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Nulidade de cláusula contratual e constituição de obrigação de fazer

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Petição inicial de ação ordinária declaratória de nulidade de cláusula contratual, cumulada com constituição de obrigação de fazer, em que o pedido de tutela antecipada foi deferido.

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Fortaleza

Ação ordinária declaratória de nulidade de cláusula contratual, cumulada com constituição de obrigação de fazer, e com pedido de tutela antecipada
(CPC, art. 273 , inciso I)

MARIA SIMONE COSTA PINTO, brasileira, do lar, residente e domiciliada nesta capital na Rua Rocha Pombo, 56 , Casa 12, Álvaro Weyne, por seus Advogados e estagiário signatários (mandato junto, doc. 1), com endereço para intimações consignado infra, vem ante V.Ex.ª, respeitosamente, ajuizar a presente ação ordinária declaratória de nulidade de cláusula contratual, cumulada com constituição de obrigação de fazer, e com pedido de tutela antecipada. em face de UNIMED DE FORTALEZA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, pessoa jurídica de direito privado, CGC 05.868.278/0001-07, (devendo ser citada na pessoa de seu Representante legal), também sita neste Município, na Av. Santos Dumont, 949, Aldeota, pelos fatos e fundamentos de direito a seguir expendidos.

1. Sinopse Fática

Longe da qualidade dos serviços médicos prestados por algumas empresas privadas, um tanto mais por sua condição financeira e pelo colapso do Sistema Público de Saúde brasileiro, a autora contratou com a Unimed de Fortaleza (doc.2) a prestação de assistência médico hospitalar. Logrou-se, de outro lado, a obrigação certa do pagamento de um quantum mensal.

Não obstante a conformidade de as partes estarem juridicamente vinculadas (tudo como mostra a documentação anexa), a assistida, acometida pela enfermidade diagnosticada como Neoplasia Broncogênica Central e Pulmonar Direita (com derrame pleural ipsilateral) - Adenocarcinoma no Pulmão Direito -, carente por isso de medicação quimioterápica, adimplente com sua obrigação contratual, teve frustada a contraprestação objeto do Contrato: a assistência médico hospitalar.

Tudo devido a abusividade dalgumas cláusulas restritivas de direito, contrárias ao ordenamento jurídico e eivadas de nulidade, como se demostra em seqüência.

2. Do Direito

A relação jurídica avençada, por obediência à Constituição de 1988 e ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90, art. 1.º), caracteriza-se como uma relação de consumo, disciplinada por normas de ordem pública e interesse social, inderrogáveis pela vontade das partes .

Dantes adstrito fielmente ao princípio da autonomia da vontade e ao "pacta sunt servanda" , o acordo iuris em questão - Contrato de Adesão - subordina-se agora também às normas objetivo fixadoras de direitos fundamentais do cidadão, a saber , o direito à vida e à saúde. Se há liberdade contratual em tais contratos, esta deve permanecer do lado do consumidor e não daquele detentor da autonomia de impor cláusulas , condições e o conteúdo do negócio: o fornecedor dos serviços. Impõe-se, pois, a tais contratos e as relações jurídicas deste decorrentes a observância de princípios obrigatórios para o efetivo equilíbrio e harmonia da relação, v.g., a boa-fé. (art.4.º, caput, e seu inciso III do CDC)

Malfere, assim, as normas constitucionais (CF/88, art.5.º, caput, e art.196 c/c art.199) e do CDC (art. 6.º, inciso I) a cláusula contratual V 5.15., por vedar o tratamento quimioterápico, frustando a contraprestação dos serviços médicos hospitalares e a indisponibilidade do objeto do pacto jurídico, qual seja o direito à saúde.

Desacorda-se, especificamente, com o dispositivo do § 4.º do art. 54 do CDC, litteris :

"As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão."

Fácil perceber o flagrante desrespeito (Vide Contrato em anexo), não só da referida cláusula como das demais restritivas, tão diminutas são letras e sem destaque algum.

