto na Lei 8.069/90, convém ressaltar que a OIT expressou os seguintes dizeres: “nem todo tipo de atividade deve ser vetado as crianças pela legislação nacional, nem pelos padrões da OIT. Não se deve considerar indesejável, normalmente, o trabalho no próprio círculo familiar”. O que os instrumentos da OIT proíbem é a imposição às crianças de uma ocupação que supere seus recursos físicos e mentais ou que interfira no seu desenvolvimento educacional (OIT, 1992 apud MARQUES, 1997, p. 78).

Atendido o fim dos instrumentos da OIT e da Lei 8.069/90, pode-se considerar perfeitamente possível o trabalho educativo exercido aos maiores de 12 e menores de 14 anos, observando-se as seguintes diretrizes: a) sem caracterização de vínculo empregatício; b) prevalência do aspecto educativo sobre o produtivo (§ 1º, art. 68, da Lei 8.069/90); c) integração do trabalho educativo a um programa social executado sob a responsabilidade de entidades governamentais ou não governamentais, sem fins lucrativos, devendo esta estar registrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual dará ciência ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária competente (art. 91, Lei 8.069/90); d) fiscalização pelo Judiciário, pelos Ministérios Públicos e pelos Conselhos Tutelares; e) participação do menor no programa diretamente pela entidade não governamental, ou, encaminhamento do menor às empresas ou entidades de direito público para estágio supervisionado (art. 90, II, Lei n. 8.069/90); f) jornada máxima de quatro horas diárias, sem prejudicar o comparecimento regular do menor à escola; g) remuneração do menor bolsista, nunca inferior a meio salário mínimo; h) respeito às normas especiais de proteção ao trabalho do menor (proibição de trabalho noturno, perigoso, insalubre, penoso e prejudicial a sua formação); i) seguro de vida e de acidentes pessoais (MARQUES, 1997, p. 78).

Nesta mesma visão, existe hoje os SIT (Serviço de Iniciação ao Trabalho), mantidos pelos governos municipais em convênio com entidades filantrópicas e fundações com subsídios de outras esferas governamentais, em grande parte dos municípios do Estado de São Paulo, onde são oferecidos cursos profissionalizantes aos menores, como datilografia, cabeleireiro, auxiliar de escritório, corte e costura pintura em tecido, horticultura, torneiro mecânico, artesanato, marcenaria, tricô, tapeçaria, bordado, técnico calçadista e outros (MARQUES, 1997, p. 79).

Logo, o engajamento dos governos federal, estadual e, principalmente, municipal é essencial para que tais programas sejam efetivados. Frise-se, ainda, que há regiões extremamente pobres no país, em que apenas programas governamentais de inclusão de jovens e adolescente será eficaz para resgatar os menores do trabalho proibido em condições de exploração, preservando-lhes nos bancos escolares.


6. DA NECESSIDADE DE LEGISLAÇÃO ADEQUADA PARA INCLUSÃO DO INFANTO-JUVENIL NO MERCADO DE TRABALHO

A educação infantil e infanto-juvenil é direito constitucional de todas as crianças e adolescentes que vivem no Brasil. A Emenda Constitucional nº 59/2009 alterou os incisos I e VII do artigo 208 da Constituição, determinando a obrigatoriedade da educação básica dos 4 aos 17 anos de idade. Consequentemente, a matrícula tornou-se obrigatória a partir da pré-escola, sendo o acesso à creche um direito de todas as crianças de 0 a 3 anos e dever do poder público a ampliação de sua oferta gradativamente (BRASIL, 2009).

Os novos marcos legais, políticos e pedagógicos da educação infantil, a mudança da concepção de deficiência, a consolidação do direito da pessoa com deficiência à educação e a redefinição da educação especial, em consonância com os preceitos da educação inclusiva, constituíram-se nos principais fatores que impulsionaram importantes transformações nas práticas pedagógicas. Assim, considerando que a educação infantil é a porta de entrada da educação básica, seu desenvolvimento inclusivo tornou-se o alicerce dos sistemas de ensino para todos (SANTOS, 2016).

