EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO II JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RJ
Processo nº 2003.800.049886-2
MJS e FFL, nos autos da AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E COBRANÇA DE SEGURO que movem em face de B. SEGUROS S/A, vêm, por sua advogada infra-assinada, na forma do artigo 41 e seguintes da Lei 9.099/95, interpor o presente RECURSO INOMINADO, visando a reforma da r. sentença prolatada por esse MM. Juizado, requerendo, desde já, cumpridas as formalidades de estilo, sejam os autos remetidos ao Egrégio Conselho Recursal.
Termos em que,
Pede Deferimento.
Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2003.
Alessandra Andrade Pinto
OAB/RJ 116.975
EGRÉGIO CONSELHO RECURSAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Recorrentes: MJS e FFL
Recorrida: B. Seguros S/A
Juízo de origem: II Juizado Especial Cível da Comarca da Capital – RJ
Ação de Obrigação de Fazer e Cobrança de Seguro
RAZÕES RECURSAIS
EXMO. DR. JUIZ RELATOR E RESPEITÁVEIS PARES
Colendo Conselho, trata-se de Ação de Obrigação de Fazer e Cobrança de Seguro, a qual foi julgada extinta com exame do mérito, na forma do artigo 269, IV do CPC.
Em que pese todo o respeito e admiração pelas decisões sempre tão lúcidas desse douto Juízo a quo, a r. sentença proferida às fls. 63/64, merece total reforma, conforme se passa a expor.
PRELIMINARMENTE
-I-
DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA
Cumpre salientar que o benefício da Gratuidade de Justiça foi requerido às fls. 03 e 12, todavia não foi apreciado pela ilustre magistrada, razão pela qual, vêm os Recorrentes reiterar o pedido, uma vez que não possuem condições de arcar com as custas processuais sem o prejuízo do próprio sustento, bem como de sua família.
Ademais, o pedido de gratuidade não apreciado pode ser deferido pela Turma Recursal, conforme entendimento do insigne Nelson Nery Junior:
"O pedido de gratuidade efetuado perante o juizado e por ele não apreciado pode ser examinado pela Turma Recursal e, se deferido, abrange as despesas ocorridas a partir do momento do requerimento" (JE – RJ 8/98) (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em vigor, Editora Revista dos Tribunais, 6ª edição, p. 1594).
NO MÉRITO
-II-
DA INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO
DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, XXXVI DA CF/88
Conforme a r. sentença recorrida, entendeu a ilustre magistrada que "A preliminar em questão deve prosperar, por isso que o óbito ocorreu no ano de 1985 e a presente ação somente foi interposta no corrente ano, na vigência do novo Código Civil, que estabelece dez anos como prazo prescricional máximo, na hipótese de não haver fixação legal, a teor do que dispõe seu artigo 205, caput".
Ocorre que, conforme será adiante demonstrado, não ocorreu a prescrição, tendo em vista que na época do óbito, o qual gerou o direito ao DPVAT, a lei em vigor era o Código Civil de 1916, o qual estabelecia a prescrição vintenária para o caso em análise.
Data maxima venia, a r. sentença vergastada não considerou o direito adquirido dos Recorrentes no que se refere ao Seguro Obrigatório (DPVAT), posto que o óbito gerador do direito ao referido seguro ocorreu em 1985, ou seja, antes da vigência do Novo Código Civil, motivo pelo qual não pode ser este Diploma Legal aplicado à espécie.
Entendimento contrário vai de encontro ao artigo 5º, XXXVI da Constituição da República Federativa do Brasil, pois o direito adquirido constitui um dos elementos basilares que regem o processo.
Conforme a lição de Nelson Nery Junior a respeito do direito adquirido, "São direitos que o titular ou alguém que por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo prefixado ou condição preestabelecida; inalterável ao arbítrio de outrem".(in Op. Cit., p. 22).
Assim sendo, caso seja aplicado o disposto no Novo Código Civil a respeito da prescrição, estar-se-á ferindo de morte o direito dos Recorrentes, tendo em vista que este direito não está prescrito, já que a prescrição é vintenária, conforme o Código de 1916.
Desta forma, poderiam os Recorrentes exercer seu direito ao recebimento do Seguro Obrigatório até o ano de 2005, já que o óbito de seu filho ocorreu em 1985, conforme demonstrado nos autos.
Invocou a Recorrida o artigo 178, §6º, II do Código Civil de 1916, na tentativa de confundir e induzir a erro o Poder Judiciário, tendo, infelizmente, atingido seu sórdido objetivo, alegando que o prazo prescricional ânuo seria o aplicável à espécie.
Ocorre que, conforme o referido artigo, o prazo prescricional ânuo, refere-se somente ao próprio segurado, interessado, o que não se verifica no caso em tela, já que os Recorrentes são beneficiários desta espécie de seguro.
