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Dos excessos no uso do instrumento de averbação premonitória

Dos excessos no uso do instrumento de averbação premonitória

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Ao longo de dez anos da experiência forense com o uso da certidão de averbação premonitória, fomos testemunhas de diversos excessos por parte do exequente.

Resumo: Pretende-se traçar linhas gerais sobre a evolução do instituto de processo civil relativo ao uso da certidão de averbação premonitória prevista pelo art. 828 do CPC/2015 e as implicações legais que o exercício indiscriminado de tal instrumento trariam ao exequente.

Palavras Chave: Processo Civil; Direito Imobiliário; Direito Civil; averbação premonitória; excesso de averbação; limites ao direito de averbar; incidente de excesso de indenização premonitória.

Sumário: 1. Introdução; 2.O Histórico da Certidão de Averbação da Execução; 3. A Axiologia do Uso das Certidões de Averbação da Execução; 4. A Evolução do Instituto 5. Do Dever de Lealdade Processual do Exequente; 6. Do Dever de Lealdade Processual do Exequente; 7. O Direito Objetivo a Ser Invocado; 8. Conclusão


1. Introdução

A lei de execuções[1] que passou a vigorar no ano de 2006 ampliou as faculdades processuais do exequente quanto à averbação da existência do processo no assentamento dos bens do executado. A principal inovação do instituto foi a de tutelar de forma semelhante a execução de natureza cível ao da execução fiscal.

O art. 53 da Lei nº 8.212/91 já previa que no âmbito das execuções fiscais era possível a indicação de bens a penhora antes da citação do executado. Contudo, em meio ao processo civil, em execuções ajuizadas por ente privado[2], tal medida só era possível via pedido específico de arresto em procedimento cautelar específico, que dependia ainda da comprovação da necessidade e utilidade do pedido. Por vezes o pedido do exequente era indeferido com base na inexistência de elementos a tempo presente capazes de justificar a cautela pretendida. Em muitos casos o início do esvaziamento patrimonial só era verificado quando já era tarde.

A execução é um campo fértil para operações de natureza societária e imobiliária de reestruturação do ativo com vista a impedir a realização do passivo. Fundos de investimento, aumento de capital com uso de instrumentos fiduciários não ortodoxos, sucateamento, blindagem patrimonial, telecach empresarial, payback time de ações e instrumentos financeiros, swap de títulos, enfim, são inúmeros os instrumentos voltados a fraudar a execução e não havia, até então, uma medida preventiva para as execuções de natureza civil até a promulgação da Lei de Reforma a Execução no ano de 2006.

Como será visto ao longo do presente ensaio, foi a Lei 11.382/06 que inovou no sistema processual civil ao trazer a possibilidade do uso da certidão de averbação da execução. O novo Código de Processo Civil surgiu em meio a necessidade do aperfeiçoamento do instituto, que passou a ser objeto de abuso também por parte dos exequentes.

Ao atribuir ao exequente a possibilidade de escolher os bens do executado de forma indistinta já era de se imaginar as consequências de tal medida para o executado. Ao deixar de forma solta ou relegar a doutrina e a jurisprudência aspectos subjetivos como o tempo e os limites da averbação o legislador em 2006 perdeu a oportunidade de regulamentar de forma satisfatória a matéria.

Em diversos casos, quando era verificado, já era tarde demais, pois o exequente já havia prejudicado suficientemente o executado com o congelamento dos seus bens. Na dúvida ou já em manifesta má-fé, imbuído não do espírito de garantir publicidade a execução, mas o de coagir o executado; o exequente providenciava a averbação em todos os bens do executado, não importando a natureza da sua operação e o valor da execução. Por dias, meses e até anos o executado passava a praticamente ser insolvente, mesmo tendo sendo o valor da execução um décimo das implicações patrimoniais.

A premente necessidade de coagir o executado a satisfazer a execução, não pela execução em si, que deveria ser sua motivação, mas pelo temor causado ao devedor pelo uso indevido de instrumentos como da averbação premonitória, fez com que se tornasse ainda mais necessária a resposta legislativa por uma sanção eficaz pelo uso indevido do instrumento da certidão de averbação premonitória.

Ao longo do período de aproximadamente dez anos da experiência forense com o uso da certidão de averbação premonitória, não raras as vezes fomos testemunhas de excessos por parte do exequente. Por vezes a referida certidão era requerida e averbada em todos os bens passíveis de averbação: imóveis, embarcações, aeronaves e tantos outros. O remédio do exequente oferecido pelo código passou a ser um veneno para o executado de doses múltiplas.

Não que a situação do executado que não oferecia bens a penhora fosse confortável. Tal situação conferia ao exequente indicar qual bem preferencialmente caberia a satisfação do seu crédito. Contudo, não além do valor da execução ou dos bens passíveis de penhora.

Por mais que o uso da certidão de averbação premonitória do antigo art. 615-A tivesse de guardar os limites da execução ao atribuir ao exequente a faculdade de escolher os bens comumente escolhia todos. As averbações tornavam o patrimônio do executado congelado. Muitas vezes o reduzia a insolvência pois não poderia sequer alienar parte dele para fazer jus a execução. Por mais que se diga que a prenotação da existência de execução não retirasse o direito do executado/proprietário de dispor do bem na prática sempre funcionou como uma espécie de indisponibilidade. Raros são os casos que terceiros adquiririam um bem com tal gravame.

