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Anotações sobre a ação negatória de paternidade

Anotações sobre a ação negatória de paternidade

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A Terceira Turma do STJ decidiu que a existência de um longo tempo de convivência socioafetiva no ambiente familiar não impede que o suposto pai ajuize ação negatória de paternidade.

I – A AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E OS VÍNCULOS FAMILIARES AFETIVOS

A existência de um longo tempo de convivência socioafetiva no ambiente familiar não impede que, após informações sobre indução em erro no registro dos filhos, o suposto pai ajuize ação negatória de paternidade e, sendo confirmada a ausência de vínculo biológico por exame de DNA, o juiz acolha o pedido de desconstituição da filiação.

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao declarar a desconstituição da paternidade em caso no qual um homem, após o resultado do exame genético, rompeu relações com as duas filhas registrais de forma permanente.

Segundo o autor da ação, ele havia registrado normalmente as crianças – que nasceram durante o casamento –, mas, depois, alertado por outras pessoas sobre possível infidelidade da esposa, questionou a paternidade.

Em primeiro grau, o juiz desconstituiu a paternidade apenas em relação a uma das meninas, por entender configurada a existência de vínculo socioafetivo com a outra, embora o exame de DNA tenha excluído a filiação biológica de ambas.

A sentença foi reformada pelo tribunal de segunda instância, para o qual, apesar do resultado da perícia, as duas meninas teriam mantido relação socioafetiva com o autor da ação por pelo menos dez anos. Ainda segundo o tribunal, o vínculo parental não poderia ser verificado apenas pela relação genética.


II – A LEGITIMIDADE ATIVA

Sob ó Código Civil de 1916, cabia privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher, a teor do artigo 344.

Na ação negatória de paternidade o marido, suposto pai, é o único legitimado para propor a ação impugnando a paternidade do filho havido no casamento, conforme disposto no artigo 1.601 do Código Civil Brasileiro.

Trata-se de um direito personalíssimo.

De acordo com a nossa jurisprudência, a legitimidade ordinária ativa da ação negatória de paternidade compete exclusivamente ao pai registral, por ser ação de estado, que protege direito personalíssimo e indisponível do genitor (art. 27 do ECA). Portanto, hipótese de direito intransmissível (STJ 3ª Turma. REsp 1328306/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/05/2013).

A ação negatória de paternidade diz respeito ao homem que descobre que foi enganado sobre o reconhecimento de um filho. Assim, se ele registrar uma criança que não é sua, pode fazer uso da ação negatória de paternidade. Ele pode, portanto, buscar na justiça a nulidade do reconhecimento voluntário feito por ele.

O que nega a paternidade é o único juiz de seu próprio interesse.

Sustentou Beviláqua (Código Civil), sendo também esta a lição de Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil – Direito de Família, pág. 222), que, mesmo na hipótese do marido ser incapaz, a ação não pode ser intentada por outrem, de modo que, de acordo com esse entendimento, ainda que a mulher de incapaz viva com outro homem, tenha deles filhos, não pode o curador do marido intentar ação, em nome de seu representado, para contestar a legitimidade daqueles menores.

Cabe apenas ao marido a propositura da ação negatória de paternidade, prevista no art. 1.601, do CC/02, tendo por objeto restritivamente a impugnação da paternidade de filhos havidos no casamento. Precedentes desta Corte Superior. Súmula 83/STJ. Tem-se o que foi dito no AgR no AREsp 19308/MS.


II – A AÇÃO DE ANULAÇÃO DO REGISTRO

Por outro lado, a ação de anulação de registro de nascimento, com fundamento no artigo 1.604 do Código Civil, pode ser manejada por qualquer pessoa, por não ser personalíssima, que tenha legítimo interesse em demonstrar a existência de erro ou falsidade daquele registro.

Nesse sentido já decidiu o STJ:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. ART. 1.604 DO CÓDIGO CIVIL. PRETENSÃO QUE VINDICA BEM JURÍDICO PRÓPRIO DOS HERDEIROS. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Cuida-se de ação anulatória de registro de nascimento fundada em vício de consentimento, com amparo no art. 1.604 do CC, a qual é suscetível de ser intentada não apenas por parentes próximos do falecido, mas também por outros legítimos interessados, seja por interesse moral ou econômico. Precedentes. 2. Todavia, o espólio não detém legitimidade para o ajuizamento da ação, uma vez que a sua capacidade processual é voltada para a defesa de interesses que possam afetar a esfera patrimonial dos bens que compõem a herança, até que ocorra a partilha. Como, no caso, a demanda veicula direito de natureza pessoal, que não importa em aumento ou diminuição do acervo hereditário, a legitimidade ativa deve ser reconhecida apenas em favor dos herdeiros, que poderão ingressar com nova ação, em nome próprio, se assim o desejarem. 3. Recurso especial desprovido.

