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Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro de Aeronáutica, Código de Defesa do Consumidor e extravio de bagagem

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Agenda 24/06/2011 às 14:23

3 CONVENÇÃO DE VARSÓVIA, CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

3.1 CONVENÇÃO DE VARSÓVIA

Referente ao transporte internacional, as indenizações no Brasil seguem o que reza na Convenção de Varsóvia. É uma denominação costumeiramente dada à convenção destinada à unificação de regras relativas a Transporte Aéreo Internacional, assinada em Varsóvia, em 1929. Tal Convenção foi alterada em Haia, em 1955. Grassi Neto (2007, p. 119), informa ainda que:

No transporte internacional de pessoas, a responsabilidade civil do transportador é limitada à importância de duzentos e cinqüenta mil francos, por passageiro (art. 22, alínea 1). Em se cuidando de transporte internacional de mercadorias, ou de bagagem registrada, a responsabilidade do transportador ficará limitada à quantia de duzentos e cinqüenta francos por quilograma [...]. No que concerne aos objetos que o passageiro conservar sob sua guarda, a Convenção de Varsóvia estabelece que a responsabilidade do transportador limita-se a cinco mil francos por passageiro. A Convenção de Varsóvia adota como unidade monetária para indenização o denominado ‘franco poincaré’ (art. 22, alínea 5) que tem o valor de sessenta e cinco miligramas e meia de outro puro [...].

Frisa-se, então, que no transporte aéreo internacional, a Convenção de Varsóvia, de 1929, modificada em Haia, em 1955, é regida por princípios parecidos aos do Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986, ou seja, "a responsabilidade é ilimitada em caso de dolo ou culpa grave e, fora disso, é tarifada, embora se estabeleçam limites de indenização bem superiores aos fixados no Código Brasileiro." (NORONHA, 2002, p. 173).

É importante destacar, que à luz do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia, a responsabilidade da empresa transportadora apenas é limitada "na hipótese de ocorrência de dolo ou culpa grave, sendo nos demais casos é tarifada", é o que afirma Noronha (2002, p. 173). Por outras palavras, diz que:

No Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia, a responsabilidade em princípios é objetiva e tarifada; só passando a ser subjetiva, e neste caso sem tarifação, caso se prove dolo ou culpa grave da empresa transportadora ou de seus prepostos. A culpa simples (ou mera culpa) será simplesmente irrelevante [...].

Observa-se diante dos dados apresentados que a responsabilidade do transportador aéreo na Convenção de Varsóvia tem "natureza subjetiva, baseada na culpa, havendo inversão do ônus da prova a favor do passageiro, mas a inexistência de culpa pode levar à exoneração da responsabilidade do transportador." (BORGES, 2005, p. 96). É relevante colocar da mesma forma que:

O valor máximo previsto na Convenção de Varsóvia como limite à responsabilidade, segundo a doutrina e jurisprudências pátrias, apresenta-se irrisório, impossibilitando um verdadeiro ressarcimento, o que resulta em lesão ao passageiro. Soma-se a este fato sua difícil determinação quanto ao valor, na medida que o franco-poincaré não possui cotação oficial [...]. Após o Decreto nº 97.505, de 13.02.1989, o padrão franco-poincaré foi convertido em ‘DIREITOS ESPECIAIS DE SAQUE’ – DES, do Fundo Monetário Internacional.

É bom lembrar que a jurisprudência nacional tem se manifestado no sentido da ampla reparabilidade nas hipóteses de perda, extravio, destruição ou avaria de bagagens. A respeito de tal tema, destaca-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça - REsp. 552553/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.02.2006, no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde integralmente pelo extravio de bagagens e de cargas, mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, afastando-se a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a limitação à indenização tarifária. No mesmo sentido: STJ, REsp 520732/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU, 9.2.2004; STJ, REsp 538685/RO, 4ª Turma, Rel. Ministro Barros Monteiro, DJU, 16.2.2004.

