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Cotas raciais nas universidades brasileiras.

Legalização da discriminação

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Resumo:


  • O sistema de cotas raciais em universidades públicas brasileiras visa diminuir desigualdades sociais históricas, mas enfrenta críticas por ser considerado inconstitucional e discriminatório.

  • A eficácia das cotas é questionada, com exemplos de países onde políticas similares não alcançaram os resultados desejados, podendo acentuar conflitos e desigualdades.

  • O debate sobre cotas raciais no Brasil é intenso, com argumentos jurídicos e sociais tanto a favor quanto contra, refletindo a complexidade do tema e o desafio de promover igualdade de oportunidades.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. PROTEÇÃO AO DIREITO SUBJETIVO DE COTAS E O SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO

A adoção do sistema de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras, além de polêmica, tem gerado diversas ações nos tribunais do país, discutindo-se sua constitucionalidade, sua justiça e até mesmo a sua eficácia.

No Estado de Santa Catarina, o tribunal de justiça, decretou a inconstitucionalidade do art. 5º, parágrafo único da lei completar N.º 032/2004 do município de Criciúma – SC que prevê a reserva de vagas para afro-descendentes.

Art. 5º. Ficam reservadas aos afro-brasileiros vinte por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos realizados pelo Poder Público Municipal para provimento de cargos efetivos.

Parágrafo único. Para efeitos do disposto no ‘caput’, considera-se afro-brasileiro aquele identificado como de cor negra ou parda no respectivo registro de nascimento.

A ação foi movida por uma candidata, inscrita em concurso público municipal, que, embora tivesse sido aprovada e classificada para o cargo de técnico administrativo e ocupacional, perdeu a vaga para cotista afrodescendente que obtivera nota inferior a sua.

A inconformidade da candidata gerou a seguinte decisão do TJSC:

"ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - RESERVA DE VAGAS PARA AFRO-BRASILEIROS - INDÍCIO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL - VEDAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. "''É este o sentido que tem a isonomia no mundo moderno. É vedar que a lei enlace uma conseqüência a um fato que não justifica tal ligação. É o caso do racismo em que a ordem jurídica passa a perseguir determinada raça minoritária, unicamente por preconceito das classes majoritárias. Na mesma linha das raças, encontram-se o sexo, as crenças religiosas, ideológicas ou políticas, enfim, uma série de fatores que os próprios textos constitucionais se incumbem de tornar proibidos de diferenciação. É dizer, não pode haver uma lei que discrimine em função desses critérios''" (BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Atual, 1999, 0. 181/182)" (Argüição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2005.021645-7, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).

Apelação Cível n. 2008.014214-4, de Criciúma. Relator: Vanderlei Romer. Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público. Data: 08/01/2009. Ementa:

Assim como o ocorrido em Santa Catarina, em 2008 o STF concedeu a Thiago Lugão, engenheiro de produção, o direito de matricular-se na Universidade do Norte Fluminense – UENF no curso de engenharia de exploração e prospecção de petróleo, que foi classificado em 14º lugar no vestibular de 2002, porém perdeu a vaga para cotistas autodeclarados negros, mesmo que sua nota tenha sido bastante superior.

Embora tenha conseguido o reconhecimento da injustiça que fora cometida, Thiago Lugão não poderá aproveitar-se do mérito, pois está formado e pós-graduado por outra universidade e recebendo 1/3 do que poderia receber de salário se tivesse sido diplomado no curso da UENF. 57

Em 2007, a Justiça Federal de Santa Catarina, concedeu a um estudante que pleiteava uma vaga no curso de Geografia, na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, o direito de concorrer a todas as vagas em disputa no processo seletivo, por entender que a reserva de vagas viola o princípio constitucional da igualdade. O juiz do caso, Dr. Carlos Alberto da Costa Dias, ao fundamentar sua sentença alegou: "A supressão de vagas ao ‘não-negro’ viola o princípio constitucional da igualdade, sem que haja real fator para privilegiar o denominado ‘negro’, em detrimento do denominado ‘não-negro’."