Cumpre transcrever a lição do mestre Domingos Afonso Kriger Filho, a qual elucida a questão:
"Quanto à prescrição é, o prazo para a propositura da competente ação de cobrança é o previsto no artigo 178, parágrafo 6º, II do Código Civil: um ano a partir do conhecimento do fato que a autoriza pelo interessado, lembrando, como vimos no Capítulo II, que enquanto o seguurador analisa a comunicação do sinistro, o referido prazo considera-se suspenso.
Outrossim, no que se refere a prescrição é, importante ter em mente que o prazo prescricional ânuo previsto no artigo 178 do Código Civil somente se aplica aos casos em que o próprio segurado seja o prejudicado pelo sinistro, não alcançando os eventuais beneficiários desta espécie de seguro – que possuem prazo vintenário para valer seus direitos –como se pode perceber na unanimidade das decisões por nós catalogadas para a feitura deste trabalho, dentre as quais, destacamos a seguinte ementa:
Seguro Obrigatório – Ação movida pela mulher da vítima – Prescrição – Inocorrência – Hipótese em que não se aplica o artigo 178, parágrafo 6º, II do CC". (in O Contrato de Seguro no Direito Brasileiro, Labor Júris, p.147) (n.g.)
Diante das considerações esposadas, percebe-se com nitidez a discrepância entre as alegações da Recorrida e a r. sentença guerreada, tendo em vista que a Recorrida invocou dispositivo legal do Código de 1916, ao passo que a r. sentença acolheu tais alegações com base no Código de 2002.
Quanto à questão de que a ação somente foi interposta na vigência do novo Código Civil, data venia, não pode prosperar, conforme o que já foi exposto a respeito do direito adquirido.
Ademais, a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 6º, preceitua que "A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".
Conforme nos ensina Maria Helena Diniz a respeito da citada lei:
"Em nosso país, portanto, a Lei de Introdução ao Código Civil é, como já dissemos, muito mais do que sua nomenclatura possa indicar. Tratar-se de uma norma preliminar à totalidade do ordenamento jurídico nacional. Realmente, nenhum motivo existe para considerá-la uma Lei de Introdução ao Código Civil, pois é verdadeiramente o diploma da aplicação, no tempo e no espaço, de todas as normas brasileiras, sejam elas de direito público ou privado. Suas normas constituem coordenadas essenciais às demais normas jurídicas (civis, comerciais, processuais, administrativas, tributárias etc), que não produziriam efeitos sem os seus preceitos".(in Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, Editora Saraiva, 9ª edição, adaptada à Lei 10.406/2002,p.3/4).
E através de uma análise pormenorizada do artigo 6º da supracitada Lei, continua a Autora:
"a) A irretroatividade das leis é um princípio constitucional, apesar de não ser absoluto, já que as normas poderão retroagir, desde que não ofendam ato jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa julgada. O direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada marcam a segurança e a certeza das relações que, na sociedade, os indivíduos, por um imperativo da própria convivência social, estabelecem, e que seriam mera ficção. Por isso Matos Peixoto chega a afirmar que o ato jurídico perfeito a coisa julgada são modalidades do direito adquirido; logo não haveria necessidade de destacá-los para que sejam protegidos. Todavia, a lei houve por bem assegurá-los expressamente, evitando qualquer dúvida, pois fazer retroagir as normas em qualquer caso seria um ato contrário ao fim do direito, que é a realização da harmonia e do progresso social, e não há harmonia sem estabilidade, assim como não é possível progresso algum sem a certeza de quais serão as conseqüências dos atos jurídicos. Não poderá, portanto, a lei posterior à ocorrência do fato, sob pena de inconstitucionalidade, retroagir, atingindo o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
(...)
f) A nova lei sobre prazo prescricional aplica-se desde logo se o aumentar, embora deva ser computado o lapso temporal já decorrido na vigência da norma revogada. Se o encurtar, o novo prazo de prescrição começará a correr por inteiro a partir da lei revogadora. Se o prazo prescricional já se ultimou, a nova lei que o declarar não o atingirá".(Op. Cit., pp.200 e 203) (n.g.).
Assim sendo, ainda que o entendimento da ilustre magistrada possa prevalecer, o prazo prescricional máximo de dez anos só começaria a correr a partir da lei revogadora, qual seja o Novo Código Civil, e, desta feita, teriam os Recorrentes mais dez anos para a propositura da presente ação.
Ademais, a Lei 10.406/2002 (Novo Código Civil), dispõe em seu artigo 2.028 que "Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e, se na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".
Conforme as alegações esposadas, verifica-se claramente a inocorrência da prescrição ao caso sub judice e, caso seja mantida a r. sentença recorrida, estar-se-á configurada a ofensa direta e frontal ao artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal de 1988.