Na doutrina, encontra-se entendimento semelhante ao da jurisprudência nacional, como o de Melo (2008, p. 245):

Embora haja quem defenda a não-aplicabilidade do código consumerista às relações decorrentes de transportes aéreos, tanto nacional como internacional, o entendimento majoritário, na doutrina e na jurisprudência, é que o Código de Defesa do Consumidor derrogou o Código Brasileiro de Aeronáutica e o Tratado de Varsóvia naquilo que tarifavam ou limitavam a indenização devida por dano causado aos usuários dos serviços de transportes aéreos. A justificativa encontra-se no fato de que o Código do Consumidor é lei de ordem pública, editada atendendo a um comando constitucional (CF, art. 5º, XXXII).

Amaral Júnior (1999, p. 75), por sua vez, entende que "o Código de Defesa do Consumidor aplica-se, igualmente, ao transporte aéreo internacional."

3.2 CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA

O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), foi aprovado pela Lei nº 7.565, de 1986. Elaborando-se um histórico do Direito Aeronáutico no Brasil, diz-se que este foi inicialmente codificado pelo Decreto-Lei nº 483, de 1938, denominado ‘Código Brasileiro do Ar’. Este foi substituído pelo Decreto-Lei nº 32, de 1966, que adotou o mesmo nome. Com a Lei nº 7.565, de 1986, que revogou o Decreto-Lei nº 32, adotou-se a terminologia atual. Pinto (2008, p. 16) relata que:

A principal fonte de direito aeronáutico é o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), aprovado pela Lei nº 7.565, de 1986, complementado pela Lei nº 11.182, de 2005, que criou a ANAC. O Código contém normas de direito público e privado, abrangendo todos os aspectos da aviação civil. Está disposto em onze títulos: introdução; uso do espaço aéreo; infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária; aeronaves; tripulação; serviços aéreos; contrato de transporte aéreo; responsabilidade civil; infrações e providências administrativas; prazos extintivos; e disposições finais e transitórias. Os dispositivos de maior relevância para a regulação econômica estão contidos nos títulos da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária e dos serviços aéreos, que podem ser considerados o "marco regulatório" do setor. O CBA deve ser interpretado, entretanto, à luz da Lei nº 11.182, de 2005, além de instituir a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

O Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986, prevê responsabilidade solidária do transportador aéreo, do construtor aeronáutico e das entidades de Infra-Estrutura Aeronáutica (art. 256, I), por morte, por lesão infligida a passageiro (art. 256, § 2º), por prejuízo decorrente de dano, de perda de bagagem ou de carga. Tal Código aponta ainda que são indenizáveis os danos decorrentes de eventual atraso no transporte, seja ele de passageiros ou de carga (art. 256, II). Tais artigos do Código Brasileiro de Aeronáutica podem assim ser observados:

Art. 256, I. O transportador responde pelo dano decorrente: I – de morte ou lesão de passageiro, causada por acidente ocorrido durante a execução do contrato de transporte aéreo, a bordo de aeronave ou no curso das operações de embarque e desembarque.

Art. 256, § 2º. A responsabilidade do transportador estende-se: a) a seus tripulantes, diretores e empregados que viajarem na aeronave acidentada, sem prejuízo de eventual indenização por acidente de trabalho; b) aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia.

Art. 256, II. O transportador responde pelo dano decorrente: [...] II – de atraso do transporte aéreo contratado (GRASSI NETO, 2007, p. 116).

Relevância ainda deve ser dada ao art. 256, § 1º, do Código Brasileiro de Aeronáutica, onde pode-se observar que a responsabilidade por lesão ou morte em caso de acidente ocorrido durante o transporte aéreo é excetuada apenas se ficar demonstrado que os tais eventos resultaram, tão somente, do estado de saúde do passageiro, ou de sua exclusiva culpa.