Utilizando o mesmo princípio, outro julgado merece destaque:

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que deferiu o pedido liminar e determinou à autoridade impetrada que garanta à impetrante a vaga no curso de Geologia e conceda-lhe o direito de matrícula e de freqüência às aulas, sem o óbice da preferência fundada na Decisão nº 134/2007 do CONSUN e efetivada no Edital do Concurso Vestibular 2008 (fls. 150/151). (...) Passo a decidir. Segundo a interpretação que tenho da Constituição Federal, não é possível firmar distinção entre os cidadãos, para acesso a serviços públicos, notadamente a educação, baseando-se em critérios genéticos, tal como em razão da cor, raça ou etnia, nos exatos termos do seu artigo 5º "caput". Embora não se ignore a necessidade de ampliação da participação de determinados grupos sociais na educação superior, a forma de se introduzir essa participação deve atender a encaminhamento diverso, ditado pela própria Constituição. Aceito como pano de fundo dessas medidas, a eliminação das desigualdades sociais, há que se ter em mente que tal preocupação também foi idealizada pelo constituinte, sem descurar, no entanto, dos princípios igualitários e da proibição de preceitos baseados em cor ou raça. A tanto, o artigo 3º é claro, impondo intensa coordenação entre os objetivos fundamentais da República, para que andem unidas as metas de eliminação das desigualdades sociais e proibição de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, etc. (incisos II e IV). Da interpretação harmônica de tais objetivos republicanos insurge a conclusão de que se deve sim buscar ações afirmativas, para eliminação das desigualdades sociais, não, no entanto, se baseando em critérios raciais. O ponto de orientação é, e pode ser, unicamente, a distinção entre classes sociais, distinção tomada tão-só para buscar atendimento do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de, exatamente, eliminação dessas desigualdades. Portanto, as ações afirmativas devem dirigir-se às classes desfavorecidas, e não a determinadas pessoas, em função de sua cor, origem, etc. No aspecto, desnecessário lembrar que nem todo cidadão de determinada cor ou origem é hipossuficiente, ou precisa de proteção. Portanto, quanto ao acesso ao ensino superior, razoável unicamente a distinção que vise privilegiar o acesso das classes menos favorecidas, aí compreendidos, com razoabilidade, os cidadãos que freqüentaram escolas públicas. Aqui a medida ganha inúmeros argumentos em defesa, notadamente pelo fato de ser esse o ensino disponibilizado pelo Estado a todo cidadão, independentemente de classe, cor, origem, etc., ensino que, por sua insuficiência, tem eliminado essa mesma população, quanto ao acesso a universidades , quando confrontada com alunos egressos de escolas particulares, indisponíveis a enorme maioria da população.

Diante do exposto, defiro parcialmente o pedido de efeito suspensivo nos termos da fundamentação. Comunique-se ao Juízo de origem. Intime-se a agravada na forma do art. 527, V, do CPC. Após, voltem conclusos. (grifo nosso).

AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Processo: 2008.04.00.007056-6. UF: RS. Data da Decisão: 25/03/2008. Orgão Julgador: QUARTA TURMA. D.E. 04/04/2008. Juiz: MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA.

O Rio de Janeiro, estado pioneiro na implantação do sistema de cotas raciais, desde o início, debate sua constitucionalidade, como é possível perceber nos seguintes julgados:

Constitucional - Presentes veementes e fundamentados indícios de inconstitucionalidade de leis estaduais dispondo sobre reserva de cotas para negros e pardos na universidade do Estado do Rio de Janeiro, suscita-se o incidente de inconstitucionalidade, submetendo o julgamento ao Egrégio Órgão Especial do Tribunal, detentor da reserva do plenário inscrita no art. 97. da Carta Magna.

(TJRJ - Apelação Cível nº 2004.001.03512 - Des. Mario dos Santos Paulo - Julgamento: 19/07/2005 - 4ª Câmara Cível).