Em outro giro, a sanção processual pelo mal uso do referido instrumento sempre foi objeto de respostas brandas. O próprio código não permitia de forma clara o direito do executado ser indenizado. Quando era verificado ato de má-fé ou manifestamente excessivo por parte do exequente lhe era cominada a pena de litigância de má-fé. Tais casos diuturnamente ocorriam e permanecem ocorrendo.

A reposta para tal situação não foi banir o uso da certidão de averbação já que sempre foi um instrumento útil equiparado até ao arresto fiscal já utilizado há décadas pela Fazenda nas execuções fiscais. A saída do Novo Código Processo Civil, Lei 13.105/15 foi criar os limites para o exercício da referida faculdade processual pelo exequente cominando sanção civil/indenizatória ao exequente que se excede.

O novo Código de Processo Civil de 2015 pode ser visto como uma ponte voltada ao reequilíbrio de forças das partes, impondo limites aos atores do processo de execução. A faculdade do exequente em levar a registro a existência da execução em meio aos bens do executado foi mantida desde que respeitado certos limites impostos pelo novo diploma de forma inovadora.


2. O Histórico da Certidão de Averbação da Execução

A faculdade processual do exequente em averbar a existência da execução foi fruto de um processo histórico pautado na experiência dos tribunais. A própria reforma anterior trouxe importantes inovações ao processo de execução, algumas sem precedentes, como a alínea a ao Código de Processo Civil de 1973:

Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

§ 1º O exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados.

§ 3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).

§ 4º O exequente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2º do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados.

§ 5º Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.

A experiência de mais de uma década da aplicação dos novos institutos trazidos pela mais profunda reforma da lei de execuções é sintetizada no Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/15. Foram eliminas certas lacunas tornando pari passu mais claro o limite e consequência da atuação processual das partes. Um exemplo notório de que o avanço lastreado de dentro do processo para fora é o imperativo de que o uso da certidão mencionada pelo art. 615-A, do código anterior, deveria se dar em conduta compatível com o direito pleiteado e dentro de limites pré-estabelecidos, como assim estabelece o art. 828 da Lei 13.105/15:

Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

§ 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.

§ 2ºo Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.

§ 3ºO juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.

§ 4º Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação.

§ 5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

O Novo Código ainda trouxe advertência aos adquirentes de bens registrados com a referida averbação de pendência do processo de execução, cessando as discussões doutrinárias quanto aos aspectos subjetivos da aquisição de bens:

Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

Ademais, a situação era de descompasso com o Código Civil de 1916 Bevilacqua, que já previa hipótese de anulação de negócios jurídicos voltados a fraudar os interesses dos credores. O Código Civil de 2002 aprofundou ainda mais a matéria, teria que a lei adjetiva acompanhar a evolução do direito objetivo empregando instrumentos mais eficazes para assegurar o cumprimento da tutela executiva.

Antes da reforma da lei de execuções a anulação de negócios jurídicos eivados de má-fé ou suscetíveis de nulidades dependiam da análise de elementos subjetivos e, nos casos em que haviam alienações sucessivas, a má-fé dos adquirentes posteriores não poderia ser presumida pois a certidão de distribuição do vendedor não era fruto da relação mantida entre executado e exequente, mas de um terceiro.

Para termos a devida dimensão histórica do instituto e a revolução proporcionada pela Lei 11.382/06, recorremos a análise do texto original do Código Buzaid[3] que oferecia limitados instrumentos para a salvaguarda da higidez da execução em face de eventual esvaziamento patrimonial do devedor:

Art. 615. Cumpre ainda ao credor:

I - indicar a espécie de execução que prefere, quando por mais de um modo pode ser efetuada;

II - requerer a intimação do credor pignoratício, hipotecário, ou anticrético, ou usufrutuário, quando a penhora recair sobre bens gravados por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto;

III - pleitear medidas acautelatórias urgentes;

IV - provar que adimpliu a contraprestação, que lhe corresponde, ou que lhe assegura o cumprimento, se o executado não for obrigado a satisfazer a sua prestação senão mediante a contraprestação do credor.

O exequente antes da reforma da lei de execuções de 2006 não possuía instrumentos processuais suficientes para resguardar o resultado útil da execução e de eventuais manobras de esvaziamento patrimonial. A tutela dos interesses do credor que deveria guardar sintonia com o direito civil aplicável à espécie, dependia ainda do poder geral de cautela do juízo e da sua mais ampla discricionariedade.


3. A Axiologia do Uso das Certidões de Averbação da Execução

Pelos efeitos do decurso do tempo e do campo fértil que é a execução para o devedor, traziam para o exequente o que podemos chamar de vulnerabilidade instrumental - que pode se conceituar como uma lacuna do ordenamento processual em não confere instrumentos para satisfazer sua posição jurídica de vantagem.

A impossibilidade de adoção de medidas a fim de impedir eventual conduta maliciosa do devedor a execução, por muitas vezes, representava para o exequente uma encenação teatral. Quase sempre as operações de blindagem e sucateamento eram verificadas a posteriori de forma repressiva e não preventiva, por meio de ações paulianas ou nos casos mais graves reivindicatórias.

