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Parecer:caso quilombola de São Francisco do Paraguaçu

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11/02/2016 às 13:48

Resumo:


  • O texto discute um conflito possessório envolvendo uma área na Vila São Francisco do Paraguaçu, onde o autor alega detenção por parte do réu após o término de um contrato de arrendamento, enquanto o réu e sua comunidade reivindicam a posse baseada em uso sustentável e tradicional do terreno.

  • O INCRA sugere a presença de uma comunidade quilombola na área, recomendando estudos antropológicos, enquanto o autor contesta a necessidade de intervenção da Fundação Palmares e a caracterização da comunidade como quilombola.

  • O parecer jurídico conclui que não há vícios na posse da comunidade, que a liminar para desocupação é inviável e que a comunidade tem direito a reivindicar a propriedade baseada em usucapião, com base no artigo 68 dos ADCT, destacando a função social da posse e a identidade cultural quilombola.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CONCLUSIVAMENTE

Do cotejo dos elementos analisados e carreados aos autos, é possível concluir que não há vícios para a posse da Comunidade Quilombola de São Francisco do Paraguaçu, e os argumentos do Autor não procedem.

A regularidade processual manda que se chame ao feito, ao polo passivo, a Fundação Palmares – a qual não é arremedo, como diz o Autor, mas fundação representativa dos quilombolas.

Outrossim, é inviável qualquer deferimento liminar pelo risco que oferece e pela ausência de direito a ser assegurado.

Por fim, sendo a comunidade quilombola, como se identificam, possuem direito a usucapir o imóvel, com supedâneo no artigo 68 dos ADCT, devendo ser usado, se for o caso, analogicamente, a usucapião indígena, conjuminada ao Decreto nº 4887/2003 e, em particular, as disposições de seu artigo 13 – se provar o Autor ter título de propriedade, o que não faz, pois se limita a alegar, em sua petição inicial, apenas a existência de um contrato de arrendamento.

Orienta-se a comunidade, também, a procurar órgãos jurídicos de assistência gratuita para elaboração de sua defesa técnica contestatória, com lastro nas considerações aqui discorridas, e em outras que também convenham.

É o parecer.


Notas

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 68.

[2] ALVIM, Arruda. Algumas notas sobre a distinção entre posse e detenção, p. 81.

[3] BENATTI, José. Posse coletiva da terra: um estudo jurídico sobre o apossamento de seringueiros e quilombolas. [s.d;s.i].

[4] NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 7ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 415, nota 15 ao artigo 47.

[5] CUNHA GONÇALVES apud GONÇALVES, Op. Cit.

[6] DIDIER JR., Fredie. A função social da propriedade e a tutela processual da posse, p. 11.

[7] Em sua maioria, as comunidades negras no meio rural não dispõem de documento comprobatório de seu direito e o "outro" toma o fato como meio de expor-lhe a negatividade de seu espaço, expondo-lhe a condição intersticial e temporária de sua relação com a terra. Diz-lhe assim, o que ele não é - dono da terra sua -, o que não tem ou não pode ter, a terra comum. A terra torna-se o elemento central desse processo posto que não é mais sua terra, o que faz com que a vida que até então lhe pertencia, passe a pertencer a outra esfera até então distanciada. Seu mundo, mundo dos pretos, passa a correr o risco de ser o mundo do "outro". Isto tudo porque o "outro" representa um mundo contido pelo universo da escrita, ou seja, pela ordem da palavra controlada e controladora. A palavra escrita é dotada, não da força vital própria da oralidade, mas de um poder nela investido e que o homem negro não tem. Sem a palavra sua e sem acesso a palavra do "outro", o negro camponês encontra-se despido de qualquer força que permita reagir. A destituição de seu universo e a negação da oralidade enquanto comunicação fazem com que deixe de ser gn'ot de si mesmo e se veja amordaçado pela condição de pobre, camponês e negro. Tríade com que a sociedade da escrita o discrimina e estigmatiza. (GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Terra de uso comum: oralidade e escrita em confronto. [s.i; s.d], 2012?).

[8] Tríade diagnosticada por BENATTI, José. Op. Cit.

[9] Explanação originada do REsp 771.616/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, primeira turma, DJ 01.08.2006

[10] Nesse sentido é o artigo 2º do Decreto 4887/2003: Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. – grifos nossos.