Cumpre enfatizar mais uma vez o brilhantismo de Maria Helena Diniz, finalizando a questão, no sentido de que "As decisões dos juízes devem estar em consonância com o conteúdo da consciência jurídica geral, com o espírito do ordenamento jurídico, que é mais rico de conteúdo do que a disposição normativa, pois contém critérios jurídicos e éticos, idéias jurídicas concretas ou fáticas que não encontram expressão na norma do direito. Por isso, a tarefa do magistrado não é meramente mecânica; requer certo preparo intelectual ao determinar qual a norma que vai aplicar".(in Op. Cit.,p.11).
-III-
DA COMPROVADA EXISTÊNCIA DO DIREITO DOS RECORRENTES
Convém citar, apenas por amor ao debate, a existência do direito dos Recorrentes, já que esta questão não foi objeto da r. sentença, a qual acolheu a preliminar suscitada para extinguir o processo com julgamento do mérito.
No que diz respeito ao Seguro Obrigatório, conforme elucida Domingos Filho, "o pagamento da indenização é efetuado mediante simples prova do acidente e do dano dele decorrente – o que se dá com a juntada do boletim de ocorrência policial, atestado de óbito, laudo pericial atestando a invalidez, notas fiscais de internação hospitalar e despesas de medicamentos – independentemente da apuração da culpabilidade dos envolvidos, devendo seu valor ser pago mediante cheque nominal aos beneficiários, descontável na praça da sucursal que o proceder".( Op. Cit., p. 150).
Assim sendo, restou demonstrada a preocupação do legislador em instituir o Seguro Obrigatório para certas atividades e, principalmente, em simplificar a obtenção do referido seguro, tendo em vista que exige apenas os documentos aptos a comprovar a ocorrência do acidente e do dano dele decorrente.
Conforme simples análise dos autos, verifica-se que os documentos exigidos estão devidamente acostados.
Ademais, tão claro é o direito dos Recorrentes que já houve decisão do III Juizado Especial Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro julgando procedente o pedido em relação ao outro filho do casal, também vítima do atropelamento.
Em que pesem as manobras da Recorrida no sentido de querer se eximir da sua responsabilidade, convém ressaltar que a mesma não logrou êxito em provar que não era a seguradora responsável pela Empresa Comlurb na época do fato, mormente quando está acostado aos autos o bilhete de seguro, no qual consta expressamente o nome da Recorrida.
Conforme claramente exposto na Peça Inicial, mormente no que tange às Leis 6.194/74 e 8.441/92, têm os Recorrentes o direito a receber 40 (quarenta) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no Brasil, em caso de morte, sendo este direito incontestável e já reconhecido, inclusive, pelo próprio Poder Judiciário.
Percebe-se a intenção clara da Recorrida em ludibriar o Poder Judiciário, invocando dispositivos legais inaplicáveis à espécie e tornando ainda mais dolorosa a luta dos Recorrentes por seus direitos, desconsiderando o sofrimento de um casal que perdeu dois filhos de apenas um mês de idade em trágico acidente.
E o mais lamentável é que essa atitude tenha a aprovação do Poder Judiciário, o qual é o guardião dos direitos dos cidadãos.
Cumpre esclarecer, quanto ao requerimento administrativo ventilado na r. sentença que, este suspenderia o prazo prescricional, todavia, a prescrição, repita-se à exaustão, não ocorreu. E daí decorre uma importante questão: ainda que não se houvesse falado em prescrição, não haveria a necessidade de se esgotar as vias administrativas para se recorrer ao Poder Judiciário, já que a CF/88 não prevê o prévio esgotamento da via administrativa. Nelson Nery tratou do assunto com extrema propriedade ao declarar que " Não pode a lei infraconstitucional condicionar o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento da via administrativa, como ocorria no sistema revogado (CF/67 153, §4º)" (Op. Cit., p. 21).
A própria Constituição da República prevê em seu artigo 5º, XXXV que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
-IV-
DO PREQUESTIONAMENTO
Não demonstrados pela Recorrida quaisquer impedimentos ou óbices à obtenção do direito pleiteado pelos Recorrentes e, tendo sido comprovada a violação ao artigo 5º, incisos XXXV e XXXVI da Carta Magna, requerem os Recorrentes sejam os dispositivos ora mencionados expressamente ventilados quando da prolação do Acórdão para efeito de possível interposição de recurso junto ao Supremo Tribunal Federal.
-V-
DA CONCLUSÃO
Diante do exposto, requerem os Recorrentes a este Egrégio Conselho Recursal a reforma in totum da r. sentença prolatada pelo douto Juízo a quo, bem como a concessão do benefício da Gratuidade de Justiça já requerido na Inicial.
Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2003.
Alessandra Andrade Pinto
OAB/RJ 116.975