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Ilegalidade de cláusula de carência em plano de saúde

01/11/2000 às 00:00
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Ação cautelar, com pedido de liminar, para nulidade de cláusula de carência do plano de saúde, em caso no qual a autora precisa de tratamento de enfermidade nefrológica.

EXMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CIVIL DA COMARCA DE VALINHOS - SP

SANDRA REGINA ARNS, brasileira, comerciante, portadora dos documentos RG 5.002.059 e CPF 528.450.878-53, residente e domiciliada na Av. A-4, Lote C-3-J, Vale Verde, Valinhos - SP, vem por sua advogada, nos termos do Art. 798 do Código de Processo Civil, propor

MEDIDA CAUTELAR INOMINADA

COM PEDIDO DE LIMINAR

contra BRADESCO SAÚDE S.A., sito na Rua Barão de Itapagipe, 225, Rio de Janeiro, RJ, CNPJ 92.693.118/0001-60.


A Sra. SANDRA REGINA ARNS (autora) é detentora da apólice no 0115753, da Bradesco Saúde, com vigência das 24:00 horas do dia 31.01.2000 até as 24.00 horas do dia 31.01.2003, no plano BRADESCO SAÚDE TOP.

Na última sexta feira, dia 16 de junho, por volta das 21:00 horas, começou a passar mal e buscou o hospital VERA CRUZ, em Campinas, para atendimento de urgência. Não pode ser atendida, pois a Seguradora não autorizou o procedimento, vez esta estar no período de carência, previsto, no Contrato de Adesão, no total de 180 (cento e oitenta) dias (pag. 15 do doc. 03).

Em razão disto, foi a REQUERENTE medicada, com hipertensão arterial e suspeita de pneumonia, e para sua residência retornou. Porém, em 18 de junho, por volta das 9:00 horas, novamente começou a sentir forte mal estar, sendo levada para a Santa Casa de Misericórdia de Valinhos, sendo internada imediatamente com suspeita de insuficiência cardíaca e hipertensão arterial. Novamente, por estar em carência, e não sendo este Hospital credenciado Bradesco Saúde S.A., precisou dar caução de R$ 3.000,00 (três mil reais) para internação e início do tratamento. A REQUERIDA já acenou negativamente pelo reembolso.

No presente momento, a AUTORA necessita de cuidados nefrológicos, que não podem ser realizados, em razão da insuficiência financeira para tal, estando internada na Santa Casa de Misericórdia deste município. Segundo parecer médico preliminar, em razão da insuficiência renal, houve consequências cardíacas e a hipertensão arterial. Porém ainda restam a realização de exames para laudo conclusivo.

Tentou-se então novamente contato com a Seguradora, que negou o reembolso, previsto na contratação, novamente em razão da carência.

Cumpre observar que, sendo internada por doença grave, ao que se deduz, inicialmente originária de insuficiência cardíaca e hipertensão arterial, são manifestadamente imprevisíveis. Neste caso, não se justifica um período tão extenso para a carência, porque imprevisível ou inesperados também são os chamados "ataques do coração", cuja ocorrência é súbita, podendo mesmo até produzir a "morte instantânea", no caso de não ocorrer o pronto atendimento. Ademais, o parecer médico deduz os problemas cardíacos decorrentes da insuficiência renal, agora detectada.

Deve-se observar que a cláusula de carência, no caso em tela, deve ser considerada NULA pois, incluída em contrato de adesão, coloca o consumidor em desvantagem exagerada, incompatível com a sua boa-fé e equidade ( Art. 51, IV da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor).

Tem-se aqui, então, direitos sobre direitos, onde deve prevalecer a natureza do mais importante. Por isso, a cláusula referente a carência há de ser considerada LEONINA, por infringir, em face das circunstâncias em tela, o inciso IV do Art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. Aliás, essa é a lição de Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins

"é um verdadeiro mandamento aberto, exprimindo conceito vago, a ser preenchido pelo juiz diante de cada caso, de acordo com as circunstâncias que lhe forem peculiares, quando, então, deverá ser avaliado "in concreto", se trata-se ou não de cláusula leonina.

( Autores citados, Código do Consumidor Comentado, Ed. RT, 1995, 2a edição, p. 252)

Cumpre mencionar que, tal como posta a cláusula de carência, num país em que o atendimento da saúde pública está caótico, sendo de conhecimento comum o altíssimo custo de qualquer internação hospitalar, a sua abusividade é patente. Não se trata de ignorar a autonomia da vontade na realização dos contratos, mas de adequar aquela, sobretudo nos contratos de adesão, aos limites de proteção ao Código do Consumidor, que revelam o fundamento do fumus boni juris.

Como o produto a ser cuidado é a VIDA, evidência de risco maior de dano grave e impossível reparação não se pode exigir, sendo portanto presente os requisitos do "perigo da demora".

O direito à propositura da presente medida cautelar, é assegurado pelos Art. 798 e 799 do Código de Processo Civil, que estabelecem:

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no capítulo II, deste livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave ou de difícil reparação.

Art. 799. No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.

Portanto, presentes o periculum in mora e o fumus boni juris, está o Magistrado autorizado a permitir a prática de determinados atos, o que no presente caso se traduz a utilização do seguro saúde, anulando-se a cláusula de carência

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É justamente a eminência de consequências tão gravosas e de impossível reparação, que justificam o ajuizamento dessa medida cautelar, que visa o direito a vida, garantida constitucionalmente.

Baseado nas alegações de fato e de direito acima expostas e com o legítimo interesse de evitar a ocorrência de prejuízos não reparáveis, requer a AUTORA a V. Exa. se digne a conceder-lhe MEDIDA LIMINAR, para que seja determinado o pronto atendimento no HOSPITAL VERA CRUZ, através do seguro-saúde BRADESCO SAÚDE S.A., nos termos da apólice contratada.

No prazo legal, será proposta a ação anulatória da referida cláusula contratual cumulada com a restituição dos valores pagos no atendimento realizado na Santa Casa de Misericórdia de Valinhos, face a BRADESCO SAÚDE S.A..

Em face do exposto, requer ainda a AUTORA o seguinte:

A) seja citada a RÉ nos termos do Art. 221, inciso I (citação pelo correio) para, querendo, contestar a presente demanda, sob pena de confissão;

B) digne-se julgar a presente demanda INTEGRALMENTE PROCEDENTE, para o efeito de ser mantida a liminar esperada, e ver garantido seu direito a VIDA até apreciação da futura ação prinicipal;

C) digne-se condenar a seguradora REQUERIDA no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios e demais cominações a que der causa;

D) protesta-se provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente juntada de novos documentos, constatações e perícias que se fizerem necessárias.

Protesta também para juntada de documento procuratório, no prazo legal.

Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Termos em que,

P. Deferimento

Valinhos, 19 de junho de 2000.

Juliana Rita Fleitas
OAB-SP 169.678

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLEITAS, Juliana Rita. Ilegalidade de cláusula de carência em plano de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16302. Acesso em: 25 abr. 2024.

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