Em idêntico entendimento: A relação de identidade é ínsita à vida cultural. Quando a Constituição prestigia o modo de viver, fazer e sentir desses grupos e as suas formas de expressão está dando em absoluto a esses grupos a capacidade de autodefinição, de dizerem o que são. Cabe certamente ao Judiciário verificar – e se houver tempo falarei mais detalhadamente sobre o papel do Judiciário – se há, a partir dessa auto-identificação, pertinência ou não com o direito que é deferido, mas jamais cabe ao Judiciário, ao administrador ou a qualquer um de grupo étnico diverso dizer o que aquele grupo é. (PEREIRA, Débora Duprat de Britto. Seminário Internacional – As Minorias e o Direito. Série Cadernos do CEJ, 24, p. 240 a 249). – grifos nossos.

[11] Evidencia-se aqui a importância de um espaço físico onde a vida social encontra-se organizada. [...]. Por esta razão, o espaço físico da vivência coletiva não é apenas um pedaço de terra delimitado, demarcado por esta ou aquela regra, este ou aquele aspecto de lei. A terra é antes de mais nada, um território e como tal: "A terra é um ente vivo que reage ante a conduta dos homens; por isso, a relação com ela não é puramente mecânica senão que se estabelece simbolicamente através de inumeráveis ritos e se expressa em mitos e lendas" (BATALLA apud GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Terra de uso comum: oralidade e escrita em confronto. [s.i; s.d], 2012?).

[12] A questão dos remanescentes de quilombos não difere em nada da questão indígena. A propriedade, as terras conferidas a esses grupos são dadas efetivamente na perspectiva de um território cultural, onde se faça possível exatamente a existência desse grupo nessa perspectiva de vida de acordo com os padrões culturais próprios de uma vida plasmada, gestada e definida pelo próprio grupo. Trata-se, na verdade, de uma propriedade, de uma terra que se revela como condição de existência desse grupo na sua singularidade e não no aspecto patrimonial; tanto que a nota que se dá, geralmente, é de indisponibilidade, sob uma forma ou outra, porque é um território que não se destina ao comércio; mais uma vez tiramos esse bem da mercancia, que se destina não só às gerações atuais, mas também às gerações futuras, exatamente pela possibilidade de transmissão desses valores que orientam o grupo, na atualidade, e que vão sendo reformulados. (PEREIRA, Débora Duprat de Britto. Seminário Internacional – As Minorias e o Direito. Série Cadernos do CEJ, 24, p. 240 a 249). – grifos aditados.

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[13] ALFONSIN, Jacques T. Função social da posse. In Revista de Direito Agrário, MDA|Incra|Nead|ABDA, Ano 19, n° 18, 2006, p. 178.

[14] [...] aqueles que se esforçam para ter uma moradia, mesmo por vias irregulares, não são brindados com infra-estrutura mínima para seu cotidiano, como iluminação regular, saneamento, creche, posto de saúde, ponto de ônibus ou correio. Por estarem em situação irregular, o Poder Público reluta em ofertar tais equipamentos com receio de consolidar a ilegalidade por força de sua conivência. Assim, parece mais conveniente deixá-los à própria sorte. (DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. São Paulo: Manole, 2004, p. 20-21).

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Sobre o autor
Lucas Correia de Lima

Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana (2015). Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017). Mestre pelo Instituto de humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, da Universidade Federal da Bahia (2019). Doutorando em Direito pela UFBA. Foi advogado do Município de Ipirá no ano de 2015, aprovado em primeiro lugar na seleção, saindo das atividades para exercer a função de Conciliador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (2015-2016), também aprovado em primeiro lugar. Articulista com obras publicadas em variados boletins informativos e revistas jurídicas, em meio físico e eletrônico. Membro associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Membro da Associação Brasileira de Direito Educacional (ABRADE). Membro colaborador do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (IBRAJUS). Professor da Uninassau, na disciplina de Direito das Obrigações e Tópicos Integradores II. Integra atualmente o Tribunal de Justiça. Conferencista, pesquisador e palestrante. Tem experiência na área de Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: sociedade, universidade, políticas afirmativas, negro, mulher, educação, crime, lei e violência.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Lucas Correia. Parecer:caso quilombola de São Francisco do Paraguaçu. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4607, 11 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/45377. Acesso em: 22 dez. 2024.

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