Desta maneira, a existência de uma legislação mais adequada, que envolvesse a realidade social regional, facilitaria a contratação desses menores pelo mercado de trabalho, pois, se por um lado, os empregadores não cumprem a legislação vigente com relação aos menores, por outro, também é verdade, que os encargos sociais, são muito elevados.

Basta atentar-se ao grande número dos famosos “guarda-mirins”, espalhados em quase todas as cidades brasileiras, trabalhando em situação irregular (com aparência de legalidade). Indaga-se, assim, o motivo de não se estabelecer, por exemplo, um salário diferenciado para o menor que ingressa no mercado de trabalho? Por exemplo, meio salário mínimo aos maiores de 14 anos e menores de 16 anos de idade, e 75 % do salário mínimo aos que possuem entre 16 a 18 anos de idade. Isto facilitaria a contratação de menores (normalmente, sem experiência profissional) fora dos grandes centros urbanos (MARQUES, 1997).

Não se pode esquecer, porém, das demais garantias e direitos ao menor previstas em lei. Além disso, é importante que seja estabelecido um limite máximo para a contratação de menores, utilizando-se como base a relação do número total de empregados na empresa (MARQUES,1997, p. 79).

Como estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990, em seu Artigo 4º, caput, é dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público, assegurar, com absoluta prioridade, o direito à profissionalização (BRASIL, 1990).

Embora este assunto gere amplas discussões, já que ao tempo em que adolescentes podem ser alvo de abusos no ambiente de trabalho, é de grande relevância que jovens entre os quatorze e dezoito anos, diante da presente conjuntura, comecem a vivenciar, capacitar-se e assimilar, de maneira gradativa e não danosa, como é a vida cotidiana no trabalho.

Assim, a fim de  salvaguardar o direito do adolescente, o trabalho aos maiores de 14 anos e menores de 16 anos são tratados no “Estatuto da Criança e do Adolescente” (Lei 8.069 de 1.990), em seu capítulo V, do “Direito à profissionalização e à Proteção no Trabalho” , bem como na “Consolidação das Leis Trabalhistas” (Decreto-Lei nº 5.452 de 1.943), em seu capítulo IV, “Da Proteção do Trabalho do Menor”.

Mas, essa temática é tratada na própria Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 7º, inciso XXXIII, em que se proíbe, expressamente, aos menores de dezesseis anos, a realização de qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos, bem como proibição aos menores de dezoito anos de qualquer trabalho noturno, perigoso ou insalubre (BRASIL, 1988). Sendo assim, constitucionalmente permite-se que a partir de 14 anos o indivíduo comece a laborar, mas sob a condição de aprendiz, ideia esta que fora reforçada pela CLT (Dec. 5.452/43) em seu art. 403 (BRASIL, 1943).

A função de Aprendiz é estabelecida por meio de um contrato especial, ajustado por escrito e por prazo determinado (pelo máximo de dois anos), no qual o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de vinte e quatro anos, devidamente inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico. O aprendiz, por sua vez, se obriga a executar, com zelo e diligência, o que for necessário ao cumprimento de sua tarefa.

A validade da função de aprendiz está condicionada a existência da assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social do menor como aprendiz, o qual deve, ainda, estar devidamente matriculado e ser assíduo à escola (no caso de ainda não ter finalizado o Ensino Médio), bem como estar inscrito em programa de aprendizagem sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica, conforme disposto no art. 428 caput, §§ 1º e 3º da CLT. (BRASIL, 1943).

Sendo esta a única forma de o jovem exercer sua atividade profissional, o art. 62 do ECA estabelece como aprendizagem “a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”, complementado pelo § 4º, do art. 428, da CLT, ao estabelecer que entende-se por formação técnico-profissional “atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho” (BRASIL, 1990; BRASIL, 1943).