Era evidente a zona cinzenta que as sucessivas aquisições de bens poderiam criar junto a terceiros e os riscos que o sentimento de imprestabilidade da execução poderiam causar par a sociedade. Como exemplo, antes da Lei 11.382/06, ou seja, sem a possibilidade do uso da certidão de averbação da execução, em meio a operações imobiliárias, a primeira aquisição do bem seria a única que poderia ser anulada: a má-fé só poderia ser oponível ao primeiro adquirente e aos sucessores apenas se fosse remotamente comprovada a má fé algo de extrema dificuldade pois envolve um aspecto subjetivo. Ademais, não se justificaria em hipótese alguma exigir que os adquirentes e órgãos registrais fossem demandados a verificar o teor das certidões de distribuição dos proprietários anteriores a fim de buscar se haveria algum risco. Caso a solução para a garantia da segurança jurídica tivesse que partir pela reforma da Lei de Registros Públicos se instauraria um caos inadmissível e ilógico ao sistema.

Diante de tal hiato e dos sucessivos casos que se verificou as consequências desta lacuna o STJ editou em 2009 a Súmula 375 que definiu que o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Ainda assim a exigência dependia ainda da averbação da penhora que poderia demorar um tempo indefinido tornando ainda mais perigosa a posição do exequente aos efeitos do tempo e dos mecanismos de blindagem patrimonial ilícita.

Humberto Theodoro Júnior (2016; pág 226) aborda os efeitos que transcendem a relação processual mantida apenas entre o devedor originário e o credor opina no sentido de que terceiros adquirentes do bem se sujeitam também a anulação do negócio:

Os bens afetados pela averbação não poderão ser livremente alienados pelo devedor. Não que ele perca o poder de dispor, mas porque sua alienação pode frustrar a execução proposta. Trata-se de instituir um mecanismo de ineficácia relativa. A eventual alienação será válida entre as partes do negócio, mas não poderá ser oposta à execução, por configurar hipótese de fraude nos termos do art. 593, como prevê o §3º do art. 615-A. Não obstante a alienação subsistirá a responsabilidade sobre o bem, mesmo tendo sido transferido para o patrimônio de terceiro

Com o crescimento econômico e em meio a uma economia cada vez mais volátil fez-se necessário o aperfeiçoamento dos sistemas voltados a tutelar o interesse não só do exequente, mas também do executado. Por muitas vezes o próprio uso das certidões de averbação de execuções eram utilizadas de forma arbitrária pelo exequente que pelo verniz de apenas dar publicidade a futuros adquirentes, utilizavam-na como evidente instrumento de coação pelo congelamento por inúmeras vezes total do patrimônio do executado sob o pretexto do exercício regular de um direito.

As sanções para o uso indevido ou excessivo do direito de averbar eram brandas e por muitas vezes sequer eram aplicadas. Não foram poucos os casos que após anos da constatação dos excessos cometidos pelo exequente o tribunal se limitava a apenas determinar o levantamento das penhoras ou, quando muito, aplicar pena de litigância de má-fé uma rara indenização de difícil e rara aplicação pois não se compreendia bem o que seria averbação indevida indenizável.

Inclusive, ainda há que se considerar que o próprio credor acabava por impedir que o devedor realizasse parte do seu patrimônio para remir a execução uma faculdade prevista no próprio ordenamento processual. Os juros e consectários da mora permaneciam sendo exigíveis mesmo quando se observava tal fato oponível apenas ao credor e nada era feito contra ele. O desequilíbrio e a impunidade quanto ao uso indevido das certidões premonitórias era recorrente. Contudo, ainda assim tal instrumento permanecia como uma saída para tornar operativa e eficaz a execução arvorada.

Ao se debruçar sobre o tema, Araken de Assis registra, inclusive, que, em meio à arredia conjuntura econômica atual, a esfera patrimonial das pessoas se desvaneceu, adquirindo escassa transparência, e acrescenta que os bens de raiz deram lugar a depósitos anônimos em paraísos fiscais, não havendo meios técnicos disponíveis [...] para se adaptar a esta nova realidade[4].

Em excelente trabalho monográfico de conclusão do curso de graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, Lucas Rocha Mendes lança importantes questionamentos quanto a dificuldade que o exequente enfrentaria caso tivesse que combater eventual planejamento voltado a blindagem patrimonial perpetrado pelo executado no curso da execução:

O levantamento de bens se mostra ainda mais anêmico quando analisadas as ferramentas pelas quais se realiza essa busca. Para a localização de imóveis de propriedade do devedor em Santa Catarina, por exemplo, é necessário o requerimento e recolhimento de custas para cada um dos Ofícios de Registro de Imóveis, espalhados pelas 111 (cento e onze) Comarcas instaladas no Estado. Considerando que em diversas Comarcas existe mais de um Ofício competente, resta evidente a impossibilidade de um completo levantamento nesse território. Verifica-se, ainda, que muitos registradores levam até 3 (três) dias úteis para disponibilizar cópias das matrículas atualizadas dos imóveis encontrados e, na maioria das ocasiões, não as concedem por meio eletrônico, restando ao solicitante aguardar o envio pelo sistema postal que melhor aprouver ao registrador. A situação não difere quando se almeja levantar os veículos registrados em nome do devedor. Em que pese o sistema do Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina (DETRAN/SC) unificar a pesquisa para todos os Municípios do Estado, o órgão exige que o interessado faça pessoalmente o requerimento de busca e, não fosse suficiente tal entrave, ainda estabelece que o resultado pode ser disponibilizado em até 5 (cinco) dias úteis. Ora, se após a assinatura do Certificado de Registro do Veículo (CRV) este mesmo Departamento, por vezes, transfere a titularidade de um automóvel no mesmo dia, significa dizer que o devedor que assim desejar, dispõe de amplas possibilidades de ocultamento patrimonial.