Ensino universitário - sistema de cotas instituído na cidade do Rio de Janeiro – minorias - autodeclaração de raça - Lei Estadual nº 3.708/02 - inconstitucionalidade - direito líquido e certo de candidato aprovado em concurso público de ingresso na faculdade de medicina mantida pela entidade de ensino com nota suficiente ao seguimento do curso - apelo provido - decisão reformada para com base no reconhecimento de direito líquido e certo garantir ao aluno a matrícula perseguida - A Lei Estadual nº 3.708/02 é inconstitucional na medida em que afronta o princípio da razoabilidade ao criar a reserva de 40% de vagas na Universidade Estadual para pardos e negros e 50% para egressos de Escolas Públicas, restando apenas 10% para brancos oriundos de escolas particulares. Enquadrando-se o impetrante entre estes últimos e que obteve no certame público nota superior aos demais é de lhe ser reconhecido direito líquido e certo a obtenção da devida matrícula de molde a de lhe assegurar garantia constitucional da igualdade, inclusive racial advertindo-se da violação ao princípio da ‘sumum jus, summa injuria’. (Apelação Cível nº 2004.001.06281, TJRJ, Des. Marcus Tullius Alves - julgamento 15.02.2005 - 9ª Câmara Cível).

O Tribunal de Justiça da Bahia, também, julga ações sobre o sistema:

Remessa necessária - Mandado de Segurança - Exame vestibular de ingresso em curso superior - candidata aprovada não pode ter vaga preterida sob argumento de reserva de vagas em cotas para afrodescendentes - resolução nº 192/2092 da Universidade Pública Estadual não pode sobrepujar-se ao princípio da isonomia Constitucional -art. 5º Constituição Federal - incensurável a sentença concedendo segurança, merecendo confirmação integra a sentença.

(TJBA - Acórdão nº13422, processo nº 40631-5/2004 - Remessa necessária - Integração de Sentença - Relator: João Augusto Alves de Oliveira Pinto - Comarca de Barreiras - 4ª Câmara Cível).

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ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. VESTIBULAR. COTAS. CRITÉRIOS. RESOLUÇÃO. 1. É relevante a alegação de que a seleção de candidatos ao ensino superior com base em qualquer critério que não seja a capacidade de cada um ofende o art. 208, V, da CF. 2. Argüição de inconstitucionalidade da Resolução CONSEPE 1/2004, instituidora do sistema de cotas no vestibular da Universidade Federal da Bahia, perante a Corte Especial.

Processo: EIAC 2005.33.00.018352-3/BA; EMBARGOS INFRINGENTES NA APELAÇÃO CIVEL. Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA ISABEL GALLOTTI RODRIGUES. Órgão Julgador: TERCEIRA SEÇÃO. Publicação: 09/03/2009 e-DJF1 p.41. Data da Decisão: 09/12/2008.

Embora exista farta jurisprudência acerca da inconstitucionalidade das leis estaduais que implantaram o sistema de cotas raciais, não é pacífica esta opinião nos tribunais e entre os juristas que a julgam.

Decisões favoráveis as cotas, também, são constantemente proferidas.