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Os limites indenizatórios previstos no Código Brasileiro de Aeronáutica, ainda que possível a prévia estipulação de valores maiores entre as partes (art. 257, § 1º), são, contudo, irrisórios. No caso de mero atraso do transporte, o teto para o ressarcimento é de apenas 150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN). Em havendo morte do passageiro, a legislação prevê que a empresa transportadora deve indenizar em até 3.500 (três mil e quinhentas) OTN, conforme art. 257. Abordando-se a destruição, perda ou avaria da bagagem, é possível dizer que:

Em havendo destruição, perda ou avaria da bagagem despachada ou conservada em mãos do passageiro, ocorridas durante a execução do contrato de transporte aéreo, o Código Brasileiro de Aeronáutica prevê que a responsabilidade do transportador limita-se ao valor correspondente a 150 (cento e cinqüenta) OTN, por ocasião do pagamento, em relação a cada passageiro (art. 260). As Obrigações do Tesouro Nacional não existem mais, tendo sido substituídas primeiramente pela BTN, e, depois, pela TR (GRASSI NETO, 2007, p. 118).

Vê-se, então, que no Código Brasileiro de Aeronáutica, a responsabilidade em princípio é objetiva e tarifada, apenas passando a ser subjetiva, e assim, sem tarifação, caso se consiga provar dolo ou culpa grave da empresa transportadora ou de seus prepostos.

3.3 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O transporte aéreo como já salientado, tanto de pessoas como de cargas, é regido de duas formas distintas: se for nacional, será regulado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica; se for internacional, será regulado pelas normas da Convenção de Varsóvia. Contudo, é bom sempre lembrar que tanto em um caso como no outro, incidem regras da Lei nº 8.078/90 naquilo que for mais favorável ao consumidor.

Sabe-se que os casos mais freqüentes de indenização em matéria de transporte aéreo dizem respeito aos atrasos de vôos e ao extravio de bagagens. Conforme Melo (2008, p. 249) "advirta-se que a responsabilidade do transportador aéreo é objetiva, a teor do que dispõe o art. 14 da Lei nº 8.078/90, corroborado pelo art. 17 da Convenção de Varsóvia e pelo art. 256 do Código Brasileiro de Aeronáutica."

Como já se denotou, a questão que ainda é controvertida com relação à matéria está centrada na indenização tarifada, limitada, no caso da Convenção de Varsóvia, ao previsto em seu art. 22, e no caso do Código Brasileiro de Aeronáutica, ao fixado no seu art. 257, o que confronta diretamente com o princípio da reparação integral do dano preceituado no art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, como pode-se notar a seguir:

Lei nº 7.565/86, art. 257: A responsabilidade do transportador, em relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigação do Tesouro Nacional (OTN), e, no caso de atraso do transporte, a 150 (cento e cinqüenta) Obrigação do Tesouro Nacional (OTN) (MELO, 2008, p. 249).

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

[...]

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (NUNES JÚNIOR; MATOS, 2009, p. 44).

Conforme Melo (2008, p. 249) "o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é que o Código de Defesa do Consumidor deve prevalecer em relação aos dois institutos que regulam o transporte aéreo [...]." Tal entendimento é corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 538.685/RO, 4ª T., Rel. Ministro Barros Monteiro, de 2004.

Marques (2006, p. 447) partilha da mesma opinião, colocando que "a relação de transporte é de consumo e deverá ser regulada pelo CDC em diálogo com o Código Civil de 2002 sempre que estejam presentes consumidor e fornecedor naquela relação."

É ainda de se apontar a posição de Sanches (2008), que considera que a indenização dos prejuízos do passageiro com a perda, extravio, destruição ou avaria da bagagem, deve ser integral e ter lastro no Código de Defesa do Consumidor.


4 O EXTRAVIO DE BAGAGEM ANALISADO SOB A PERSPECTIVA REGULATÓRIA E DA RESPONSABILIDADE CIVIL

4.1 A QUESTÃO SOB O PONTO DE VISTA DA ANAC

Como já se notou, o transportador responde pelo extravio ou dano da bagagem transportada no bagageiro. A reparação dos danos no transporte doméstico obedece aos limites estipulados no Código Brasileiro de Aeronáutica, e no âmbito internacional, à Convenção de Varsóvia. Conforme ANAC (2010c, p. 29):

O passageiro poderá optar por efetuar o despacho de seus pertences, resguardando-se por uma Declaração Especial de Interesse realizada no momento da entrega de sua bagagem ao funcionário da empresa aérea, no qual deverá especificar minuciosamente o conteúdo da mala. Essa declaração está sujeita à cobrança de taxa.