O mesmo autor ainda cita a falha técnica de se requerer já na inicial a expedição da referida certidão (2015; pág. 19):

Na literalidade do seu texto, portanto, a certidão passará a ser referir à admissão da execução pelo juízo daí porque denominada certidão de admissão , e não mais ao seu ajuizamento. Tal aspecto remete a uma substancial mudança procedimental: não será mais no momento do protocolo que se realizará o pedido de expedição da certidão, mas tão somente após o despacho inicial do juízo. Além disso, a forma de requerimento também poderá sofrer alteração, a depender do posicionamento dos Tribunais. Afinal, se a certidão se referirá à admissão da execução, poderá ser exigido o requerimento expresso na petição inicial, para que no despacho de recebimento o juízo ordene ao cartório a disponibilização do documento.

Não pode o ator processual na posição de exequente proceder a averbações excessivas sob o pretexto de pretender dar publicidade a terceiros da existência da execução ou até a avaliação dos bens, sob o pretexto de que não teria como avalia-los e etc. Deve o exequente se municiar de informações mínimas do preço de mercado do bem que pretende que passe a constar a existência da execução a alegação de ingenuidade ou desconhecimento não se coaduna com sua posição de credor e nem pode socorrer a sua eventual má-fé.

Não estamos defendendo que o executado não esteja sujeito a excussão do seu patrimônio, mas o mesmo tem o direito de que o seja por meio do devido processo legal. Cabe ao magistrado, não obstante o quão cansativo seja sua posição de diretor de um processo de execução, a condução do processo em fiel observância aos interesses juridicamente tutelados de todas as partes. A tão frágil posição do exequente não pode ser motivo para a decretação da sua morte civil e alijamento de todo o seu patrimônio disponível. Pode e deve ser respeitada a reserva de patrimônio do devedor e a preservação da sua parte disponível.


4. A Evolução do Instituto

A Lei 13.105/15 equilibrou as forças antagônicas da execução e aprofundou mais ainda as normas que definem qual conduta processual aceitável e esperada do exequente quanto ao uso de tais averbações. Ao mesmo tempo que aumentou a sua liberdade quanto ao uso das certidões premonitórias, que em sua forma passaram a ser mais genéricas, possibilitando a averbação por iniciativa do próprio exequente, fez com que este tivesse o dever de levantar ele próprio as averbações excessivas após perfectibilizada a penhora de bens suficientes.

Pela nova sistemática detém o exequente o dever processual de comunicar ao juízo acerca dos bens que teria averbado, sob pena desta ser considerada manifestamente indevida, acarretando ao credor a obrigação de indenizar o devedor pelo excesso praticado consoante dicção do § 5º do art. 828 do CPC/2015:

Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

§ 1º No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.

§ 3º O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.

§ 5º O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

Bastante equilibrada a disposição do art. 828 do Código de Processo Civil de 2015 pois concedeu ao exequente maior liberdade e celeridade na assunção de medidas que visassem a salvaguarda não só do seu crédito, mas também de terceiros adquirentes que não teriam como ter ciência dos riscos anteriores a aquisição do bem pelo vendedor.

A liberdade do exequente pelo simples fato de ser parte não é absoluta. Em homenagem ao princípio da boa-fé objetiva e da menor onerosidade o §5° do art. 828 obriga ao exequente que comunique as averbações realizadas ao juízo da execução para que em 10 dias posteriores a formalização da penhora cancele os excessos.

Cabe ao credor levar a averbação a existência da execução, bem como, retirá-la, não sendo necessária ordem judicial para tanto. Ou seja, o exequente é quem providenciará o cancelamento das penhoras excessivas não cabendo imputar ao juízo eventual irresponsabilidade por sua inércia:

§ 2º - Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.

§ 3° - O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.

A par destas regras, a CGJ editou a seguinte:

CNNR - Artigo 427-A O cancelamento das averbações premonitórias, que trata o artigo 615-A do Código de Processo Civil, efetuar-se-á nas seguintes hipóteses:

I determinação judicial;

II através de requerimento expresso do credor/exequente quando a execução já estiver garantida por outros bens devidamente penhorados ou quando o processo de execução estiver extinto, desde que o próprio credor/exequente tenha solicitado a averbação premonitória;

III através de requerimento expresso do devedor/executado quando comprovada a extinção do processo de execução.

O quarto dispositivo é o que consta no § 5º do mesmo artigo 828, correspondente ao 615-A: § 5º - O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2º indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

Desde o momento em que foi editado o artigo 615-A, em 2015, a doutrina já chamava atenção para os riscos para o credor que averbasse a referida certidão em excesso de premonição, vale dizer, para o risco de averbar a certidão em mais imóveis/bens móveis do que os necessários.

Tanto o Código de Processo Civil de 1973 quanto o atual, impõe que no prazo de dez dias o requerido deveria comunicar a realização do ato e providenciar o desbloqueio dos excessos. A própria interpretação literal do art. 615-A, em seu § 4º c/c o art. 828, §5º do atual, anotam que a averbação manifestamente indevida acarreta ao exequente (ora requerida) a obrigação de indenizar, bem como a multa decorrente da litigância de má-fé.

A indisponibilidade de todo o patrimônio do executado impossibilita a realização de parte do seu patrimônio como forma de fazer frente as suas obrigações. Comprovada a reserva de patrimônio superior a execução e o cerceamento do direito pleno de propriedade do autor, naquela ocasião, executado, não pode o exequente querer que o executado responda pelos corolários de mora e de juros. Mais que isso, deve a ré indenizar a parte autora pelo longo período de alijamento do direito de disposição dos seus bens que superam em muito o valor da presente execução.

