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Cotas raciais nas universidades brasileiras.

Legalização da discriminação

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Agenda 11/09/2009 às 00:00

3. AMPARO NORMATIVO-JURÍDICO DO SISTEMA DE COTAS

A Constituição Federal de 1988 instituindo um Estado Democrático de Direito, assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, desde o seu preâmbulo a igualdade e a justiça.

Para exemplificar os princípios fundamentais adotados pela Carta Magna, oportuno se faz citar os seguintes artigos:

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil:

IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).

Os artigos demonstram que o constituinte brasileiro repeliu qualquer forma de discriminação e fundamentou suas diretrizes no princípio da igualdade.

José Afonso da Silva explica: 38

É que a igualdade constituiu o signo fundamental da democracia. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. (...) Reforça o principio com muitas outras normas sobre a igualdade, ou buscando a igualização dos desiguais pela outorga dos direitos sociais substanciais.

No mesmo sentido, Paulo Bonavides diz: 39

O centro medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade da herança clássica. Com esta compõe um eixo ao redor do qual gira toda a concepção estrutural do estado democrático contemporâneo. De todos os direitos fundamentais a igualdade é aquele que mais tem subido de importância no Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, o direito chave, o direito guardião do Estado social.

Antes de ater-se em explicar o princípio da isonomia, faz-se necessário a assertiva entre o princípio da igualdade e da isonomia, entendida como sinônimos pelos doutrinadores brasileiros, conforme é demonstrado pelo Professor João Hélio de Farias Moraes Coutinho: 40

Isonomia e igualdade jurídica são vocábulos semanticamente equivalentes. Etimologicamente, a palavra isonomia é composta do sufixo grego ísos, que significa igual, semelhante, e pelo elemento de composição, também grego, nómos (nomia) significando lei. Destarte, isonomia denota o estado das pessoas sujeitas às mesmas leis e, por extensão, sujeitas aos mesmos direitos e deveres.

A igualdade, em um contexto histórico, passou por grande evolução no que diz respeito a sua concepção, ajustando-se em igualdade formal e material. 41

No que diz respeito a igualdade material, trata-se de um princípio que visa proporcionar tanto a garantia individual quanto tolher favoritismo, por isso os poderes públicos, através de ações corretivas e do estabelecimento de direitos relativos à assistência social, educação, trabalho, lazer e o que mais seja necessário para a satisfação básica do cidadão, procurou promover uma igualdade material, ou seja, o tratamento equânime de todos os seres humanos, bem como a sua equiparação no que diz respeito às possibilidades de concessão de oportunidades. 42

Por outro lado, a igualdade formal consiste naquela que é disciplinada pela lei, ou seja, é a igualdade perante a lei.

De acordo com José Afonso da Silva apud Perelman: "a justiça formal consiste em um princípio de ação segundo o qual os seres da mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma". 43

Sem limitar-se a interpretação básica e restrita do princípio da igualdade, que determina o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, a Constituição Federal deve ser interpretada de forma ampla e abrangente.

Assim esclarece Carvalho apud Ferreira Filho: 44

Como limitação ao legislador, proíbe-o [constituição] de editar regras e privilégios, especialmente em razão da classe ou posição social, da raça, da religião, da fortuna ou do sexo do indivíduo. É também um princípio de interpretação. O juiz deverá dar sempre à lei o entendimento que não crie privilégios de espécie alguma. E, como juiz, assim deve proceder aquele que aplicar a lei.

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Estando definidos os dois tipos de igualdade, pode-se fazer a diferença entre a igualdade na lei e a igualdade diante da lei. A igualdade material proibe a discriminação entre pessoas que estão em situação idêntica e merecem o mesmo tratamento, tendo como destinatário o legislador, bem como a criação de privilégios, proibindo-o de tratar diferente quem a lei considerou como igual. 45

Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, manifestou-se em um acórdão pelo princípio da igualdade:

MS – MANDADO DE INJUNÇÃO N.º 581/400. UF: DF. Data da Decisão: 14/12/1990. D.J. 14/04/1991. Relator: Celso de Mello. Ementa: "Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do poder público – deve ser considerado, em sua função precípua de obstar discriminações e de extinguir privilégios, sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei ... constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão suborná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva da inconstitucionalidade."