Como já foi expresso no presente estudo, que tais normas não apartam a possibilidade de o consumidor solicitar outros direitos enraizados na legislação de proteção e defesa do consumidor. Esse entendimento é corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ-Resp 552553/RJ, Quarta Turma, Rel. MIN. Fernando Gonçalves. DJ 01/02/2006, onde conforme ANAC (2010c, p. 28):

Nesse sentido, cabe informar haver jurisprudência firme no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde integralmente pelo extravio de bagagens e de cargas, mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, afastando-se a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a limitação à indenização tarifária.

Caso ocorra extravio ou avaria em sua bagagem, o passageiro deverá seguir as seguintes etapas:

a) procurar a empresa aérea ainda na sala de desembarque e preencher o Registro de Irregularidade de Bagagem - RIB. É necessária a apresentação do comprovante de despacho da bagagem, visto ser a prova do contrato de transporte da sua bagagem; b) no caso de avaria, o passageiro deverá procurar a empresa aérea, para relatar o fato, preferencialmente, no ato de seu desembarque, ou até sete dias após, nos termos do § 2º, do art. 244, do CBAer; c) se a empresa aérea se recusar a preencher o RIB, o passageiro deverá dirigir-se às Seções de Aviação Civil - SAC, preferencialmente a do aeroporto onde o fato ocorreu, e fazer a sua reclamação, mediante o preenchimento de Registro de Ocorrência, que poderá resultar em autuação à empresa aérea (ANAC, 2010c, p. 42).

Conforme ANAC (2010c), os passageiros e demais usuários do Sistema de Aviação Civil, em caso de lesão a direito ou para obter informações, podem dirigir-se às Seções de Aviação Civil, presentes nos principais aeroportos do país, ou às Gerências Regionais da ANAC, onde, se for o caso, será aberto procedimento administrativo para apuração da irregularidade e eventual aplicação de penalidade.

Ainda de acordo com a ANAC (2010c), no tocante a solicitação de indenização por danos, devem ser reivindicados junto ao Poder Judiciário e também em órgãos de defesa do consumidor, uma vez que no âmbito da ANAC, esfera administrativa, há tão-somente, por força da legislação, a previsão de aplicação de penalidade aos entes regulados e fiscalizados, como, por exemplo, empresas aéreas, não sendo possível se fazer o ressarcimento diretamente aos passageiros, pelos prejuízos causados.

4.2 A QUESTÃO SOB O PONTO DE VISTA DA DOUTRINA PÁTRIA

Já se explicitou que é entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência que a indenização dos prejuízos do passageiro com a perda, extravio, destruição ou avaria da bagagem, deve ser integral e regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Ilustrou-se, anteriormente no estudo, posições da doutrina e da jurisprudência, corroborando com esse entendimento. Seguindo-se a discussão sobre tal tema, Noronha (2002, p. 171) dá sua opinião:

[...] enquanto o Código de Defesa do Consumidor consagra a regra da efetiva reparação de todos os danos, ‘patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos’ (cf. art. 6º, VI) e independentemente da existência de culpa do fornecedor (cf. art. 12), no Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia, a responsabilidade da empresa transportadora só é ilimitada na hipótese de ocorrência de dolo ou culpa grave, sendo nos demais casos tarifada, ou seja, é a lei que fixa os valores das reparações possíveis ou os quantitativos máximos destas.

Destaca-se que até a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, as relações jurídicas de consumo foram regulamentadas através de normas pertencentes a outros subsistemas do ordenamento jurídico, principalmente o Direito Civil. Portanto, na visão de Sammarco (2005, p. 178):

[...] com isso, estas relações jurídicas recebiam o mesmo tratamento legal dispensado a qualquer outra relação, relegando os consumidores a uma condição de inferioridade latente, assumindo o risco pela aquisição de um produto ou serviço. Sobreveio, então, a legislação consumerista para promover a garantia da defesa e da proteção carecidas, estabelecendo o equilíbrio entre os contratantes, com base na presunção legal de hipossuficiência do consumidor, face à sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor de produtos ou serviços.