Ademais, a averbação da penhora ou da averbação premonitória significam o mesmo: imposição de restrição aos direitos de disposição do bem. Caso fosse necessário o posterior registro da penhora sobre bem que pendesse o registro da averbação citado. Daí a conclusão de que a lei dispensou a realização de novo registro no caso de penhora de bem com averbação anterior, como esclarece Luciano Santhiago Ziebarth[5]:

A par disso, uma vez realizada a averbação, não há necessidade do posterior registro da penhora, uma vez que a averbação do ajuizamento da execução possui a mesma finalidade do registro da penhora, isto é, gerar a presunção absoluta de conhecimento de terceiros, evitando alienações ou onerações maliciosas. Assim, não apenas com a penhora, mas também com a averbação premonitória se obtém a finalidade publicitária necessária à presunção de fraude à execução, tornando-se desnecessária a averbação da primeira quando já concretizada a segunda no álbum registral (ZIEBARTH, 2007)

O parágrafo 2° do art. 828 conferiu ao exequente um dever e lhe impôs o marco temporal para o seu exercício. O parágrafo quinto impõem a sanção ao seu descumprimento visando minorar eventuais prejuízos pela sua conduta excessiva e prazos mais do que bem definidos.

Lucas Rocha Mendes apud Wambier[6] defendem que o termo inicial para a contagem do prazo de dez dias é a data do efetivo registro da penhora suficiente a garantir a execução e tornar os excessos indenizáveis:

Quanto ao primeiro aspecto, impõe-se analisar a forma de contagem desse prazo(principalmente se considerados os novos dispositivos trazidos pelo CPC/2015 sobre o tema) e o seu termo inicial. É uníssono que o prazo fluirá da data da concretização do ato registral, sendo este o momento em que ocorre a prenotação da certidão na matrícula no bem, conforme disposto no artigo 182 da Lei nº 6.015/1973 (a Lei de Registros Públicos) Não obstante, a aludida contagem se valerá do disposto no artigo 219 do CPC/201547, pelo qual serão contabilizados somente os dias úteis. Sem pretender criticar o dispositivo, mas tão somente avaliar os efeitos práticos da mudança, significa dizer que o prazo (real) para comunicação ao juízo será de até 14 (quatorze) dias corridos (sem considerar eventuais feriados).

Quase que sempre o exequente se preocupa apenas com a averbação da penhora do bem. Não se preocupando se a manutenção das demais averbações premonitórias implicariam ou não prejuízo para o patrimônio do executado. Com isso, num misto de falta de zelo e omissão, o credor costuma atribuir tal responsabilidade ao juízo da execução tal conduta já não se afigurava como aceitável no sistema anterior, tendo sido necessário o legislador disciplinar a matéria.


5. Do Dever de Lealdade Processual do Exequente

O legislador reconheceu que a conduta do exequente que opta pelo uso do instrumento de averbação premonitória deverá ser mais responsável ainda, limitando-se à averbação apenas dos bens necessários para o pagamento do crédito inadimplido, devendo se atentar em especial ao prazo previsto no § 2º para o levantamento das averbações que excedam os bens penhorados, sob pena das sanções cominadas que comportam a multa por litigância de má fé que já era aplicada pela mesma conduta no código anterior (20% sob o valor da causa), acrescida do dever de indenizar pelos danos ocasionados por sua desídia a ser processada por meio de incidente.

Em linhas gerais enquanto o diploma anterior fazia referência direta ao seu artigo 18, § 2º, que trata da multa por litigância de má-fé e a indenização à parte prejudicada em valor desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, o atual código prevê a indenização ampla, sem prejuízo da mesma multa por litigância de má fé que foi recepcionada pela lei processual vigente. A conduta processual rechaçada pelo novo código de processo era também coibida pelo anterior.

Contudo, parte da responsabilidade pela necessidade da alteração do Código de Processo Civil, a qual defendemos que não seria necessária, é do Poder Judiciário que ao contrário dos institutos de direito comparado que se inspirou, passou a aplicar a teoria do mero aborrecimento de forma desmedida e em qualquer caso. Mesmo quando o executado comprovava o excesso cometido pelo exequente após anos a fio não raras as vezes o magistrado não lhe aplicava multa ou atendia sua pretensão de ter justa indenização pelo ilícito de ordem civil e processual cometido.

A ética civil e processual já recomendavam que em tais casos fosse fixada justa indenização pela perda injusta ou temporária de determinada do principal direito da propriedade: a disposição. Por mais que aleguem que as averbações premonitórias não impediriam atos translativos da propriedade do bem é inegável acreditar que terceiros adquirentes adquiriam-no na pendência de tal informação, sobretudo, bens imóveis.

O direito não busca sua fonte num mundo de ideais perfeitos, o busca no seio das relações interpessoais. A experiência aponta que a interpretação aos gravames gerados pelo uso do instrumento premonitório é que se trata de verdadeira restrição a disposição do bem. Em se tratando de um devedor, que é sempre o caso do prejudicado, tal restrição adquire especial relevo fazendo com que a mora e seus corolários cessem a partir do momento em que o devedor perderia o direito de realizar parte do seu patrimônio para remir a execução


6. Do Dever de Lealdade Processual do Exequente

Como visto, o § 2º do art. 828 atribuiu ao credor a responsabilidade do cancelamento das averbações dos bens que excedesse o limite para a satisfação do crédito. Tal abuso de direito, portanto, se refere, na realidade, à omissão no levantamento da averbação, e o registro dessa hipótese dentre as passíveis de responsabilização se destina a garantir adequada utilização do instituto.