Tal formação trazida pelo ECA deve obedecer ao acesso e à frequência obrigatória do ensino regular, devendo a atividade profissional estar compatível com o desenvolvimento do aprendiz e com o horário especial para a realização das atividades, conforme disposto no art. 63 do ECA (BRASIL, 1990).

A frequência escolar do aprendiz foi considerada como requisito imprescindível pelo legislador para que o menor pudesse exercer atividade remunerada. Tanto que o art. 433, inciso III da CLT, traz como motivo de extinção do contrato a ausência injustificada à escola que implique em perda do ano letivo.

Importante anotar, ainda, que pelo art. 427, caput, da CLT, o empregador é obrigado a conceder o tempo necessário para que o aprendiz frequente as aulas, devendo a empresa dispor de local apropriado para que seja ministrada instrução primária nos casos em que a escola esteja a uma distância maior que dois quilômetros, bem como o empregador tenha, em seu quadro de funcionários, mais de 30 menores analfabetos, é o que dispôs o parágrafo único do mesmo art. (BRASIL, 1943).

Ademais, a CLT traz especial proteção aos trabalhadores menores de 18 anos de idade ao obrigar o empregador a seguir regras consoante os bons costumes e a decência pública, bem como de higiene, saúde e segurança do trabalho. Essa obrigação está disposta no art. 425 do referido diploma legal (LORENZETTI, 2016).


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente que o processo de concretização dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil precisa superar práticas históricas de disciplinamento, correção e opressão praticadas através do trabalho infantil.

A Constituição da República Federativa do Brasil, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente, trouxeram a oportunidade de reconhecimento da criança como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Além disso, estabeleceram limites de idade mínima para que o menor de idade exerça atividade remunerada no mercado de trabalho, bem como as regras e condições a serem seguidas pelo empregado e empregador para que tais trabalhos sejam considerados lícitos.

Isso porque a incorporação dos instrumentos de proteção contra a exploração do trabalho infantil tende a oferecer mudanças consideráveis, produzindo uma nova cultura de eliminação do trabalho precoce, e, consequentemente, de proteção aos direitos humanos dos pequeninos no Brasil. Contudo, ainda se faz necessária a participação popular na fiscalização, execução e controle das políticas públicas de proteção ao trabalho do menor de idade que já estabelecidas em diversas normas no Brasil, a fim de se efetivar os direitos das crianças e adolescentes.

 Vale dizer, porém, que a percepção da importância dos espaços de participação da sociedade civil e da comunidade nessa temática ainda é precária, pois a maioria das decisões são extremamente centralizadas ou submetidas ao controle burocrático e clientelístico dos representantes governamentais.

Do mesmo modo, o sistema de justiça, através dos representantes do Poder Judiciário, muitas vezes, tendem a não valorizar o espaços de democracia participativa como centro estratégico de decisões sobre políticas públicas para a infância, fortalecendo o modelo antigo no qual as políticas frequentemente são judicializadas, um modelo que falta efetividade dos direitos fundamentais.

Faz-se necessário, assim, aprofundar os estudos sobre a relevância da participação da sociedade na erradicação do trabalho infantil como forma de garantir o pleno exercício dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, buscando a formação de uma sociedade menos injusta e desigual.

Ademais, admite-se que o menor precisa ser preparado para o trabalho remunerado, sendo introduzido gradativamente no mercado através de políticas que garantam o seu crescimento como ser social, isto é, garantam que esses menores continuem estudando e se profissionalizando.

E, isto somente será possível através de medidas exequíveis de curto prazo. Do contrário, indaga-se: “qual será a ‘carreira’ de um menor marginalizado pelo Estado e pela sociedade?”. Em resposta, acredita-se que não seja um futuro muito promissor, pois as pequeninas criaturas que na infância sofreram as mais duras penas da vida, no futuro, quando adultas, sofrerão as penas da lei.


REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNEGUNDE, Juvercina Lina Pereira. Trabalho infanto-juvenil: proteção e inserção no mercado de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6224, 16 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83710. Acesso em: 26 abr. 2024.