Nota-se que o Código de Defesa do Consumidor tem como escopo garantir a proteção aos mais fracos nas relações contratuais, buscando definir o equilíbrio nestas relações. Contudo, é preciso ter o cuidado de "bem identificar quanto uma relação é realmente de consumo, para evitar que, a pretexto desta proteção, a aplicação inadvertida do CDC venha causar, contrariamente, o desequilíbrio de uma relação entre partes que, na verdade, se encontravam em situação igualitária." (SAMMARCO, 2005, p. 183). Fica nítida também a posição da doutrina sobre a necessidade de identificação se uma relação contratual é realmente de consumo, para que não se instale um desequilíbrio entre as partes.

Debruçando-se ainda sobre a doutrina, foi possível notar que para Amaral Júnior (1999, p. 72), "parece fora de dúvida que o contrato de transporte, seja pessoa, seja de coisa, sempre que perfaça as características da relação jurídica de consumo se encontra sob o império do Código de Defesa do Consumidor."

É importante lembrar que, como já se anotou no presente estudo, que a empresa transportadora enquadra-se na definição de fornecedor do art. 3º do CDC, bem como o serviço por ela prestado, via de regra, se ajusta à noção de serviço constante do § 2º, do art. 3º:

Art. 3º do CDC. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2º, do art. 3º, do CDC. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (NUNES JÚNIOR; MATOS, 2009, p. 23).

Amaral Júnior (1999, p. 73) frisa que "a limitação da responsabilidade promovida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica e pela Convenção de Varsóvia, colide com o princípio da reparação efetiva consagrado pelo Código de Defesa do Consumidor." Os defensores da limitação da responsabilidade, baseada no Código Brasileiro de Aeronáutica, sustentam dois argumentos principais:

1. Na qualidade de lei geral das relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor não teria o condão de revogar o Código Brasileiro de Aeronáutica, lei especial sobre a matéria, salvo se o legislador revelar a intenção de qual tal venha a acontecer; 2. Os tratados internacionais de que o Brasil seja parte prevalecem sobre a legislação interna, revogando os dispositivos com ele incompatíveis (AMARAL JÚNIOR, 1999, p. 73).

Combatendo-se tais argumentos, é possível dizer que as normas constantes no Código Brasileiro de Aeronáutica que limitam a responsabilidade do transportador aéreo "ferem o princípio constitucional da proteção ao consumidor previstos no arts. 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição Federal. [...] em consonância com o disposto nos arts. 5º, XXXII, 170, V, [...] foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor [...]." (AMARAL JÚNIOR, 1999, p. 74).

É evidente que o prejuízo que advém aos consumidores quando previamente se estabelece um teto para a reparação dos danos. Assim, conforme Amaral Júnior (1999, p. 75):

Por esse motivo, o art. 6º, VI, do CDC consagrou o princípio da reparação efetiva, único capaz de tutelar adequadamente as expectativas de todos os lesados. É lícito concluir, portanto, que os limites indenizatórios, constantes do Código Brasileiro de Aeronáutica não se aplicam às relações jurídicas de consumo. [...] o Código de Defesa aplica-se, igualmente, ao transporte aéreo internacional [...] o STF (RE 80004 – RTJ 83/809-848) considerou que os tratados e convenções internacionais recebidos pelo ordenamento jurídico brasileiro não gozam de supremacia sobre a legislação interna.

Borges (2005, p. 94) frisa que "a doutrina nacional dominante, assim como a jurisprudência dos tribunais superiores entende aplicável o CDC à relação de transporte aéreo internacional travada entre o transportador aéreo fornecedor e o passageiro consumidor [...]." Neste linha, o transporte aéreo internacional "está abrangido pelas normas do CDC [...] não há alusão a qualquer diferenciação jurídica entre o transporte internacional e transporte interno quanto à incidência destas normas protetivas." (BORGES, 2005, p. 94). Ainda abordando-se as posições doutrinárias sobre o tema em discussão, vale apreciar a visão de Marques (2006, p. 448), que defende a aplicação do CDC, cujos argumentos são:

a) Trata-se de lei de função social, de ordem pública econômica e matriz constitucional (art. 1º, CDC); b) deve-se aplicar a norma mais favorável ao consumidor (art. 7º, CDC); c) a proteção ao consumidor erigiu-se em princípio limitador da ordem econômica com a Constituição de 1988; d) mesmo os contratos regulados por leis especiais anteriores ao advento do CDC, passam a submeter-se ao CDC.