O exequente precisa se ater ao valor do seu crédito e eleição de bens do acervo do devedor que bastasse para a garantia da execução.

Evidente, destarte, não se discutindo a existência de dolo ou culpa por parte do requerido, uma vez que o direito brasileiro adota o critério objetivo, funcional ou finalístico para que se possa aferir ter havido o exercício abusivo do direito, segundo o qual mais relevante que a intenção do agente é a constatação de que o direito subjetivo terá sido exercido de modo contrário à sua finalidade econômica ou social.

O exequente que averba, penhora e não remove as averbações premonitórias excede os limites do exercício do próprio direito cometendo ato ilícito (art. 187 do Código Civil), diante de ter: (a) ultrapassado demasiadamente o valor do crédito; (b) não ter comunicado a totalidade das averbações ao juízo; (c) deixar de requerer aos registros competentes a baixa dos excessos, que deveria ter sido diligenciada por ele próprio independente de ordem judicial, mormente as definições do novo código de processo.

Sobre as hipóteses em que se verifica excesso do credor, José Miguel Garcia Medina (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 729) exemplifica:

Pode reputar-se manifestamente indevida a averbação, p.ex., quando: (a) a própria execução for manifestamente indevida, o que poderá vir a ser demonstrado, p.ex., nos embargos à execução; (b) realizada em vários bens, excedendo injustificadamente o valor da causa; (c) tendo o exequente informações acerca da existência de vários bens, opte por aquele que, evidentemente, tem valor excessivo, em detrimento de bem de valor inferior, mas mais adequado ao valor da causa; (d) feita a penhora, o exequente não realize o cancelamento da averbação sobre os demais bens (cf. § 2º, do art. 615-A). Incide o disposto no § 4º também nos casos em que o exequente exercite abusivamente o direito a que se refere o caput do mesmo artigo. Isso ocorrerá quando, embora admissível a averbação, o exequente exceder manifestamente os limites próprios do exercício de tal direito, como, p.ex., no caso em que o exequente realize a averbação em relação a uma quantidade excessiva de bens, quando suficiente a averbação em apenas um deles [...] Grifou-se

Cabe salientar que o atual código de processo civil atribuiu maior responsabilidade ainda ao credor quanto aos seus atos cautelares, não respondendo apenas pela litigância de má-fé mas também pela indenização suplementar ao prelecionar o § 5º do art. 828 que caberá ao exequente indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados.

Em nosso sentir, por se tratar de uma faculdade do credor a averbação premonitória que possui o mesmo efeito da penhora, consoante abordagem doutrinária, deve o mesmo responder de forma objetiva pelo exercício abusivo de uma faculdade, o direito de averbar (art. 187 do Código Civil).

Neste sentido, em abordagem ao tema, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina em sua obra Breves Comentário à nova Sistemática Processual Civil (RR, 2016; pág. 77):

Evidente, destarte, que se trata de forma de responsabilidade objetiva, não se discutindo a existência de dolo ou culpa por parte do credor, uma vez que o direito brasileiro adota o critério objetivo, funcional ou finalístico para que se possa aferir ter havido o exercício abusivo do direito, segundo o qual mais relevante que a intenção do agente é a constatação de que o direito subjetivo terá sido exercido de modo contrário à sua finalidade econômica ou social

Em outras palavras, a limitação foi substituída pela possibilidade de demonstração dos efetivos prejuízos suportados. Assim, pela possibilidade de ressarcimento, restaria atenuada a insegurança jurídica do ato registral que é realizado por uma mesma certidão que nas mãos do exequente sempre dará a destinação mais catastrófica possível ao patrimônio do executado. Com isso, a boa-fé objetiva e o dever de lealdade processual e respeito ao patrimônio alheio deixaram de ser apenas exortações éticas, tornando-se uma garantia ante a possibilidade de ampla condenação do exequente que se utilizasse do instituto de forma indevida.

Apesar da expressa indicação no dispositivo do art. 828, antes mesmo da aprovação do CPC/2015 José Miguel Garcia Medina já se posicionava pela imputação desta responsabilidade ao credor Escolhido o bem sobre o qual vai recair a penhora, as averbações dos demais bens não atingidos devem ser canceladas e a providência, a princípio, cabe ao credor. Não há necessidade de mandado, bastando apenas que ele se dirija ao ofício predial e, ali, requeira cancelamento às suas expensas, obtendo certidão a ser exibida ao Juiz. Não o fazendo, compete à autoridade processante as providências para a devida regularização.

Ainda tratando do cancelamento das averbações excedentes aos bens penhorados, o § 3º do artigo 828 indica que Caso o exequente deixe de providenciar, o próprio juiz, de ofício ou a requerimento, poderá fazê-lo, respondendo o exequente pelos danos causados. Sem correspondente no artigo 615-A, pode-se afirmar que o parágrafo foi inserido no intuito de afastar eventuais abusos decorrentes da nova incumbência conferida ao credor, o que também não afasta a sua aplicação em outros casos nos quais se mostre necessário o levantamento da anotação. Conforme já comentado no decorrer do presente incidente, nessa situação a comprovação de dano pelo executado ensejará a responsabilização prevista no § 5º do artigo 828 em sua forma objetiva.