Olvidou a promovida de um dever seu, qual seja garantir a nítida transparência do Contrato, tornando clara a compreensão de seu conteúdo, de sua cobertura e de suas restrições, sendo ilusório e infeliz o seu título: "SAÚDE TODA VIDA". Nesse particular, doutrinam ARRUDA ALVIM e THERESA ALVIM, entre outros comentadores:

" Ou seja, o Código de Defesa do Consumidor impõe o dever de escrever as cláusulas restritivas de direito do consumidor, nos contratos de adesão, da maneira oposta àquela que os fornecedores inescrupulosos costumam fazer, em letras pequenas e de maneira duvidosa. Da mesma forma, como no caso do parágrafo anterior, a cláusula que estiver escrita em desacordo com tais recomendações será nula de pleno direito, o que não acarreta, em princípio, a nulidade do contrato em que está integrada(inciso XV e parágrafo 2.º, do art. 51 )."


(In Código do Consumidor Comentado , RT, 2.ª Ed. , p. 268)

Desarmoniza-se ainda com o sistema de proteção ao consumidor (desequilíbrio da relação contratual) e com as normas de garantias fundamentais do indivíduo insertas na Constituição, por restringir o direito à saúde, ao tempo em que burla o objeto - reitera-se: indisponível - do Contrato.

É nula de pleno direito, portanto, e como tal deve ser reconhecida judicialmente, a abusiva cláusula V , 5.15 , nos termos do art. 51 , incisos IV e XV seu parágrafo primeiro, incisos I e II do CDC, de efeito ex tunc, para a promovente ter assegurado seu direito ao tratamento indicado, in litteris:

" Art.51 . São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que :

.....................(omissis)................

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

.....................(omissis).................

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

....................(omissis)..................

§ 1.º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que :

I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence ;

II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes a natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual ;


( sublinhou-se)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julgado análogo, foi mais adiante, admitindo mesmo ser abusiva a cláusula proibitiva de certa terapêutica anticarcinogêmica inexistente no Brasil, a ser realizada no estrangeiro, verbis:

" EMENTA : Beneficiária portadora de câncer , com quadro clínico terminal ante a inexistência, no Brasil, de outro tratamento disponível para evitar a ação progressiva da doença. Tratamento no exterior mediante a utilização de antineoplastons, com resultados favoráveis, apresentando melhora no quadro clínico. Embora utilizado por um só médico e em um só Estado da Federação norte-americana, tendo sido reconhecida judicialmente sua legalidade, com sucesso indiscutível, por mais de uma década, não pode mais ser considerado como experimental. Ademais, tratando-se de tratamento realizado no exterior, não se pode aceitar a limitação da apólice com validade apenas no Brasil. De qualquer modo, ainda que existissem dúvidas, tratando-se de contrato de adesão, não poderiam ser solucionadas em favor da seguradora. Por outro lado, ela se mostra inadequada para a finalidade do próprio contrato, relacionada com a saúde e, portanto, com o direito à vida, direitos que integram os chamados direitos da personalidade, portanto absolutos. Inadmissibilidade da exclusão do tratamento da cobertura do seguro. Procedência das ações. Embargos rejeitados."


(TJRGS – 2.º Grupo de Câmaras Cíveis; Bem. Infr. N.º 595161639 – Porto Alegre ; Rel Des. Tael João Sellistre; j . 15.12.1995 ; maioria de votos , in RJTRGS 175/214 ) (sublinhou-se)

Também não se venha alegar, de outra forma, nem por inquietude cognoscitiva ou por carência de argumentos, a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao vertente Contrato. Entender a irretroatividade deste Diploma fundada na norma do inciso XXXVI do art. 5.º da CF traslada-se na mais torpe e pérfida da atividades hermenêuticas.

Encontrando-se por presente o corolário da segurança jurídica no ordenamento, não o fere - antes a ele se adequa - as normas programáticas de ordem pública da Constituição e do CDC fixadoras do direito à vida e à saúde (CF, art. 5º, caput e art.196 c/c art.199 ; CDC , art.6.º, inciso I). Isso porque, em efeito e a rigor, nem de retroatividade se cuida em questão.