Finalmente, Sanches (2008) corrobora com o entendimento até agora aqui lavrado, colocando que a indenização dos prejuízos do passageiro com a perda, extravio, destruição ou avaria de bagagem, deve ser integral, com lastro na Lei nº 8.078/90. Como se nota, a doutrina majoritária centra seus entendimentos da aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de transporte.

4.3 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

4.3.1 Tribunal de Justiça de Santa Catarina

No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, têm-se a Apelação Cível nº 2008.024456-5, da Capital, Relator Desembargador Fernando Carioni, de 27.02.2009, decidindo que:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM . INÉPCIA DA INICIAL. FALTA DE CAUSA DE PEDIR. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. NOTAS FISCAIS SEM TRADUÇÃO JURAMENTADA. PRESCINDIBILIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. SOLIDARIEDADE ENTRE A COMPANHIA AÉREA E A AGÊNCIA DE VIAGENS. PREVALÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MATERIAL. RESSARCIMENTO LIMITADO AO PREJUÍZO DESCRITO NA INICIAL. ABALO MORAL PRESUMIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA. ADEQUAÇÃO EX OFFICIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS LEGALMENTE ESTABELECIDOS. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS (TJSC, 2010a).

Conforme o relator, nos litígios envolvendo a responsabilidade pela perda de bagagem, por dizer respeito às normas de consumo, prevalece o entendimento de ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor em detrimento ao Código Brasileiro da Aeronáutica e à Convenção de Varsóvia. O relator ainda aponta decisão no mesmo sentido: Apelação Cível nº 2006.022330-7, de Chapecó, Relator Desembargador Monteiro Rocha, de 2008, onde ficou decidido que às relações ocorridas durante a vigência do CDC aplica-se a legislação consumerista, que prevalece sobre a Convenção de Varsóvia e sobre a legislação aeronáutica.

Ainda no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, colheu-se a Apelação Cível nº 2006.003286-1, de Itajaí, Relator Desembargador Trindade dos Santos, de 2008:

INDENIZAÇÃO. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. DANOS MATERIAIS E MORAIS. LUCROS CESSANTES. CARACTERIZAÇÃO. POSTULAÇÕES ACOLHIDAS. RECLAMO DA DEMANDADA. CÓDIGO BRASILEIRO DA AERONÁUTICA. APLICAÇÃO AFASTADA. DEVER INDENIZATÓRIO COMPROVADO. DESPROVIMENTO. INSURGÊNCIA DO REQUERENTE. 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO. ELEVAÇÃO. RECURSO, PARA TANTO, AGASALHADO (TJSC, 2010b).

O relator afirmou que a limitação do valor indenizatório dos danos imposta pelo Código Brasileiro de Aeronáutica não prevalece sobre os enunciados do Código Protetivo do Consumidor, por serem esses enunciados de ordem pública e de relevante interesse social, conforme resulta do disposto nos arts. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição da República. No mesmo sentido: TJSC, Apelação Cível. nº 2004.004705-3, de Brusque, Relator Desembargador. Moacyr de Moraes Lima Filho, de 2007.

4.3.2 Tribunal Regional Federal – 4ª Região

No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, encontra-se decisão que corrobora com o entendimento já suportado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. EXTRAVIO DE BAGAGEM. MATÉRIA REGULADA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO INTEGRAL. 1. A responsabilidade da empresa de transporte aéreo pelo extravio de bagagem encontra-se regida nos princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), não se aplicando o Código Brasileiro de Aeronáutica (lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986), ou mesmo a Convenção de Varsóvia [...] (AC – Apelação Cível nº 2003.71.00.016975-9, Rio Grande do Sul, 4ª T., Relatora Desembargadora Federal Marga I. B. Tessler, Data da Decisão: 06.08.2008) (TRF4, 2010a).

