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A Súmula Vinculante nº 25 e o direito à razoável duração do processo revigorado pela Emenda Constitucional nº 45

A perspectiva do enunciado no processo laboral.

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Agenda 12/08/2011 às 17:40

5. Da colisão de valores

Ficou explicitado acima que o verbete oriundo da Corte Suprema encareceu o direito à não privação da liberdade por força de dívidas integrado à nossa ordem jurídica através da ratificação da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos.

Ao diploma indigitado foi atribuído um status de supralegalidade, é dizer, abaixo da Constituição, mas acima de todas as outras espécies normativas. Neste processo, foi esmaecida a força contida no inciso LXVII, art. 5º, da Carta Constitucional, no tocante ao depositário infiel, o que pode ser compreendido como uma ampliação do rol de direitos e garantias, faculdade fornecida pelo §2º, do multicitado art. 5º. Todavia, há o risco de, na concretude dos autos, restar atingido o direito à prestação jurisdicional célere, reafirmado através do novel inciso LXXVIII, enxertado via emenda constitucional 45.

Quando nos reportamos às situações concretas, queremos destacar aqueles quadros de abuso que, indubitavelmente, irão grassar nos fóruns acaso eliminada por completo a possibilidade de prisão do depositário judicial infiel. A cultura jurídica nacional, na forma já ressaltada, incorporou a figura de um Judiciário pouco eficaz e, de conseguinte, indigno da devida respeitabilidade. Tanto é esse o quadro que a tônica da Reforma do Judiciário foi a criação de elementos e procedimentos que encaminhassem para a efetividade das decisões judiciais.

O alerta a que nos propomos refere-se aos quadros nos quais a infidelidade do depositário importe o estrangulamento do iter processual, a ponto de não mais restarem vias de prosseguimento.

Por hipótese, basta imaginar o caso de sucessivas penhoras cuja alienação não se concretize em virtude de reiterados desvios perpetrados pelo devedor-depositário. Não há astreinte ou outra sanção pecuniária que o demova do seu intento procrastinatório. A possibilidade de restrição de liberdade estaria afastada. A resposta penal é lenta e duvidosa. Haveria, por parte do executado, a certeza da impunidade e a perspectiva de que, em algum momento, retiraria do raio de ação do Judiciário o seu patrimônio visível [44]. Cabe, então, a pergunta: como ficaria o direito à razoável duração do processo, expressamente consagrado no Texto Constitucional? A resposta é simples, aniquilado.

Em situações quejandas, em que fique clarividente o abuso do direito do devedor, aferível através dos seus atos e pela constatação do decurso de tempo para realização do direito reconhecido judicialmente, fica em xeque a exaltação absoluta do direito à liberdade ao custo da sucumbência da garantia a um tempo razoável de resposta do Judiciário. Há, assim, a colisão de direitos fundamentais [45]. Lembrando que um deles com assento expresso constitucional e o outro com carga elevada de prestígio, mas hierarquicamente abaixo da Norma Ápice [46].

Veja-se o fio condutor do nosso raciocínio: a prisão do depositário é prevista no Texto Maior; foi enfraquecida pela incorporação à nossa ordem jurídica da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, à qual foi atribuído o status de supralegalidade; a Constituição garante, em seu próprio texto, o direito a um processo breve; há situações nas quais fica evidente, a todas as luzes, o absoluto menoscabo às decisões judiciais.

Não estamos a advogar aqui uma solução através de avaliação da hierarquia das normas (norma constitucional x norma supralegal), o que nos parece inadequado nessas condições e diante da natureza dos bens protegidos (ambos direitos fundamentais). Ressaltamos, tão-somente, a hipótese de choque entre valores fundamentais, com a demasiada preponderância de um sobre o outro, o que atenta contra o princípio da concordância prática ou harmonização, apregoado pelos constitucionalistas. [47]

O equacionamento do problema passa pela chamada ponderação dos interesses em choque. A respeito dela, elucidam Clève e Freire (2002, p. 39):

Como se vê, impõe-se o método da ponderação de bens nas situações em que existam pelo menos dois bens ou direitos albergados em normas jurídicas que, em determinadas situações, não possuem suas potencialidades otimizadas. Nessa esteira, "excluem-se, por conseguinte, relações de preferência prima facie, pois nenhum bem, é, prima facie, quer excluído, porque se afigura excessivamente débil, quer privilegiado porque, prima facie, se afigura com valor ‘reforçado’ ou até absoluto". Desta forma, o método da ponderação de bens consiste em técnica capaz de propiciar em um campo de tensão principiológica a escolha do princípio que possui maior peso ou valor. O método de ponderação de bens pode sugerir a existência de uma hierarquia axiológica e dinâmica entre os princípios em tensão. Uma hierarquia axiológica, eis que confere em justa medida maior ou menor peso ou valor aos princípios colidentes. Dinâmica por se estar diante de relação axiológica mutável que outorga primazia axiológica a uma relação específica podendo inverter-se em situação diversa. (grifamos)