(STJ - REsp: 1497676 SC 2014/0298565-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 09/05/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/05/2017).


III – A AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE É AÇÃO IMPRESCRITÍVEL

Tinha-se do Código Civil de 1916 que Ação negatória de paternidade cumulada com cancelamento de registro civil – Prazo de decadência. I - Prescreve em dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido, a ação para este contestar a legitimidade do filho de sua mulher (art. 178, § 3º, do Código Civil).

Esse prazo era de decadência, e não de prescrição.

Tânia Nicelia Izelli (A imprescritibilidade da ação negatória de paternidade) preleciona que a impugnação da paternidade dos filhos matrimoniais, de acordo com o Código Civil de 1916, cabia privativamente ao marido (art. 344). O prazo para o exercício da ação era de 2 meses, contados do nascimento, se o marido estivesse presente (art. 178, § 30), ou de 3 meses, se o marido estivesse ausente do lar ou se lhe for ocultado o nascimento, contados, respectivamente, do dia de seu retorno, ou do que tomou conhecimento do fato (art. 178, § 40, I). O novo Código Civil, em vez de fixar prazo para o marido exercer o direito de impugnar a paternidade dos filhos matrimoniais, declarou ser imprescritível a ação, tornando o direito de impugnação, se não, eterno, ao menos, vitalício (art. 1.601).

Disse, ainda, Tânia Nicella Izelli que, sem dúvida, a imprescritibilidade da Ação de Contestação de Paternidade, é a mais importante e a mais polêmica novidade contida no novo Código Civil, que em seu art. 1.601, assim dispõe: Art. 1.601 . Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade doa filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante tem direito de prosseguir na ação. Em seu texto original, o presente dispositivo, original, correspondia a dois artigos, 1.610 e 1.611, que respectivamente dispunham: Art. 1.610. Cabe ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher. § 1º. Decairá desse direito o marido que, presente a época do nascimento, não contestar, dentro de dois meses, afiliação. § 2º. Se o marido se achava ausente, ou lhe ocultaram o nascimento, o prazo para repúdio será de tr6es meses, contado do dia de sua volta à casa conjugal, no primeiro caso, e da data do conhecimento do fato, no segundo. Art. 1.611. Contestada afiliação, na forma do artigo precedente, passa aos herdeiros do marido o direito de tornar eficaz a contestação. Ainda, no Senado Federal, foi acrescentado um parágrafo ao art. 1.610 e transformado o art. 1.611 em parágrafo do 1.610, passando a redação ser a seguinte: Art. 1.610. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher. §JD. Decairá do direito o marido que, presente à época do nascimento, não contestar a filiação no prazo de sessenta dias § 2º. Se o marido se achava ausente ou lhe ocultaram o nascimento, o prazo para repúdio será de noventa dias, contado do dia de sua volta ao lar conjugal, no primeiro caso, e do conhecimento do fato, no segundo. § 3º.Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. Em seu retomo à Câmara, o projeto inicial foi reformulado, tornando a ação negatória de paternidade imprescritível, defendida por seu relator parcial, Deputado Antônio Carlos Biscaia, que assim se posicionou: as inovações constitucionais sobre o reconhecimento da filiação têm como suporte a busca da verdade real, motivando o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido da imprescritibilidade das ações relativas à filiação, incluindo nestas a negatória de paternidade.


IV – A NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE

Trata-se, pois, de ação declaratória, cujo procedimento deve ser ordinário. A ação, diante das fortes consequências que traz aos vínculos familiares, deve correr em segredo de Justiça.