A relatora defendeu que a hipótese em comento se sujeita à tutela especial da legislação consumerista. Os autores se enquadram no conceito de consumidor que nos é dado pelo art. 2º da Lei nº 8.078/1990, eis que destinatários finais do serviço de transporte aéreo. Do mesmo modo, a ré como concessionária de serviços públicos de navegação aérea, subsume-se perfeitamente ao conceito de fornecedor estampado no art. 3º do mencionado diploma. Não se aplica à hipótese dos autos a Convenção de Varsóvia. A posição da relatora foi lastreada por decisão semelhante do Superior Tribunal de Justiça: REsp 552.553/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 4ª T., de 2005.

No mesmo tribunal em comento, tem-se decisão no mesmo sentido:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. PRELIMINAR. DENUNCIAÇÃO À LIDE. SEGURADORA. EXTRAVIO DE BAGAGEM. MATÉRIA REGULADA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO INTEGRAL. 1. [...] 2. A responsabilidade da empresa de transporte aéreo pelo extravio de bagagem encontra-se regida nos princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), não se aplicando o Código Brasileiro de Aeronáutica (lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986), ou mesmo a Convenção de Varsóvia.
3. Trata-se de ato ilícito que permite indenização não tarifada. [...] (AC – Apelação Cível nº 2003.04.01.008975-6, Santa Catarina, 4ª T., Juiz Federal Jairo G. Schafer, Data da Decisão: 16.04.2008.) (TRF4, 2010b).

4.3.3 Superior Tribunal de Justiça

No Superior Tribunal de Justiça, encontra-se entendimento que corrobora com as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e do Tribunal Regional Federal 4ª Região, como por exemplo, o AgRg no REsp 262687/SP – Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2000/0057696-4, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 4ª T., Data de Julgamento 15.12.2009:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXTRAVIO DE BAGAGEM. INDENIZAÇÃO AMPLA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, após a edição do Código de Defesa do Consumidor, não mais prevalece a tarifação prevista na Convenção de Varsóvia. Incidência do princípio da ampla reparação. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido (STJ, 2010a).

O Ministro Relator deixa claro em tal decisão que concernente a indenização, a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que, após a edição do Código de Defesa do Consumidor, não mais incide a tarifação prevista na Convenção de Varsóvia. Tal decisão é ainda assinalada no mesmo Tribunal:

CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE MERCADORIAS. AÇÃO REGRESSIVA. SEGURADORA. RESPONSABILIDADE TARIFADA. INAPLICABILIDADE. ORIENTAÇÃO DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. - Nos casos de extravio de mercadoria ocorrido durante o transporte aéreo, a reparação deve ser integral, não se

aplicando a indenização tarifada prevista em legislação especial." (REsp 494.046/ SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2003, DJ 23/06/2003 p. 387) (STJ, 2010a).

Ainda no Superior Tribunal de Justiça é possível apreciar o AgRg no REsp 309836/MG – Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2001.0029521-5, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª T., Data de Julgamento: 18.08.2005:

AGRAVO REGIMENTAL. INDENIZAÇÃO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. CDC. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. INAPLICÁVEL. TEMA CONSTITUCIONAL. - Em recurso especial não há campo para discussão de matéria de índole constitucional, inda que para fins de prequestionamento. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor em caso de pedido de indenização por extravio de mercadoria em transporte aéreo (STJ, 2010b).

O Ministro Relator Humberto G. de Barros, entendeu que tratando-se de relação de consumo, prevalece o Código de Defesa do Consumidor em relação à Convenção de Varsóvia. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor em caso de pedido de indenização por extravio de mercadoria em transporte aéreo.

Sobre a autora
Juanita Raquel Alves

Bacharel em Direito em Blumenau (SC). Secretária Executiva. Assessoria a advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Juanita Raquel. Convenção de Varsóvia, Código Brasileiro de Aeronáutica, Código de Defesa do Consumidor e extravio de bagagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2914, 24 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19394. Acesso em: 22 nov. 2024.

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