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Seguindo a lição acima e atentando ao contexto hipotético anunciado, não é de se descartar, em absoluto, a possibilidade de prisão do depositário infiel. Existirão casos em que a exacerbação do direito de não sofrer privação de liberdade significará a eliminação do direito a uma razoável duração do processo. Isto, a viger uma interpretação míope do comando da súmula vinculante 25. Assim sendo, estando francamente caracterizado o comportamento de abuso de direito do devedor-depositário infiel, poderá, sim, o juiz cível determinar-lhe a prisão para evitar a ineficácia do direito fundamental a um processo breve.

Tal providência, ressalte-se, pode até ser, em última análise, menos gravosa para o agente que o seu enquadramento em norma incriminadora, eis que, a prisão civil assim determinada cessará seus efeitos tão logo apresentado o bem confiado ou o equivalente em dinheiro. O que não se verificará no caso de uma condenação criminal num dos tipos penais referenciados em ponto anterior desta obra, dado que, a pena in concreto, facilmente ultrapassará o limite estabelecido para a prisão civil (30 dias).


CONCLUSÃO

Diante do que foi analisado no presente opúsculo, ficou assente que o direito à razoável duração do processo, expressamente consagrado através do §3º, do art. 5º, do Texto Mor, já integrava, implicitamente o rol de direitos e garantias fundamentais, significando a inovação reformista, nada mais do que uma necessária redundância para tentar, assim, dar mais visibilidade à tal garantia.

Ademais, ficou clarificado que a Corte Suprema, ao redigir a súmula objeto deste estudo, incorreu em excessiva generalização, não efetivando a necessária ressalva atinente ao múnus de depositário judicial (estabelecido processualmente) que, efetivamente, não se confunde com a figura do depositário contratual (típica do direito privado).

Conquanto não realizado o necessário discrímen, o magistrado, principalmente por força dos precedentes principais que serviram de substrato para a decisão colegiada e, ainda, por conta dos diplomas internacionais usados como fundamentos, pode extrair que à figura do depositário judicial não se aplica a vedação materializa no enunciado.

Pelas mesmas razões acima e ainda com mais vigor, o processo laboral, arena na qual são excutidos créditos de induvidoso matiz alimentar, reclama por uma aplicação temperada da súmula, posto que deve ser considerada essa característica, o que vem a representar a exceção prevista no art. 7, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica.

Demais disso, o exercício incondicionado do direito a não ser preso por dívidas, inclusive quando assumida a posição de depositário judicial, como estão a propugnar alguns, pode importar a supressão do direito à razoável duração do processo, alma da emenda constitucional 45.

Ficou patente que o objetivo dos tratados internacionais ratificados pelo nosso país acerca do tema era afirmar que a pessoa não responderá com o seu próprio corpo pelas dívidas contraídas, mas, isto sim, com o seu patrimônio.

Todavia, uma aplicação desmesurada do entendimento acima, refletido na súmula vinculante número 25, pode significar ainda mais, que a pessoa não responderá por dívidas nem com sua liberdade e, tampouco, com seu patrimônio, mesmo que já devidamente maculado por um ato de constrição.

Curiosamente, pelo ferramental trazido por si própria, pode a emenda 45 desfechar um tiro no próprio peito. A súmula vinculante que pretende dar maior celeridade e eficiência aos serviços judiciários, no caso concreto, pode simplesmente alijar dos magistrados um poderoso meio de coerção que, como é consabido, só atinge aqueles que menoscabam as decisões judiciais, furtando-se ao mínimo dever de conservar um bem onerado.

Prosperando a vedação na forma plena, impõe-se, para se preservar a eficácia dos possíveis atos de alienação, que seja repensada a condição do devedor como depositário. Há de se criar alternativas outras, retirando da posse do executado o bem gravado, o que, inquestionavelmente, significará um ônus ainda mais pesado ao excutido.

Por fim, para um eco necessário, relembremos a lição já transcrita acima:

A Justiça segura, numa das mãos, a balança, com a qual pesa o direito, e na outra a espada, com a qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a fraqueza do direito. Ambas se completam e o verdadeiro estado de direito só existe onde a força, com a qual a Justiça empunha a espada, usa a mesma destreza com que maneja a balança. (ILHERING, 2001, p. 27) – grifamos.


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Sobre o autor
José Acelino Ezequiel dos Santos

pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil, servidor do TRT da 6ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, José Acelino Ezequiel. A Súmula Vinculante nº 25 e o direito à razoável duração do processo revigorado pela Emenda Constitucional nº 45: A perspectiva do enunciado no processo laboral.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19749. Acesso em: 23 dez. 2024.

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