PARECER JURÍDICO Nº ...
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REVISÃO GERAL ANUAL VEREADORES. POSSIBILIDADE. PROJETO DE LEI. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA CÂMARA MUNICIPAL. INICIATIVA DA MESA DIRETORA. PRECEDENTES STF.
Consulente: Presidente da Câmara Municipal de .../CE.
Trata-se de consulta realizada pelo Presidente da Câmara municipal de .../CE, ..., protocolada nesta assessoria jurídica no dia 25 de fevereiro de 2016, Memorando 001/2016, requerendo a apresentação de parecer fundamentado sobre os seguintes questionamentos:
1. É possível a aplicação da revisão geral anual prevista no art. 37, X, da Constituição Federal de 1988 aos Vereadores?
2. Em sendo possível, quem é a autoridade competente para iniciativa da propositura?
3. Que ato normativo deve ser editado para aplicação da revisão geral anual dos Vereadores?
O consulente informa que existem controvérsias sobre este tema, inclusive pelo próprio Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, fazendo-se importante manifestação urgente.
É o que interessa relatar. Passamos a opinar.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como norma suprema do Estado Brasileiro, preleciona sobre requisitos formais e materiais ao processo legislativo, estatuindo limites para proposições que contrariem tais disposições, pois estarão fadadas a sua invalidade/inconstitucionalidade por meio do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade, adotado no sistema brasileiro. Tem-se, a exemplo de requisitos formais, a iniciativa, o quorum para deliberação, entre outros. Por sua vez, os requisitos materiais estão ligados diretamente a adequação da norma a ser criada ao texto constitucional.
Na consulta realizada pelo Presidente da Câmara se busca explicações sobre três pontos de índole constitucional. Primeiro se perquire se “É possível a aplicação da revisão geral anual prevista no art. 37, X, da Constituição Federal de 1988 aos Vereadores”, depois, “Em sendo possível, quem seria a autoridade competente para iniciativa da propositura”. Por fim, “Que ato normativo dever-se-á ser editado para aplicação da revisão geral anual dos Vereadores”.
As respostas estão todas contidas na Carta Cidadã. Senão vejamos.
A Constituição da República Federativa do Brasil preleciona, em seu art. 37, X, que “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.
O art. 39, § 4º da Carta Republicana dispõe, in verbis:
Art. 39 [...]
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) – Grifos nossos.
Constata-se, sem grandes esforços intelectuais, que o detentor de mandato eletivo (situação dos vereadores) deve ser remunerado por subsídio (obedecidos os limites e preceitos dos arts. 29 e 29-A CF/88), sendo vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
É de se atentar que os dispositivos constitucionais possuem significantes, não estando na Carta Magna artigos ou remissões desnecessárias, pois constituem um todo organizado e harmônico para regular as atividades do Estado, garantindo os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Nesta perspectiva, imprescindível analisar, sob a hermenêutica constitucional moderna, o disposto no art. 39, § 4º.
Os vereadores, nos limites estatuídos pelos arts. 29 e 29-A da Constituição Federal são remunerados por subsídio, sendo vedado o acréscimo de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, devendo-se observar, conforme prescreve a própria Carta Republicana, o disposto no art. 37, X e XI.
Ora, sabe-se que a revisão geral anual é um direito constitucionalmente estabelecido aos agentes públicos lato sensu para garantir que sua remuneração ou subsídio possa resistir, ao longo dos anos, às perdas inflacionárias. Não se trata, a revisão geral anual, de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, mas tão somente uma garantia constitucional (arts. 37, X e 39, § 4) para preservar a remuneração ou subsídio dos agentes públicos, repita-se, lato sensu.
Como bem elencou o desembargador Walter de Almeida Guilherme, na ADI nº 0281594-72.2011.8.26.0000, do Tribunal de Justiça de São Paulo, a revisão geral anual serve como regra geral “existente para preservar a remuneração de todos os servidores públicos de sorte a manter seu poder aquisitivo ante a natural corrosão da moeda, em maior ou menos (sic) extensão”[1].
O próprio Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, em seu manual “TCM Responde: as 120 questões de maior interesse[2]”, manifesta que “o subsídio dos Vereadores somente poderá incidir a reposição das perdas inflacionárias do período, por meio da revisão geral anual”.
Acrescente-se que a revisão geral anual deve ser proposta em estrita obediência ao princípio da proporcionalidade/razoabilidade para que não se configure alteração/majoração do subsídio, vedado pelo texto constitucional. Não se pode olvidar, da mesma forma, que é inconstitucional a vinculação entre os subsídios dos vereadores e os vencimentos dos servidores públicos para fins de revisão geral anual, como bem elucidou o atual Presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowski, no Recurso Extraordinário nº 725.663/SP. Tal entendimento é extraído do próprio art. 37, XIII, da Lei Maior.