V – A CONTESTAÇÃO À AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE

Passa-se a questão da contestação da legitimidade do filho concebido na constância do casamento:

Faça-se um quadro comparativo entre o Código Civil de 1916 e o de 2002:

Código Civil de 1916:

Art. 340. A legitimidade do filho concebido na constância do casamento, ou presumido tal, só se pode contestar, provando-se:

I – que o marido se achava fisicamente impossibilitado de coabitar com a mulher nos primeiros cento e vinte e um dias, ou mais, dos trezentos que houverem precedido ao nascimento do filho ;

II – que a esse tempo estavam os cônjuges legalmente separados.

Art. 341. Não valerá o motivo do artigo antecedente, no II – se os cônjuges houverem convivido algum dia sob o teto conjugal.

Art. 342. Só em sendo absoluta a impotência, vale a sua alegação contra a legitimidade do filho.

Art. 343. Não basta o adultério da mulher, com quem o marido vivia sob o mesmo teto, para ilidir a presunção legal de legitimidade da prole.

Art. 344. Cabe privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher.

Art. 346. Não basta a confissão materna para excluir a paternidade.

Esse prazo que a lei civil revogada dava dizia respeito ao que se chamava de filhos nascidos na constância do casamento, o que dava a conotação ao que se chamava "filhos legítimos".

Hoje são iguais no tratamento, diante da Constituição de 1988 e do novo Código Civil, os chamados filhos legítimos e os filhos ilegítimos.

Por sua vez, tem-se o Código Civil de 2002:

Art. 1.599. A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade.

Art. 1.600. Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade.

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.

Art. 1.602. Não basta a confissão materna para excluir a paternidade.

Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.

A lei, ao permitir a contestação da paternidade, exige que o marido prove a impossibilidade física de haver coabitado com sua mulher à época da concepção, como na hipótese de se encontrar separado dela por grande distância, tal como, por exemplo, ocorre quando é incorporado às forças armadas em época de guerra e vai servir além-mar, ou em caso de mutilação ou de moléstia, capaz de o impedir de manter relações sexuais com a sua esposa, ou ainda, em de caso de impotência, ou de recolhimento à prisão, onde fica impedido de sair ou de manter relações com sua esposa.

A impotência como excludente da paternidade há de ser absoluta. Aliás, Clóvis Beviláqua (obra citada) explicitou que absoluta é a impotência que não é transitória, mas persiste, “em todo o tempo, a respeito de qualquer pessoa”.

Fala-se que a citada expressão não esclarece, como devia, se se trata de impotência coeundi ou generandi, ou de ambas. O Código Civil italiano declarou expressamente que a mera impotência generandi pode excluir a paternidade. Pontes de Miranda entendeu, por sua vez, que “a palavra impotência, não é empregada no sentido de impossibilidade instrumental, de inaptidão para o coito (impotencia coeundi), mas na acepção da impotência de gerar (impotencia generandi)”.

Mas há casos de inseminação artificial. Como entender e resolver tais casos?

Seria a hipótese de o marido que, impotente para procriar, autoriza a inseminação artificial em sua mulher, com esperma de terceiro. Provada a impotência, poderá ele contestar a paternidade do filho havido por sua mulher, embora sem negar a anuência, dada a inseminação?

Tal questão se impõe nos limites da bioética.

Parece que a concordância retira-lhe o direito de impugnar a legitimidade do filho havido pela esposa.

A lei impõe duas ilações: não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da paternidade; não basta a confissão materna para excluir a paternidade.

Por sua vez, a confissão da mulher, no sentido de ser outro, que não seu marido, o pai do filho por ela gerado, não basta para tirar daquele a condição de legítimo, porque tal confissão pode ser produto de interesses materiais, e não da verdade. Se o casal estava notoriamente separado, o adultério confessado da mulher é apenas um elemento para comprovação de um fato de todos conhecido, uma vez notório. Mesmo a confissão pela mulher do adultério implicaria um prejuízo para a prole de graves consequências.

A instabilidade das relações conjugais na sociedade atual não pode impactar os vínculos de filiação que se constroem ao longo do tempo, independentemente da sua natureza biológica ou socioafetiva.

Fator importante para solução desses casos é a existência de exames de DNA que comprovem que não houve filiação e, em face disso, a dissolução dos vínculos afetivos que antes uniam os filhos ao pai que os renegou, ao deles se afastar.

O tempo desse afastamento entre o pai que renegou os filhos, e estes, é ainda fundamental, assim como a dissolução de qualquer vínculo afetivo entre eles.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Anotações sobre a ação negatória de paternidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6376, 15 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87429. Acesso em: 18 abr. 2024.