O jurista, Alexandre de Moraes, ressalta a importância de tratar o princípio da igualdade com cautela, analisando a situação com objetividade e razoabilidade:

a desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não-discriminatórias, torna-se indispensável uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. 46

O projeto de lei que determina cotas para ingresso nas universidades públicas do País, utilizando como critério de classificação a cor da pele é no mínimo absurda, uma vez que fere os preceitos fundamentais da Norma Constitucional Brasileira, ou seja, o pilar da justiça brasileira.

Celso Antonio ensina sobre o princípio da isonomia: 47

IGUALDADE E OS FATORES SEXO, RAÇA, CREDO RELIGIOSO: Supõe-se, habitualmente, que o agravo à isonomia radica-se na escolha, pela lei, de certos fatores diferenciais existentes nas pessoas, mas que não poderiam ter sido eleitos como matriz do discrímen. Isto é, acredita-se que determinados elementos ou traços característicos das pessoas ou situações são insuscetíveis de serem colhidos pela norma como raiz de alguma diferenciação, pena de se porem às testilhas com a regra da igualdade. Assim, imagina-se que as pessoas não podem ser legalmente desequiparadas em razão da raça, ou do sexo, ou da convicção religiosa (art. 153, §1º, da Carta Constitucional) ou em razão da cor dos olhos, da compleição corporal, etc.

Os danos causados aos descendentes dos escravos africanos não podem ser compensados com uma vaga na universidade ou qualificar o capacidade sócio-intelectual de um indivíduo em decorrência da pigmentação que possui. Aprovar a Lei de Cotas é o mesmo que atribuir às universidades federais a função de reparar as injustiças históricas causadas aos negros e índios.

A Constituição Federal prevê em seu artigo 206, inciso I, que o ensino será ministrado com base no princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, bem como em seu artigo 208, inciso V, estabelece que o dever do Estado com a educação será efetivado por meio da garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

É incompreensível (e injustificável) a nova atribuição dada as Instituições Públicas de Ensino Superior, que já possuem a responsabilidade de fornecer uma boa qualificação profissional aos seus alunos – com base nos princípios constitucionais (e nem sempre conseguem cumpri-la) – e agora devem diminuir os danos causados aos negros brasileiros. E outros grupos, também, definidos como minorias e prejudicados pela falta de políticas públicas, devem ser incluídos? O que fazer pelos sertanejos (brancos e negros) vítimas das secas, carentes de quaisquer ações afirmativas ou, até mesmo, de condições mínimas de saneamento?

Será que facilitar, especificamente, a entrada dos negros brasileiros, vítimas do sistema escravagista nos séculos XVIII e XIX, é justo? E os trabalhadores presos em propriedades rurais nos interiores do Pará? Aqueles reduzidos a condição análoga de escravo 48, índios, pardos, negros ou brancos, também devem ser incluídos como beneficiados pelas cotas?

Homossexuais, evangélicos, bruxos, comunistas, aidéticos, hansenianos, mulheres. A lista de indivíduos que sofrem ou sofreram discriminação no decorrer da história do Brasil é longa e todos possuem argumentos consistentes sobre a necessidade de receber "ações afirmativas" para sentir-se reconhecido em sociedade.

José Roberto Militão, militante histórico do movimento negro, advogado, membro da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios - Conad-OAB/SP e ex secretário geral do Conselho da Comunidade Negra do governo do Estado de São Paulo (1987-1995) – tem desenvolvido uma grande discussão contrária as cotas raciais, por entendê-la discriminatória e inconstitucional.