DIREITO CONSTITUCIONAL. ENSINO. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. INSTITUIÇÃO, POR RESOLUÇÃO, DE COTAS PARA NEGROS E ÍNDIOS, EGRESSOS DE ESCOLAS PÚBLICAS. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Na medida em que a Administração está, pela própria Constituição, vinculada diretamente a outros princípios que não só o da legalidade, transparece não ser pela ausência de lei formal, salvo reserva constitucional específica (não bastando a reserva genérica do art. 5º, II), que deixará de realizar as competências que lhe são próprias. 2. Se a Constituição dá os fins, implicitamente oferece os meios, segundo o princípio dos poderes implícitos, concebido por Marshall. Os preceitos constitucionais fundamentais, incluídos os relativos aos direitos fundamentais sociais, têm eficácia direta e imediata. A constitucionalização da Administração "fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário" (Luís Roberto Barroso). 3. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, III, da Constituição). Nesse rumo, os direitos e garantias expressos na Constituição "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5º, § 2º). A Constituição, ao proteger os direitos decorrentes do regime e dos princípios, "evidentemente consagrou a existência de direitos fundamentais não-escritos, que podem ser deduzidos, por via de ato interpretativo, com base nos direitos fundamentais do ''catálogo'', bem como no regime e nos princípios fundamentais da nossa Lei Suprema" (Ingo Wolfgang Sarlet). 4. É o caso da necessidade de discriminação positiva dos negros e índios, cuja desigualdade histórica é óbvia, dispensando até os dados estatísticos, além de reconhecida expressamente pela Constituição ao dedicar-lhes capítulos específicos. Não se trata de discriminar com base na raça. A raça é apenas um índice, assim como a circunstância de ter estudado em escola pública. O verdadeiro fator de discriminação é a situação social que se esconde (melhor seria dizer "que se estampa") atrás da raça e da matrícula em escola pública. Há um critério imediato - a raça - que é apenas meio para alcançar o fator realmente considerado - a inferioridade social. 5. Nas ações afirmativas não é possível ater-se a critérios matemáticos, próprios do Estado liberal, que tem como valores o individualismo e a igualdade formal. Uma ou outra "injustiça" do ponto de vista individual é inevitável, devendo ser tolerada em função da finalidade social (e muitas vezes experimental) da política pública. 6. Apelação a que se nega provimento.

AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 200633000084249. Processo: 200633000084249 UF: BA Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data da decisão: 11/04/2007.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS. RESOLUÇÃO Nº 9/2004 – CEPE. RESERVA DE 20% (VINTE POR CENTO) DAS VAGAS PARA ALUNOS NEGROS E PARDOS. AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES. - Hipótese em que o agravante busca reformar decisão singular que lhe indeferira tutela antecipada por meio da qual pretendia obter matrícula em Curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas, ora agravante; - Implantação do sistema de cotas através da Resolução nº 9/2004 - CEPE por meio da qual dá-se a reserva de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nas universidade públicas a alunos negros e pardos; - Medida que visa a oferecer oportunidade de acesso aos bancos universitários públicos àqueles historicamente economicamente hipossuficientes; - Por outro lado, considerando o enfoque administrativo, observa-se que as normas internas que regem a vida acadêmica são inerentes à autonomia das universidades, assegurada pela Constituição, não se aferindo, por conseguinte, qualquer ilegitimidade no agir da agravada que, fazendo uso de sua autonomia universitária, definiu através da Resolução nº 9/2004 – CEPE o sistema de cotas para negros e pardos; - Ausência de motivos a ensejar a reforma pretendida; - Agravo de instrumento improvido.

AGTR 61937-AL (20050500012442-4). AGTE: HEVERTON DE LIMA VITORINO. ADV/PROC: RICARDO ANTÔNIO DE BARROS WANDERLEY E OUTROS. AGDO: UFAL - UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS. RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PETRUCIO FERREIRA.

Em seu voto, o Desembargador Petrucio Ferreira, defendeu o sistema de cotas como uma forma de minimizar os danos causados aos negros no Brasil, que sofrerem historicamente com a exclusão social, preconceitos e falta de oportunidade. E completou afirmando: "Daí não terem acesso ao ensino fundamental de qualidade o que dificulta ou até inviabiliza o ingresso na vida universitária. É tratar os desiguais na medida de sua desigualdade o que, ao contrário do alegado pelo agravante, coaduna-se plenamente com o próprio princípio da isonomia". 58

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Sobre a autora
Márcia Andréa Durão de Macêdo

Bacharel em Direito e em Relações públicas. Pós-graduanda em Direito Processual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACÊDO, Márcia Andréa Durão. Cotas raciais nas universidades brasileiras.: Legalização da discriminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2263, 11 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13491. Acesso em: 22 dez. 2024.

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