Feitas estas digressões, e sendo aplicável a revisão geral anual aos vereadores, cumpre-nos demonstrar “quem é a autoridade competente para iniciativa da propositura” e “que ato normativo deve ser editado para aplicação da revisão geral anual dos Vereadores”.
No mesmo sentido, as respostas para estas indagações estão na Constituição Federal de 1988.
O art. 29, VI, da CF/88 é autoexplicativo quando assenta que “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos”. Tem-se, destarte, que a instituição competente para deflagrar o processo legislativo é a Câmara Municipal. Trata-se de competência indelegável, exclusiva da Câmara Municipal, inclusive com pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Cita-se, a exemplo, concessa vênia, in verbis:
A fixação dos subsídios de vereadores é de competência exclusiva da Câmara Municipal, a qual deve respeitar as prescrições estabelecidas na Lei Orgânica Municipal, na Constituição do respectivo Estado, bem como na CF. (RE 494.253-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 22-2-2011, Segunda Turma, DJE de 15-3-2011).
A Constituição da República, em seu art. 37, X, não deixa dúvidas de que a “remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.
Parece-nos indubitável que a Constituição Federal reservou à Câmara Municipal a competência exclusiva de fixar e alterar o subsídio dos Vereadores e seus servidores. Tal dicção pode ser extraída do próprio art. 37, X, c/c art. 29, VI, ambos da CF/88, e sedimentada jurisprudência do STF. Da mesma forma, tratando-se de competência exclusiva para fixação do subsídio, parece-nos lógico que para a iniciativa da lei de revisão geral anual, compete também ao Poder Legislativo Municipal.
Cumpre-nos ressaltar, de forma mais específica, que no âmbito da competência exclusiva da Câmara Municipal de ... é a Mesa Diretora quem deve iniciar a propositura, a teor da interpretação sistemática do disposto no próprio art. 34, I, do seu Regimento Interno.
Merece destaque o voto do desembargador Walter de Almeida Guilherme, ADI 0281594-72.2011.8.26.0000, do Estado de São Paulo, quando lecionou:
A revisão geral anual dos subsídios dos Vereadores se faz por lei específica, de iniciativa da Câmara Municipal, pois assim dispõe o art. 37, X, da Constituição Federal. Aliás, soa lógico que, se para fixação do subsídio, de uma legislatura para outra, é exigível ato do Poder Legislativo (resolução), para proceder à revisão geral deste dever a lei também ter origem naquele Poder. Vale dizer, a competência para iniciar o processo legislativo que dispõe sobre a revisão anual dos subsídios dos Vereadores é da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores (TJ-SP, ADI 0281594-72.2011.8.26.0000, rel. Des. Rui Copolla, julgamento em 04/04/2012) – grifos no original.
Informe-se que esta ADI fora objeto do Recurso Extraordinário 728.870/SP, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, que considerou “inexistir inconstitucionalidade formal”, demonstrando a plena competência da Câmara Municipal, mais especificamente a Mesa Diretora, para propositura da revisão geral anual do subsídio dos Vereadores e seus servidores.
Ante o exposto, considerando os preceitos constitucionais modernos, conclui-se que:
1. É aplicável a revisão geral anual, prevista na Constituição Federal, aos vereadores, desde que aplicada para corrigir perdas inflacionárias, dentro dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, obedecendo-se aos limites constitucionais, sob pena de configurar majoração/alteração do subsídio, vedado pela Carta da República de 1988;
2. A autoridade competente para iniciativa da propositura de revisão geral anual do subsídio dos Vereadores é a Mesa Diretora da Câmara Municipal, tratando-se de competência exclusiva e, portanto, indelegável;
3. O ato normativo a ser editado para revisão geral anual do subsídio dos vereadores é lei específica (lei ordinária), a teor do disposto no art. 37, X, da Constituição Federal.
É este o parecer.
Local, data.
Advogado...
OAB nº...
nOTAS
[1] O texto integral da ADI nº 0281594-72.2011.8.26.0000, do Tribunal de Justiça de São Paulo, pode ser encontrado em http://esaj.tjsp.jus.br/gcnPtl/jurisprudenciaConsultar.do.
[2] Disponível em: http://www.tcm.ce.gov.br/site/_arquivos/orientacoes/tcm_responde_as_120_questoes_de_maior_interesse/TCM_RESPONDE.pdf. Acesso em: 26 fev. 2016. A reposta daquele Tribunal de Contas se encontra na questão de nº 6, página 11 do manual.