Retroagir significa alcançar situações já consolidadas, exauridas. Nesse sentido, pode-se considerar um Contrato de consumo, onde figura um assistido obrigado mensalmente a uma prestação pecuniária e uma empresa vinculada a prestar, quando preciso, serviços médicos e hospitalares como uma relação jurídica exaurida?

A pensar na resposta afirmativa, nem Contrato nem obrigação subsistiriam mais, sendo despiciendo mesmo o presente processo.

Configura-se, pois, inexoravelmente, o r. Contrato como de execução diferida e as relações dele decorrentes como de trato sucessivo, renovando-se mês a mês, devendo em cada iter, ser respaldadas no direito vigente, sob pena de nulidade.

Outro não tem sido o entendimento jurisprudencial e doutrinário:

"Registro inicialmente que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se ao contrato a partir de sua entrada em vigor (11.3.91), apesar de terem as partes firmado avença em data anterior, pois as normas nele previstas são de ordem pública, com incidência imediata nos contratos de execução diferida, como o do caso."


(voto do Des. Relator Campos Amaral , in Apel. Cível n.º 47.172/97 , 3.ª Turma Cível do TJ-DFT . Votação Unânime para negar provimento ao Recurso. In DJDF 15.04.98 , p.60)

"Aplicação Imediata. Os Dispositivos legais do Código se aplicam aos contratos de execução continuada ou diferida, celebrado antes da entrada em vigor do CDC."


(Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery , in "Código de Processo Civil Comentado", RT, 2.ªed., p.1725 )

A própria Suprema Corte pátria já firmou entendimento, se ainda se tratasse de retroatividade, sobre a impossibilidade de se prevalecer direito adquirido frente às normas de ordem pública:

"Não pode prevalecer o direito adquirido contra ordem pública ( RTJ 121/776). Como as normas do CDC são de ordem pública (CDC, art. 1.º), sobrepõem-se o direito adquirido que lhe for antagônico. No mesmo sentido: Miguel Reale, Parecer, acolhido pelo STF ( RTJ 121/776)"


(cf. Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, op. cit., p. )

3. Da ação

Pretende-se nesta ação não só a tutela declaratória de nulidade de cláusula contratual, mas, cumulativamente, a constituição de obrigação de fazer, da parte da ré.

Com efeito, somente a declaração perseguida poderia levar a demandada a, mesmo sofismando, recusar-se a custear o tratamento médico recomendado, sob o pálio de o contrato silenciar acerca da cobertura específica.

Evidentemente, não seria lícito nem lógico raciocinar assim. Mas, para assegurar a efetividade da tutela, escopo maior do processo, necessário se faz a cumulação do pedido declaratório com o de constituição de obrigação de fazer, consistente na condenação da ré a cobrir as despesas do tratamento da autora, agora quando a cláusula de exclusão não mais permeia de nulidade parcial o contrato.

Decorrência natural do segundo pedido é a necessária cominação de astreinte, para o caso de descumprimento da decisão a ser adotada, já de forma antecipada, tal como será requerido infra.

4. Da Necessidade da Concessão de Tutela Antecipada.

A par das normas do art.51, § 4.º c/c o art.81 do CDC – autorizadoras, dentre outras, da presente actio - insta antecipar-se os efeitos da tutela de mérito, pelos permissivos do dispositivo do art. 273 , caput, e inciso I do CPC.

Para não se violar o princípio da efetividade da jurisdição, consubstanciado no art. 5.º, XXXV da CF, impõe-se agora como um dever do Poder Judiciário, observados os pré-requisitos do referido artigo do Diploma Processual Civil - como se traduz o caso em espécie - deferir o pedido de antecipação de tutela, mesmo sem a ouvida da parte adversa, para não restar inútil o provimento definitivo de mérito.

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A prova inequívoca apresenta-se com o vertente Contrato e os Atestados Médicos, capaz de autorizar, pela sua natureza, o julgamento final meritório. Embora tal seja defeso nesta fase processual, não se descaracteriza a certeza e a existência do fato, sobre o qual incide o Direito.