Sobre as hipóteses em que se verifica excesso do credor, José Miguel Garcia Medina exemplifica: Pode reputar-se manifestamente indevida a averbação, p.ex., quando: (a) a própria execução for manifestamente indevida, o que poderá vir a ser demonstrado, p.ex., nos embargos à execução; (b) realizada em vários bens, excedendo injustificadamente o valor da causa; (c) tendo o exequente informações acerca da existência de vários bens, opte por aquele que, evidentemente, tem valor excessivo, em detrimento de bem de valor inferior, mas mais adequado ao valor da causa; (d) feita a penhora, o exequente não realize o cancelamento da averbação sobre os demais bens (cf. § 2º, do art. 615-A). Incide o disposto no § 4º também nos casos em que o exequente exercite abusivamente o direito a que se refere o caput do mesmo artigo. Isso ocorrerá quando, embora admissível a averbação, o exequente exceder manifestamente os limites próprios do exercício de tal direito, como, p.ex., no caso em que o exequente realize a averbação em relação a uma quantidade excessiva de bens, quando suficiente a averbação em apenas um deles.


7. O Direito Objetivo a Ser Invocado

Sabe-se que, para que haja o dever de indenizar, impõe-se ocorrência de ato ilícito, nexo causal e dano, nos termos estatuídos nos arts. 927, 186 e 187 do Código Civil, ex positis:

"Art. 927 -Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

Ao perfazer uma exegese acerca do direito de indenização, leciona Fredie Didier Junior:

"A averbação indevida gera direito de indenização para o devedor - aplicando-se as regras de litigância de má-fé (art. 615-A, § 4º), constituindo infração ao artigo 14, IV, CPC. (...) São exemplos de averbações indevidas: i) averbação em excesso; II) SE JÁ HÁ BEM SOBRE O QUAL O CREDOR EXERCE DIREITO DE RETENÇÃO OU GARANTIA REAL, SALVO SE FLAGRANTEMENTE INSUFICIENTE; iii) AVERBAÇÃO NÃO COMUNICADA NO PRAZO ETC."

Há ainda que se considerar para a precificação da indenização o a teoria da perda de um chance adotada em boa parte dos países de tradição romano-germânica. Infelizmente no Brasil há uma visão muito restrita quanto a fixação de indenização quase um clientelismo que torna o dano algo não indenizável sob a pecha de mero aborrecimento.

No caso da fixação da indenização é necessário distinguir no caso concreto a perda de uma chance de venda de determinado bem indevidamente gravado e a probabilidade da ocorrência desse resultado final, imputado a atuação do exequente. Notório termos em mente que o executado comumente encontra-se em situação financeira difícil na qual seria necessário a venda da parte disponível do seu acervo patrimonial para o pagamento da execução, que é uma faculdade do exequente.

A crise patrimonial pode adquirir diversos vieses: patrimonial, econômica ou financeira. Em momentos de crise a situação pode ser a necessidade da venda de determinados bens para a superação da crise financeira. Contudo, se o exequente averba a existência da execução em todos os bens do executado ou não realiza o levantamento no prazo previsto de dez dias do atual código, como pode o executado ainda fazer frente a sua dívida e ainda responder a mora?

O Tribunal de Justiça do Pará[7] ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 manteve a sentença de primeira instância que julgou procedente ação incidental indenizatória relativa ao uso arbitrário da certidão premonitória antes mesmo da entrada em vigor do art. 828 do Código de Processo Civil de 2015 cabendo transcrevermos o relatório:

Com efeito, no presente caso não se pode cogitar que tenha o requerido exercido seu direito dentro dos limites legais, pois evidente o excesso praticado na hora de exercer sua cautela. Cediço que para que se possa verificar eventual excesso na medida levada a cabo pelo exequente, indispensável prova contundente do abuso do exercício do direito conferido pelo art. 615-A, o que restou comprovado nos autos pelas comprovações da efetivação do registro nas seis matriculas acima citadas. Destaco que, as avaliações dos imóveis foram realizadas de forma unilateral pela requerente, não servindo para comprovar de plano o alegado excesso perpetrado pelo requerido, todavia, pela quantidade de imóveis e de matrículas averbadas, além dos valores de compra e venda dos mesmos, não é forçoso concluir que de fato houve excesso (...). Assim sendo, entendo que se encontram presentes os requisitos autorizadores do dever de indenizar, devendo o requerido ressarcir a requerente dos prejuízos causados à mesma. Por fim, cabe a análise do pedido de dano moral. No presente caso, entendo que o excesso das averbações inscritas nas matriculas dos imóveis da requerente, causou-lhe prejuízos que vão além do mero aborrecimento, isto porque se tratando de empresa em constante atividade comercial, deve a mesma primar pelo seu bom nome, fato este que deve sempre está aferível ao controle de crédito das demais instituições financeiras, o que não deve ser prejudicado por conduta de terceiros. Além do mais, o fato de ser a autora devedora na ação de execução não faz presumir que o requerido possa, conforme seu próprio entendimento, averbar gravame em todo o patrimônio da devedora, como de fato ocorreu.