Em um discurso feito no Senado Federal Brasileiro, quando se discutia o Projeto de Lei N.º 180/08 (Sistema de Cotas Raciais nas Universidades Federais Brasileiras), Militão declarou:

Nós, negros brasileiros, não desejamos ter um tratamento separado, nós não desejamos ter um status jurídico separado, distinto, nem para ser excluído, como lembrou o Frei David em outros Estados, mas também para ser incluído. E para fazer uma inclusão através de legislação do Estado é necessário excluir alguém, dois corpos não ocupam o mesmo espaço. Nós aprendemos em física. Não se faz uma inclusão pelo aspecto racial sem fazer uma exclusão pelo aspecto racial. Daí está o problema que merece reflexão e que merece o debate. 49

E no recente artigo, chamado "Afro-brasileiros contra as leis raciais", escreveu: 50

As ações afirmativas não fazem reparações do passado, não fazem cotas estatais, mas atuam com eficácia para que as discriminações históricas não persistam no presente. Portanto, os afro-brasileiros precisam de políticas públicas de inclusão, indutoras e garantidoras da promoção da igualdade, e não das cotas de humilhação.

Os argumentos dos "pro-cotas" pode ser contradito pelo histórico dos orientais (amarelos) e italianos, que vieram para o Brasil para substituírem os escravos nas lavouras paulistas, no início do século XX e, embora muitas vezes trabalhassem em condições degradantes (ou análogas às de escravos), conseguiram desenvolver-se e atingir uma posição confortável na pirâmide social do país, sem receberem qualquer benefício de cotas.

A igualdade de oportunidades, buscada pelos cotistas, da forma como está previsto no Projeto de Lei 180/08, constitui uma insensata forma de discriminação. Carvalho pondera sobre as prováveis consequências:

De se levar ainda em conta que, no Brasil, país majoritariamente pobre, a imensa parcela de brancos também se encontra em situação aflitiva, muitos em piores condições do que pessoas negras, circunstância que leva o questionamento da utilização da quota de ação afirmativa para classes menos favorecidas. 51

No livro, Não Somos Racistas, o jornalista Ali Kamel desenvolve uma pertinente conclusão sobre o tema, entendendo que "se o racismo na sociedade brasileira é de fato um entrave substantivo à mobilidade dos negros, educação somente não basta". 52

A função de uma universidade é produzir conhecimento, de qualidade. Em matéria sobre o assunto, a revista VEJA 53 divulgou que para serem preenchidas todas as vagas reservadas, as universidades terão que aprovar candidatos com notas abaixo da média.

Recentemente, o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) divulgou estudos sobre a participação de negros e pardos no ensino superior, 54 os resultados mostram que a política de cotas nas universidades públicas assim como o ProUni (Programa Universidade para Todos) aplicado nas instituições particulares não surtiram o efeito esperado, mostrando-se ineficientes e incapazes de resolver o problema dos negros que estão fora das universidades.

É fato que também a parcela da população negra que entra nas universidades por meio das cotas ou do ProUni, em razão do baixo poder aquisitivo, não consegue se manter nos estudos devido aos altos custos com livros, transportes e despesas geradas pelo curso.

A Constituição Brasileira desenvolvida pelo sistema do bem estar social defende a justiça e a igualdade, logo para garantir estes princípios, deve desenvolver formas de erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades sociais, beneficiando a todos os seus cidadãos, sejam eles negros, pardos, brancos ou índios; homens ou mulheres; crianças, adultos ou idosos; homo, hetero, bi ou transexuais.

No livro Teoria Pura do Direito, Kelsen, sintetiza:

Se se raciocina sobre igualdade na lei, isto significará que as leis não podem – sob pena de anulação por inconstitucionalidade – fundar uma diferença de tratamento sobre certas distinções muito determinadas, tais como as que respeitam à raça, à religião, à classe social ou à fortuna. 55

E, ainda, citando Pimenta Bueno:

A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania. 56

Sobre a autora
Márcia Andréa Durão de Macêdo

Bacharel em Direito e em Relações públicas. Pós-graduanda em Direito Processual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACÊDO, Márcia Andréa Durão. Cotas raciais nas universidades brasileiras.: Legalização da discriminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2263, 11 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13491. Acesso em: 22 dez. 2024.

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