Imaginar uma enferma portadora de Adenocarcinoma no Pulmão Direito, carente de tratamento quimioterápico, pressupõe necessariamente, mesmo aos não afeitos à área médica, o perigo iminente da morte, à míngua de tratamento médico atenuante e paliativo dessa fatal enfermidade. Recusar a terapêutica contra o câncer constitui um vil abuso da promovida, obstando o direito fundamental à saúde da autora.

Correndo o dano atual e iminente da morte, [conforme o Atestado do Dr. Ulisses S. Melo (doc.3) o tratamento há de ser iniciado urgentemente] a prestação jurisdicional poderá restar sem efeito, pois há a possibilidade inequívoca, ante a ausência da terapêutica, de a postulante vir a falecer . Eis aí o receio fundado de um dano irreparável, o dano à própria vida em si mesma considerada.

A verossimilhança das alegações e a plausibilidade do direito invocado encontram guarida no Código de Defesa do Consumidor e nas normas da Constituição Federal indicadas no tópico acima, findando por reger o v. Contrato e a r. abusiva cláusula V 5.15., eivada, por isso, de nulidade.

Requer-se de V.Ex.ª, destarte, a antecipação de tutela, como a medida necessária e pronta a assegurar o tratamento indicado; noutros termos, o direito à saúde.

Pede-se, mais, seja fixada pena pecuniária, equivalente a R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), pagáveis a cada 21 dias (prazo do espaçamento das sessões de quimioterapia, atualmente), em caso de descumprimento dos termos da tutela.

5. Do Pedido

Ante os fundamentos expostos, requer-se de V.Ex.ª:

a) com fundamento no art. 273 do CPC, a antecipação da tutela jurisdicional postulada, initio litis et inaudita altera pars, para determinar seja considerada inválida a cláusula V 5.15., do contrato em tela, celebrado entre as partes, impondo à promovida arcar com as despesas decorrentes dos tratamentos médicos demandados pela promovente;

b) seja cominada pena pecuniária equivalente a R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), pagáveis a cada 21 dias (prazo do espaçamento das sessões de quimioterapia, atualmente), em caso de descumprimento dos termos da tutela;

c) seja ordenada a citação da demandada, na pessoa de seu representante legal e no endereço referido no início, para, querendo, no prazo legal, contestar a presente ação, sob pena de revelia;

d) a procedência do pedido, com o reconhecimento e a declaração de nulidade da cláusula contratual V, item 5.15.- proibitiva da terapêutica quimioterápica - com efeito ex tunc, para a assistida, ora autora, obter a contraprestação do Contrato firmado e assegurar o tratamento anticarcinogênico como parte deste, constituindo-se como obrigação de fazer, e condenando-se ainda a promovida no ônus da sucumbência representado por custas processuais e honorários advocatícios estes arbitrados em seu plus;

A prova apresenta-se eminentemente documental e pré-constituída, cabendo julgamento antecipado da lide (CPC , art. 330, inciso I). Caso entenda-se diferentemente, pede-se a prova do alegado por todos os meios processualmente admissíveis, especificando depoimento pessoal do representante legal da demandada, juntada posterior de documentos, perícias, audição de testemunhas, e o mais necessário à instrução do feito.

À causa , o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

P. Deferimento.

Fortaleza-CE , 28 de abril de 1998

adv. José Emmanuel Sampaio de Melo

OAB (CE) 5210

adv. Pedro Saboya Martins
OAB(CE) 9123

Henrique Araújo Marques Mendes
Estagiário

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Sobre os autores
José Emmanuel Sampaio de Melo

advogado em Fortaleza (CE), procurador do Estado do Ceará

Henrique Araújo Marques Mendes

procurador do Município de Fortaleza/CE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, José Emmanuel Sampaio ; MENDES, Henrique Araújo Marques et al. Nulidade de cláusula contratual e constituição de obrigação de fazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 26, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16058. Acesso em: 18 dez. 2024.

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