O magistrado ainda abordou de forma percuciente a necessidade de indenizar a parte prejudicada:

Por fim, cabe a análise do pedido de dano moral. No presente caso, entendo que o excesso das averbações inscritas nas matriculas dos imóveis da requerente, causou-lhe prejuízos que vão além do mero aborrecimento, isto porque se tratando de empresa em constante atividade comercial, deve a mesma primar pelo seu bom nome, fato este que deve sempre está aferível ao controle de crédito das demais instituições financeiras, o que não deve ser prejudicado por conduta de terceiros. Além do mais, o fato de ser a autora devedora na ação de execução não faz presumir que o requerido possa, conforme seu próprio entendimento, averbar gravame em todo o patrimônio da devedora, como de fato ocorreu. Às fls. 37/46, restou comprovada as averbações, e às fls. 57/61 comprova-se o prejuízo decorrente das averbações efetuadas em excesso. Desta forma, verifico que o requerido, ao exercer seu direito insculpido no art. 615-A do CPC, agiu com excesso provocando prejuízos à requerente de ordem moral, pelo que deve este dano também ser reparado

Em agosto de 2017 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também se posicionou sobre a matéria:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. AVERBAÇÃO PREMONITÓRIA. EXCESSO. Ainda que a averbação premonitória encontre previsão legal no artigo 828, do CPC, a conduta do exeqüente que registra a ação em todos os imóveis do executado, os quais superam significativamente o valor da execução, é abusiva, impondo-se o cancelamento das averbações registradas em excesso. Inteligência do artigo 828, § 2º, do CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70072881634, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Julgado em 23/08/2017).

No julgamento do Agravo de Instrumento do TJRS, o Relator Des. Antônio Maria Rodrigues Iserhard afastou ainda alegação comumente aduzida nas defesas, relativa a impossibilidade de se alegar desconhecimento dos bens objeto da averbação, cabendo parafrasear o relatório: Consigno, por fim, que a alegação da exeqüente ventilada em razões recursais, de que não houve avaliação dos imóveis dados em garantias (o que motivou este juízo a atribuir efeito suspensivo ao recurso) não procede, pois os executados trouxeram três avaliações dos bens (duas do ano de 2013 e uma de 2016, conforme já exposto acima), de modo que se a exequente não concorda com as avaliações, deveria tê-las impugnado.

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - Liberação de gravame que recai sobre imóveis - Artigo 615-A do CPC - Alegação de valor superior ao da dívida- Ausência de pretensão para liquidação do débito - Avaliação - Elementos nos autos insuficientes para esclarecer o valor dos imóveis -Eventuais excessos ou averbações indevidas - Possibilidade de punição - Artigo 615-A,§ 4º do CPC - Decisão mantida - Recurso improvido. (TJ-SP - AI: 757737120118260000 SP 0075773-71.2011.8.26.0000, Relator: Candido Alem, Data de Julgamento: 09/08/2011, 16ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/08/2011)

O processo de execução providencia-se as operações práticas necessárias para o conteúdo daquela regra, para modificar os fatos da realidade, de modo que se realize a coincidência entre o direito postulado e a realidade jurídica posta em juízo.

A satisfação pública do credor deve ser enxergada de forma peculiar quando a causa envolver prosseguimento de execução em causa a qual, na fase de conhecimento, já se encontrava garantida. Não pode utilizar o credor do processo judicial para fins que ultrapassam seus propósitos e se demonstram eivados de nulidade e rasteira má-fé.


8. Conclusão

O binômio possibilidade e necessidade não encontram distinção no viés prático adotado pelo exequente que averba, congela inúmeros, mutila os direitos de propriedade e de disposição de todos os bens de outrem, sobretudo, sob a alegação de que o levantamento dos excessos seria ato privativo do juízo.

O atual Código de Processo Civil foi fruto de um longo processo histórico ligado diretamente a experiência forense e a ideologia da necessidade de um sistema mais célere e justo.

Confiamos que o Poder Judiciário confira máxima eficácia a reformulação do instituto ligado ao uso da certidão de averbação premonitória fazendo com que as partes se portem de forma ética e nos limites do direito posto em juízo.


Referências

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TAVARES, André Ramos. Perplexidades do novo instituto da súmula vinculante no direito brasileiro. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 11, jul.-ago.-set. 2007, p. 1-2. Disponível em: < http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-11-JULHO-2007-ANDRE%20RAMOS.pdf> Acesso em: 02 ago. 2010.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARÁ. Agravo de Instrumento nº 2013.025981-6, Relator Desembargador Lédio Rosa de Andrade, 4ª Câmara de Direito Comercial. Julgado em 7, out. 014.https://consultas.tjpa.jus.br/consultaprocessoportal/consulta/principal?detalhada=true#

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, v. 3, p. 76. apud


1. Lei 11.382/06

2. O Código anterior previa exceção a regra geral:

Art. 816. O juiz concederá o arresto independentemente de justificação prévia:

I - quando for requerido pela União, Estado ou Município, nos casos previstos em lei;

II - se o credor prestar caução (art. 804).

3. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5869-11-janeiro-1973-357991-publicacaooriginal-1-pl.html

4. ASSIS, Araken de. op. cit., loc. cit.

5. ZIEBARTH, Luciano Santhiago. Lei n. 11.382/06 - a necessidade ou não da averbação da penhora no sistema registral, quando já tivermos ali lançada averbação da existência da ação de onde foi extraída tal penhora, como previsto no caput, do art. 615-A do CPC. Clubjus. Brasília-DF: 05 dez. 2007. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11930&hl=no> acesso em 09/05/2017.

6. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil, v. 3, p. 76. apud ASSIS, Araken de. op. cit. p. 523. No mesmo sentido: MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit. p. 729.

7. TJPA, 0012539-16.2014.8.14.0301, Rel. Juiz. Roberto Cézar Oliveira Monteiro


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EICHLER, Matheus dos Santos Buarque. Dos excessos no uso do instrumento de averbação premonitória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6770, 13 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95865. Acesso em: 28 mar. 2024.